Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000901-30.2021.4.03.6141

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: ANTONIO CARLOS DA COSTA

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000901-30.2021.4.03.6141

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: ANTONIO CARLOS DA COSTA

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta por ANTONIO CARLOS DA COSTA contra sentença proferida em ação pelo procedimento comum movida por ele em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF objetivando a declaração de inexistência de débito e a condenação da ré à restituição de valores debitados de sua conta, bem como ao pagamento de indenização por dano moral.

Narra o autor em sua inicial que, em 20/10/2020, recebeu uma ligação supostamente da Central de Segurança da CEF e veio a ser vítima de um “golpe do motoboy”.

Esclarece que os criminosos tinham os seus dados pessoais, telefonaram dizendo que havia sido realizada uma transação suspeita com o cartão do autor no Shopping Litoral Plaza e sugeriram que ele ligasse para o banco para solicitar o cancelamento do cartão.

Diz que telefonou para o banco, mas os criminosos interceptaram a ligação para um “callcenter” falso, mas que é idêntico ao do banco. Na conversa com os criminosos, foi sugerido ao autor que levasse seu cartão a um setor de fraudes localizado em Peruíbe/SP até as 13h, mas, como não era possível chegar a tempo, foi disponibilizado um “motoboy” para retirar o cartão em sua residência.

Afirma que, além disso, solicitaram ao autor que digitasse a senha do cartão no telefone e fizeram uso de um “software” que revela os números digitados.

Alega que, em 27/10/2020, compareceu a sua agência e percebeu que fora retirada de sua conta a importância de R$ 58.998,96 (cinquenta e oito mil, novecentos e noventa e oito reais e noventa e seis centavos) (ID 178419746).

Contestação pela ré (ID 178419776).

Em sentença prolatada em 04/06/2021, o Juízo de Origem julgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (ID 178419935).

Embargos de declaração opostos pela parte autora foram rejeitados (ID 178419939).

O autor apela para ver acolhido o seu pedido inicial (ID 178419942).

Contrarrazões pela requerida (ID 178419948).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000901-30.2021.4.03.6141

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: ANTONIO CARLOS DA COSTA

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS GUILHERME MAYMONE DE AZEVEDO - SP206010-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais que entende ter sofrido em razão de fraude bancária.

A narrativa trazida aos autos elucida a dinâmica daquilo que vem sendo conhecido como "golpe do motoboy": alguém liga para as possíveis vítimas se passando por funcionário do banco e, ao final do engodo, convence-a a entregar um cartão para um suposto emissário desse banco; de posse do cartão e de informações pessoais da vítima, os criminosos fazem diversas transações em seu nome.

Pois bem.

Inicialmente, cumpre consignar os termos do enunciado da Súmula n° 479 do Superior Tribunal de Justiça:

"As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".

Nada obstante, essa responsabilidade pode vir a ser afastada nas hipóteses em que as transações são realizadas mediante o uso de cartão e senha do cliente bancário, como exemplifica o seguinte precedente:

"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. SAQUES. COMPRAS A CRÉDITO. CONTRAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. CONTESTAÇÃO. USO DO CARTÃO ORIGINAL E DA SENHA PESSOAL DO CORRENTISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEFEITO. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE AFASTADA.

1. Recurso especial julgado com base no Código de Processo Civil de 1973 (cf. Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Controvérsia limitada a definir se a instituição financeira deve responder por danos decorrentes de operações bancárias que, embora contestadas pelo correntista, foram realizadas com o uso de cartão magnético com "chip" e da senha pessoal.

3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações que, embora contestadas, são realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista.

4. Hipótese em que as conclusões da perícia oficial atestaram a inexistência de indícios de ter sido o cartão do autor alvo de fraude ou ação criminosa, bem como que todas as transações contestadas foram realizadas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista.

5. O cartão magnético e a respectiva senha são de uso exclusivo do correntista, que deve tomar as devidas cautelas para impedir que terceiros tenham acesso a eles.

6. Demonstrado na perícia que as transações contestadas foram feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes.

7. Recurso especial provido" (destaquei).

(STJ, REsp n° 1.633.785/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cuêva, Terceira Turma, julgamento em 24/10/2017, DJe: 30/10/2017).

Nessa ordem de ideias, entendo que, se o próprio cliente entrega seu cartão e dados pessoais a terceiro – e isso se revela suficiente para que o golpe aconteça -, não há que se falar em responsabilidade civil do banco, porquanto se está diante de hipótese de culpa exclusiva de terceiros, sem que sequer seja possível ao banco evitar a fraude, na forma do artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor.

Nada obstante, constatado que eventual defeito na prestação do serviço bancário contribuiu  para possibilitar a concretização do golpe, há de se reconhecer a culpa concorrente entre o consumidor e a casa bancária.

Assim vem decidindo esta Turma em casos semelhantes:

“DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. “GOLPE DO MOTOBOY”. FATO DE TERCEIRO. CULPA DOS AUTORES AO ENTREGAREM CARTÃO BANCÁRIO A SUPOSTO MENSAGEIRO DO BANCO. TRANSAÇÕES EM VALORES SUPERIORES AOS LIMITES DIÁRIOS E INCOMPATÍVEIS COM O COMPORTAMENTO FINANCEIRO DOS AUTORES. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO BANCÁRIO. CULPA CONCORRENTE DO BANCO RÉU.

1. Pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais que entende ter sofrido em razão de fraude bancária.

2. A narrativa trazida aos autos elucida a dinâmica daquilo que vem sido conhecido como "golpe do motoboy": alguém liga para as possíveis vítimas se passando por funcionário do banco e, ao final do engodo, convence-a a entregar um cartão para um suposto emissário desse banco; de posse do cartão e de informações pessoais da vítima, os criminosos fazem diversas transações em seu nome.

3. Se o próprio cliente entrega seu cartão e dados pessoais a terceiro – e isso se revela suficiente para que o golpe aconteça -, não há que se falar em responsabilidade civil do banco, porquanto se está diante de hipótese de culpa exclusiva de terceiros, sem que sequer seja possível ao banco evitar a fraude, na forma do artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.

4. Nada obstante, constatado que eventual defeito na prestação do serviço bancário contribuiu para possibilitar a concretização do golpe, há de se reconhecer a culpa concorrente entre o consumidor e a casa bancária. Precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

5. É de se esperar da pessoa média que mora em grandes centros urbanos, como é o caso dos autores, que desconfie de pessoas que dizem que um emissário irá retirar o seu cartão bancário em sua residência. É fato notório que os bancos não retiram cartão na casa do cliente.

6. Houve culpa de terceiro e dos autores ao fornecerem cartão bancário para pessoa que se passou por funcionário da requerida, configurando-se fortuito externo ao serviço bancário, já que os fatos se passaram fora da órbita de atuação da requerida.

7. Demonstrado que as transações nas contas dos autores foram superiores aos limites diários e que a compra efetuada com o cartão de crédito de um deles foi significativamente incompatível com o uso que o autor vinha regularmente fazendo, configurada está a culpa concorrente do banco réu, uma vez que o serviço bancário não apresentou a segurança que dele razoavelmente se espera (art. 14, § 1°, II, do CDC).

8. Ante o similar grau de culpa dos autores e da instituição financeira, fica esta condenada ao ressarcimento de metade dos valores aqui discutidos. Art. 945 do Código Civil.

9. Em que pese os valores subtraídos dos autores serem elevados, não houve prova de que isso tenha importado em desdobramentos relevantes o suficiente para configurar um dano moral, especialmente porque suas contas bancárias continuaram com bom saldo positivo, sem que lhes tenham sido impostas dificuldades financeiras. Pedido de indenização por dano moral rejeitado.

10. Apelação parcialmente provida para condenar a ré a indenizar os autores em R$ 24.808,89 (vinte e quatro mil, oitocentos e oito reais e oitenta e nove centavos), bem como ao pagamento de metade das custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação”.

(TRF da 3ª Região, Apelação Cível nº 5003915-40.2020.4.03.6114/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, julgamento em 06/07/2022, DJEN: 08/07/2022).

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SAQUES INDEVIDOS EM CONTA BANCÁRIA. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA 297 DO STJ. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDOS NA PROPORÇÃO DE METADE DO VALOR INDENIZATÓRIO. RECURSO DA CEF DESPROVIDO.

1. A responsabilidade civil das instituições financeiras é objetiva, aplicando-se a elas as normas protetivas constantes do Código de Defesa do Consumidor. O entendimento encontra-se sedimentado por meio da Súmula 297 do C. STJ.

2. A responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco do empreendimento, pela qual o fornecedor tem o dever de responder por eventuais vícios ou defeitos dos bens ou serviços disponibilizados no mercado de consumo, independentemente de culpa (art. 14 do CDC).

3. A despeito de ser prescindível a comprovação do elemento subjetivo, impõe-se ao prejudicado, no entanto, demonstrar o preenchimento dos requisitos essenciais da responsabilidade civil, quais sejam: a deflagração de um dano, a conduta ilícita do prestador de serviço, bem como o nexo de causalidade entre o defeito e o agravo sofrido.

4. Tais pressupostos estão presentes no caso dos autos. É incontroverso o fato de ter o autor disponibilizado o cartão ao golpista, entretanto, não se pode afirmar, sem elementos comprobatórios, que a senha para utilização do meio de pagamento também foi informada. Cabia ao réu provar que todas as operações foram feitas mediante digitação de senha, como sustentou, mas deste ônus não se desincumbiu.

5. Também permitiu a CEF que terceiros falsários se apropriassem de dados bancários sensíveis do consumidor, e não observou padrões de consumo do cliente, não checando, em tempo real, a regularidade dos lançamentos, anotando que as compras impugnadas escapam ao perfil ordinário de utilização do cartão.

6. O sistema de segurança bancário não é imune a falhas, não podendo ser considerada a culpa exclusiva da vítima, como sustenta a CEF. Como bem observou a sentença recorrida, houve culpa concorrente da vítima, porque contrariou instruções básicas fornecidas pela CEF e forneceu o cartão ao motoboy, devendo a indenização por danos materiais corresponder à metade do prejuízo financeiro experimentado pelo autor em razão do golpe sofrido.

7. O objeto da presente lide - saques indevidos em conta bancária - provocou inúmeros transtornos à parte apelada, sobretudo pela intensa aflição de ver suas economias se esvaírem por meio de uma fraude.

8. Não obstante, não há que se cogitar de comprovação de dor ou sofrimento, pois o dano moral, aqui, é in re ipsa, ou seja, prescinde de comprovação, por decorrer diretamente do evento lesivo.

9. Considerando o interesse jurídico lesado e as particularidades do caso concreto, especialmente a idade avançada da parte autora e os dissabores por ela enfrentados para demonstrar a fraude de que foi vítima, vislumbro razões para que a CEF seja condenada ao pagamento de danos morais, devendo ser mantido o valor fixado pela sentença, o qual não discrepa da orientação jurisprudencial para casos semelhantes e está de acordo com as balizas da razoabilidade e proporcionalidade.

10. Recurso de apelação desprovido” (destaquei).

(TRF da 3ª Região, Apelação Cível nº 5004253-77.2021.4.03.6114/SP, Rel. Desembargador Federal Hélio Nogueira, Primeira Turma, julgamento em 26/05/2022, DJEN: 31/05/2022).

Assim também já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“SENTENÇA - Nulidade – Inocorrência - Decisão fundamentada, tendo a sua prolatora exposto, com clareza, os fundamentos, de fato e de direito, que motivaram o seu convencimento Observância dos requisitos previstos no art.489 do CPC Preliminar rejeitada.

CARTÃO DE CRÉDITO - Autor vítima do ‘golpe do motoboy’ - É certo que ao aderir ao sistema de cartão de crédito, o titular assume a obrigação de guarda e conservação do cartão - O autor concorreu, culposamente, para este evento danoso, pois descumpriu o seu dever de guarda do cartão que lhe foi confiado, uma vez que o entregou a uma pessoa desconhecida, com base, apenas, em ligações telefônicas, além de ter fornecido a respectiva senha - Culpa concorrente do consumidor evidenciada - Hipótese, porém, que as transações impugnadas foram realizadas fora do perfil de compras do autor - Dever da instituição financeira de checar a regularidade das operações, notadamente por se tratar de lançamentos superiores ao perfil de gastos da consumidora – Culpa concorrente da instituição financeira evidenciada - Responsabilidade de ambas as partes - Autor que deve arcar com metade dos débitos relativos aos lançamentos impugnados com cartão de crédito Ação julgada parcialmente procedente - Recurso parcialmente provido, por maioria de votos, neste aspecto.

INDENIZAÇÃO - DANO MORAL – Inocorrência - Ausência de provas de que o fato tivesse acarretado violação a direitos da personalidade do autor e nem se cogita de lesão in re ipsa - Recurso improvido, por unanimidade de votos, neste aspecto.

VERBAS DE SUCUMBÊNCIA - Ação julgada parcialmente procedente uma vez que o autor decaiu da sua pretensão relativa à indenização por dano moral e de 50% do pedido concernente ao dano material, enquanto o réu decaiu de 50% do pedido referente ao dano material As partes responderão pelas custas e despesas processuais na proporção de 2/3 para o autor e 1/3 para a ré, bem como os honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, caberá 2/3 desta verba ao autor e 1/3 ao réu, com a observação de ser o autor beneficiário da gratuidade da justiça.

RECURSO PROVIDO EM PARTE, POR MAIORIA DE VOTOS” (destaquei).

(TJSP, Apelação nº 1003902-37.2020.8.26.0003, Rel. Desembargador Carlos Goldman, 24ª Câmara de Direito Privado, julgamento em 31/08/2021).

Bem firmadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.

Alega o autor ter sido vítima de fraude, uma vez que criminosos ligaram para ele se passando por setor de segurança do banco réu e, ao final da encenação, obtiveram seu cartão e senha e fizeram uma série de transações, como relatei.

Tenho que a narrativa é verossímil e coerente com o quanto relatado pelo autor à Polícia (ID 178419753).

Também as movimentações discutidas trazem nítidas características de fraude, como tratarei mais adiante.

Além disso, os fatos são incontroversos, dado que a CEF limita-se a argumentar que o evento configuraria fortuito externo, tese de direito acolhida em sentença (ID 178419776 e 178419935).

Com efeito, entendo que é de se esperar da pessoa média que mora em grandes centros urbanos, como é o caso do autor, que desconfie de pessoas que dizem que um emissário irá retirar o seu cartão bancário em sua residência. É fato notório que os bancos não retiram cartão na casa do cliente.

Evidencia-se, portanto, a culpa do autor pelo evento.

Passo à análise sobre uma possível culpa concorrente da CEF nos eventos aqui discutidos.

O autor discriminou diversas movimentações – entre saques, pagamentos de boletos e compras com cartão – no período entre 20 e 26/10/2020 (ID 178419746 – pág. 04/05).

Tais movimentações levaram o saldo do autor de R$ 61.912,43 (sessenta e um mil, novecentos e doze reais e quarenta e três centavos) em 20/10/2020 – data da fraude – para apenas R$ 2.922,22 (dois mil, novecentos e vinte e dois reais e vinte e dois centavos) em 26/10/2020, data em que cessaram as operações – provavelmente porque o cartão do autor foi bloqueado, como ele narra na inicial (ID 178419749 – pág. 14/15).

A CEF poderia ter demonstrado nos autos que tais transações teriam sido feitas dentro dos padrões de movimentação do autor e dos limites de segurança impostos em sua conta, enquanto fatos impeditivos do direito do autor (art. 373, II, do CPC/2015), mas não o fez.

Tenho que os elementos dos autos evidenciam, sem qualquer dúvida, que tais transações são muito diferentes do uso normal da conta pelo autor.

Basta ver que, no período entre 01/09/2019 e 19/10/2020 (um dia antes da fraude), o autor não havia levantado nenhum centavo daquela conta (ID 178419749).

No período em que os criminosos atuaram, houve expressivas e recorrentes movimentações; era de se esperar que a casa bancária desconfiasse do uso incomum da conta, mas só em 26 ou 27/10 é que foi providenciado (aparentemente) o bloqueio do cartão.

Quanto aos limites diário e por operação do cartão do autor, não foram eles discriminados nos autos; mas, considerando que toda conta e todo cartão bancário tem limites de operação (o que se sabe por regra comum de experiência), os elementos aqui constantes demonstram suficientemente que as transações superam os limites da conta do autor.

Sobre isso, diz o autor que nunca conseguiu fazer transferência nem pagamentos de boletos superiores a R$ 3.000,00 (três mil reais), o que é bastante verossímil e não foi impugnado pela ré (ID 178419754).

Além disso, em caso semelhante ao destes autos (Apelação Cível nº 5003915-40.2020.4.03.6114/SP), a CEF disponibilizou um link segundo o qual os limites diários de uso de cartão com chip de seus clientes seria de R$ 5.000,00 (cinco mil reais - https://www.caixa.gov.br/voce/cartoes/debito/perguntas-frequentes/Paginas/default.aspx#:~:text=%E2%80%8BQual%20%C3%A9%20o%20limite,01%20%C3%A0s%2006%3A00*, último acesso em julho de 2022).

No caso concreto, vê-se que, no dia 20/10/2020, foram realizadas transações nos valores de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), R$ 3.499,99 (três mil, quatrocentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos) e R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), totalizando a significativa quantia de R$ 11.999,99 (onze mil, novecentos e noventa e nove reais) num único dia (ID 178419749 – pág. 14).

Situação semelhante se verificou nos dias seguintes.

Desta forma, demonstrado que as transações nas contas dos autores foram superiores aos limites diários e que a compra efetuada com o cartão de crédito de um deles foi significativamente incompatível com o uso que o autor vinha regularmente fazendo, configurada está a culpa concorrente do banco réu, uma vez que o serviço bancário não apresentou a segurança que dele razoavelmente se espera (art. 14, § 1°, II, do CDC).

 

Ante o similar grau de culpa dos autores - que entregaram seus cartões mediante fraude que poderiam ter percebido - e da instituição financeira, fica esta condenada ao ressarcimento de metade dos valores aqui discutidos, isto é, R$ 29.499,49 (vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quarenta e oito centavos), a título de danos materiais, com atualização monetária e juros de mora na forma que passo a fixar.

Em se tratando de responsabilidade civil por ilícito extracontratual, sobre a indenização por dano material incidirão juros de mora e atualização monetária a partir da data de cada movimentação (Súmula n° 54 do Superior Tribunal de Justiça), exclusivamente pela taxa SELIC, que é a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil e não se admite sua cumulação com correção monetária, uma vez que esta já está compreendida na formação da taxa. Este é o entendimento sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:

 “A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 do Código Civil de 2002, segundo precedente da Corte Especial (EREsp 727842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008), é a SELIC, não sendo possível cumulá-la com correção monetária, porquanto já embutida em sua formação.”

(STJ. EDcl no RESP 1.025.298 RS. Segunda Seção. Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão. DJe 01/02/2013).

Rejeito, no entanto, o pedido de indenização por danos morais.

Isto porque, para o reconhecimento do dano moral, torna-se necessária a demonstração, por parte do ofendido, de prova de exposição a situação relevante de desconforto, de humilhação, de exposição injustificada a constrangimento e outras semelhantes; à mingua dessa demonstração, impossível se faz o reconhecimento de dano moral exclusivamente pelo fato da recusa ao pagamento de cobertura securitária.

A vida em sociedade reclama algumas concessões por parte de seus agentes, não sendo de se atribuir a meros desencontros comerciais, sem repercussões de maior relevância, a composição de danos morais, sob pena de se banalizar o próprio instituto.

 E não há que se falar em dano moral in re ipsa, ou presumido, porque este se configura tão somente nas hipóteses em que o evento tem potencial danoso suficiente a dispensar a prova da ocorrência de dano moral em concreto, o que não é o caso da recusa à quitação do financiamento porque tal situação pode ser de elevado ou mínimo impacto na esfera de direitos patrimoniais ou extrapatrimoniais da parte, a depender do caso concreto.

No caso concreto, em que pese os valores subtraídos do autor serem elevados, não houve prova de que isso tenha importado em desdobramentos relevantes o suficiente para configurar um dano moral, especialmente porque sua conta bancária continuou com bom saldo positivo, sem que lhes tenham sido impostas dificuldades financeiras.

A alegação de que o autor estava acumulando dinheiro naquela conta para quitar um financiamento imobiliário é relevante, mas também não demonstra o alegado dano moral, eis que o autor poderia já estar amortizando as prestações desse financiamento, o que lhe garantiria melhores descontos de juros e encargos. Também após a condenação da CEF será possível que ele antecipe valores daquela dívida.

Por fim, embora o autor tenha deduzido pedido de declaração de inexigibilidade de débito, não consta dos autos a existência de nenhuma dívida em seu nome contraída fraudulentamente, de sorte que o pedido não comporta provimento.

Condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

Mantida a condenação da parte autora em honorários, ante a vedação à compensação prevista no § 14 do artigo 85 do CPC/2015 e observada a gratuidade da justiça.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação para condenar a ré a indenizar o autor em R$ 29.499,49 (vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quarenta e oito centavos), bem como ao pagamento de metade das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

É como voto.



E M E N T A

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. “GOLPE DO MOTOBOY”. FATO DE TERCEIRO. CULPA DOS AUTORES AO ENTREGAREM CARTÃO BANCÁRIO A SUPOSTO MENSAGEIRO DO BANCO. TRANSAÇÕES EM VALORES SUPERIORES AOS LIMITES DIÁRIOS E INCOMPATÍVEIS COM O COMPORTAMENTO FINANCEIRO DOS AUTORES. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO BANCÁRIO. CULPA CONCORRENTE DO BANCO RÉU.

1. Pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais que entende ter sofrido em razão de fraude bancária.

2. A narrativa trazida aos autos elucida a dinâmica daquilo que vem sido conhecido como "golpe do motoboy": alguém liga para as possíveis vítimas se passando por funcionário do banco e, ao final do engodo, convence-a a entregar um cartão para um suposto emissário desse banco; de posse do cartão e de informações pessoais da vítima, os criminosos fazem diversas transações em seu nome.

3. Se o próprio cliente entrega seu cartão e dados pessoais a terceiro – e isso se revela suficiente para que o golpe aconteça -, não há que se falar em responsabilidade civil do banco, porquanto se está diante de hipótese de culpa exclusiva de terceiros, sem que sequer seja possível ao banco evitar a fraude, na forma do artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.

4. Nada obstante, constatado que eventual defeito na prestação do serviço bancário contribuiu para possibilitar a concretização do golpe, há de se reconhecer a culpa concorrente entre o consumidor e a casa bancária. Precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

5. É de se esperar da pessoa média que mora em grandes centros urbanos, como é o caso dos autores, que desconfie de pessoas que dizem que um emissário irá retirar o seu cartão bancário em sua residência. É fato notório que os bancos não retiram cartão na casa do cliente.

6. Houve culpa de terceiro e dos autores ao fornecerem cartão bancário para pessoa que se passou por funcionário da requerida, configurando-se fortuito externo ao serviço bancário, já que os fatos se passaram fora da órbita de atuação da requerida.

7. Demonstrado que as transações nas contas dos autores foram superiores aos limites diários e que a compra efetuada com o cartão de crédito de um deles foi significativamente incompatível com o uso que o autor vinha regularmente fazendo, configurada está a culpa concorrente do banco réu, uma vez que o serviço bancário não apresentou a segurança que dele razoavelmente se espera (art. 14, § 1°, II, do CDC).

8. Ante o similar grau de culpa dos autores e da instituição financeira, fica esta condenada ao ressarcimento de metade dos valores aqui discutidos. Art. 945 do Código Civil.

9. Em que pese os valores subtraídos dos autores serem elevados, não houve prova de que isso tenha importado em desdobramentos relevantes o suficiente para configurar um dano moral, especialmente porque suas contas bancárias continuaram com bom saldo positivo, sem que lhes tenham sido impostas dificuldades financeiras. Pedido de indenização por dano moral rejeitado.

10. Apelação parcialmente provida para condenar a ré a indenizar os autores em R$ 29.499,49 (vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quarenta e oito centavos), bem como ao pagamento de metade das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação para condenar a ré a indenizar o autor em R$ 29.499,49 (vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e nove reais e quarenta e oito centavos), bem como ao pagamento de metade das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.