APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5018519-48.2020.4.03.6100
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: ANTONELLA MIRAGLIA
Advogado do(a) APELANTE: NOEMIA APARECIDA PEREIRA VIEIRA - SP104016-A
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5018519-48.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: ANTONELLA MIRAGLIA Advogado do(a) APELANTE: NOEMIA APARECIDA PEREIRA VIEIRA - SP104016-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta contra sentença que, reconhecendo a decadência, julgou extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC. Custas ex lege. Em atenção ao princípio da causalidade, condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados no percentual mínimo do § 3º do art. 85 do CPC, sobre o valor atualizado da causa. A incidência de correção de monetária e juros de mora conforme disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. A ação de procedimento comum ANTONELLA MIRAGLIA em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL objetivando provimento jurisdicional que reconheça a "existência de nulidade que torna invalido o contrato n. 21.2924.691.0000010-81, ante a ausência de anuência de um dos sócios, o que e vedado pelo contrato social". Narrou a autora, em suma, que o contrato de confissão de dívida 21.2924.691.0000010-81, celebrado entre a CEF e a empresa CONFECÇÕES KOKULLE LTDA. EPP não fora por ela subscrito, embora já integrasse, à época, o quadro societário. Nesse sentido, defendeu a necessidade de sua autorização e pugnou pela anulação do negócio jurídico. Em razões de apelação, a parte Autora sustenta, em síntese, que o negócio jurídico nula não é suscetível de convalidação, conforme art. 169 do CC. Aponta a negligência da CEF em observar os termos previstos no contrato social da empresa. Reitera as razões inicias aduzindo a não configuração da decadência. Não foram oferecidas contrarrazões. É o relatório.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5018519-48.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: ANTONELLA MIRAGLIA Advogado do(a) APELANTE: NOEMIA APARECIDA PEREIRA VIEIRA - SP104016-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A decisão impugnada fundamentou-se no teor do art. 178, II do CC, segundo o qual é de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado do dia em que se realizou o negócio jurídico na hipótese de alegação de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão. O juízo apontou que o negócio que se visa anular foi realizado em 29/08/2014, enquanto a ação só foi ajuizada em 18/09/2020. Dispõe a Cláusula Quinta do Contrato Social juntado aos autos (ID 206622866) “a administração da sociedade será exercia pelos dois sócios, indistintamente, em conjunto ou separadamente, podendo nomear procuradores, sendo-lhes (sic), e em nenhuma hipótese será permitida usa-lá (sic) em fins estranhos ao nome social ou assumir obrigações em favor de qualquer quotista ou de terceiros, bem como onerar ou alienar bens imóveis, sem autorização do outro sócio”. (grifei) O simples reconhecimento da decadência já seria suficiente para por fim ao julgado, já que a apelante não logrou demonstrar que o suposto vício que macula o negócio configuraria nulidade absoluta. Tratando-se de nulidade relativa e convalidável, não há razão para se afastar o transcurso do prazo apontado. Não suficiente, entendeu o juizo a quo que a confissão de dívida, referente a empréstimo destinado à própria sociedade, foi assinada pelo sócio majoritário Roberto da Silva Pereira. Ressaltou que o sócio ainda figurou pessoalmente como avalista, ofertando em garantia bem de sua propriedade, ou seja, não onerou bem comum da sociedade, razão pela qual a pretensão da autora não encontraria respaldo legal em face de instituição financeira. Com efeito, os atos praticados por sócio majoritário, que como já apontado onerou seu próprio bem na relação em comento, configuram verdadeira aplicação da teoria da aparência a proteger o terceiro que contrata de boa-fé. Ainda que assim não fosse, e se fosse possível reputar o contrato nulo em relação à sociedade, o sócio majoritário não deixaria de responder pela integralidade da dívida na condição de avalista, nem as dívidas renegociadas da pessoa jurídica seriam automaticamente extintas ou reputadas inexigíveis. Nestas condições, restaurar-se-ia o status quo anterior à renegociação. A ilustrar o entendimento, ainda que esta não seja exatamente a situação dos autos, é de se mencionar que se o sócio majoritário com poderes de administração contrata empréstimo junto a terceiros em favor da sociedade, mas em arrepio às disposições do contrato social, é ônus da pessoa jurídica proceder à imediata e integral restituição dos valores recebidos por meio do ato irregular, sob pena de restar configurado o enriquecimento ilícito da empresa que recebe valores apesar dos vícios intrínsecos do ato. Na ausência de configuração de fraude ou outro ato ilícito praticado sem qualquer benefício à empresa, não há fundamento para extinguir a obrigação da pessoa jurídica. Por todo exposto, não merece reforma a sentença ao adotar o entendimento de que eventuais divergências e prejuízos deverão ser dirimidas entre os próprios sócios das empresas, em ação própria e sem a inclusão da instituição financeira ré. Por fim, cumpre destacar o teor da Súmula 286 do STJ, segundo a qual A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores. Ante o exposto, nego provimento à apelação, a forma da fundamentação acima. Honorários advocatícios majorados para 11% do valor da causa, nos termos do art. 85, § 11 do CPC. É o voto.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Desembargador Federal Wilson Zauhy:
Peço vênia para acompanhar o E. Relator com ressalva quanto ao prazo decadencial aplicável à espécie dos autos.
A apelante suscita nulidade absoluta no contrato de confissão de dívida celebrado entre a CEF e a Confecções Kokulle LTDA EPP em 29/08/2014 sob o fundamento de que era sócia da empresa ao tempo da contratação e de que o contrato social determinava a necessária autorização de todos os sócios para assumir dívidas pela pessoa jurídica. Nesse caso, como não anuiu com o contrato, o negócio é nulo, nos termos do art. 166, V, do Código Civil (preterição de solenidade que a lei considere essencial para a sua validade).
O juízo a quo entendeu pela ausência de nulidade absoluta no negócio e, por isso, entendeu que o direito da autora se sujeitava ao prazo decadencial do art. 178 do CCB, por tratar-se de mera anulabilidade, passível de consolidação no tempo – no caso, após o decurso de quatro anos.
Tenho, porém, que o prazo decadencial aplicável ao caso em apreço é aquele previsto no art. 179 da mesma lei, in verbis: “Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.”
Isso porque a causa de anulabilidade alegada pela autora não se trata de nenhuma das hipóteses do art. 178, quais sejam, a existência de coação, erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo, lesão ou incapacidade do agente. A causa de pedir se funda na falta de autorização de terceiros para celebração do negócio jurídico, hipótese de nulidade relativa, nos termos do art. 176 da lei civil: “Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.”
Não havendo, porém, previsão de prazo especial para argui-la, incide o art. 179 retro transcrito, decaindo o direito do autor em dois anos.
Por isso, tendo o contrato sido celebrado em 29/08/2014, a decadência do direito de pleitear a anulação do negócio jurídico operou-se em agosto de 2016, mais de quatro anos antes da data do ajuizamento da ação (18/09/2020).
Com essa ressalva, acompanho o E. Relator para negar provimento ao recurso de apelação.
É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA. NEGÓCIO JURÍDICO FIRMADO POR SÓCIO MAJORITÁRIO. CONTRATO SOCIAL. PRAZO DECADENCIAL. TEORIA DA APARÊNCIA. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. APELAÇÃO IMPROVIDA. HONORÁRIOS MAJORADOS.
I - A decisão impugnada fundamentou-se no teor do art. 178, II do CC, segundo o qual é de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado do dia em que se realizou o negócio jurídico na hipótese de alegação de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão. O juízo apontou que o negócio que se visa anular foi realizado em 29/08/2014, enquanto a ação só foi ajuizada em 18/09/2020.
II - O simples reconhecimento da decadência já seria suficiente para por fim ao julgado, já que a apelante não logrou demonstrar que o suposto vício que macula o negócio configuraria nulidade absoluta. Tratando-se de nulidade relativa e convalidável, não há razão para se afastar o transcurso do prazo apontado.
III - Não suficiente, entendeu o juizo a quo que a confissão de dívida, referente a empréstimo destinado à própria sociedade, foi assinada pelo sócio majoritário Roberto da Silva Pereira. Ressaltou que o sócio ainda figurou pessoalmente como avalista, ofertando em garantia bem de sua propriedade, ou seja, não onerou bem comum da sociedade, razão pela qual a pretensão da autora não encontraria respaldo legal em face de instituição financeira.
IV - Com efeito, os atos praticados por sócio majoritário, que como já apontado onerou seu próprio bem na relação em comento, configuram verdadeira aplicação da teoria da aparência a proteger o terceiro que contrata de boa-fé. Ainda que assim não fosse, e se fosse possível reputar o contrato nulo em relação à sociedade, o sócio majoritário não deixaria de responder pela integralidade da dívida na condição de avalista, nem as dívidas renegociadas da pessoa jurídica seriam automaticamente extintas ou reputadas inexigíveis. Nestas condições, restaurar-se-ia o status quo anterior à renegociação.
V - A ilustrar o entendimento, ainda que esta não seja exatamente a situação dos autos, é de se mencionar que se o sócio majoritário com poderes de administração contrata empréstimo junto a terceiros em favor da sociedade, mas em arrepio às disposições do contrato social, é ônus da pessoa jurídica proceder à imediata e integral restituição dos valores recebidos por meio do ato irregular, sob pena de restar configurado o enriquecimento ilícito da empresa que recebe valores apesar dos vícios intrínsecos do ato. Na ausência de configuração de fraude ou outro ato ilícito praticado sem qualquer benefício à empresa, não há fundamento para extinguir a obrigação da pessoa jurídica.
VI - Não merece reforma a sentença ao adotar o entendimento de que eventuais divergências e prejuízos deverão ser dirimidas entre os próprios sócios das empresas, em ação própria e sem a inclusão da instituição financeira ré. Por fim, cumpre destacar o teor da Súmula 286 do STJ, segundo a qual a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.
VII - Apelação improvida. Honorários advocatícios majorados.