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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007140-54.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: ANDRES GARCIA CARRENO Advogados do(a) APELANTE: EDUARDO DE CAMPOS MELO - SP113347-A, MARCIA SANTOS MOREIRA - SP204202-A, ELIZABETH APARECIDA CANTARIM - SP103214-A, ROSANGELA DA SILVA SANTOS - SP217407-A, JOSE ALEXANDRE AMARAL CARNEIRO - SP160186-A, LUIZ PEREIRA DE OLIVEIRA - SP257017-A, DOUGLAS LIMA MENDES - SP313994-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de recurso de Apelação interposto por ANDRES GARCIA CARRENO contra a r. sentença (ID n. 153568228 – fls. 1/21), proferida pela Exma. Juíza Federal Flavia Serizawa e Silva (3ª Vara Federal de São Paulo), que julgou PROCEDENTE a Ação Penal Pública Incondicionada, julgada conjuntamente com os autos n. 0007140-54.2017.403.6181, para: a. CONDENAR FLÁVIO AUGUSTO VIEIRA e ANDRÉS GARCIA CARRENO a cumprirem a pena privativa de liberdade de 02 (DOIS) ANOS E 04 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO, no regime inicial aberto, a qual substituo pelas penas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, nos termos do artigo 55 do Código Penal, e pela pena de prestação pecuniária consistente no pagamento de importância correspondente a parcela mensal no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) a entidade pública ou privada com destinação social, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade, consoante acima explicitado; bem como a pagar o valor correspondente a 113 (cento e treze) DIAS-MULTA, com o valor unitário de cada dia-multa estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime, por estar incurso nas sanções do artigo 54, §2º, V, da Lei nº 9.605/98; b. CONDENAR TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA a pagar pena de multa no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), por estar incursa nas sanções do artigo 54, §2º, V, da Lei nº 9.605/98. Consta da r. denúncia apresentada nos presentes autos n. 000714054.2017.403.6181 (Pág. 2/12– ID nº 153568205): O presente inquérito policial foi instaurado a fim de apurar possível ocorrência dos delitos previstos no artigo 54, § 2º, I e V, e artigo 60 da Lei n. 9.605/1998, tendo em vista a descoberta de um aterro clandestino na região de Laranjeiras, município de Caieiras/SP, visto que não foram encontradas licenças ambientais para tal atividade na região em análise e que tal aterro pode causar poluição do solo e do subsolo, bens da União, de tal modo que tornaria a área imprópria para a ocupação humana. De início, com o fim de identificar a área objeto dos crimes praticados pelos Corréus, cumpre esclarecer que o inquérito policial que dá suporte a esta denúncia derivou do desmembramento do IPL n. 0030/2013-13, que apurava a notícia de funcionamento de cinco aterros irregulares no município de Caieiras/SP (locais 1 a 5). A investigação preliminar desenvolvida pela Polícia Federal revelou a independência entre as cinco áreas, de modo que o presente inquérito policial, tombado sob n. 0041/2013-13, foi instaurado com o fim específico de investigar o aterro em funcionamento no denominado Local 5, localizado à Av. Davi Kasitzky, s/n, Vila Rosina, Caieiras/SP (coordenadas geográficas: datum WGS84 – 23º23´’08,63’’S; 46º44’36,98’’O). Conforme consta nos autos em epígrafe, no ano de 2012, a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., por meio do processo administrativo n. 5.891/2012, requereu alvará para terraplanar o terreno de João Batista Rocha (matrícula n. 73.791), com dispensa de licenciamento ambiental. Foi então concedido o alvará com a finalidade exclusiva de movimentação de terra para regularização do terreno (fls. 44/46 e 80, Apenso I). O projeto também foi submetido à CETESB por ANDRES GARCIA CARRENO (processo nº 32/00492/12 – fls. 28/29, 211 e 219 a 232, apenso II), que também foi o responsável – por meio da empresa Carreno Eventos e Administração Ltda- pela contratação de engenheiro para elaborar o projeto de terraplanagem no local (fl. 14). No ano de 2013, a TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA. requereu, no bojo do processo administrativo n. 412/2013, autorização para serviços de terraplanagem no terreno de Fábio Maluhy (matrícula n. 71.538), a qual foi concedida com a finalidade exclusiva de movimentação de terra. Contudo, em 21 de março de 2014, Fábio Maluhy solicitou o cancelamento do alvará, com o intuito de proibir o despejo, naquele imóvel, de todo e qualquer tipo de material e resíduo (fls. 323 e 325, Apenso I). Tendo em vista que entre os dois terrenos havia a propriedade de Carlos Celso Russo (matrícula n. 629), a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., com intermediação de ANDRES CARGIA CARRENO, obteve a autorização do proprietário para requerer a concessão de novo alvará, a fim de promover nova movimentação de terra (fls. 283/284 e 508/536, Apenso I). Todavia, tendo em vista que já havia denúncias em razão de descumprimento dos alvarás anteriormente expedidos à TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., a Prefeitura do Município de Caieiras indeferiu o pedido. Ainda, conforme esclarecimentos da Empresa ADEXIN-COMEXIN, cujo sócio é Carlos Celso Russo, a Prefeitura do Município de Caieiras, em set. 2012, a pedido de Fábio Maluhy, autorizou a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA, nas pessoas de FLAVIO AUGUSTO VIEIRA e ANDRES GARCIA CARRENO, a utilizar o seu terreno unicamente como passagem para que a terraplanagem no terreno de Fábio fosse feita apenas no prazo de 6 meses. Todavia, em 18.jul.2013, recebeu notificação da Prefeitura para apresentar projeto de regularização de terraplanagem da propriedade e foi assim que tomou conhecimento de que a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA. estava usando a sua propriedade com finalidade distinta da acordada. Neste sentido, foram feitos Bos n. 4584/2013 e 363/2014 (fls. 539/552, Apenso I). Diante do apresentado, observa-se que a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA. usava os terrenos dos proprietários de forma diversa daquela contratada, sem o conhecimento deles. Conforme será exposta, a empresa depositava resíduos de todo tipo nos imóveis localizados em Área de Preservação Ambiental. Em 11 de fevereiro de 2013, foi realizada, pela Polícia Militar Ambiental, fiscalização na qual restou constatada a deposição de resíduos sólidos no Local 5, pela TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA (fls. 108/111). Em 15 de julho de 2013, nova diligência da Polícia Militar Ambiental verificou o lançamento de resíduos sólidos, provenientes da construção civil, no volume de aproximadamente 10.000metros cúbicos, lançamento este promovido pela TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA (fls. 98/101). Em 15 de agosto de 2013, a fiscalização da Polícia Militar Ambiental foi recebida pelo preposto Júlio César Santiago e por dois maquinistas (Adeilton Oliveira de lima e José Francisco Darezzo) da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., sendo constatada a supressão de vegetação mediante aterro (fls. 112/114). Em 21 de agosto de 2013, a Polícia Militar Ambiental constatou novos despejos de terra no local, bem como a utilização de uma máquina escavadeira movimentando descarte de resíduos sólidos, o que deu azo à lavratura do Boletim de Ocorrência ambiental nº 131312, em face da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA (fls. 94/97). Em 27 de agosto de 2013, a Polícia Militar Ambiental, junto a servidores da CETESB, foi recepcionada pelo acusado FLAVIO AUGUSTO VIEIRA, ocasião em que constataram (i) o lançamento de resíduos sólidos em volume superior a 1 milhão de metros cúbicos; (ii) supressão de vegetação nativa em estágio médio de regeneração, mediante aterro em área de preservação permanente; (iii) supressão de vegetação nativa em estágio inicial de regeneração, mediante aterro em área de preservação permanente; e (iv) destruição de floresta ou qualquer tipo de vegetação de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, consoante se colhe do relatório juntado a fls. 102/107. Além disso, no dia 19 de setembro de 2013, os agentes da Polícia Federal diligenciaram na área denominada Local 5, oportunidade em que Júlio César Santiago apresentou-se aos agentes como gerente operacional da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., empresa responsável pelo aterro (fls. 51/60). Por fim, em 28 de fevereiro de 2014, policiais federais realizaram novas diligências naquele local, oportunidade em que constataram a movimentação de muitos caminhões do tipo caçamba descarregando terra (fls. 76/79). A fls. 201/249, consta o Laudo da Perícia Criminal Federal n. 3635/2014 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP, realizado nos dias 28 de agosto de 2014 e 4 de novembro de 2014. Conforme dele se extrai, o aterro clandestino mantido pelos Corréus alcança três propriedades distintas, com área total de 254.039,97m2. Na propriedade de matrícula n. 73.791 (João Batista da Rocha e outros), os perios constataram que (i) um curso d´água foi omitido na planta apresentada à Prefeitura; (ii) houve intervenção em 0,81ha e (iii) 0,61ha em Área de Preservação permanente; (iv) houve supressão de 0,10ha de vegetação natural; e (v) constatou-se a presença de resíduos. Concluíram “que as atividades realizadas no local propiciaram degradação ambiental, através do desenvolvimento de processos erosivos, intervenção em corpos d´água, supressão de vegetação natural e impedimento de sua regeneração em APP, além de não observarem quaisquer normas técnicas para a execução de aterros, estando em desacordo com a manifestação prévia da CETESB (...), com projeto técnico apresentado e com os Alvarás concedidos pela Prefeitura do Município de Caieiras.” (fls. 209/219). Em relação à propriedade de matrícula n. 71.538 (Fábio Maluhy), a perícia constatou que (i) na planta apresentada à Prefeitura (fls. 556, Apenso I) um curso d´água foi omitido; (ii) houve intervenção em 0,38ha em Área de Preservação Permanente; (iii) houve intervenção total de 1,78ha; (iv) houve supressão de 0,02ha de vegetação natural; e (v) no material depositado foi verificada a presença de resíduos diversos. Concluíram que “as atividades realizadas no local propiciaram degradação ambiental, através do desenvolvimento de processos erosivos, intervenção em APP de nascente e impedimento de regeneração da vegetação natural em APP; além de não observarem as normas técnicas pertinentes para a execução de aterros, estando em desacordo com o Alvará concedido pela Prefeitura do Município de Caieiras. Cabe destacar que a manifestação prévia da CETESB não se refere a esse imóvel e que no licenciamento da atividade industrial (...), não foi feita nenhuma referência à atividade de bota-fora (e/ou de aterro) no restante da propriedade” (fls. 218/225). No que concerne à propriedade de matrícula nº 629 (Carlos Celso Russo), a perícia constatou que (i) na planta apresentada à Prefeitura corpos d´água e remanescentes de vegetação natural foram omitidos; (ii) houve intervenção total de 5,83ha; (iv) supressão de 3,93ha de vegetação natural (0,90ha em APP); e (v) no material depositado foi verificada a presença de resíduos diversos, inclusive tóxicos, sendo destacado que ao “percorrerem a parte mais alta do bota-fora (platô), os signatários também notaram a exalação de fortes odores do material ali depositado. Ao longo de todo o perímetro da área, principalmente junto às saias do aterro, foi observado o depósito/aterramento de todo tipo de resíduos, incluindo resíduos não perigosos (inertes e não inertes), perigosos e/ou passíveis de destinação mais adequada, como resíduos industriais, resíduos de postos de combustível, resíduos sólidos domésticos e embalagens de agrotóxicos (inclusive com resíduos e indicações de toxidade humana e ambiental elevadas)”. Os peritos criminais, a fls. 225/242, afirmaram ainda que “(...) as atividades realizadas no local propiciaram degradação e poluição ambiental, através do desenvolvimento e potencialização de processos erosivos e de instabilização de taludes/encostas, intervenção em APP de nascente e curso d´água, supressão e impedimento de regeneração da vegetação natural (Mata Atlântica, Floresta Ombrófila Densa, mata secundária em estágios inicial até avançado de regeneração natural), inclusive em APP; além de não observarem quaisquer normas técnicas pertinentes para a execução de aterros e terem sido destinados inadequadamente ao local resíduos não perigosos (inertes e não inertes) e outros classificados como perigosos. Cabe destacar que existem riscos de agravamento dos danos, inclusive nas propriedades vizinhas (Cia melhoramentos S.A e outros), demandando medidas emergenciais para estabilização dos taludes (com acompanhamento de profissional habilitado da área geotécnica) e para controle/descontaminação de poluição de solo/água/ar, que venha a ser causada pelos resíduos no local”. Diante disso, a perícia constatou que as 3 áreas constituem-se em “um bota-fora sendo implantado irregularmente e que continua causando degradação ambiental na área que abrange pelo menos três imóveis contíguos e seu entorno. Cabe destacar que as fendas profundas observadas no topo do aterro sugerem a desestabilização geotécnica (com risco iminente de escorregamento) de parte do aterro (...) A forma como esses materiais perigosos e/ou não identificados foram lançados no aterro pode resultar em danos à saúde humana, mortandade de animais ou a destruição significativa da flora e constitui lançamento de resíduos sólidos, líquidos, detritos, óleos e substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, nos termos do art. 54 da Lei 9.605/1998” (fls. 242 e 248). De igual modo, a autoria delitiva resta inconteste. De fato, restou demonstrado que FLAVIO AUGUSTO VIEIRA, na condição de proprietário e único administrador da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., firmou contrato com os proprietários dos três imóveis, para formação de aterro e terraplanagem, consoante por ele mesmo admitido em suas declarações à Polícia. Ainda, FLÁVIO confessou que as atividades desenvolvidas nos três terrenos foram lastreadas tão somente em alvará relativo ao imóvel de matrícula 71.538 (propriedade de Fabio Maluhy). Admitiu, além disso, que o citado alvará era para o manejo de 5.000 metros cúbicos. Por fim, confrontado com a conclusão da perícia, no sentido de que o aterro continha um volume total de aproximadamente 560 metros cúbicos, assinalou que os peritos “não devem ter ido com o equipamento topográfico correto” (fls. 514/521). Por sua vez, ANDRES GARCIA CARRENO era o “parceiro” de FLAVIO AUGUSTO VIEIRA nesse aterro, já que teria conhecimento da questão ambiental, conforme esclarecido pelo próprio FLAVIO. ANDRES também era o responsável pelo protocolo dos pedidos de alvará junto à CETESB e à Prefeitura de Caeiriras, conforme isso se extrai de suas declarações à Polícia (fls. 871/875). Essa informação foi corroborada pelas declarações de FLAVIO, bem como pelos documentos relacionados ao aterro e ligados diretamente a ANDRES, como email por ele enviado a Jacy Emilia Russo Maylart, protocolo de alvarás, procuração a ele outorgada pelos proprietários, pedidos de vista nos processos administrativos, recursos administrativos por ele assinados, contratação de engenheiro para realizar o projeto de terraplanagem no terreno de João Batista Rocha, dentre outros (fls. 283/284, Apenso I, e fls. 5/6, 10, 14, 27/28, 219/232, Apenso II). Como se não bastasse, ANDRES apresentou-se aos proprietários dos imóveis como um dos sócios da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., conforme se extrai dos depoimentos prestados à Polícia por João Batista Rocha, Eudalio Luiza da Silva, Jacy Emilia Russo Maylart (fls. 273/276, 277/279 e 771/774), tudo a revelar a efetiva e decisiva contribuição de ANDRES para a prática do delito objeto desta denúncia. Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou FLAVIO AUGUSTO VIEIRA, ANDRES GARCIA CARRENO, TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., como incursos nas penas do artigo 54, § 2º, inciso V, da Lei 9.605/1998, c.c. art. 29 do Código Penal. A r. denúncia foi recebida em 20.06.2017 (fls. 19/21 – ID nº 153568205). As diligências realizadas para a localização de FLAVIO AUGUSTO VIEIRA e TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., na pessoa de seu representante legal, restaram infrutíferas. Não existindo novos endereços a serem diligenciados, o MPF requereu a realização da citação por edital. Os réus, então, foram citados por edital, mas não compareceram nem constituíram advogado nos autos, razão pela qual, na data de 23.11.2018, foi determinado o desmembramento do feito em relação a FLAVIO AUGUSTO VIEIRA e TERRAPLANAGEM TERRA LTDA., formando-se os autos n. 0014270-61.2018.403.6181, e determinando-se o prosseguimento do feito original tão somente com relação ao ora réu ANDRÉS GARCIA CARRENO (ID 153568205). Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença, publicada em 26.01.2021 (ID nº 153568228). Em razões de Apelação (ID nº 154430533), a defesa constituída de ANDRES GARCIA CARRENO pleiteou, preliminarmente, a nulidade da sentença por não ter apreciado prova trazida pela defesa, com prejuízo de valoração. No mérito, requer a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal, e, subsidiariamente, o afastamento da agravante prevista no art. 15, inciso II, ‘a’, da Lei nº 9.605/1998. Contrarrazões do Ministério Público Federal devidamente acostadas (ID nº 156252375). A Procuradoria Regional da República, em seu parecer, manifestou-se pelo não provimento da Apelação defensiva, mantendo-se a r. sentença recorrida em sua integralidade (ID n. 157237095). É o relatório. Decido.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007140-54.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: ANDRES GARCIA CARRENO Advogados do(a) APELANTE: DOUGLAS LIMA MENDES - SP313994-A, EDUARDO DE CAMPOS MELO - SP113347-A, ELIZABETH APARECIDA CANTARIM - SP103214-A, JOSE ALEXANDRE AMARAL CARNEIRO - SP160186-A, LUIZ PEREIRA DE OLIVEIRA - SP257017-A, MARCIA SANTOS MOREIRA - SP204202-A, ROSANGELA DA SILVA SANTOS - SP217407-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: DA IMPUTAÇÃO Consta da r. denúncia apresentada nos presentes autos n. 000714054.2017.403.6181 (Pág. 2/12– ID nº 153568205): O presente inquérito policial foi instaurado a fim de apurar possível ocorrência dos delitos previstos no artigo 54, § 2º, I e V, e artigo 60 da Lei n. 9.605/1998, tendo em vista a descoberta de um aterro clandestino na região de Laranjeiras, município de Caieiras/SP, visto que não foram encontradas licenças ambientais para tal atividade na região em análise e que tal aterro pode causar poluição do solo e do subsolo, bens da União, de tal modo que tornaria a área imprópria para a ocupação humana. De início, com o fim de identificar a área objeto dos crimes praticados pelos Corréus, cumpre esclarecer que o inquérito policial que dá suporte a esta denúncia derivou do desmembramento do IPL n. 0030/2013-13, que apurava a notícia de funcionamento de cinco aterros irregulares no município de Caieiras/SP (locais 1 a 5). A investigação preliminar desenvolvida pela Polícia Federal revelou a independência entre as cinco áreas, de modo que o presente inquérito policial, tombado sob n. 0041/2013-13, foi instaurado com o fim específico de investigar o aterro em funcionamento no denominado Local 5, localizado à Av. Davi Kasitzky, s/n, Vila Rosina, Caieiras/SP (coordenadas geográficas: datum WGS84 – 23º23´’08,63’’S; 46º44’36,98’’O). Conforme consta nos autos em epígrafe, no ano de 2012, a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., por meio do processo administrativo n. 5.891/2012, requereu alvará para terraplanar o terreno de João Batista Rocha (matrícula n. 73.791), com dispensa de licenciamento ambiental. Foi então concedido o alvará com a finalidade exclusiva de movimentação de terra para regularização do terreno (fls. 44/46 e 80, Apenso I). O projeto também foi submetido à CETESB por ANDRES GARCIA CARRENO (processo nº 32/00492/12 – fls. 28/29, 211 e 219 a 232, apenso II), que também foi o responsável – por meio da empresa Carreno Eventos e Administração Ltda- pela contratação de engenheiro para elaborar o projeto de terraplanagem no local (fl. 14). No ano de 2013, a TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA. requereu, no bojo do processo administrativo n. 412/2013, autorização para serviços de terraplanagem no terreno de Fábio Maluhy (matrícula n. 71.538), a qual foi concedida com a finalidade exclusiva de movimentação de terra. Contudo, em 21 de março de 2014, Fábio Maluhy solicitou o cancelamento do alvará, com o intuito de proibir o despejo, naquele imóvel, de todo e qualquer tipo de material e resíduo (fls. 323 e 325, Apenso I). Tendo em vista que entre os dois terrenos havia a propriedade de Carlos Celso Russo (matrícula n. 629), a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., com intermediação de ANDRES CARGIA CARRENO, obteve a autorização do proprietário para requerer a concessão de novo alvará, a fim de promover nova movimentação de terra (fls. 283/284 e 508/536, Apenso I). Todavia, tendo em vista que já havia denúncias em razão de descumprimento dos alvarás anteriormente expedidos à TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., a Prefeitura do Município de Caieiras indeferiu o pedido. Ainda, conforme esclarecimentos da Empresa ADEXIN-COMEXIN, cujo sócio é Carlos Celso Russo, a Prefeitura do Município de Caieiras, em set. 2012, a pedido de Fábio Maluhy, autorizou a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA, nas pessoas de FLAVIO AUGUSTO VIEIRA e ANDRES GARCIA CARRENO, a utilizar o seu terreno unicamente como passagem para que a terraplanagem no terreno de Fábio fosse feita apenas no prazo de 6 meses. Todavia, em 18.jul.2013, recebeu notificação da Prefeitura para apresentar projeto de regularização de terraplanagem da propriedade e foi assim que tomou conhecimento de que a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA. estava usando a sua propriedade com finalidade distinta da acordada. Neste sentido, foram feitos Bos n. 4584/2013 e 363/2014 (fls. 539/552, Apenso I). Diante do apresentado, observa-se que a empresa TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA. usava os terrenos dos proprietários de forma diversa daquela contratada, sem o conhecimento deles. Conforme será exposta, a empresa depositava resíduos de todo tipo nos imóveis localizados em Área de Preservação Ambiental. Em 11 de fevereiro de 2013, foi realizada, pela Polícia Militar Ambiental, fiscalização na qual restou constatada a deposição de resíduos sólidos no Local 5, pela TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA (fls. 108/111). Em 15 de julho de 2013, nova diligência da Polícia Militar Ambiental verificou o lançamento de resíduos sólidos, provenientes da construção civil, no volume de aproximadamente 10.000metros cúbicos, lançamento este promovido pela TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA (fls. 98/101). Em 15 de agosto de 2013, a fiscalização da Polícia Militar Ambiental foi recebida pelo preposto Júlio César Santiago e por dois maquinistas (Adeilton Oliveira de lima e José Francisco Darezzo) da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., sendo constatada a supressão de vegetação mediante aterro (fls. 112/114). Em 21 de agosto de 2013, a Polícia Militar Ambiental constatou novos despejos de terra no local, bem como a utilização de uma máquina escavadeira movimentando descarte de resíduos sólidos, o que deu azo à lavratura do Boletim de Ocorrência ambiental nº 131312, em face da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA (fls. 94/97). Em 27 de agosto de 2013, a Polícia Militar Ambiental, junto a servidores da CETESB, foi recepcionada pelo acusado FLAVIO AUGUSTO VIEIRA, ocasião em que constataram (i) o lançamento de resíduos sólidos em volume superior a 1 milhão de metros cúbicos; (ii) supressão de vegetação nativa em estágio médio de regeneração, mediante aterro em área de preservação permanente; (iii) supressão de vegetação nativa em estágio inicial de regeneração, mediante aterro em área de preservação permanente; e (iv) destruição de floresta ou qualquer tipo de vegetação de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, consoante se colhe do relatório juntado a fls. 102/107. Além disso, no dia 19 de setembro de 2013, os agentes da Polícia Federal diligenciaram na área denominada Local 5, oportunidade em que Júlio César Santiago apresentou-se aos agentes como gerente operacional da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., empresa responsável pelo aterro (fls. 51/60). Por fim, em 28 de fevereiro de 2014, policiais federais realizaram novas diligências naquele local, oportunidade em que constataram a movimentação de muitos caminhões do tipo caçamba descarregando terra (fls. 76/79). A fls. 201/249, consta o Laudo da Perícia Criminal Federal n. 3635/2014 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP, realizado nos dias 28 de agosto de 2014 e 4 de novembro de 2014. Conforme dele se extrai, o aterro clandestino mantido pelos Corréus alcança três propriedades distintas, com área total de 254.039,97m2. Na propriedade de matrícula n. 73.791 (João Batista da Rocha e outros), os perios constataram que (i) um curso d´água foi omitido na planta apresentada à Prefeitura; (ii) houve intervenção em 0,81ha e (iii) 0,61ha em Área de Preservação permanente; (iv) houve supressão de 0,10ha de vegetação natural; e (v) constatou-se a presença de resíduos. Concluíram “que as atividades realizadas no local propiciaram degradação ambiental, através do desenvolvimento de processos erosivos, intervenção em corpos d´água, supressão de vegetação natural e impedimento de sua regeneração em APP, além de não observarem quaisquer normas técnicas para a execução de aterros, estando em desacordo com a manifestação prévia da CETESB (...), com projeto técnico apresentado e com os Alvarás concedidos pela Prefeitura do Município de Caieiras.” (fls. 209/219). Em relação à propriedade de matrícula n. 71.538 (Fábio Maluhy), a perícia constatou que (i) na planta apresentada à Prefeitura (fls. 556, Apenso I) um curso d´água foi omitido; (ii) houve intervenção em 0,38ha em Área de Preservação Permanente; (iii) houve intervenção total de 1,78ha; (iv) houve supressão de 0,02ha de vegetação natural; e (v) no material depositado foi verificada a presença de resíduos diversos. Concluíram que “as atividades realizadas no local propiciaram degradação ambiental, através do desenvolvimento de processos erosivos, intervenção em APP de nascente e impedimento de regeneração da vegetação natural em APP; além de não observarem as normas técnicas pertinentes para a execução de aterros, estando em desacordo com o Alvará concedido pela Prefeitura do Município de Caieiras. Cabe destacar que a manifestação prévia da CETESB não se refere a esse imóvel e que no licenciamento da atividade industrial (...), não foi feita nenhuma referência à atividade de bota-fora (e/ou de aterro) no restante da propriedade” (fls. 218/225). No que concerne à propriedade de matrícula nº 629 (Carlos Celso Russo), a perícia constatou que (i) na planta apresentada à Prefeitura corpos d´água e remanescentes de vegetação natural foram omitidos; (ii) houve intervenção total de 5,83ha; (iv) supressão de 3,93ha de vegetação natural (0,90ha em APP); e (v) no material depositado foi verificada a presença de resíduos diversos, inclusive tóxicos, sendo destacado que ao “percorrerem a parte mais alta do bota-fora (platô), os signatários também notaram a exalação de fortes odores do material ali depositado. Ao longo de todo o perímetro da área, principalmente junto às saias do aterro, foi observado o depósito/aterramento de todo tipo de resíduos, incluindo resíduos não perigosos (inertes e não inertes), perigosos e/ou passíveis de destinação mais adequada, como resíduos industriais, resíduos de postos de combustível, resíduos sólidos domésticos e embalagens de agrotóxicos (inclusive com resíduos e indicações de toxidade humana e ambiental elevadas)”. Os peritos criminais, a fls. 225/242, afirmaram ainda que “(...) as atividades realizadas no local propiciaram degradação e poluição ambiental, através do desenvolvimento e potencialização de processos erosivos e de instabilização de taludes/encostas, intervenção em APP de nascente e curso d´água, supressão e impedimento de regeneração da vegetação natural (Mata Atlântica, Floresta Ombrófila Densa, mata secundária em estágios inicial até avançado de regeneração natural), inclusive em APP; além de não observarem quaisquer normas técnicas pertinentes para a execução de aterros e terem sido destinados inadequadamente ao local resíduos não perigosos (inertes e não inertes) e outros classificados como perigosos. Cabe destacar que existem riscos de agravamento dos danos, inclusive nas propriedades vizinhas (Cia melhoramentos S.A e outros), demandando medidas emergenciais para estabilização dos taludes (com acompanhamento de profissional habilitado da área geotécnica) e para controle/descontaminação de poluição de solo/água/ar, que venha a ser causada pelos resíduos no local”. Diante disso, a perícia constatou que as 3 áreas constituem-se em “um bota-fora sendo implantado irregularmente e que continua causando degradação ambiental na área que abrange pelo menos três imóveis contíguos e seu entorno. Cabe destacar que as fendas profundas observadas no topo do aterro sugerem a desestabilização geotécnica (com risco iminente de escorregamento) de parte do aterro (...) A forma como esses materiais perigosos e/ou não identificados foram lançados no aterro pode resultar em danos à saúde humana, mortandade de animais ou a destruição significativa da flora e constitui lançamento de resíduos sólidos, líquidos, detritos, óleos e substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos, nos termos do art. 54 da Lei 9.605/1998” (fls. 242 e 248). De igual modo, a autoria delitiva resta inconteste. De fato, restou demonstrado que FLAVIO AUGUSTO VIEIRA, na condição de proprietário e único administrador da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., firmou contrato com os proprietários dos três imóveis, para formação de aterro e terraplanagem, consoante por ele mesmo admitido em suas declarações à Polícia. Ainda, FLÁVIO confessou que as atividades desenvolvidas nos três terrenos foram lastreadas tão somente em alvará relativo ao imóvel de matrícula 71.538 (propriedade de Fabio Maluhy). Admitiu, além disso, que o citado alvará era para o manejo de 5.000 metros cúbicos. Por fim, confrontado com a conclusão da perícia, no sentido de que o aterro continha um volume total de aproximadamente 560 metros cúbicos, assinalou que os peritos “não devem ter ido com o equipamento topográfico correto” (fls. 514/521). Por sua vez, ANDRES GARCIA CARRENO era o “parceiro” de FLAVIO AUGUSTO VIEIRA nesse aterro, já que teria conhecimento da questão ambiental, conforme esclarecido pelo próprio FLAVIO. ANDRES também era o responsável pelo protocolo dos pedidos de alvará junto à CETESB e à Prefeitura de Caeiriras, conforme isso se extrai de suas declarações à Polícia (fls. 871/875). Essa informação foi corroborada pelas declarações de FLAVIO, bem como pelos documentos relacionados ao aterro e ligados diretamente a ANDRES, como email por ele enviado a Jacy Emilia Russo Maylart, protocolo de alvarás, procuração a ele outorgada pelos proprietários, pedidos de vista nos processos administrativos, recursos administrativos por ele assinados, contratação de engenheiro para realizar o projeto de terraplanagem no terreno de João Batista Rocha, dentre outros (fls. 283/284, Apenso I, e fls. 5/6, 10, 14, 27/28, 219/232, Apenso II). Como se não bastasse, ANDRES apresentou-se aos proprietários dos imóveis como um dos sócios da TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., conforme se extrai dos depoimentos prestados à Polícia por João Batista Rocha, Eudalio Luiza da Silva, Jacy Emilia Russo Maylart (fls. 273/276, 277/279 e 771/774), tudo a revelar a efetiva e decisiva contribuição de ANDRES para a prática do delito objeto desta denúncia. Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou FLAVIO AUGUSTO VIEIRA, ANDRES GARCIA CARRENO, TERRAPLANAGEM PLANETA TERRA LTDA., como incursos nas penas do artigo 54, § 2º, inciso V, da Lei 9.605/1998, c.c. art. 29 do Código Penal. Foi determinado o desmembramento do feito em relação a FLAVIO AUGUSTO VIEIRA e TERRAPLANAGEM TERRA LTDA., formando-se os autos n. 0014270-61.2018.403.6181, e determinando-se o prosseguimento do feito original tão somente com relação ao ora réu ANDRÉS GARCIA CARRENO (ID 153568205), acerca do qual se trata a presente Apelação. DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAMENTO DO FEITO O delito imputado na exordial acusatória refere-se a suposto aterro clandestino (“bota-fora”), onde seriam lançados, em suma, resíduos, em desacordo com a legislação vigente, podendo resultar em dano à saúde humana. Entendendo tratar-se de Área de Preservação Permanente - APP com supressão de remanescentes de mata secundária com domínio de Mata Atlântica, o r. juízo a quo decidiu estar configurado o interesse da União na demanda, firmando a competência federal para julgamento do caso e afastando, por conseguinte, a exceção de litispendência formulada nos autos n. 0005147-29.2013.8.26.0106. Além do fato de tratar-se de Área de Preservação Permanente e de Mata Atlântica, o juízo a quo apontou também que o alcance da lesão ambiental (maior que 03 hectares), o que, de acordo com o artigo 19 do Decreto n. 6.660/2008, demandaria a anuência do IBAMA, que, em se tratando de autarquia federal, já evidenciaria o interesse da União na lide. Tais argumentos, entretanto, não prosperam e, diferentemente do entendido pelo r. juízo, não permitem a fixação da competência federal. Inicialmente, no que se refere ao fato de a conduta imputada ter produzido danos em vegetação de domínio da Mata Atlântica, vê-se que, apesar de a redação do art. 225, § 4º, da Constituição Federal apontar serem “a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira patrimônio nacional (...)”, o conceito de patrimônio nacional não se confunde com a classificação como bens da União, apta a gerar a competência federal. A esse respeito, manifestou-se o doutrinador José Afonso da Silva, explanando a interpretação a ser conferida à expressão “patrimônio nacional” prevista na Constituição: Declara a Constituição que os complexos ecossistemas referidos no seu art. 225, § 4.º, são patrimônio nacional. Isso não significa transferir para a União o domínio sobre as áreas particulares, estaduais e municipais situadas nas regiões mencionadas. Na verdade, o significado primeiro e político da declaração constitucional de que aqueles ecossistemas florestais constituem patrimônio nacional está em que não se admite qualquer forma de internacionalização da Amazônia ou de qualquer outra área. Dessa forma, os mencionados biomas, apesar de serem considerados patrimônio nacional, não foram alçados à categoria de bens da União, elencados no art. 20 da Constituição Federal, não havendo que se falar, portanto, em interesse da União direto e específico e a consequente atração da competência da Justiça Federal para julgamento de eventuais crimes ali perpetrados, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido, no Informativo nº 251, com base no precedente RE 300244, in verbis: Competência. Crime previsto no artigo 46, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98. Depósito de madeira nativa proveniente da Mata Atlântica. Artigo 225, § 4º, da Constituição Federal. - Não é a Mata Atlântica, que integra o patrimônio nacional a que alude o artigo 225, § 4º, da Constituição Federal, bem da União. - Por outro lado, o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no artigo 109, IV, da Carta Magna tem de ser direto e específico, e não, como ocorre no caso, interesse genérico da coletividade, embora aí também incluído genericamente o interesse da União. - Conseqüentemente, a competência, no caso, é da Justiça Comum estadual. Recurso extraordinário não conhecido. Seguindo o mesmo entendimento, ressalte-se diversos precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça, bem como de Tribunais Regionais Federais, in verbis: PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A FLORA. ARTIGO 50 DA LEI Nº 9.605/98. MATA ATLÂNTICA. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DE LESÃO A BEM, INTERESSE OU SERVIÇO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I – A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, IV, da Constituição Federal, restringe-se às hipóteses em que os crimes ambientais são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas. II - Não restando configurada, na espécie, a ocorrência de lesão a bens, serviços ou interesses da União, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Estadual (Precedentes). Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Ubaitaba (BA). (STJ, CC 200300254535, Felix Fischer, Terceira Seção, 16/06/2003) PROCESSO PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DESMATAMENTO. FLORESTA AMAZÔNICA. DANO OCORRIDO EM PROPRIEDADE PRIVADA. ÁREA DE PARQUE ESTADUAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. 1. Não há se confundir patrimônio nacional com bem da União. Aquela locução revela proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais ingerências estrangeiras. Tendo o crime de desmatamento ocorrido em propriedade particular, área que já pertenceu - hoje não mais - a Parque Estadual, não há se falar em lesão a bem da União. Ademais, como o delito não foi praticado em detrimento do IBAMA, que apenas fiscalizou a fazenda do réu, ausente prejuízo para a União. 2. Conflito conhecido para julgar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA DE CEREJEIRAS - RO, suscitante. (CC n. 99.294/RO, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 12/8/2009, DJe de 21/8/2009.) CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL - CONSTRUÇÃO EM RESERVA ECOLÓGICA SITUADA EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO MUNICPAL E ESTADUAL - ÁREA DE OCORRÊNCIA DE MATA ATLÂNTICA - AUSÊNCIA DE LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO- COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I -A diferença existente entre patrimônio nacional e o patrimônio federal. O que se quer dizer é que o patrimônio nacional é algo que pertence a toda a população de terminado país indistintamente, de forma que todos os nacionais se identificam, querem cuidar e preservar, enquanto que o patrimônio federal é aquele atribuído à União, que assume a titularidade do bem, tendo o dever e a responsabilidade de proteger. II - Entende-se que a Mata Atlântica é de propriedade nacional e cada ente federativo deve ter a incumbência/dever de requerer ou coadjuvar no requerimento de sua proteção judicialmente se a citada vegetação estiver em local de sua circunscrição e atribuição. Dessa forma, o simples fato de a Mata Atlântica ser patrimônio nacional, porque não federal, não fez surgir o interesse jurídico para União de intervir no feito e fixar a competência deste feito na Justiça Federal. III- A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, IV, da Constituição Federal, restringe-se às hipóteses em que os crimes ambientais são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas. IV - Não restando configurada, na espécie, a ocorrência de lesão a bens, serviços ou interesses da União, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Estadual. V- Segundo o art. 225, § 4º, da CF, a mata atlântica é patrimônio nacional. Todavia, ela não foi erigida a bem da União, nos termos do art. 20 da CF, motivo pelo qual o fato de se tratar de danos ambientais praticados em seu detrimento não atrairia a competência para a a Justiça Federal. VI - Precedentes: STF - RE 299856 / SC - Relator Min. Ilmar Galvão - DJ 01-03-2002; STJ- REsp 610015 / TO nº 2003/0169756-5 - Relator Min. Felix Fischer - DJ: 14.06.2004; RSE - Recurso em Sentido Estrito nº 2005.72.00.001707-7/SC - Relator D.F. Luiz Fernando Wowk Penteado DJ 09/11/2005;RSE - Recurso em Sentido Estrito nº 2003.72.03.001697-2/SC - Relator D.F. Élcio Pinheiro de Castro - DJ: 03/03/2004; TRF-5 - RSE - Recurso em Sentido Estrito nº 2006.83.00.014370-6 - Relator D.F. Paulo Roberto de Oliveira Lima DJ: 08/11/2007. VII - Agravo de instrumento improvido. (TRF 2ª Região, AG 153841, Sexta Turma Especializada, Des. Federal Frederico Gueiros, DJ 30/07/2008) Constitucional, Penal e Processual Penal. Crime contra o meio ambiente. Desmatamento em área de Mata Atlântica. Propriedade privada. Patrimônio Nacional que não se confunde com bem de propriedade da União. Dever de proteção e preservação concorrente entre União, Estados e Municípios. Inexistência de expressa determinação constitucional ou legal que fixe a competência da Justiça Federal para a lide. Competência residual. Ação administrativa fiscalizatória do IBAMA que não implica, necessariamente, em processamento de eventual crime perante a Justiça Federal. Improvimento do recurso. A Mata Atlântica, enquanto ambiente ecologicamente equilibrado, é bem de uso comum do povo, alçando-a a Constituição Federal a Patrimônio Nacional, o que não implica concluir que seja bem da União Federal para fins de aplicação do disposto no artigo 109, I, da Constituição Federal. A ação fiscalizatória promovida por autarquia federal não vincula o processamento de uma eventual ação judicial perante a Justiça Federal, visto que esta decorre de expressa determinação constitucional ou legal. Em se tratando de atuação administrativa concorrente entre a União, Estados e Municípios, inexistindo expressa cominação da Justiça Federal para o processamento de eventual ação, adota-se competência residual da Justiça Comum Estadual para a ação. Recurso improvido. (TRF-5 - RSE: 1012 PE 2007.83.00.005414-3, Relator: Desembargador Federal Lazaro Guimarães, Data de Julgamento: 01/04/2008, Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 02/05/2008 - Página: 834 - Nº: 83 - Ano: 2008) Com relação à segunda fundamentação utilizada pelo r. juízo sentenciante de que o interesse do IBAMA, autarquia federal, na fiscalização de danos ambientais superiores a 03 hectares atrairia a competência federal, tampouco merece prosperar. A mera presença de um órgão federal como agente fiscalizador das normas ambientais não interfere na competência da Justiça Federal, sendo necessária a comprovação do interesse direto e imediato da União na lide. A esse respeito, veja-se os seguintes precedentes das Cortes Superiores acerca do tema, em que se estabelece, de forma veemente, a regra geral da competência da Justiça Estadual, mesmo nos casos em que o fiscalização tenha sido realizada pelo IBAMA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. APREENSÃO DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE SEM A DEVIDA LICENÇA DO ÓRGÃO COMPETENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE DIRETO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal. 2. A Justiça Federal somente será competente para processar e julgar crimes ambientais quando caracterizada lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas, em conformidade com o art. 109, inciso IV, da Carta Magna. 3. Na hipótese, verifica-se que o Juízo Estadual declinou de sua competência tão somente pelo fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo IBAMA, circunstância que se justifica em razão da competência comum da União para apurar possível crime ambiental, não sendo suficiente, todavia, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Adjunto Criminal de Rio das Ostras/RJ, o suscitado. (CC n. 113.345/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, julgado em 22/8/2012, DJe de 13/9/2012.) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO DE ORIGEM FLORESTAL – DOF E VENDA DE MADEIRA SEM LICENÇA VÁLIDA OUTORGADA PELA AUTORIDADE COMPETENTE. COMPETÊNCIA ESTADUAL. 1. A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal. 2. A competência do foro criminal federal não advém apenas do interesse genérico que tenha a União na preservação do meio ambiente. É necessário que a ofensa atinja interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas ou de empresas públicas federais. 3. Além disso, o Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento no sentido de que não caracteriza interesse direto e específico da União, a firmar a competência da Justiça Federal, o exercício da atividade de fiscalização ambiental pelo IBAMA (RE 300.244/SC, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 19.11.2001; HC 81.916/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 11.10.2002; RE 349.189/TO, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 14.11.2002; RE 349.191/TO, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 07.03.2003). 4. “A atividade lesiva ao meio ambiente é que deve nortear, portanto, a existência de interesse direto da União ou de sua autarquia e, na hipótese, não há nenhum elemento que aponte, com segurança, qual seria o interesse específico do investigado que pudesse atrair a competência federal.” (CC 141.822/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 21/09/2015) (...) 7. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Ariquemes/RO, o Suscitado. (CC 147.393/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2016, DJe 20/09/2016) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. APREENSÃO DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE SEM A DEVIDA LICENÇA DO ÓRGÃO COMPETENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE DIRETO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A preservação do meio ambiente é matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do art. 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal. 2. A Justiça Federal somente será competente para processar e julgar crimes ambientais quando caracterizada lesão a bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas, em conformidade com o art. 109, inciso IV, da Carta Magna. 3. Na hipótese, verifica-se que o Juízo Estadual declinou de sua competência tão somente pelo fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo IBAMA, circunstância que se justifica em razão da competência comum da União para apurar possível crime ambiental, não sendo suficiente, todavia, por si só, para atrair a competência da Justiça Federal. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Adjunto Criminal de Rio das Ostras/RJ, o suscitado. (CC 113.345/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 13/09/2012) Por fim, outra fundamentação utilizada pelo r. juízo a quo para atrair a competência federal que não se sustenta e deve ser rechaçada refere-se ao fato de o caso dos autos ter afetado Área de Preservação Permanente. Sobre esse tema, há que se atentar que os delitos perpetrados em Área de Preservação Permanente não se confundem com os delitos praticados em Unidades de Conservação que, caso criados e fiscalizados por ato do Poder Público Federal, nos termos do art. 22 da Lei n° 9.985/2000 (Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Florestas Nacionais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas), realmente, atraem a competência da Justiça Federal. As Áreas de Preservação Permanente, ao contrário, estão previstas no art. 4º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), e não se caracterizam como bens da União aptos a gerar competência federal por si só. Nesse sentido, já se manifestou o C. Superior Tribunal de Justiça: CRIMINAL. RESP. CRIME AMBIENTAL. ART. 40 DA LEI AMBIENTAL. CONDUTA PERPETRADA EM ÁREA QUE NÃO SE CONFUNDE COM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ART. 48. CONDUTA TÍPICA DE IMPEDIR OU DIFICULTAR REGENERAÇÃO DA VEGETAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. TERRA PARTICULAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA ESTADUAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. "Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação não se confundem, pois são regidas por leis diferentes, consubstanciando institutos diversos do Direito Ambiental." II. Conduta perpetrada em área de preservação permanente, afastando a incidência do tipo penal do art. 40 da Lei 9.605/98 que menciona Unidade de Conservação. III. Hipótese caracterizadora da conduta típica descrita no art. 48 da Lei Ambiental, na medida em que "a sucessão ecológica de regeneração florestal fica impedida de se manifestar e consequentemente estabelecer uma vegetação nativa típica neste local, mesmo que seja por regeneração espontânea.". IV. Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de feito que visa à apuração de possível crime ambiental em área de preservação permanente perpetrada em terras particulares, quando não restar demonstrada a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, a ensejar a competência da Justiça Federal. V. Remessa dos autos ao Juízo Estadual para o recebimento da denúncia. VI. Recurso parcialmente provido. (REsp 849.423/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/09/2006, DJ 16/10/2006, p. 430) (grifei) Dessa maneira, em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em regra, o processo e o julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual. Inexistindo, no caso em concreto, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (artigo 109 da CF), e afastadas também as fundamentações utilizadas pelo r. juízo sentenciante que, em tese, atrairiam a competência da Justiça Federal, de rigor o reconhecimento, DE OFÍCIO, da nulidade da sentença condenatória proferida pela 3ª Vara Federal de São Paulo por incompetência absoluta, devendo ser os presentes autos remetidos ao juízo estadual competente. Reitere-se, por fim, que os autos n. 0014270-61.2018.403.6181, fruto do desmembramento do presente feito, já foram julgados em sessão datada de 26.08.2022, quando esta E. 11ª Turma do Tribunal Regional Federal chegou, por unanimidade, à mesma conclusão acerca da nulidade da sentença condenatória proferida e a incompetência absoluta do Juízo Federal. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por, NÃO CONHECER da Apelação defensiva, e, DE OFÍCIO, anular a sentença a quo e reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Federal para julgamento do presente feito, determinando-se a remessa para o juízo estadual competente, que deve se atentar, inclusive, para a análise da alegada litispendência com os autos n. 0005147-29.2013.8.26.0106. É o voto.
(RE 300244, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 20/11/2001, DJ 19-12-2001 PP-00027 EMENT VOL-02054-06 PP-01179)
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 54, § 2º, INCISO V, DA LEI 9.605/1998. CRIME AMBIENTAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MATA ATLÂNTICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FISCALIZAÇÃO DO IBAMA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE, POR SI SÓ, NÃO SÃO CAPAZES DE ATRAIR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADE DA SENTENÇA RECONHECIDA DE OFÍCIO. REMESSA À JUSTIÇA ESTADUAL. APELAÇÃO DEFENSIVA NÃO CONHECIDA.
- No que se refere ao fato de a conduta imputada ter produzido danos em vegetação de domínio da Mata Atlântica, vê-se que, apesar de a redação do art. 225, § 4º, da Constituição Federal apontar serem “a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira patrimônio nacional (...)”, o conceito de patrimônio nacional não se confunde com a classificação como bens da União, apta a gerar a competência federal. Precedentes.
- Com relação à segunda fundamentação utilizada pelo r. juízo sentenciante de que o interesse do IBAMA, autarquia federal, na fiscalização de danos ambientais superiores a 03 hectares atrairia a competência federal, tampouco merece prosperar. A mera presença de um órgão federal como agente fiscalizador das normas ambientais não interfere na competência da Justiça Federal, sendo necessária a comprovação do interesse direto e imediato da União na lide. Precedentes.
- Por fim, outra fundamentação utilizada pelo r. juízo a quo para atrair a competência federal que não se sustenta e deve ser rechaçada refere-se ao fato de o caso dos autos ter afetado Área de Preservação Permanente. Sobre esse tema, há que se atentar que os delitos perpetrados em Área de Preservação Permanente não se confundem com os delitos praticados em Unidades de Conservação que, caso criados e fiscalizados por ato do Poder Público Federal, nos termos do art. 22 da Lei n° 9.985/2000 (Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Florestas Nacionais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas), realmente, atraem a competência da Justiça Federal. As Áreas de Preservação Permanente, ao contrário, estão previstas no art. 4º do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), e não se caracterizam como bens da União aptos a gerar competência federal por si só.
- Dessa maneira, em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em regra, o processo e o julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual. Inexistindo, no caso em concreto, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (artigo 109 da CF), e afastadas também as fundamentações utilizadas pelo r. juízo sentenciante que, em tese, atrairiam a competência da Justiça Federal, de rigor o reconhecimento da nulidade da sentença condenatória proferida pela 3ª Vara Federal de São Paulo por incompetência absoluta, devendo ser os presentes autos remetidos ao juízo estadual competente.
- Apelação defensiva não conhecida. Reconhecimento de incompetência absoluta da Justiça Federal, de ofício.