Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005947-64.2019.4.03.6110

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

APELANTE: JOSE CLAUDINEI VIEIRA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005947-64.2019.4.03.6110

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

APELANTE: JOSE CLAUDINEI VIEIRA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de José Claudinei Vieira contra a sentença (id. 158204661) que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado.

Em suas razões recursais (id. 158204663), a defesa pleiteia a desclassificação do crime de contrabando para o crime de descaminho e a incidência do princípio da insignificância. Subsidiariamente, requer a redução da pena aplicada, a fixação do regime inicial aberto para cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Com contrarrazões da acusação (id. 158204666), os autos vieram a esta Corte Regional.

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso (id. 158964865).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005947-64.2019.4.03.6110

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

APELANTE: JOSE CLAUDINEI VIEIRA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Consta dos autos que José Claudinei Vieira foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, porque, no dia 19 de agosto de 2019, por volta de 00h01, na residência localizada na Rua Manoel de Campos, 348, no município de Itapetininga/SP, mantinha em depósito, com objetivo comercial, mercadoria de origem estrangeira introduzidas clandestinamente no território nacional, consistente em 1.039 (um mil e trinta e nove) maços de cigarros, sendo 693 (seiscentos e noventa e três) da marca Eight, 326 (trezentos e vinte e seis) da marca Might e 20 (vinte) da marca (id. 158204603).

Narra a exordial que os policiais militares, no exercício de suas atribuições, abordaram o réu e Cícero Nunes de Barros Junior, e apreenderam uma grande quantidade de entorpecentes, sendo que nesta mesma oportunidade, na diligência policial na residência do réu, os cigarros contrabandeados foram encontrados.

Conclui o Ministério Público Federal que a mercadoria foi avaliada em R$ 4.145,61 (quatro mil, cento e quarenta e cinco reais e sessenta e um centavos), sendo o total de tributos iludidos estimado em R$ 3.653,98 (três mil, seiscentos e cinquenta e três reais e noventa e oito centavos).

Após regular instrução, sobreveio sentença que condenou o réu José Claudinei Vieira pela prática do crime previsto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado.

Passo às matérias devolvidas.

A defesa requer a desclassificação da conduta do art. 334-A, § 1º, inciso IV, do Código Penal para a do delito de descaminho (artigo 334, do Código Penal), com a aplicação do princípio da insignificância.

Sem razão.

A internação no País de cigarros de origem estrangeira é proibida e configura o crime de contrabando (importar ou exportar mercadoria proibida), pois se trata de produto sem registro perante a autoridade sanitária brasileira, por pessoa não autorizada e com intuito comercial, nos termos dos preceitos constantes nos artigos 44 a 53 da Lei nº 9.532/97 (legislação tributária federal) e no Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 6.759, de 05/02/2009, que dispõe sobre a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior.

Ademais, o artigo 20 da Resolução RDC nº 90/07 da ANVISA, que regula o registro de dados cadastrais dos produtos fumígenos derivados do tabaco, prevê que a marca específica somente poderá ser comercializada após a publicação do deferimento da petição de Registro de Dados Cadastrais, no Diário Oficial da União.

O §1º deste dispositivo estabelece, ainda, que é proibida a importação, a exportação e a comercialização no território nacional de qualquer marca de produto fumígeno que não esteja devidamente regularizada na forma desta Resolução ainda que a marca se destine à pesquisa no mercado consumidor (grifo nosso).

Dispõem, ainda, os artigos 46 da Lei nº 9.532/97 e 600 do Decreto nº 6.759/09 que é vedada a importação de cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem.

No particular, os maços de cigarros apreendidos são de origem estrangeira (693 da marca Eight, 326 da marca Might e 20 da marca ), conforme consta do Laudo pericial nº 330.854/2019 (id. 158204582 – fls. 151/156), e referidas marcas não constam da relação publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, razão pela qual é proibida a sua comercialização.

Portanto, embora não seja imputada ao réu a conduta de internalização das mercadorias proibidas, sua comercialização ficou devidamente demonstrada da análise do conjunto probatório, fato este que se enquadra na figura de contrabando.

Desta forma, a conduta praticada pelo réu amolda-se ao tipo penal descrito no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal.

Neste caso, tratando-se de mercadoria proibida, não há falar em crédito tributário constituído e, em consequência, não se aplica o princípio da insignificância. Isto porque os cigarros importados irregularmente, sem o devido controle dos agentes sanitários, representam grande risco à saúde dos potenciais consumidores, fato que impede a aplicação ao caso de solução idêntica à adotada para os delitos que ofendem tão somente o erário.

Aqui, os bens jurídicos tutelados pela norma são a ordem econômica, a saúde pública, a segurança, entre outros. Desta feita, o valor dos tributos iludidos em razão da importação dos cigarros apreendidos com o apelante não é apto a quantificar o prejuízo resultante da prática delitiva, a ponto de caracterizar a mínima ofensividade da conduta e consequente exclusão da tipicidade por aplicação do princípio da insignificância.

Acrescenta-se que, de forma excepcional o referido princípio é aplicado se a quantidade de cigarros apreendidos é de pequena monta.

No presente caso, foram encontrados com o réu 1.039 (um mil e trinta e nove) maços de cigarros paraguaios de marca diversas (id. 158204582 – fls. 151/156), quantidade que extrapola o limite estabelecido por esta Colenda Turma que é até de 1000 (mil) maços de cigarros, o que também inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância.

Ademais, tal princípio não se aplica ao réu também pelo fato de ele responder a outras demandas em que se apura delitos da mesma natureza (processos 0005012-95.2008.4.03.6110, 0006586-22.2009.4.03.6110, 0007062-60.2009.4.03.6110, 0003216-98.2010.4.03.6110 e 0008999-13.2006.4.03.6110 – id. 158204621).

A jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou-se no sentido de que a habitualidade criminosa é circunstância que impede a aplicação do princípio da insignificância, cuja constatação prescinde de condenação definitiva, sendo bastante a comprovação da contumácia da conduta.

Assim, não bastasse a quantidade de cigarros apreendidos, a habitualidade criminosa do réu igualmente constitui empecilho à aplicação do referido princípio.

No mais, observo que não houve insurgência das partes quanto à existência de provas de materialidade delitiva, a qual foi devidamente comprovada durante a instrução processual.

A materialidade delitiva está delineada nos seguintes elementos: a) Auto de prisão em flagrante (id. 158204582 – fls. 2/3); b) Auto de exibição e apreensão (id. 158204582 – fls. 21/24); c) Laudo pericial nº 330.854/2019 (id. 158204582 – fls. 151/156); e d) Auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de mercadorias nº 0811000/0231/2019 (id. 158204591 – fls. 25/27).

Já a autoria delitiva e o dolo também são incontestes, na medida em que as provas documentais apresentadas foram corroboradas na oitiva das testemunhas Claudinei Roberto Ferreira dos Santos e Claudio Roberto Nogueira, policiais militares (id. 158204647, 158204648 e 158204649).

A testemunha Claudinei Roberto Ferreira dos Santos disse que na rua existia um veículo estacionado com duas pessoas, sendo que uma empreendeu fuga. O réu teria lhe dito que, em sua residência, tinha cigarros, drogas e dinheiro. O local em que encontraram a carga era a residência do réu (id. 158204647).

Já a outra testemunha policial Claudio Roberto Nogueira, que participou da ocorrência dos fatos narrados na denúncia, relatou que estavam em patrulhamento quando encontraram um veículo parado no qual estavam duas pessoas. Um saiu correndo e o outro ficou no automóvel, sendo que ele indicou a sua residência, permitindo a sua entrada. Na casa do réu, eles teriam encontrado drogas, cigarros do Paraguai e dinheiro (id. 158204648 e 158204649).

O réu José Claudinei Vieira, em seu interrogatório judicial (id. 158204650 e 158204651), declarou que os cigarros estavam localizados na sua casa, porém não eram seus e também não possuía o objetivo de venda. Disse que contou para os policiais que as mercadorias estavam em sua residência, porque estava devendo para um traficante.

Dessa forma, de rigor a manutenção da condenação de José Claudinei Vieira pela prática do crime previsto no artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal.

No tocante a dosimetria, verifico que o juízo de primeiro grau procedeu da seguinte forma:

“Passo, assim, à fixação da pena.

No que tange aos antecedentes de JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA, observa-se, conforme consta no ID nº 41438948 e ID nº 41440401, a existência de vários inquéritos policiais e ações penais em detrimento do acusado durante os últimos anos. De acordo com a súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça somente as condenações transitadas em julgado podem ser valoradas em desfavor do acusado.

Nesse ponto, observa-se a existência de três condenações transitadas em julgado referentes a fatos ocorridos antes da data do delito objeto desta ação penal, a saber: 1) ação penal nº 0020380-33.2011.8.26.0269, que tramitou perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga, cujos fatos ocorreram em 14 de junho de 2011, em relação a qual o réu foi condenado à pena de 5 (cinco) meses de prestação de serviços à comunidade, como incurso no artigo 28 da Lei nº 11.343/03, por conta de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 22/07/2013, cujo trânsito em julgado se operou em 12 de setembro de 2013; 2) ação penal nº 0016957-65.2011.826.0269,  que também tramitou perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga, cujos fatos ocorreram em 09 de setembro de 2011, em relação a qual o réu foi condenado à pena de 5 (cinco) meses de prestação de serviços à comunidade, como incurso no artigo 28 da Lei nº 11.343/03, cujo trânsito em julgado se operou em 27 de maio de 2013 (ID nº 41440401, página 15 e 16); 3) ação penal nº 0000068-65.2013.826.0269, que também tramitou perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga, cujos fatos ocorreram em 31 de dezembro de 2012, em relação a qual o réu foi condenado à pena de 5 (cinco) anos de reclusão em regime fechado, como incurso no artigo 33 caput da Lei nº 11.343/03, cujo trânsito em julgado se operou em 18 de julho de 2014. Conforme consta expressamente no ID nº 41440401, página 14, no dia 09 de janeiro de 2018 referida pena foi declarada extinta pelo seu integral cumprimento no processo de execução penal nº 7001635-55.2014.8.26.0114.

Em sendo assim, ao ver deste juízo, os dois primeiros registros devem ser considerados como maus antecedentes e o terceiro (mais grave) como reincidência.

Note-se que, em se tratando de fatos distintos, não há que se falar em “bis in idem”, uma vez que condenações distintas podem ser usadas para configuração de maus antecedentes e reincidência.

Nesse sentido, cite-se ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC nº 99.044, 2ª Turma (27/04/2010), Relatora Ministra Ellen Gracie: (...)

Destarte, em atendimento aos princípios da razoabilidade, da necessidade e suficiência à reprovação e prevenção ao crime, que devem nortear a fixação da sanção penal, é mister que se puna com maior rigor aqueles indivíduos que cometem delitos no passado e, mesmo com condenações definitivas, voltam a delinquir, do que aquele que se envolveu em uma única incursão delitiva.

Em sendo assim, por conta da existência de duas condenações transitadas em julgado antes dos fatos objeto deste processo – ação penal nº 0020380-33.2011.8.26.0269 e nº 0016957-65.2011.826.0269, ambas em curso perante a 2ª Vara Criminal de Itapetininga – a pena-base deve ser acrescida em oito meses, a título de maus antecedentes (aumento maior por se tratar de duas condenações a serem valoradas).

Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se que a quantidade de cigarros não é grandiosa de forma a gerar a necessária majoração da pena (um total de 1.039 maços); os motivos para a prática do delito são inerentes ao tipo penal.

Não obstante, entendo que a culpabilidade do acusado JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA é intensa. Com efeito, conforme comprovado acima, o réu se dedica ao comércio ilegal de produtos oriundos do Paraguai há bastante tempo, ou seja, ao menos desde 2006. Conforme já narrado, consta no ID nº 41438949, vários procedimentos criminais na Subseção Judiciária de Sorocaba em face do réu JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA envolvendo o crime de contrabando e descaminho, a saber: 1) autos nº 0005012-95.2008.4.03.6110, em curso perante a 3ª Vara Federal de Sorocaba; 2) autos nº 0006586-22.2009.4.03.6110, em curso perante a 2ª Vara Federal de Sorocaba; 3) autos nº 0007062-60.2009.4.03.6110, em curso perante a 1ª Vara Federal de Sorocaba; 4) autos nº 0003216-98.2010.4.03.6110, em curso perante a 2ª Vara Federal de Sorocaba; 5) autos nº  0008999-13.2006.4.03.6110, em curso perante a 3ª Vara Federal de Sorocaba.

Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial desfavorável relativa à intensa reprovabilidade da conduta do réu JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA, a pena deve ser aumentada em seis meses.

Destarte, fixo a pena-base de JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA em 3 (três) anos e 2 (dois) meses de reclusão, ou seja, aumento de oito meses por conta da existência de maus antecedentes e aumento de seis meses por conta da culpabilidade do acusado JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA.

Na segunda fase da dosimetria da pena, verifico a presença da agravante contida no artigo 61, inciso I do Código Penal, qual seja, a reincidência. Conforme já aduzido, trata-se de condenação oriunda da ação penal nº 0000068-65.2013.826.0269, que também tramitou perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga, cujos fatos ocorreram em 31 de dezembro de 2012, em relação a qual o réu foi condenado à pena de 5 (cinco) anos de reclusão em regime fechado, como incurso no artigo 33 caput da Lei nº 11.343/03, cujo trânsito em julgado se operou em 18 de julho de 2014. Conforme consta expressamente no ID nº 41440401, página 14, no dia 09 de janeiro de 2018 referida pena foi declarada extinta por sentença pelo seu integral cumprimento no processo de execução penal nº 7001635-55.2014.8.26.0114.

Ou seja, neste caso, o crime objeto desta ação penal foi cometido em 19 de agosto de 2019, isto é, em data posterior ao trânsito em julgado da demanda noticiada, restando caracteriza a reincidência para fins do disposto no artigo 63 do Código Penal, sendo ainda certo que evidentemente não houve o transcurso do lapso temporal de cinco anos entre da data da extinção da pena (09 de janeiro de 2018) ou cumprimento da pena até a infração retratada nestes autos.

Em relação às atenuantes, neste caso específico, entendo inaplicável a atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal, haja vista que JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA não admitiu expressamente o cometimento do delito em judicial. Em realidade observa-se que procurou elidir a sua conduta, afirmando que os cigarros não eram seus, já que estava apenas guardando, uma vez que tinha uma dívida em relação a um traficante.

Em sendo assim, agravo a pena de JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA em 1/6 (um sexto) sobre a pena-base, passando a dosá-la na segunda fase em 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão.

Destarte, diante da inexistência de causas de aumento ou diminuição de pena aplicáveis ao caso (terceira fase da dosimetria da pena), torno a pena definitiva de JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA, em relação ao delito de contrabando, em 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão.

Tendo em vista que não existe a cominação de pena de multa para o crime de contrabando, por óbvio deixo de aplicá-la.

No que se refere ao regime de cumprimento de pena, diante da existência de duas circunstâncias judiciais não favoráveis ao acusado JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA acima referidas, nos termos expressos § 3º do artigo 33 do Código Penal, não poderá o réu iniciar o cumprimento da pena no regime semiaberto, muito embora o quantitativo da pena pudesse dar ensejo a tal regime, visto ser ele reincidente e, assim, jamais faria jus ao regime aberto.

Nesse diapasão, é cediço que o magistrado deve valer-se não somente da gravidade do crime cominado, mas também das circunstâncias pessoais do agente para fixar o regime.

No caso de JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA, o regime a ser fixado é o fechado. Com efeito, estamos diante de réu que detém contra si sentença condenatória transitada em julgado por delito grave, ou seja, tráfico de drogas, ficando provado que é reincidente.

Outrossim, conforme acima delineado, o réu JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA é portador de maus antecedentes (duas condenações) e, ademais, restou provado que detém conduta habitual envolvendo contrabando e/ou descaminho, pelo que comprovado que faz desse crime meio de vida. Inclusive, no dia em que cometeu o crime descrito na denúncia foi flagrado portando drogas, fato este que gerou a ação penal nº 1501187-41.2019.826.0571, em curso perante a 1ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga.

Note-se que, neste caso, não se afigura viável a incidência da súmula nº 269 do Superior Tribunal de Justiça, cujo teor está assim vazado: “É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”. Neste caso, o réu é reincidente; portador de maus antecedentes; além de demonstrar intensa culpabilidade ao continuar cometendo o mesmo ilícito evolvendo a importação irregular de mercadorias e ser flagrado traficando drogas.

Com relação especificamente à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito em relação à pena de JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA, incide no caso o inciso II do artigo 44 do Código Penal, que inviabiliza a imposição de penas restritivas de direito para os casos de réus reincidentes em crime doloso.

No presente caso, inclusive, o réu JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA não detém os requisitos subjetivos que lhe ensejariam a concessão da benesse legal, não sendo socialmente recomendável que preste serviços à comunidade, já que de forma reiterada se dedica ao comércio de produtos ilícitos oriundos do Paraguai; sendo flagrado no dia da autuação cometendo crime de tráfico de drogas (que gerou a ação penal nº 1501187-41.2019.826.0571, em curso perante a 1ª Vara da Comarca de Itapetininga); além de ser portador de maus antecedentes.

Em relação à necessidade de decretação da prisão preventiva do acusado, não foi decretada a prisão preventiva nestes autos, em razão da denúncia ter sido ofertada muito tempo após o flagrante por tráfico de drogas nos autos da ação penal nº1501187-41.2019.826.0571.

Neste momento processual este juízo não tem elementos concretos para decretar a prisão preventiva de JOSÉ CLAUDINEI VIEIRA, até porque desde a data do flagrante e do delito o acusado encontra-se preso cumprindo pena. Note-se que o Supremo Tribunal Federal tem decidido que para a decretação da prisão preventiva devem existir elementos concretos de perigo à ordem pública, sendo certo que esses elementos devem ser contemporâneos com a data da decretação da prisão preventiva, já que esta última tem índole cautelar e não visa à imposição de pena de forma antecipada.

Por outro lado, no que tange aos cigarros objeto do auto de apreensão, a perda do produto do crime ou de qualquer bem que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato ilícito, constitui efeito automático da condenação, nos termos expressos do art. 91, inciso II, alínea "b", do Código Penal, não importando se haja desproporção entre tributos sonegados e o valor dos bens. Portanto, referidos bens devem ser declarados perdidos, devendo a Receita Federal do Brasil dar a devida destinação aos bens, isto é, em face do teor do artigo 14 e seu parágrafo único do Decreto Lei nº 1.593/77, com a redação que lhe deu o art. 111 da Lei nº 8.981/95, incinerar os cigarros apreendidos.

Por fim, deve-se analisar a aplicação das modificações perpetradas pela Lei nº 11.719/08, acrescentando o inciso IV ao artigo 387 do Código de Processo Penal, através da qual o juiz deve fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração. Neste caso, a hipótese descrita na lei configura-se inaplicável, uma vez que a perda das mercadorias já constitui ressarcimento pelos danos causados, destacando-se que não incidem tributos em relação às mercadorias objeto de perdimento (artigo 1º, § 4º, inciso III do Decreto-lei nº 37/66 e artigo 2º, inciso III da Lei nº 10.865/04, sendo que a aplicação do artigo 65 da Lei nº 10.833/03 ocorre para fins administrativos, ou seja, trata-se de mera estimativa administrativa de valor para fins de controle da Receita Federal).

A defesa de José Claudinei Vieira se insurge contra o aumento da pena-base em 6 (seis) meses por “culpabilidade” (ações e inquéritos em andamento), bem como requer que seja afastada ou diminuída, a proporção de 8 (oito) meses de aumento da pena-base, aplicada sob o fundamento de “maus antecedentes”.

Na primeira fase da dosimetria, o artigo 59, do Código Penal estabelece as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena-base: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.

Aqui, de fato, as consequências, a motivação e circunstâncias são normais à espécie delitiva, dos elementos dos autos não se destacam dados que desabonem o réu em sua personalidade e conduta social, sendo que o comportamento da vítima é circunstância neutra.

O magistrado sentenciante estabeleceu a pena-base acima do mínimo legal (3 anos e 2 meses de reclusão), sob o fundamento de que a culpabilidade do réu é reprovável e possui maus antecedentes.

Observo que o juízo sentenciante considerou as condenações do réu nos processos 0020380-33.2011.8.26.0269 (2ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga, data dos fatos em 14.06.11, incurso no artigo 28 da Lei nº 11.343/03, com trânsito em julgado em 12.09.13) e 0016957-65.2011.826.0269 (2ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga, data dos fatos em 09.09.2011, incurso no artigo 28 da Lei nº 11.343/03, com trânsito em julgado em 27.05.2013) para determinar os maus antecedentes do réu (id. 158204623).

Verifica-se que a questão da exasperação da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de 5 (cinco) anos teve repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário nº 593.818-RG/SC, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, com conclusão de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal em 17.08.2020, com fixação da tese de que “Não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal”.

Assim, no caso dos autos, mantenho o aumento referente aos maus antecedentes do réu devidamente constatados nos autos, assim como fez o juiz a quo em 8 meses.

Com relação à valoração negativa da culpabilidade, esta deve ser afastada, pois tal exasperação da pena equivale à violação transversa da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça, além do princípio da presunção de inocência.

Ainda que o réu possua variados registros criminais em seu nome, inclusive pelo mesmo delito dos autos, não há indicação de trânsito em julgado nos que foram considerados para indicar uma reprovabilidade maior em termos de culpabilidade.

Na verdade, no caso dos autos, os processos comprovadamente com trânsito em julgado já foram considerados para aumentar a pena do réu com fundamento nos maus antecedentes, não podendo servir para uma exasperação também na culpabilidade.

Portanto, mantenho o aumento quanto aos maus antecedentes e afasto a majoração de sua pena-base quanto à culpabilidade, fixando-a em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

Na segunda fase da dosimetria, verifico que o magistrado aplicou a agravante da reincidência, de modo que a preservo (0000068-65.2013.826.0269, 2ª Vara Criminal da Comarca de Itapetininga, data dos fatos em 31.12.2012, incurso no artigo 33, caput da Lei nº 11.343/03, com trânsito em julgado em 18.07.2014 – id. 158204623), por se tratar de registro criminal diverso do utilizado para caracterização dos maus antecedentes.

Deste modo, considerando proporcional e razoável o patamar de 1/6 (um sexto), fixo a pena intermediária do réu em 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão.

Na terceira fase da dosimetria, ausentes causas de aumento e de diminuição da pena, conservo a pena definitiva de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão.

Para a fixação do regime, devem ser observados os seguintes fatores: modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, Código Penal); quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas “a”, “b” e “c”, Código Penal); caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas “b” e “c”, Código Penal) e circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do Código Penal).

Aqui, as circunstâncias judiciais subjetivas do réu não são inteiramente favoráveis, já que possui maus antecedentes e também é reincidência, de modo que a pena fixada em concreto (3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão) não é o fator determinante para fixação do regime do cumprimento da pena, por isso estabeleço o regime semiaberto.

No que diz respeito à conversão da sanção corporal por restritivas de direitos, é fato que a reincidência merece consideração, porém, considerando que a pena foi estabelecida abaixo do teto previsto no artigo 44, I do Código Penal, que não se trata de reincidência específica, bem como por entender que constitui medida socialmente recomendável, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária que arbitro no valor de 2 (dois) salários mínimos, ambas na forma e destinação estipuladas pelo Juízo da Execução Penal.

Mantenho, no mais, a sentença recorrida.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da defesa de José Claudinei Vieira para reduzir a fração de aumento da pena-base, estabelecer o regime inicial semiaberto e substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, do que resulta a reprimenda de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão pela prática do crime do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, com substituição por prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, na forma e destinação definidas pelo Juízo da Execução Penal.

É como voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. DESCLASSIFICAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. HABITUALIDADE DELITIVA. DOSIMETRIA. PENA BASE. MAUS ANTECEDENTES. CULPABILIDADE. REINCIDÊNCIA. REGIME PRISIONAL.

1. A internação no país de cigarros de origem estrangeira configura o crime de contrabando, pois se trata de produto sem registro perante a autoridade sanitária brasileira, por pessoa não autorizada e com intuito comercial.

2. A comprovação de processos administrativos fiscais anteriores, independentemente do trânsito em julgado na esfera criminal, configura a reiteração da conduta delitiva de contrabando pelo agente e impede a aplicação do princípio da insignificância.

3. A condenação anterior definitiva alcançada pelo prazo de 5 (cinco) anos gera efeitos negativos na pena-base como maus antecedentes se devidamente comprovada.

4. Os indícios de reiteração delitiva não podem servir de fundamento para agravar a pena-base, sob pena de violar, por via transversa, a Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça e o princípio da presunção de inocência.

5. A pena privativa de liberdade fixada em concreto não é isoladamente o elemento determinante para fixação do regime prisional e a constatação de maus antecedentes e de reincidência implica, em tese, o estabelecimento de regime prisional mais gravoso.

6. Recurso da defesa parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu, dar parcial provimento ao recurso da defesa de José Claudinei Vieira para reduzir a fração de aumento da pena-base, estabelecer o regime inicial semiaberto e substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, do que resulta a reprimenda de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão pela prática do crime do artigo 334-A, §1º, inciso IV, do Código Penal, com substituição por prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, na forma e destinação definidas pelo Juízo da Execução Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.