Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027086-35.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: ARCOS DOURADOS COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: ISABELA MORAIS ALBINO - SP444971-A, LUCIANA ROSANOVA GALHARDO - SP109717-A, PEDRO AUGUSTO DO AMARAL ABUJAMRA ASSEIS - SP314053-A

AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027086-35.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: ARCOS DOURADOS COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: ISABELA MORAIS ALBINO - SP444971-A, LUCIANA ROSANOVA GALHARDO - SP109717-A, PEDRO AUGUSTO DO AMARAL ABUJAMRA ASSEIS - SP314053-A
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de agravo de instrumento à decisão que, em ação anulatória, indeferiu tutela provisória para suspensão de exigibilidade de débitos do PA 16561.720237/2016-61, relativos à glosa de IRPJ/CSL incidentes sobre amortização de ágio.

Alegou-se, em síntese, que: (1) o ágio decorreu do processo de aquisição de operações do grupo McDonald’s pelo grupo Arcos Dorados, no ano-calendário de 2007, sendo tais despesas legitimamente reconhecidas como amortizáveis e dedutíveis para fins fiscais; (2) foram preenchidos requisitos da Lei 9.532/1997, tornando ilegal a autuação fiscal; e (3) estão presentes os requisitos para concessão da tutela provisória.

Houve contraminuta.

É o relatório.

 

 

 


AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5027086-35.2020.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

AGRAVANTE: ARCOS DOURADOS COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) AGRAVANTE: ISABELA MORAIS ALBINO - SP444971-A, LUCIANA ROSANOVA GALHARDO - SP109717-A, PEDRO AUGUSTO DO AMARAL ABUJAMRA ASSEIS - SP314053-A
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, insurge-se a agravante contra exigência de IRPJ/CSL do ano-calendário 2011, decorrente da glosa de deduções de ágio pago na aquisição da participação societária de empresa, efetuada nos termos do artigo 385 e 386 do Decreto 3.000/1999 (reprodução dos artigos 7° e 8° da Lei 9.532/1997).

No caso, alegou a agravante que:

 

“[...]

15. Até o ano de 2006, o grupo McDonald’s detinha no Brasil duas principais subsidiárias: a Arras Comércio de Alimentos Ltda. (“Arras”) e a McDonald’s Comércio de Alimentos Ltda. (“MCD”).

16. Nesse ano, contudo, o grupo McDonald’s optou por vender todas as suas empresas e operações na América Latina e no Brasil para um franqueado máster, de forma que o grupo McDonald’s deixaria de operar restaurantes e passaria a receber exclusivamente receitas de franquia – tratava-se de uma estratégia já adotada desde a década de 1990 em outros países pelo grupo McDonald’s.

17. Nesse contexto foi que o grupo McDonald’s passou a negociar a venda de sua participação em mais de 30 subsidiárias de 18 países, incluindo Brasil, e que o grupo Arcos Dorados iniciou negociações para se tornar o franqueado máster dessa rede em toda a região.

18. O grupo Arcos Dorados, que era INDEPENDENTE E NÃO-RELACIONADO AO GRUPO MCDONALD’S, era controlado pelo investidor colombiano Woods Staton e por alguns fundos de investimento (como Capital, Gávea e DLJ). A estrutura societária simplificada desses dois grupos era a seguinte:

[…]

19. Em 28.3.2007, foi celebrado um Contrato de Compra e Venda de Unidades de Participação (doc. nº 3 da Inicial), pelo qual o grupo Arcos Dorados, na figura da Arcos Dorados B.V. (“ADBV”), adquiriu a totalidade da participação societária na LatAm LLC (“LatAm”) e na MCD, além das demais lojas do grupo McDonald’s na América Latina, tornando-se o maior franqueado máster da rede de restaurantes McDonald’s no mundo, como ilustram os diagramas abaixo:

[…]

20. Pela totalidade do negócio, foi acordado o preço de aproximadamente USD 698 milhões, o qual foi efetivamente pago em dinheiro aos vendedores, em 3.8.2007, mediante transferência de recursos do caixa e trânsito de numerário, conforme claramente comprovado na Inicial (docs. nºs 4 e 5 da Inicial).

21. Do valor de USD 698 milhões pagos pelas mais de 30 sociedades estabelecidas em 18 jurisdições diferentes, cerca de 42% eram atribuíveis às operações brasileiras, desenvolvidas localmente pela Arras e pela MCD. Esse percentual era ampla e notoriamente conhecido, como demonstram diversas matérias jornalísticas da época (doc. nº 6 da Inicial).

22. Ainda assim, o possuía Arcos Dorados um laudo de avaliação específico, produzido por empresa independente e especializada (doc. nº 7 da Inicial), confirmando que o custo da Arras e da MCD era cerca de 42% do valor total pago no negócio, ou seja, pouco mais de USD 290 milhões (42% x USD 698 milhões). Aqui já fica claro que não há o menor cabimento na acusação de que o preço das operações brasileiras da rede McDonald’s seria de apenas USD 14 mil.

23. Tendo a ADBV incorrido em um custo de aquisição legítimo, com efetivo pagamento de preço a terceiros não-relacionados e fundamento em um laudo de avaliação preparado por empresa independente e especializada (a Forrestal Capital – doc. nº 7 da Inicial), não havia razões para que as autoridades fiscais brasileiras desconsiderassem tal pagamento e respectivo custo, sobretudo se considerado que não se cogita qualquer simulação, fraude, abuso, artificialidade ou dolo neste caso.

24. Assim, com base no mesmo custo de aquisição efetivamente pago ao grupo McDonald’s, a ADBV contribuiu as quotas da MCD e da Arras, as subsidiárias brasileiras do grupo que haviam sido adquiridas junto a terceiros não-relacionados, em aumento de capital de capital da AD Participações (doc. nº 9 da Inicial).

25. Embora o laudo de avaliação preparado pela Forrestal Capital (doc. nº 7 da Inicial) já indicasse que o preço das entidades brasileiras correspondia a 42% do custo total pago ao grupo McDonald’s, como acima pontuado, o grupo Arcos Dorados solicitou um laudo de avaliação adicional para suportar essa contribuição. Trata-se do documento produzido pela empresa Macso Legate Consultores Ltda. (doc. nº 8 da Inicial).

26. Com a aquisição de investimento relevante na Agravante (MCD) e na Arras, após receber tais participações em integralização de aumento de capital, a AD Participações passou a ser obrigada, nos termos do artigo 248 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976 (Lei das Sociedades Anônimas – “Lei das S.A.”), a avaliar o investimento que passou a deter pelo método da equivalência patrimonial (“MEP”), desdobrando o custo de aquisição em subcontas de (i) patrimônio líquido da Arras e da MCD (Agravante); e (ii) ágio.

27. Passados mais de dois anos desde a aquisição da MCD e da Arras, em 13.12.2010, a AD Participações e Arras foram incorporadas pela Agravante (MCD). Com isso, nos termos da Lei 9.532/97 e do RIR/99, então vigente, os valores que haviam sido registrados a título de ágio pela AD Participações passaram a ser considerados amortizáveis para fins fiscais, à razão máxima de 1/60 avos por mês. O diagrama a seguir ilustra essa operação:

[…]

28. Contudo, sob a alegação de que tais despesas não seriam dedutíveis pelo fato de (A) não ter sido comprovado o custo de aquisição que suportou o registro do ágio registrado pela AD Participações; (B) a fundamentação econômica do ágio não teria sido demonstrada pelo laudo de avaliação, que correspondia a uma simples estimativa do custo atribuível às operações brasileiras; e (C) supostamente se tratar de 'ágio pago no exterior', 'internalizado' no País por meio de operações 'intragrupo', acabou prevalecendo o entendimento na esfera administrativa de que o regime jurídico previsto na Lei 9.532/97 não seria aplicável e, desse modo, tais despesas de amortização não seriam dedutíveis.”

 

A tutela provisória de urgência foi negada, pois não preenchidos os pressupostos do artigo 300 do Código de Processo Civil.

No caso, conforme o relato acima, a recorrente afirmou que, tendo apurado ágio na aquisição da participação societária (na incorporação da AD Participações e da Arras, passou a deter valores passíveis de dedução no lucro real como despesa operacional, nos termos do artigo 385 e 386 do Decreto 3.000/1999 (reprodução dos artigos 7° e 8° da Lei 9.532/1997):


“Art. 385. O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:

I - valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo seguinte; e

II - ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor de que trata o inciso anterior.

§ 1º O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento.

§ 2º O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico:

I - valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;

II - valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros;

III - fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.

§ 3º O lançamento com os fundamentos de que tratam os incisos I e II do parágrafo anterior deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração.

Art. 386. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no artigo anterior:

I - deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso I do § 2º do artigo anterior, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu causa;

II - deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso III do § 2º do artigo anterior, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;

III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração;

IV - deverá amortizar o valor do deságio cujo fundamento seja o de que trata o inciso II do § 2º do artigo anterior, nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados durante os cinco anos-calendário subseqüentes à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no mínimo, para cada mês do período de apuração.

§ 1º O valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de depreciação, amortização ou exaustão.

§ 2º Se o bem que deu causa ao ágio ou deságio não houver sido transferido, na hipótese de cisão, para o patrimônio da sucessora, esta deverá registrar:

I - o ágio em conta de ativo diferido, para amortização na forma prevista no inciso III;

II - o deságio em conta de receita diferida, para amortização na forma prevista no inciso IV.

§ 3º O valor registrado na forma do inciso II:

I - será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução de capital;


II - poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu causa.

§ 4º Na hipótese do inciso II do parágrafo anterior, a posterior utilização econômica do fundo de comércio ou intangível sujeitará a pessoa física ou jurídica usuária ao pagamento dos tributos ou contribuições que deixaram de ser pagos, acrescidos de juros de mora e multa, calculados de conformidade com a legislação vigente.

§ 5º O valor que servir de base de cálculo dos tributos e contribuições a que se refere o parágrafo anterior poderá ser registrado em conta do ativo, como custo do direito.

§ 6º O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, quando:

I - o investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor do patrimônio líquido;

II - a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade da participação societária.

§ 7º Sem prejuízo do disposto nos incisos III e IV, a pessoa jurídica sucessora poderá classificar, no patrimônio líquido, alternativamente ao disposto no § 2º deste artigo, a conta que registrar o ágio ou deságio nele mencionado.”

 

Destarte, seria titular de direito à dedução dos valores do ágio auferido no lucro real, como “outras despesas operacionais”, o que efetivamente ocorreu no ano-calendário 2011, no valor de R$ 23.574.320,22, gerando redução da base de cálculo do IRPJ/CSL.

Contudo, a fiscalização glosou tais amortizações, tendo em vista que:


“1. Não foi comprovado ágio na operação de aquisição das empresas do grupo McDonald’s pelo grupo Arcos Dorados já que:

a. Não foi comprovado o exato custo de aquisição de todo o negócio da América Latina.

b. Do custo total de aquisição não foi comprovada a parcela referente às duas unidades do Brasil: McDonald’s Comércio de Alimentos e Arras Comércio de Alimentos.

c. Sabe-se apenas que o preço pago pelas unidades de capital da McDonald’s Comércio de Alimentos foi de US$ 14.198, ou de R$ 26.658,16, considerando a taxa de conversão do dólar americano em 31/07/07, o que leva a conclusão da existência de deságio, e não de ágio, na aquisição dessa empresa. Não há informações a respeito do valor pago pela ARRAS. d. Não foi demonstrado o valor do patrimônio líquido de cada uma destas duas unidades na data de aquisição.

2. Caso houvesse algum ágio, não foi comprovado o fundamento econômico desse eventual ágio.

3. Caso tivesse sido gerado ágio na operação de aquisição internacional, e o seu fundamento econômico fosse comprovado, ainda assim não seria possível reconhecer, contabilizar e amortizar esse ágio já que a operação de compra e venda se deu entre entidades residentes no exterior.

4. O previsto no art. 385 do RIR/99 não é aplicável à Arcos Dorados BV, uma vez que se trata de sociedade domiciliada no exterior que, como tal, não se enquadra no conceito de “contribuinte”.

5. Considerando a inaplicabilidade da norma contida no art. 385 do RIR/99, não há como se empregar a norma prevista no art. 386 do RIR/99, ou seja, não há como permitir a dedução de despesa a titulo de amortização de ágio.

6. Por falta de previsão legal, o ágio supostamente incorrido na aquisição de participação societária de pessoa jurídica domiciliada no exterior, não poderia ser transferido por meio de aumento de capital.

7. Considerando que o ágio surgiu no momento em que a AD Participações recebeu participações societárias da AD Comércio de Alimentos e da ARRAS, conforme explicação dada pelo contribuinte, estarmos então diante de uma situação de ágio interno, de ágio gerado artificialmente dentro do grupo econômico.

8. Caso se confirmasse o valor do ágio pretendido pelo contribuinte, e fossem cumpridos todos os requisitos para a sua amortização, o limite de amortização de um sessenta avos não teria sido respeitado.” (Id 38038652, f. 69/70).

 

Houve impugnação do contribuinte, afastada pela Delegacia Regional de Julgamento, por ser considerada indedutível a transferência de ágio via empresa-veículo sob controle societário único, por configurar “ágio interno” (ID 38038446):

 

"ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ

Ano-calendário: 2011

EXCESSO DE DEDUÇÃO DE ROYALTIES. INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES.

O limite de dedução dos royalties aplicável â indústria de produtos alimentares é de 4% da receita líquida de vendas do produto fabricado ou vendido. O impugnante não opera como simples coletor de royalties que seriam devidos pelos subfranqueados nacionais ao detentor internacional do nome comercial e da marca explorados. A relação jurídica que obriga o franqueador master nacional ao pagamento dos royalties ao detentor estrangeiro do direito é travada de forma direta. O pagamento dos royalties devidos pelo primeiro ao segundo independe do recebimento, pelo primeiro, dos royalties a ele devidos pelos subfranqueados nacionais (terceiros). O impugnante. ao pagar os royalties, paga em nome próprio.

ÁGIO. ETAPA INTERNACIONAL. PROVA. ETAPA NACIONAL. ÁGIO INTERNO. EMPRESA-VEÍCULO. INDEDUTIBILIDADE. LANÇAMENTO PROCEDENTE.

Na etapa internacional das operações, em que a aquisição das participações societárias de empresas brasileiras se deu entre partes independentes, os documentos acostados aos autos são insuficientes para permitir a convicção acerca do valor efetivamente pago correspondente a cada uma delas, bem assim da formação de um eventual ágio ou deságio. Em decorrência, na posterior etapa nacional não se há de cogitar da “transferência” de um ágio anteriormente formado em condições de livre mercado. Sendo essa segunda etapa realizada exclusivamente entre sociedades sob controle societário único, sem qualquer desembolso, via empresa-veículo, a mais valia assim formada, conhecida como “ágio interno”, se revela sem qualquer fundamento econômico.

LANÇAMENTOS DECORRENTES. CSLL.

O decidido para o lançamento de IRPJ estende-se aos lançamentos que com ele compartilham o mesmo fundamento factual, salvo se houver razão de ordem jurídica que lhes recomende tratamento diverso."

 

O CARF, em sede de recurso voluntário, manteve a decisão da DRJ (ID 38038438).

Eis a amenta do acórdão:

 

"ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA ­ IRPJ

Ano-­calendário: 2011

EXCESSO  DE  DEDUÇÃO  DE  ROYALTIES.  INDÚSTRIA  DE PRODUTOS ALIMENTARES.

O  limite  de  dedução  dos  royalties  aplicável  à  indústria  de  produtos alimentares  é  de  4%  da  receita  líquida  de  vendas  do  produto  fabricado  ou  vendido.  O  impugnante  não  opera  como  simples  coletor  de  royalties  que seriam  devidos  pelos  subfranqueados  nacionais ao  detentor internacional  do nome  comercial  e  da  marca  explorados.  A  relação  jurídica  que  obriga  o franqueador  master  nacional  ao  pagamento  dos  royalties  ao  detentor estrangeiro  do  direito é travada  de  forma  direta. O  pagamento  dos  royalties devidos pelo primeiro ao segundo independe do recebimento, pelo primeiro, dos  royalties  a  ele  devidos  pelos  subfranqueados  nacionais  (terceiros).  O  impugnante, ao pagar os royalties, paga em nome próprio.

ÁGIO. ETAPA  INTERNACIONAL. PROVA. ETAPA NACIONAL. ÁGIO INTERNO.  EMPRESA-­VEÍCULO.  INDEDUTIBILIDADE. LANÇAMENTO PROCEDENTE.

Na etapa internacional  das  operações,  em  que  a  aquisição  das  participações societárias  de  empresas  brasileiras  se  deu  entre  partes  independentes,  os documentos acostados aos autos  são insuficientes  para  permitir a convicção acerca  do  valor  efetivamente  pago  correspondente  a  cada  uma  delas,  bem assim  da  formação  de  um  eventual  ágio  ou  deságio.  Em  decorrência,  na posterior etapa  nacional  não  se  há  de cogitar  da  "transferência"  de  um ágio anteriormente  formado em condições  de livre mercado. Sendo essa segunda etapa  realizada  exclusivamente  entre  sociedades  sob  controle  societário único,  sem  qualquer  desembolso,  via  empresa-­veículo,  a  mais  valia  assim formada, conhecida como "ágio interno", se revela sem qualquer fundamento econômico."

 

Com efeito, o artigo 7° da Lei 9.532/1997 (e artigo 386 do Decreto 3.000/1999), ao tratar do uso de ágio para amortizar lucro real, previu, como exigências, que a pessoa jurídica incorporadora seja a efetiva adquirente da participação societária que gerou ágio (“A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio”), e que exista, ainda, confusão patrimonial (“absorver patrimônio de outra [...] na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio”).

Tais requisitos (incorporação pela própria adquirente detentora de recursos financeiros utilizados e confusão patrimonial) relacionam-se com a própria finalidade e justificativa da previsão de amortização no lucro real do ágio no preço de aquisição, pago com fundamento em expectativa de lucro futuro. O fundamento negocial que se extrai da operação é a percepção de rentabilidade, pela investidora, das atividades desempenhadas pela investida, para assim justificar o aporte de recursos para integrar o corpo societário daquela e fruir dos direitos de tal posição.

Tal “mais valia” em relação ao que seria o valor justo do investimento é tributada como ganho de capital na investida, e integra o custo de aquisição do investimento na investidora. Em momento futuro, verificado lucro esperado na investida (fundamento do ágio), tal acréscimo patrimonial deve ser tributado, também e exclusivamente, na investida. De fato, pelo método de equivalência patrimonial (MEP), a variação do patrimônio líquido da investida é utilizada para atualizar o investimento na investidora, porém a diferença a maior ou a menor não reflete no resultado e tributação desta, sob pena de bis in idem.

Ocorre que, com a confusão patrimonial entre investidora e investida deflagrada pela incorporação desta por aquela (ou vice-versa), reúnem-se, na mesma universalidade, tributação do lucro e despesa incorrida na expectativa de tal lucro. O desempenho positivo é alcançado pelo mesmo sujeito de direito que investiu sobrepreço na esperança de tal resultado. Daí o permissivo para que tal despesa seja amortizada, paulatinamente, na escrituração contábil.

Sucede que, no caso, além da não configuração de ágio, nas referidas transferências, mas deságio, constatou-se que as transferências se deram dentro de um mesmo grupo econômico.

A respeito, confira-se o que relatado no acórdão do CARF 1402­003.606, ao fazer remissão ao acórdão 1301-002.154, que tratou de idêntica questão, embora de ano-calendário diverso (ID 38038438, f. 42/4) :

 

“As  operações  societárias  nas  quais  se  formou  e  transferiu  o ágio  que  veio, afinal, a ser amortizado pela recorrente e glosado pelo Fisco tiveram início em 2007. O primeiro grupo de operações teve como escopo a venda, por empresas do grupo McDonald's no exterior, de diversas subsidiárias na América Latina e Caribe, entre elas  a  Arras  Comércio  de  Alimentos  Ltda. (Arras)  e  a  McDonald's  Comércio  de Alimentos  Ltda.  (MCD).  A  própria recorrente  afirma  que  essa  aquisição correspondia a "mais de 30 sociedades em 18 jurisdições diferentes" (fl. 11723). O adquirente,  grupo  Arcos  Dorados, centralizou  as  operações  na  empresa  Arcos Dorados  B.V.  (ADBV), domiciliada  na  Holanda.  Relevante  observar  que  a  MCD pertencia diretamente  a  duas  das  empresas  do  grupo,  a  McDonald's  International Spanish  Holdings  (MISH,  domiciliada  na  Espanha)  e  a  MCD  Properties Inc., sediada  nos Estados Unidos. A Arras  pertencia à LatAm juntamente  com diversas outras  subsidiárias  em  variado  número  de  outros  países.  Por  sua vez,  a  LatAm pertencia à McDonald's Latin América (MLA, sediada nos Estados Unidos).

A decisão de primeira instância firmou a convicção de que, já nessa etapa, não  teria  havido  pagamento  de ágio, antes teria  sido apurado  prejuízo  pela alienante e,  consequentemente, as indicações são de que teria havido deságio na operação. 

A  recorrente  combate tal  assertiva,  afirmando  que  o total  pago  em  dinheiro  montaria a US$ 698 milhões, suportado em laudo de avaliação de julho/2007, e que  o  valor  das  sociedades  brasileiras  (Arras  e  MCD)  equivaleria  a  aproximadamente  42% do total pago. 

O  instrumento  contratual  se  encontra,  por  tradução  juramentada,  às  fls.  8662/8721. Trata­se da Emenda n° 1 de Contrato de Compra, de 31/07/2007, sendo  o Contrato de Compra original datado de 28/03/2007. 

No  que toca  ao  preço,  à  fl.  8664,  a  seção  2.1  estipula  que  o  preço  base  de  compra  (correspondente  ao total  das  sociedades  objeto  da  compra e  venda)  era  de  US$ 690.500.000 (e não os US$ 698 milhões afirmados pela recorrente). A mesma  seção contratual especifica a parcela desse valor correspondente à MCD, a ser paga  pela adquirente (ADBV) às alienantes (MISH e MCD Properties Inc.): US$ 13.698 à  primeira  e  US$  500  à  segunda,  totalizando  US$  14.198.  Também  é  estipulado  o  valor correspondente à aquisição da LatAm, a  ser  pago  pela adquirente  (ADBV) à  alienante (MLA): US$ 678.499.500.

Particularmente no que se refere à MCD, o valor da transação (comparado aos  demais  valores  envolvidos)  leva  de  imediato  à  conclusão  de  que  não  haveria  qualquer ágio a ser apropriado pelo adquirente. 

Acerca  da  Arras,  o  referido  contrato  não  especifica  qual  seria  o  valor  a  ela  correspondente, mas  somente  o  valor a  ser  pago  pela aquisição  da LatAm, a  qual, lembre­-se,era dona não apenas da Arras mas de um grande número de subsidiárias em diversos  países. Assim,  apenas  pelo contrato  não é  possível identificar  o  valor pago  pela  Arras.  Os  demonstrativos  acostados  aos  autos  não  são  claros  quanto ao  valor  que  corresponderia,  na  avaliação  econômica,  a  uma  e  outra empresas. Registre-­se,  ainda,  que  o  laudo  da  Forrestal  Capital  (fls.  9834/9835) faz  uma  avaliação econômico­-financeira do Grupo Arcos Dorados  na América Latina  (US$  776 milhões) afirmando que  o Brasil corresponde a 42%  ou US$  325 milhões. No entanto, essa discriminação é por país, não se encontrando segregação por sociedade  dentro  do  país  (Arras  e  MCD).  Ademais,  o  valor  global  afinal  contratado  foi  substancialmente menor do  que essa avaliação  (US$  690 milhões, contra US$  776  milhões),  não  sendo  possível,  a  meu  ver,  fazer  uma  aplicação  meramente  proporcional,  principalmente  diante  do  valor  irrisório  (US$  14  mil),  comparativamente, atribuído à MCD no contrato de compra afinal firmado.

[…]

Diante de todo o exposto, penso não haver provas suficientes acerca do valor  da  aquisição  em  2007,  pelo  grupo  Arcos  Dorados,  das  operações  brasileiras  do  McDonald's.  Especialmente  por  se  tratar  de  operação  totalmente  conduzida  no  exterior, entre empresas sediadas em países diversos, haveria a necessidade de que  os valores ficassem rigorosamente demonstrados e registrados, sem qualquer sombra  de  dúvida,  para  que  se  pudesse  concluir  que  foi  pago  ágio  na  operação  e,  posteriormente, se pudesse cogitar da "transferência" desse ágio para o Brasil. Na segunda parte do negócio, diversas operações societárias foram levadas a  efeito, agora em território  nacional. Em  síntese:  foi criada a  pessoa jurídica Arcos  Dourados  Participações  (ADP)  o  capital  social  da  ADP  foi  aumentado  e  integralizado  com  as  participações  da  MCD  (agora  denominada  Arcos  Dourados Comércio  de  Alimentos  ­  ADC,  a  recorrente)  e  da  Arras  nessa  operação,  a  ADP  passou  a  registrar  ágio  nessas  participações  A  ACD  incorporou  sua  controladora  ADP e também a Arras, passando a amortizar o ágio para fins fiscais. Observe­se que, nessa segunda parte do negócio, todas as operações se deram  dentro de um mesmo grupo econômico, o grupo Arcos Dorados. Todas as empresas  estavam  sob  o  cntroie  comum  da  Arcos  Dorados  B.V.,  sediada  na  Holanda.  A  sustentação  para  a transferência  do  ágio,  conforme  levado  a  efeito,  dependeria  do  preço  pago  e  da  formação  inicial  do  ágio  na  etapa  internacional,  anteriormente  analisada. E, pelas razões já declinadas, penso haver insuficiência de provas acerca  desses dois relevantes pontos." (g.n.)

 

Logo, não se verifica subsunção do fato à norma de autorização de amortização de ágio, pois não há confusão patrimonial entre investida (responsável pelo resultado positivo) e investidora de fato (que suportou despesa para concretização de tal lucro).

Portanto, o pagamento de ágio com recursos da própria investidora e a confusão patrimonial constituem requisitos que devem ser cumulativamente observados para tornar possível a amortização da “mais valia” nos resultados futuros da investida, por constituir o próprio fundamento legal e a “mens legis” do instituto.

Todavia, no caso, como visto, constatou-se que todas as empresas eram controladas pelo grupo ARCOS DOURADOS, controlado pela ARCOS DORADOS B.V., sediado na Holanda, não havendo factual comprovação do custo de aquisição e transferência do ágio, não se autorizando, isto posto, e segundo a legislação, a amortização do ágio pago na aquisição de posição societária.

Gize-se, ainda, que o procedimento de interposição de “empresa-veículo” (AD Arcos Dourados Participações, no caso) como meio para aquisição de participação total em sociedades (em geral, deficitárias), aplicação de ágio artificial no preço e posterior incorporação da investidora pela investida para possibilitar a esta o uso de despesas na amortização da base de cálculo do IRPJ/CSL tem sido largamente difundido no meio empresarial e amplamente combatido pelas autoridades tributárias.

A realização de operações, utilizando "empresa-veículo” para afastar incidência de tributos em empresas adquiridas por investidoras sediadas no estrangeiro, foi objeto de preocupação externada na redação do artigo 8° da MP 1.602/1997, convertida na Lei 9.532/1997, conforme constou expressamente da respectiva exposição de motivos (http://www.consultaesic.cgu.gov.br/busca/dados/Lists/Pedido/Attachments/536978/RESPOSTA_ PEDIDO_RESP_00077_000091_2017-46_09-02-2017%20-%20CC%20-%20EXM%20MP%201 602_1997(1).pdf):



“[...]
O art. 8° estabelece o tratamento tributário do ágio ou deságio decorrente da aquisição, por uma pessoa jurídica, de participação societária no capital de outra, avaliada pelo método de equivalência patrimonial.
Atualmente, pela inexistência de regulamentação legal relativa a esse assunto, diversas empresas, utilizando dos já referidos ‘planejamentos tributários’, vem utilizando o expediente de adquirir empresas deficitárias, pagando ágio pela participação, com a finalidade única de gerar ganhos de natureza tributária mediante o expediente, nada ortodoxo, de incorporação de empresa lucrativa pela deficitária.
Com as normas previstas no Projeto, esses procedimentos não deixarão de acontecer, mas, com certeza, ficarão restritos às hipóteses de casos reais, tendo em vista o desaparecimento de toda vantagem de natureza fiscal que possa incentivar a sua adoção exclusivamente por esse motivo.”

 

Neste sentido, cabe citar o seguinte precedente da Corte:


AC 0017237-12.2010.4.03.6100, Rel. Juiz Fed. RUBENS CALIXTO, DJe de 12/09/2014: “PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. JULGAMENTO DENTRO DOS LIMITES DO PEDIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTORIDADE IMPETRADA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO COM O ATO IMPUGNADO. INCORPORAÇÃO DE EMPRESA COLIGADA E DE ÁGIO FUNDADO NA EXPECTATIVA DE RENTABILIDADE FUTURA ("GOODWILL"). INCORPORAÇÃO COM INDÍCIOS DE FRAUDE COM A FINALIDADE DE GERAÇÃO ARTIFICIAL DO ÁGIO, VISANDO FUTURAS AMORTIZAÇÕES E REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E CSL. AUTUAÇÃO FISCAL. LEGITIMIDADE. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. [...] 9. É inegável que, do ponto de vista contábil, a impetrante respeitou os art. 7º e 8º da Lei 9.532/97 (assim como os art. 385 e 385 do RIR/99), inclusive porque não havia impedimento, à época, para o aproveitamento de ágio entre empresas coligadas, controladas ou integrantes do mesmo grupo econômico, vedação que somente passou a existir com a Lei 11.638/07. 10. No entanto, a questão trazida aos autos vai além do formalismo contábil, em função do princípio contábil da primazia da essência sobre a forma. 11. Sendo certo que a contabilização do ágio não exige, necessariamente, desencaixe de recursos financeiros, não é menos certo que deve existir efetiva contribuição do investidor em qualquer espécie de bem suscetível de avaliação em dinheiro, de modo a conferir "fundamento econômico" ao ágio. 12. É indispensável que a integralização tenha ocorrido com base no valor real de mercado, o que não ocorre quando o "valor do negócio" é artificialmente estabelecido dentro do mesmo grupo econômico. 13. A entidade empresarial somente terá o direito de se apropriar de um ágio, para fins de amortização, quando isso verdadeiramente tiver representado um custo financeiro ou econômico para ela, segundo a sua interação com os agentes do mercado. 14. A autuação se afigura correta, pois tudo indica uma triangulação societária com a finalidade de criação artificial de ágio, para posterior amortização e de redução do IRPJ e da CSL, envolvendo empresas que tinham os mesmos controladores. 15. A fiscalização verificou que a operação contábil jamais implicou em qualquer desembolso ou investimento pela LTSA, tendo havido somente uma reavaliação de seus ativos, baseado em informações da própria interessada, com o único intuito de gerar despesas com a amortização do ágio, reduzindo ou eliminando o pagamento de IRPJ e CSL durante o período de amortizações mensais. 16. A elisão tributária somente tem lugar quando os benefícios legais são pautados em fatos reais. 17. Faltando esta veracidade, a elisão se convola em evasão fiscal, insuscetível de convalidação judicial. 18. Rejeitadas as alegações preliminares. 19. Apelação improvida.”

 

No mesmo sentido, precedente recente desta Turma: AI 5017674-17.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 18/10/2021.

Tampouco cabe cogitar, em tese, da validade da justificativa de uso de “empresa-veículo” em virtude de dificuldades operacionais em investimento e aquisição por companhia sediada no exterior, não havendo, ao contrário, qualquer vedação legal a que sociedades estrangeiras efetuem investimento direto em empresas brasileiras, nos termos do Código Civil (artigo 1.134 e seguintes).

Ademais, se houvesse dificuldades operacionais em estabelecer-se no país, seria possível contratar assessorias jurídicas e financeiras, o que se revela plenamente justificável em se tratando de hipótese de investimento de tal grandeza.

Percebe-se, porém, que o conhecimento da vedação de amortização de investimento diretamente efetuado na aquisição de empresa no país é que tem levado à adoção de "engenharia tributária" para possibilitar a fruição do benefício fiscal e, assim, afastar a incidência de tributos, porém em claro detrimento da legislação.

Assim, a análise mais detida da controvérsia, ainda que em juízo próprio à fase processual em exame, revela que não concorrem os requisitos legais da probabilidade do direito e perigo de dano ou ao resultado útil do processo para concessão da tutela de urgência, até porque não se trata, como afirmado, de cobrança claramente indevida e, por outro lado, relevam os fundamentos jurídico do pedido de reforma da decisão agravada, associados, ainda, à apuração de periculum in mora reverso, considerando que se trata de tributação relativa a IRPJ/CSL dos anos calendários de 2011, que tiveram longa tramitação administrativa e que, decorridos mais de uma década desde os fatos geradores, ainda sequer puderam ser objeto de cobrança judicial, postergando de forma longa e severa a satisfação de crédito tributário com substancial efeito e impacto no orçamento federal em momento excepcional de exigência de investimento público no custeio de despesas emergenciais com as consequências da pandemia que assolou o país.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. IRPJ/CSL. ÁGIO NA AQUISIÇÃO TOTAL DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DO LUCRO REAL DA INVESTIDA NOS EXERCÍCIOS POSTERIORES. ARTIGO 385 E 386 DO DECRETO 3.000/1999. AQUISIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA PELO EFETIVO INVESTIDOR. CONFUSÃO PATRIMONIAL. REQUISITOS NECESSÁRIOS. FINALIDADE DO BENEFÍCIO FISCAL. IMPEDIMENTO À DUPLA TRIBUTAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE “EMPRESA-VEÍCULO”. MEDIDAS PARA POSSIBILITAR A FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL PELAS VERDADEIRAS ADQUIRENTES. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

1. Não há vedação o uso de “empresa-veículo” para aquisição de participação societária por empresa estrangeira, porém deve ser analisado se tal procedimento atende à previsão legal para utilização e transferência de ágio na amortização do lucro real.

2. O artigo 7° da Lei 9.532/1997 (e artigo 386 do Decreto 3.000/1999), ao tratar do uso de ágio na amortização do lucro real, previu, como exigências, que a empresa incorporadora seja a efetiva adquirente da participação societária que gerou ágio, e que se verifique, ainda, confusão patrimonial, sendo tais exigências relacionadas à própria finalidade e justificativa da previsão de amortização no lucro real do ágio no preço de aquisição, pago com fundamento em expectativa de lucro futuro. O fundamento negocial que se extrai da operação é a percepção de rentabilidade, pela investidora, das atividades desempenhadas pela investida, justificando o aporte de recursos para integrar o corpo societário daquela e fruir dos direitos de tal posição.

5. Tal “mais valia” em relação ao que seria o valor justo do investimento é tributada como ganho de capital na investida, e integra o custo de aquisição do investimento na investidora. Em momento futuro, verificado o lucro esperado na investida (fundamento do ágio), tal acréscimo patrimonial deve ser tributado, também e exclusivamente, na investida. De fato, pelo método de equivalência patrimonial (MEP), a variação do patrimônio líquido da investida é utilizada para atualizar o investimento na investidora, porém a diferença a maior ou a menor não reflete no resultado e tributação desta, sob pena de bis in idem.

6. Ocorre que, com a confusão patrimonial entre investidora e investida deflagrada pela incorporação desta por aquela (ou vice-versa), reúnem-se, na mesma universalidade, tributação do lucro e despesa incorrida na expectativa de tal lucro. O desempenho positivo é alcançado pelo mesmo sujeito de direito que investiu sobrepreço na esperança de tal resultado. Daí o permissivo para que tal despesa seja amortizada, paulatinamente, na escrituração contábil. Sucede que, no caso dos autos, além da não configuração de ágio, nas referidas transferências, mas deságio, constatou-se que as transferências se deram dentro de um mesmo grupo econômico.

7. O pagamento de ágio com recursos da própria investidora e a confusão patrimonial constituem requisitos que devem ser cumulativamente observados para tornar possível a amortização da “mais valia” nos resultados futuros da investida, por constituir o próprio fundamento legal e a “mens legis” do instituto. Todavia, no caso, como visto, constatou-se que todas as empresas eram controladas pelo grupo ARCOS DOURADOS, controlado pela ARCOS DORADOS B.V., sediado na Holanda, não havendo factual comprovação do custo de aquisição e transferência do ágio, não se autorizando, isto posto, e segundo a legislação, a amortização do ágio pago na aquisição de posição societária.

8. Gize-se, ainda, que o procedimento de interposição de “empresa-veículo” (AD Arcos Dourados Participações, no caso) como meio para aquisição de participação total em sociedades (em geral, deficitárias), aplicação de ágio artificial no preço e posterior incorporação da investidora pela investida para possibilitar a esta o uso de despesas na amortização da base de cálculo do IRPJ/CSL tem sido largamente difundido no meio empresarial e amplamente combatido pelas autoridades tributárias. Tal procedimento - consistente em interposição de “empresa-veículo” como meio para aquisição de participação total em empresas deficitárias, aplicação de ágio artificial no preço e posterior incorporação da investidora pela investida para possibilitar a esta a utilização das despesas na amortização da base de cálculo do IRPJ/CSL - tem sido largamente difundido no meio empresarial e amplamente combatido pelas autoridades tributárias.

9. A análise mais detida da controvérsia, ainda que em juízo próprio à fase processual em exame, revela que não concorrem os requisitos legais da probabilidade do direito e perigo de dano ou ao resultado útil do processo para concessão da tutela de urgência, até porque não se trata, como afirmado, de cobrança claramente indevida e, por outro lado, relevam os fundamentos jurídico do pedido de reforma da decisão agravada, associados, ainda, à apuração de periculum in mora reverso, considerando que se trata de tributação relativa a IRPJ/CSL dos anos calendários de 2011, que tiveram longa tramitação administrativa e que, decorridos mais de uma década desde os fatos geradores, ainda sequer puderam ser objeto de cobrança judicial, postergando de forma longa e severa a satisfação de crédito tributário com substancial efeito e impacto no orçamento federal em momento excepcional de exigência de investimento público no custeio de despesas emergenciais com as consequências da pandemia que assolou o país.

10. Agravo de instrumento desprovido.


 


 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.