APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000707-85.2019.4.03.6113
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: LUCIA HELENA DA SILVA VICENTE
Advogados do(a) APELANTE: ADONIS AUGUSTO OLIVEIRA CALEIRO - SP338515-A, JOSE CARLOS THEO MAIA CORDEIRO - SP74491-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000707-85.2019.4.03.6113 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: LUCIA HELENA DA SILVA VICENTE Advogados do(a) APELANTE: ADONIS AUGUSTO OLIVEIRA CALEIRO - SP338515-A, JOSE CARLOS THEO MAIA CORDEIRO - SP74491-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por LÚCIA HELENA DA SILVA VICENTE, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL- INSS, objetivando o restabelecimento do benefício previdenciário de pensão (NB 072.361.963-8), cessado em 17/08/1999. A r. sentença, prolatada em 14/05/2020, julgou improcedente o pedido deduzido na inicial e condenou a autora no pagamento de honorários advocatícios, suspendendo, contudo, a exigibilidade desta verba por cinco anos, nos termos do artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil. Em razões recursais, a parte autora pugna pela reforma do r. decisum, ao fundamento de que faz jus ao restabelecimento do benefício, eis que não foi informada pelo INSS de que a celebração de novas núpcias poderia ensejar a extinção do vínculo de dependência econômica com o instituidor. No mais, questiona a decisão administrativa, eis que não houve melhoria de sua condição socioeconômica que justificasse sua exclusão do rol de dependentes, devendo ser observada a súmula 170 do TFR neste aspecto. Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000707-85.2019.4.03.6113 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: LUCIA HELENA DA SILVA VICENTE Advogados do(a) APELANTE: ADONIS AUGUSTO OLIVEIRA CALEIRO - SP338515-A, JOSE CARLOS THEO MAIA CORDEIRO - SP74491-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Inicialmente, cumpre salientar que a pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum. Tal entendimento jurisprudencial restou consolidado na Súmula 340 do C. STJ, in verbis: "A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado." (g. n.) À época do passamento, por sua vez, vigia a Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS (Lei n. 3.807/1960), regulamentada pelo Decreto n. 83.080/79, de 29 de janeiro de 1979. A referida Lei, em seu artigo 36, assegurava o pagamento do benefício de pensão aos dependentes do segurado que viesse a falecer, aposentado ou não, desde que cumprida a carência mínima de 12 (doze) contribuições mensais. Eram consideradas dependentes do instituidor, para fins previdenciários, as pessoas elencadas no artigo 11 da Lei n. 3.807/1960, com a redação dada pelo Decreto-Lei n. 66/1966: "I - a esposa, o marido inválido, a companheira, mantida há mais de 5 (cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos, e as filhas solteiras de qualquer condição, menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas. (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 1973) II - a pessoa designada, que, se do sexo masculino, só poderá ser menor de 18 (dezoito) anos ou maior de 60 (sessenta) anos ou inválida; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) III - o pai inválido e a mãe; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) IV - os irmãos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos, e as irmãs solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas: (Incluído pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) § 1º A existência de dependentes de qualquer das classes enumeradas nos itens dêste artigo exclui do direito às prestações os dependentes enumerados nos itens subseqüentes, ressalvado o disposto nos §§ 3º, 4º e 5º. (Incluído pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) § 2º Equiparam-se aos filhos, nas condições estabelecidas no item I, e mediante declaração escrita do segurado: (Incluído pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) a) o enteado; (Incluída pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) b) o menor, que, por determinação judicial, se ache sob sua guarda; (Incluída pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) c) o menor que se ache sob sua tutela e não possua bens suficientes para o próprio sustento e educação. (Incluída pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) § 3º Inexistindo espôsa ou marido inválido com direito às prestações, a pessoa designada poderá, mediante declaração escrita do segurado, concorrer com os filhos dêste. (Incluído pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) § 4º Não sendo o segurado civilmente casado, considerar-se-á tàcitamente designada a pessoa com que se tenha casado segundo rito religioso, presumindo-se feita a declaração prevista no parágrafo anterior. (Incluído pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) § 5º Mediante declaração escrita do segurado, os dependentes enumerados no item III poderão concorrer com a espôsa ou o marido inválido, ou com a pessoa designada, salvo se existirem filhos com direito às prestações. (Incluído pelo Decreto-lei nº 66, de 1966) § 6º - O marido desempregado será considerado dependente da esposa ou companheira segurada o Instituto da Previdência Social - INPS para efeito de obtenção de assistência média. (Redação dada pela Lei nº 7.010, de 1982) " O mesmo diploma legal, em seu artigo 14, ainda excluía expressamente do rol de dependentes do segurado instituidor: a) o cônjuge desquitado que não recebesse pensão alimentícia; b) o cônjuge que tivesse abandonado voluntariamente o lar por mais de 5 (cinco) anos; e, nos termos do artigo 234 do então vigente Código Civil de 1916, c) a esposa que abandonasse o lar conjugal, "sem justo motivo", e que a ele se recusasse a voltar. Nos termos do artigo 38, caput, do mesmo diploma legal, estabelecia-se que o valor da pensão seria constituído de uma parcela de caráter familiar, correspondente a 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da aposentadoria a que faria jus o instituidor na data do óbito; e outra correspondente a tantas parcelas de 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos fossem os dependentes do de cujus, respeitado o limite máximo de 100% (cem por cento) sobre o valor da aposentadoria. Quanto à forma de distribuição dos proventos, no caso específico do ex-cônjuge, o valor de sua cota corresponderia excepcionalmente apenas ao "valor da pensão alimentícia judicialmente arbitrada", destinando-se a renda mensal remanescente aos demais dependentes do segurado falecido, nos termos do artigo 38, §2º, da Lei n. 3.807/1960, com a redação dada pela Lei n. 5.890/1973. Já o parágrafo 3º do artigo 38 da LOPS esclarecia que a referida cota seria reajustada na mesma época e de acordo com os mesmos índices aplicáveis aos benefícios previdenciários em geral. As cotas individuais da pensão, por sua vez, só poderiam ser extintas nas seguintes hipóteses (artigo 39 da LOPS): a) morte do pensionista; b) casamento da pensionista do sexo feminino; c) alcance da maioridade previdenciária aos 18 (dezoito) anos para os filhos e irmãos, excetuados aqueles que fossem inválidos; d) alcance da maioridade previdenciária aos 21 (vinte e um) anos para as filhas e irmãs, com exceção dos casos de invalidez comprovada; e) alcance da maioridade previdenciária aos 18 (dezoito) anos para a pessoa do sexo masculino que viesse a ser indicada como dependente pelo instituidor antes do óbito; e f) cessação da invalidez, a qual deveria ser verificada mediante a realização periódica de perícias, estando dispensados de se submeter a tal reavaliação os dependentes que atingissem 50 (cinquenta) anos de idade, nos termos do parágrafo único do artigo 41 da LOPS. Se o número de dependentes excedesse a 5 (cinco), haveria a reversão da cota individual a se extinguir, de forma sucessiva, àqueles que a ela tivessem direito. Finalmente, o benefício de pensão só seria extinto após a cessação da cota titularizada pelo último dependente habilitado, nos termos do artigo 40 da Lei n. 3.807/1960. Havia ainda a previsão de concessão provisória do benefício de pensão aos dependentes após 6 (seis) meses da decretação judicial de morte presumida do segurado instituidor. Seriam dispensáveis as exigências de declaração judicial e de consumação do prazo semestral no caso de restar demonstrado o desaparecimento do de cujus em virtude de acidente, desastre ou catástrofe. Por fim, na hipótese de reaparecimento do segurado instituidor, o beneplácito seria cessado, estando os dependentes dispensados de ressarcimento o erário de tais valores, nos termos do artigo 42, §2º, da Lei n. 3.807/1960. A Súmula 170 do Tribunal Federal de Recursos ainda previa a possibilidade da continuidade do recebimento da pensão, nos casos em que o novo casamento não resultasse melhoria da situação econômica do cônjuge supérstite. Do caso concreto. O óbito do Sr. Lázaro Ribeiro, ocorrido em 23/08/1980, restou comprovado pela certidão de óbito. Igualmente incontestes a qualidade de segurado e o cumprimento da carência mínima exigida por lei, eis que o de cujus usufruía do benefício de auxílio-doença na época do passamento (NB 071.357.855-6) (ID 142377323 - p. 39). A celeuma diz respeito à persistência da condição de dependente da autora após a celebração de novas núpcias. Compulsando os autos, verifica-se que a demandante e sua filha Alexandra obtiveram a concessão administrativa do benefício de pensão por morte em 23/08/1980 (NB 072.361.963-8), por serem respectivamente cônjuge e filha do instituidor (ID 142377323 - P. 48). Na oportunidade, a demandante subscreveu termo de responsabilidade, no qual se comprometeu a informar ao então INSTITUTO NACIONAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - INPS, em até 30 (trinta) dias, a ocorrência dos seguintes fatos jurídicos: a) casamento de dependente; b) óbito de dependente (ID 142377323 - Pág. 37). Ora, mesmo a pessoa mais humilde não tem dificuldade de entender o que significa casamento ou óbito. Ademais, não há notícia de que a autora fosse analfabeta, de modo que não se pode presumir que ela não entendeu o que estava escrito em tal termo de responsabilidade, sobretudo considerando que a compreensão do referido texto prescindia de qualquer conhecimento técnico prévio do leitor. Ainda que esse não fosse o caso, impende salientar que o desconhecimento da lei não pode ser invocado como causa aceitável para o seu descumprimento, nos termos do artigo 3º da então Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei 4657 de 4 de setembro de 1942). A mera discordância da autora com as consequências jurídicas advindas das novas núpcias, por sua vez, não justificaria obviamente a ocultação da ocorrência de tal fato do INPS. Tampouco se pode sustentar que a simulação da inexistência do novo vínculo conjugal, com o único propósito de perpetuar o pagamento de prestação previdenciária que se tornou indevida, seria jurídica e moralmente aceitável. Desse modo, comprovada a celebração de novas núpcias pela demandante com o Sr. Ademir da Silva Vicente em 28/05/1983, a extinção de sua cota era de rigor, em respeito aos artigos 39, II, da Lei n. 3.807/1960 e 125, II, do Decreto n. 83.080/79. No entanto, o entendimento jurisprudencial dominante atenua o rigor da referida causa extintiva do benefício na hipótese de a pensionista conseguir demonstrar que, a despeito do novo matrimônio, não houve a melhoria de sua situação socioeconômica, de modo que sua dependência em relação ao segurado instituidor permanecia. A fim de comprovar a alegada persistência da dependência econômica, foi realizada audiência de instrução em 14/11/2019, na qual foram ouvidas a autora e três testemunhas. Em seu depoimento pessoal, a autora declarou que o instituidor faleceu em 1980. Disse ainda que após o seu segundo casamento com o Sr. Ademir, foi ao INPS e deu baixa na sua cota do benefício. Assim, toda a renda mensal se reverteu em proveito de sua filha Alexandra. No entanto, a demandante continuou sacando tais valores no banco Itaú e fazendo sua gestão, mesmo após a maioridade civil de sua filha. Disse não se lembrar se assinou algum documento pedindo a extinção de sua cota. Afirmou não ter perguntado ao servidor do INPS se era necessário essa baixa. Aduziu que o seu segundo marido, o Sr. Ademir, estava desempregado em 1983. Quando celebrou as novas núpcias em 1983, a autora tinha 26 anos de idade e o seu novo cônjuge 25. Atualmente, o marido da autora está aposentado, recebendo cerca de R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) de proventos. Esclareceu que só entrou com a ação judicial de restabelecimento agora, pois foi informada pelo advogado de que teria tal direito. Disse que seu marido atual continuou trabalhando após a aposentadoria. "Conheceu a autora em 1984, sendo que a mesma já era casada, não sabendo informar se o seu esposo trabalha ou é aposentado. Afirma que não observou melhora na condição da autora. Indagado, respondeu que agora eles possuem um apartamento, em predinho pequeno, não sabendo se é financiado. Aduz também que a autora vendia picolé" (depoimento da testemunha ADEMAR VALERIANO GOMES). "Informa que a autora morava na roça quando casou com o senhor Lázaro. Afirma que quando a demandante se casou pela segunda vez, o marido estava desempregado e depois começou a trabalhar. Aduz que moram atualmente em casa própria, sendo predinho simples para pessoa de baixa renda, financiado. Assevera que não achou que sua condição melhorou muito. Indagada, respondeu que durante o primeiro casamento sempre morou em casa alugada" (depoimento da testemunha MARIA LÚCIA GOMES FERREIRA DE PAULA). "Sueli Aparecida de Andrade Borsariu, irmã da autora, ouvida como informante, afirma que não se lembra de muita coisa do primeiro casamento, sabendo que a autora recebeu pensão e que o atual marido está aposentado. Informa que a autora pediu o cancelamento da pensão. Aduz que agora a autora possui casa própria, porém se trata de moradia simples, financiada" (depoimento da testemunha SUELI APARECIDA DE ANDRADE BORSARI). Os relatos demonstraram razoável melhoria na condição de vida da autora após a celebração das novas núpcias, já que ela deixou de morar em casa alugada e passou a residir em imóvel próprio. Além disso, o extrato do CNIS da autora e a cópia da CTPS de seu atual marido, o Sr. Ademir, mostram que o casal teve uma vida laboral extremamente produtiva após 1983 (ID 142378346 - p. 4/9 e 32/33 e ID 142377330 - p. 1/2). Diante desse contexto fático, inviável acolher a tese de que não houve melhoria na condição socioeconômica da demandante, razão pela qual se mostra inaplicável no caso vertente o entendimento consolidado na Súmula 170 do extinto Tribunal Federal de Recursos. Por derradeiro, dado o lapso temporal em que a autora requereu o benefício, passados 42 anos da morte do primeiro esposo, é razoável concluir que provia sua subsistência mediante outros meios, em especial porque se casou novamente, restando afastada por completo a presunção de que, mais de quarenta anos depois do falecimento do seu ex-marido, ainda mantinha dependência econômica em relação a ele. Aliás, a absurdidade da pretensa situação jurídica que se pretende ver reconhecida em juízo salta aos olhos, razão pela qual entendo não demonstrada a dependência econômica necessária ao restabelecimento do benefício vindicado. Nesse sentido: "PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. LEGISLAÇÃO EM VIGOR À DATA DO ÓBITO. LEI 3.807/60. EXTINÇÃO DO BENEFÍCIO POR NOVO CASAMENTO DA PENSIONISTA. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. O direito ao benefício de pensão por morte é regido pela legislação em vigor à data do óbito, quando surge a possibilidade de sua pretensão, nos termos do enunciado nº 340 da Súmula do STJ. 2. A pensão discutida nos presentes autos decorreria da morte do ex-marido da autora, ocorrida em 1973, tendo a própria requerente afirmado em depoimento pessoal que no ano de 1976 se casou novamente, acontecimentos que se deram quando em vigor a Lei 3.807/1960, a qual dispunha em seu art. 39 que novo matrimônio de pensionista do sexo feminino extinguiria o direito ao benefício. 3. Ainda que a parte ré não tenha levantado em sua defesa questão de relevância para deslinde do feito, o juiz deve se ater aos fatos e circunstâncias dos autos para julgar a lide, segundo o art. 371, do CPC, o qual dispõe: "O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação do seu convencimento". 4. Apelação da parte autora improvida.(APELAÇÃO 00043450920114019199, JUIZ FEDERAL HERMES GOMES FILHO, TRF1 - 2ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE MINAS GERAIS, e-DJF1 DATA:06/03/2017 PAGINA:.)." "PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. PENSÃO POR MORTE. NOVO CASAMENTO . ARTIGO 39 DA LEI Nº 3.807/60 E SÚMULA 170 DO EX-TFR. RECURSO IMPROVIDO. Na égide do regime previdenciário pretérito, as novas núpcias convoladas pela viúva davam causa à extinção da pensão por morte ( lei nº 3.807/60 - art. 39). A jurisprudência, contudo, admitia a manutenção do benefício, quando do novo matrimônio não resultasse melhora da situação econômico-financeira, de molde a justificar o cancelamento dos proventos (Súmula nº 170 do ex-TFR). No caso dos autos, o voto vencedor examinou minuciosamente a situação econômico-financeira da embargante após o novo casamento e concluiu que ela não continuava dependendo da cota da pensão por morte do segurado falecido. Embargos infringentes improvido. (TRF3; AC 95.03.020034-2; 3ª Seção; Rel. Desembargadora Federal Eva Regina; j. 09.05.2007; DJU 06.07.2007; pág. 288)." Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pela demandante e, em respeito ao disposto no artigo 85, §11, do CPC, majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento), respeitando-se os limites previstos nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. LEGISLAÇÃO EM VIGOR NA DATA DO ÓBITO. LEI 3.807/60 E DECRETO 83.080/79. CÔNJUGE. CELEBRAÇÃO DE NOVAS NÚPCIAS. CAUSA EXTINTIVA DO BENEFÍCIO CONFIGURADA. MELHORIA DA CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA APÓS O SEGUNDO MATRIMÔNIO. VERIFICADA. GIGANTESCO LAPSO TEMPORAL DESDE O ÓBITO DO PRIMEIRO MARIDO. SUBSISTÊNCIA PROVIDA POR OUTROS MEIOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 170 DO TFR. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS EM SEDE RECURSAL.
1 - Inicialmente, cumpre salientar que a pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum. Tal entendimento jurisprudencial restou consolidado na Súmula 340 do C. STJ, in verbis: "A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado".
2 - À época do passamento, por sua vez, vigia a Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS (Lei n. 3.807/1960), regulamentada pelo Decreto n. 83.080/79, de 29 de janeiro de 1979.
3 - A referida Lei, em seu artigo 36, assegurava o pagamento do benefício de pensão aos dependentes do segurado que viesse a falecer, aposentado ou não, desde que cumprida a carência mínima de 12 (doze) contribuições mensais.
4 - Eram consideradas dependentes do instituidor, para fins previdenciários, as pessoas elencadas no artigo 11 da Lei n. 3.807/1960, com a redação dada pelo Decreto-Lei n. 66/1966.
5 - O mesmo diploma legal, em seu artigo 14, ainda excluía expressamente do rol de dependentes do segurado instituidor: a) o cônjuge desquitado que não recebesse pensão alimentícia; b) o cônjuge que tivesse abandonado voluntariamente o lar por mais de 5 (cinco) anos; e, nos termos do artigo 234 do então vigente Código Civil de 1916, c) a esposa que abandonasse o lar conjugal, "sem justo motivo", e que a ele se recusasse a voltar.
6 - Nos termos do artigo 38, caput, do mesmo diploma legal, estabelecia-se que o valor da pensão seria constituído de uma parcela de caráter familiar, correspondente a 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da aposentadoria a que faria jus o instituidor na data do óbito; e outra correspondente a tantas parcelas de 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos fossem os dependentes do de cujus, respeitado o limite máximo de 100% (cem por cento) sobre o valor da aposentadoria.
7 - Quanto à forma de distribuição dos proventos, no caso específico do ex-cônjuge, o valor de sua cota corresponderia excepcionalmente apenas ao "valor da pensão alimentícia judicialmente arbitrada", destinando-se a renda mensal remanescente aos demais dependentes do segurado falecido, nos termos do artigo 38, §2º, da Lei n. 3.807/1960, com a redação dada pela Lei n. 5.890/1973. Já o parágrafo 3º do artigo 38 da LOPS esclarecia que a referida cota seria reajustada na mesma época e de acordo com os mesmos índices aplicáveis aos benefícios previdenciários em geral.
8 - As cotas individuais da pensão, por sua vez, só poderiam ser extintas nas seguintes hipóteses (artigo 39 da LOPS): a) morte do pensionista; b) casamento da pensionista do sexo feminino; c) alcance da maioridade previdenciária aos 18 (dezoito) anos para os filhos e irmãos, excetuados aqueles que fossem inválidos; d) alcance da maioridade previdenciária aos 21 (vinte e um) anos para as filhas e irmãs, com exceção dos casos de invalidez comprovada; e) alcance da maioridade previdenciária aos 18 (dezoito) anos para a pessoa do sexo masculino que viesse a ser indicada como dependente pelo instituidor antes do óbito; e f) cessação da invalidez, a qual deveria ser verificada mediante a realização periódica de perícias, estando dispensados de se submeter a tal reavaliação os dependentes que atingissem 50 (cinquenta) anos de idade, nos termos do parágrafo único do artigo 41 da LOPS.
9 - Se o número de dependentes excedesse a 5 (cinco), haveria a reversão da cota individual a se extinguir, de forma sucessiva, àqueles que a ela tivessem direito. Finalmente, o benefício de pensão só seria extinto após a cessação da cota titularizada pelo último dependente habilitado, nos termos do artigo 40 da Lei n. 3.807/1960.
10 - Havia ainda a previsão de concessão provisória do benefício de pensão aos dependentes após 6 (seis) meses da decretação judicial de morte presumida do segurado instituidor. Seriam dispensáveis as exigências de declaração judicial e de consumação do prazo semestral no caso de restar demonstrado o desaparecimento do de cujus em virtude de acidente, desastre ou catástrofe.
11 - Por fim, na hipótese de reaparecimento do segurado instituidor, o beneplácito seria cessado, estando os dependentes dispensados de ressarcimento o erário de tais valores, nos termos do artigo 42, §2º, da Lei n. 3.807/1960.
12 - A Súmula 170 do Tribunal Federal de Recursos ainda previa a possibilidade da continuidade do recebimento da pensão, nos casos em que o novo casamento não resultasse melhoria da situação econômica do cônjuge supérstite.
13 - O óbito do Sr. Lázaro Ribeiro, ocorrido em 23/08/1980, restou comprovado pela certidão de óbito.
14 - Igualmente incontestes a qualidade de segurado e o cumprimento da carência mínima exigida por lei, eis que o de cujus usufruía do benefício de auxílio-doença na época do passamento (NB 071.357.855-6) (ID 142377323 - p. 39).
15 - A celeuma diz respeito à persistência da condição de dependente da autora após a celebração de novas núpcias.
16 - Compulsando os autos, verifica-se que a demandante e sua filha Alexandra obtiveram a concessão administrativa do benefício de pensão por morte em 23/08/1980 (NB 072.361.963-8), por serem respectivamente cônjuge e filha do instituidor (ID 142377323 - P. 48).
17 - Na oportunidade, a demandante subscreveu termo de responsabilidade, no qual se comprometeu a informar ao então INSTITUTO NACIONAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - INPS, em até 30 (trinta) dias, a ocorrência dos seguintes fatos jurídicos: a) casamento de dependente; b) óbito de dependente (ID 142377323 - Pág. 37).
18 - Ora, mesmo a pessoa mais humilde não tem dificuldade de entender o que significa casamento ou óbito. Ademais, não há notícia de que a autora fosse analfabeta, de modo que não se pode presumir que ela não entendeu o que estava escrito em tal termo de responsabilidade, sobretudo considerando que a compreensão do referido texto prescindia de qualquer conhecimento técnico prévio do leitor.
19 - Ainda que esse não fosse o caso, impende salientar que o desconhecimento da lei não pode ser invocado como causa aceitável para o seu descumprimento, nos termos do artigo 3º da então Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei 4657 de 4 de setembro de 1942).
20 - A mera discordância da autora com as consequências jurídicas advindas das novas núpcias, por sua vez, não justificaria obviamente a ocultação da ocorrência de tal fato do INPS. Tampouco se pode sustentar que a simulação da inexistência do novo vínculo conjugal, com o único propósito de perpetuar o pagamento de prestação previdenciária que se tornou indevida, seria jurídica e moralmente aceitável.
21 - Desse modo, comprovada a celebração de novas núpcias pela demandante com o Sr. Ademir da Silva Vicente em 28/05/1983, a extinção de sua cota era de rigor, em respeito aos artigos 39, II, da Lei n. 3.807/1960 e 125, II, do Decreto n. 83.080/79.
22 - No entanto, o entendimento jurisprudencial dominante atenua o rigor da referida causa extintiva do benefício na hipótese de a pensionista conseguir demonstrar que, a despeito do novo matrimônio, não houve a melhoria de sua situação socioeconômica, de modo que sua dependência em relação ao segurado instituidor permanecia.
23 - A fim de comprovar a alegada persistência da dependência econômica, foi realizada audiência de instrução em 14/11/2019, na qual foram ouvidas a autora e três testemunhas.
24 - Os relatos demonstraram razoável melhoria na condição de vida da autora após a celebração das novas núpcias, já que ela deixou de morar em casa alugada e passou a residir em imóvel próprio. Além disso, o extrato do CNIS da autora e a cópia da CTPS de seu atual marido, o Sr. Ademir, mostram que o casal teve uma vida laboral extremamente produtiva após 1983 (ID 142378346 - p. 4/9 e 32/33 e ID 142377330 - p. 1/2).
25 - Diante desse contexto fático, inviável acolher a tese de que não houve melhoria na condição socioeconômica da demandante, razão pela qual se mostra inaplicável no caso vertente o entendimento consolidado na Súmula 170 do extinto Tribunal Federal de Recursos.
26 - Dado o lapso temporal em que a autora requereu o benefício, passados 42 anos da morte do primeiro esposo, é razoável concluir que provia sua subsistência mediante outros meios, em especial porque se casou novamente, restando afastada por completo a presunção de que, mais de quarenta anos depois do falecimento do seu ex-marido, ainda mantinha dependência econômica em relação a ele. Aliás, a absurdidade da pretensa situação jurídica que se pretende ver reconhecida em juízo salta aos olhos, razão pela qual se entende não demonstrada a dependência econômica necessária ao restabelecimento do benefício vindicado. Precedentes.
27 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
28 - Apelação da autora desprovida.