Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003470-60.2013.4.03.6112

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

APELADO: OLICIO DOS SANTOS PEREIRA, EUNICE MAXIMO DE OLIVEIRA PEREIRA

Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - SP241316-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003470-60.2013.4.03.6112

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

APELADO: OLICIO DOS SANTOS PEREIRA, EUNICE MAXIMO DE OLIVEIRA PEREIRA

Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - SP241316-A
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R E L A T Ó R I O

 

Apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pela União Federal contra sentença que julgou procedente em parte ação civil pública para, verbis:

 

Ao fio do exposto, com fulcro no art. 269, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido vertido na inicial para o fim de CONDENAR os Réus à obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas não edificantes e de preservação localizadas em 15 (quinze) metros desde a borda da calha do leito regular do Rio Paraná e abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel; sob pena de demolição das obras e recomposição da área degradada, bem como o pagamento de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total e parcial de qualquer das obrigações acima discriminadas. Considerando a sucumbência recíproca, que reputo no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada parte, os honorários se compensam em idêntica proporção. Custas processuais na mesma proporção, observada a isenção que goza o MPF e a União Federal. P.R.I.C.

 

Sustenta o Parquet:

a) o novo Código Florestal (art. 4º, I, "e") estabeleceu APP de 500 metros para os cursos d'água com largura superior a 600 metros. A alteração em relação ao anterior se deu apenas no que toca à definição de que a faixa de proteção passa a ser contada a partir da calha regular do rio, não do nível mais alto, conforme o art. 2º, "a", item 5, da Lei nº 4.771/65;

b) o magistrado a quo restringiu a APP a somente 15 metros por considerar que se cuida de zona urbana consolidada, nos termos do artigo 65, §2º, da Lei nº 12.651/12, porém o local não preenche os requisitos do inciso II do artigo 47 da Lei nº 11.977/09, na medida em que não há fornecimento de água nem rede de esgoto, bem como porque o Município de Rosana tem densidade demográfica de 26,51 hab/km2;

c) não bastasse, nos termos do art. 65, § 2º, da Lei 12.651/12 e Resolução CONAMA 369/06, somente é possível a regularização fundiária de áreas urbanas consolidadas que não sejam de risco, o que não é o caso da dos autos, que está sujeita a inundações;

d) não há notícia de existência de procedimento de regularização fundiária, de forma que é equivocada a área de preservação de 15 metros adotada pelo magistrado;

e) a diminuição do espaço protegido, tal como estabelecido no decisum, viola o dever geral de proteção ambiental estatuído no artigo 225 da CF e o princípio de não retrocesso social;

f) o prejuízo ambiental foi constatado pelos laudos de perícia criminal (fls. 80/97 do apenso);

g) não há direito adquirido à degradação do meio ambiente e a responsabilidade é objetiva, independentemente de culpa (art. 14, §1º, Lei nº 6.938/81 e 225 da CF);

h) a desocupação, demolição e recomposição florestal são medidas inarredáveis para estancar a agressão perpetrada no tempo, não só ao meio ambiente, mas à livre fruição da população a um bem de uso comum. Assim, não se configura afronta ao direito de propriedade, moradia ou dignidade dos réus, consideradas a supremacia do interesse público e a própria preservação da humanidade;

i) não foi fixada indenização pelos danos ao ecossistema, reparação que é cabível em atenção aos artigos 4º, VII, e 14, §1º, da Lei nº 6.938/81 e ao princípio da reparação integral.

Pede, ao final, seja estipulada a faixa de 500 metros como de preservação permanente, de modo a que os réus sejam condenados a abster-se de utilizar, explorar ou suprimir qualquer vegetação do imóvel localizado no lote 149 (renumerado para 144) da Avenida Erivelton Francisco de Oliveira, s/ nº, Município de Rosana, bem como demolir todas as construções ali existentes, retirar o entulho e recompor a cobertura florestal em seis meses, em conformidade com projeto técnico a ser aprovado pelo CBRN, que dever ser apresentado em trinta dias, sob pena de multa diária de um salário mínimo, a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação de Interesses Difusos Lesados, além de indenização a ser quantificada, pagamento de honorários e custas.

 

Às fls. 267/272, a União recorreu e aduz que:

a) a faixa marginal a ser preservada na área do imóvel é de 500 metros, dada a largura do Rio Paraná no local (superior a 600m - art. 2ª, "a", item 5 e 4º, I, "e", da Lei nº 12.561/12);

b) a localidade não tem as condições legais para ser considerada como urbana consolidada, seja por se enquadrar como várzea de inundação (artigo 3º, inciso XXI, da Lei nº 12.651/12), seja por não preencher os requisitos do art. 47 da Lei nº 11.977/09, como demonstra o laudo de perícia criminal dos autos;

c) as normas municipais é que devem se compatibilizar às federais, inclusive do CONAMA, não o contrário, pois implicaria autorizar os municípios a reduzir a extensão da APP definida no Código Florestal;

d) a utilização da propriedade e de seus consectários fora dos padrões de legalidade e funcionalidade social é ilegítima e injustificável a invocação de direito de inerência, retenção ou adquirido;

e) não há direito adquirido à degradação ambiental e de não reparar o dano causado, de forma que é inadequado reportar-se à historicidade da área invadida para legitimar a permanência dos apelados.

 

Transcorreu in albis o prazo para contrarrazões dos réus (fl. 275 verso).

 

Nesta corte, o Ministério Público Federal apresentou parecer como custos legis (fls. 278/286), no qual argumenta que:

a) a manutenção do meio ambiente é direito difuso que gera deveres ao poder público e à coletividade, consoante o artigo 225 da CF. Em consonância com esse dispositivo, o Código Florestal de 1965 (artigo 2º,"a", item 5) estabeleceu área de preservação permanente de 500 metros para os cursos d'água com largura superior a 600 metros, limite que se aplica às zonas urbanas ou rurais (parágrafo único);

b) o advento da Lei nº 12.651/12 em nada modificou a situação irregular em que já se encontrava o imóvel, porque a APP foi mantida em quinhentos metros (alínea "e" do inciso I do artigo 4º);

c) a prova dos autos é farta e demonstra que a residência localizada no lote dos réus foi construída na clandestinidade, pois está dentro da APP e não possui qualquer autorização ou licença dos órgãos competentes;

d) é irrelevante que a Lei Complementar Municipal nº 20/2007 estabeleça que o Bairro Beira Rio se integra ao perímetro urbano do Município de Rosana, dada a aplicabilidade da legislação federal em comento;

e) o imóvel em questão não preenche os requisitos para que seja considerado como área urbana consolidada (artigo 47, I e II, da Lei nº 11.977/2009);

f) os laudos periciais constantes do apenso demonstram o dano ambiental. Assim, configurada a responsabilidade objetiva (artigo 14, §1º, Lei nº 6938/81) e a função social da propriedade (artigo 1228, § 1º, CC), devem os réus indenizar, independentemente de culpa e sem prejuízo de promoverem sua reparação (artigo 225, § 3º, CF).

Opinou, desse modo, fossem os recursos providos.

 

Na sessão realizada no dia 05/12/2018, após o relator proferir voto no sentido de dar parcial provimento aos apelos e à remessa oficial, a fim de que fosse respeitada a área de preservação ambiental de quinhentos metros, estabelecido o prazo de trinta dias para apresentação do plano de recuperação ambiental ao órgão ambiental responsável, observadas a obrigação de demolição completa das edificações existentes no terreno e retirada do entulho para local apropriado, vedada qualquer medida alternativa à remoção, bem como o pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento, o julgamento ficou suspenso por pedido de vista da Desembargadora Federal Marli Ferreira (Id. 107752990 – 124/167). Posteriormente, na sessão ocorrida em 27/06/2019, esta Quarta Turma acolheu a questão de ordem de suspensão do julgamento do feito, em razão do acórdão proferido na proposta de afetação de Recurso Especial nº 1.770.760/SC, sob o rito dos recursos repetitivos, enquanto pendente de decisão da Superior Instância (Id. 107752990 – 173/177).

 

Em 28/04/2021 o Superior Tribunal de Justiça finalizou o julgamento dos Recursos Especiais nº  1770760/SC, nº 1770808/SC e nº 1770967/SC (DJe 10/05/2021), que tratam da controvérsia admitida sob nº 1010, e fixou a seguinte tese jurídica: "Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade".

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003470-60.2013.4.03.6112

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APELADO: OLICIO DOS SANTOS PEREIRA, EUNICE MAXIMO DE OLIVEIRA PEREIRA

Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - PR38834-A
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V O T O - V I S T A

 

 

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:

 

 

Peço vênia ao e. Relator para divergir, por não concordar com a conclusão acerca da hipótese discutida nestes autos.

Como já mencionado em diversos outros processos de minha relatoria, a situação do Município de Rosana é especialíssima.

Esse Município foi desmembrado do Município de Teodoro Sampaio e o Bairro Beira Rio surgiu na década de 1960. Antes desse desmembramento, era ocupado por ribeirinhos e pescadores, que tiravam seu sustento do Rio Paraná e, posteriormente, por pescadores amadores e pequenos comerciantes, que aproveitavam o movimento de cruzamento do rio Paraná em direção ao Estado de Mato Grosso do Sul que era feito por uma balsa. Isto até enchimento da represa da Hidrelétrica Sérgio Motta. Portanto, o bairro surgiu antes do próprio Município de Rosana, há mais de 50 anos.

Acontece que o Município de Rosana, por meio da LC 020/2007, inseriu o Bairro Beira Rio no seu perímetro urbano.

Dando cumprimento ao que determina o art. 182 da Constituição Federal e a Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o Município promulgou, ainda, a Lei Complementar nº 45/2015, instituindo o Plano Diretor Participativo do Município de Rosana.

Diante do peculiar interesse do Município, e considerando a certificação legal de que o bairro onde se localiza o imóvel dos réus está dentro do perímetro urbano da cidade, estabeleceu-se um zoneamento municipal e o território de Rosana foi ordenado a partir de macrozonas, dentre as quais ressalta o art. 29, II, a Macrozona de Interesse Turístico e Ambiental (MZITA).

Nesse documento o parágrafo único do art. 31, assim dispõe:

 

"Parágrafo único. São diretrizes específicas da MZITA:

I- Estimular e promover a regularização ambiental das ocupações situadas em APPs e nas ilhas do Rio Paraná, observando a Lei Federal nº 12.651/2012, em especial as disposições contidas no Capítulo XIII, Seção II que trata das áreas consolidadas em APP."

 

Portanto, dentro do regramento do novo Código Florestal, e com fundamento em seu interesse local, é direito e dever do Município de Rosana, ordenar seu território e proceder, como, aliás, expressamente autoriza referida norma, a regularização dessas ocupações antrópicas ao longo do rio Paraná.

Pouco importa se o Ministério Público concorda ou não com a inserção do bairro Beira Rio como perímetro urbano (zona urbana). O problema é do Município e não da União Federal. Nenhum Poder Judiciário poderá dizer que a lei municipal é inconstitucional, eis que sua edição e promulgação está prevista constitucionalmente e no Estatuto das Cidades.

Esses dispositivos legais, por mais que alguns entendam que não devem ser assim aplicados, foram declarados constitucionais pelo Colendo STF, e cuida das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente.

Quanto às denominadas áreas urbanas e urbanas consolidadas, o próprio Código Florestal remete ao Estatuto das Cidades, e nesse sentido foi que o Município de Rosana dispôs no § 2º do art. 80 do Plano Diretor, o seguinte:

 

"§ 2º- Para fins de regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, deverá ser mantida Área de Preservação Permanente (APP) com largura mínima de 5 (cinco) metros de cada lado." (destaquei)

 

A compatibilização do novo Código Florestal com os interesses do Município, igualmente protegidos, devem levar em consideração a dignidade da pessoa humana, e a Lei nº 12.651/2012 faz uma diferenciação entre a área rural consolidada e área urbana ou urbana consolidada, para fixar limites diferenciados para observância de APP, sendo absurda e divorciada totalmente da realidade exigir-se em área urbana ou urbana consolidada APP de 500 (quinhentos) metros, pena de se inviabilizar totalmente o pequenino Município de Rosana, que conta com um população de pouco mais de 19.600 habitantes, pelo último censo, cerca de 26,5 habitantes por km2 e um PIB de R$ 778.538,00, comparativamente com a cidade de Presidente Prudente, que lhe é próxima e conta com um PIB de R$ 24,8 bilhões.

Ora, é evidente que o magistrado há de julgar os feitos que lhe são submetidos com a ponderação e razoabilidade nas decisões. Aliás, é assim que determina o art. 20 da Lei nº 13.655/2018 que instituiu a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determinando que a decisão judicial considere as consequências práticas de sua decisão.

A legislação ambiental prevê expressamente a possibilidade de regularização da área, sem ampliação ou modificação do status quo, devendo os ribeirinhos se submeter ao PRA, nos termos do art. 4º do Código Florestal.

Aliás, bem por isso o Plano Diretor do Município já prevê o PRA (Plano de Recuperação Ambiental). Os imóveis, quer rurais, quer urbanos, devem, na hipótese alinhavada, se submeter à Regularização Ambiental, em especial se considerarmos que nenhum deles tem área superior a 1(hum) hectare.

Nesse sentido o § 12 do art. 61-A do Código Florestal, cuja constitucionalidade veio de ser reconhecida pelo C. STF:

 

"§ 12- Será admitida a manutenção de residências e da infra estrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas."

 

Esse dispositivo, expressamente admite a manutenção das residências. Assim não fosse, o artigo em análise não teria afirmado "e da infra estrutura associada". Teria o legislador escrito residências "e infraestrutura associadas", o que não ocorreu.

Mas a ocupação antrópica que o Código admite, não é qualquer ocupação. Há de ser aquela preexistente a 22 de julho de 2008, como é o caso dos autos.

Acrescento que a dignidade da pessoa humana e os direitos que lhe foram garantidos pelo texto constitucional, explicitados no "caput" do art. 6º, arrolam, ao lado da educação e da saúde, dentre outros, o trabalho, a moradia e o lazer.

O Prof. Celso Antonio Fiorillo ensina:

 

"... a nova legislação instrumental ratifica no plano infraconstitucional que lesões ou ameaça aos bens ambientais/direito ambiental (patrimônio genético, meio ambiente cultural, meio ambiente digital, meio ambiente artificial, saúde ambiental, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural) serão apreciadas pelo Poder Judiciário, conforme os princípios fundamentais indicados nos arts. 1º a 3º da Carta Magna, bem como em face das garantias e direitos individuais fundamentais indicados no  art. 5º e seguintes da Constituição Federal." (Direito Processual Ambiental Brasileiro-Saraiva, 2018, p. 25)

 

Por fim, cabe deixar consignado que o C. STF, nas inúmeras reclamações recebidas contra a autoridade dos julgamentos proferidos nas ADI's 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas em 28/02/2018, tem suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fundamento nas disposições do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), inclusive desta E. Corte, in verbis:

 

"Decisão:

Vistos.

Cuida-se de reclamação constitucional, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por Rogério Fernando Ferreira e outros contra decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mediante a qual se teria afrontado a autoridade do Supremo Tribunal Federal e desrespeitado a eficácia do julgado nas ADI nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e na ADC nº 42/DF.

Os reclamantes narram que são demandados pelo Ministério Público Federal, nos autos da Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112, 

“com objetivo de condená-los ao cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, consistentes, basicamente, em deixar de utilizar o imóvel que lhes pertence, demolir a edificação existente no local e reflorestar a área, além da condenação ao pagamento de indenização por danos ambientais supostamente causados”.

Relatam que, em sede de recurso de apelação,

“[e]m sessão de julgamento realizada em Abril/2019, a Sexta Turma do [TRF 3] manteve a sentença, ignorando completamente a constitucionalidade do art. 61-A, §§ 1, 12, e 14 da Lei 12.651/12, declarada pelo Pretório Excelso por ocasião das ADI`s 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas pela Suprema Corte em 28/02/2018.”

Informam que contra essa decisão foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados, e, logo após interpuseram recursos especial e extraordinário, estando ambos pendente de admissibilidade.

Sustentam os reclamantes que

“o TRF 3 permanece recalcitrantemente com o entendimento de inaplicabilidade do novo Código Florestal com base no princípio da vedação ao retrocesso ambiental e com fulcro na regra tempus regit actum, utilizada aqui como fundamento para tornar letra morta o disposto no art. 61-A, §§ 1, 12 e 14 da Lei 12.651/12, contrariando o STF no julgamento da ADC 42 e das ADI`s 4901, 4902, 4903 e 4937, que em controle concentrado de constitucionalidade à recepcionou integralmente, sem ressalvas ou observações.”

Ressaltam, ainda, que,

“[d]e acordo com o v. Acórdão objeto desta reclamação, aplica-se a anacrônica Lei 4.771/67 ao caso dos autos porque era a lei vigência na época dos fatos, ademais é pressuposto do art. 61-A, do Novo Código Florestal, a regularização fundiária, sem a qual é inaplicável o dispositivo, ou seja, trata-se de condição sine qua non.”.

Rogério Fernando Ferreira e outros defendem que

“[a] teoria da vedação ao retrocesso da defesa de direitos e garantias ambientais foi peremptoriamente afastada no julgamento da ADC 42, oportunidade em que o Pretório Excelso cotejou essa tese com outros valores igualmente elevados às garantias constitucionais, e chegou-se à conclusão de que não se trata de um princípio absoluto e intocável no ordenamento jurídico, devendo ser interpretado em conjunto com o arcabouço jurídico constitucionalmente relevante, estando, portanto, sujeito à mudanças democraticamente promovidas pelo Legislativo, cf. se verificou com a promulgação do novo Código Florestal.”

Ponderam que,

“[d]eclarada a constitucionalidade da Lei 12.651/12, não pode ela ser taxada de retrocesso ambiental para obstaculizar efeitos quanto à sua vigência, inclusive e notoriamente para ações em curso, como é o caso que tramita na origem, sob pena de, indiretamente, negar-lhe vigência e constitucionalidade, tornando-a letra morta e com manifesta violação ao julgamento da ADI 4902, evidenciando um casuísmo processual absurdo.”.

Argumentam, ademais,

“[ser] indevida a aplicação do princípio tempus regit actum porque o novo Código foi expresso ao prever a retroatividade da novel legislação a fatos pretéritos, tendo dedicado todo capítulo das disposições transitórias a retroação da lei, justamente para atingir aquelas situações consolidadas que podem ser regularizadas, conferindo assim um tratamento isonômico à todos aqueles que se encontravam à margem da lei.”.

Requerem que seja deferida a tutela de urgência para suspender os efeitos do acórdão reclamado até o julgamento definitivo da presente reclamação. No mérito, pedem que seja julgada procedente a reclamação.

É o relatório. Decido.

Aponta-se como ato reclamado acórdão proferido pelo TRF da 3ª Região nos autos da Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112, cuja ementa transcrevo, na parte de interesse:

“DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. ART. 475, 1, DO CPC/1973 C/C ART. 19 DA LEI N.° 7.347/1985. PRELIMINARES REJEITADAS. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). RIO PARANÁ. MUNICÍPIO DE ROSANA. DANO AMBIENTAL. EXTENSÃO. 500 (QUINHENTOS) METROS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE INTEGRAL RECUPERAÇÃO.

(...)

4. Igualmente, não prospera a preliminar de nulidade da sentença por deixar de aplicar a regra do art. 61-A, § 1° e 12 do novo Código Florestal, uma vez que, estando comprovado nos autos, por meio de laudo pericial e Relatório Técnico de Vistoria, o fato de o lote em questão estar em Área de Preservação Permanente (APP), cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, de modo que a faixa a ser considerada, in casu, deve ser a de 500 metros do leito do Rio Paraná, na forma da legislação ambiental e não a de 5 metros, conforme prevista no § 10 do art. 61-A da Lei n.° 12.651/2012.

(...)

6. No caso vertente, os réus, ora apelantes, são proprietários dos imóveis denominados ‘Rancho dos Alongados’ ou ‘Rancho do Ranulfo’ e ‘Rancho Boca do Sucuri’, localizados no bairro Entre Rios, estrada do Pontalzinho, Município de Rosanal/SP, às margens do rio Paraná.

7. Acerca da definição das áreas de preservação permanente, dispunha a Lei n.° 4.771/1965, vigente à época que (...) consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas (...) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (...) 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros (art. 2°, ‘a’, item 5).

8. A jurisprudência desta C. Sexta Turma é pacífica quanto à aplicação, aos casos como o presente, do Código Florestal anterior (Lei n.° 4.771/1965), vigente à época dos fatos.

9. Como já dito anteriormente, estando comprovado o fato de o lote em questão estar em Area de Preservação Permanente, cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, mesmo porque o parágrafo único do art. 2° da Lei n.° 4.771/1965 é claro ao dispor que no caso de áreas urbanas (..) observar-se-á o disposto nos respectivos planos, diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.” (e-Doc. 10, grifo nosso)

Em juízo de delibação, entendo que há plausibilidade jurídica na tese de que a autoridade reclamada, ao recusar a análise do Processo nº 0004931-67.2013.4.03.6112 à luz da Lei nº 12.651/2012 - declarando não apenas a irrelevância do debate preliminar quanto às propriedades em litígio estarem localizada em área urbana ou rural, mas também a necessidade de a ação ser analisada à luz da legislação vigente ao tempo das condutas controvertidas (Lei nº 4.771/65)-, esvazia a força normativa do referido dispositivo legal cuja validade constitucional fora afirmada pelo STF na ADI 4.903/DF e na ADC nº 42/DF (sessão de julgamento de 28/2/2018, ata de julgamento publicada no DJe de 2/3/2018).

Há verossimilhança na alegação de recusa à aplicação do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 no caso concreto, com fundamento no princípio do tempus regit actum e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental, em afronta à autoridade do STF nas ações paradigmas. Nesse sentido:

“MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DECISÃO RECLAMADA NA QUAL SE APLICA O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. AFASTAMENTO DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL). ALEGADO DESCUMPRIMENTO AO DECIDIDO NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE NS. 4.937, 4.903, 4.902 E NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 42. INCIDÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESTABELECIDA NO ART. 61-A DA LEI N. 12.651/2012. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS” (Rcl nº 42.786/SP-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de 24/9/20).

“RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. ADIs Nº 4.937, 4.903, 4.902 E ADC Nº 42. SÚMULA VINCULANTE Nº 10. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ATO RECLAMADO QUE APLICA O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM AO CASO. AFASTAMENTO DE NORMA COM BASE EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO” (Rcl nº 42.711/SP, Rel. Min. Rosa Weber, Dje de 20/11/20).

Há, ainda, periculum in mora, ante a existência de ordem judicial para

“1. [...] abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente dos imóveis [...] 2. [...] demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 (trinta) dias; 3. [...] recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 (dois) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 (trinta) dias; [...]”

Ante o exposto, e sem prejuízo de nova análise da questão após prestadas as informações e instaurado o contraditório, defiro parcialmente a tutela de urgência para suspender, no limite de área regulamentada pela Lei nº 12.651/2012, a eficácia de decisão do TRF 3 na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 no tocante às ordens de abstenção de exploração, demolição de construções e recomposição da cobertura florestal e eventual multa pelo descumprimento da decisão nessa parte ou prática de eventuais atos ou procedimentos executivos dela decorrentes.

Registro que, ante o caráter cautelar da medida, ficam mantidos os efeitos da decisão reclamada na parte em que institui ordem de não fazer consistente em “abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente - CBRN ou IBAMA”, bem como as astreintes fixadas pelo descumprimento nessa parte.

Ante a ausência de indicação do valor da causa (CPC, art. 291 c/c art. 319, inciso V), determino a emenda da inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de revogação da liminar e indeferimento da reclamação.

Apresentada a emenda da inicial, à Secretaria para que proceda i) à intimação da autoridade reclamada para que preste as informações e ii) à citação da parte beneficiária do ato reclamado (CPC, art. 989, I e III).

Após, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da república para manifestação como custos legis.

Publique-se. Int."

(Rcl 51472 MC/SP - Relator Min. DIAS TOFFOLI - j. 18/02/2022 - Publicação DJe-s/n DIVULG 21/02/2022 PUBLIC 22/02/2022 - destaquei)

 

Ante o exposto, vênia devida ao e. Relator, nego provimento à remessa oficial, tida por submetida, bem como as apelações do MPF e da União Federal.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Trata-se de recursos de apelação e reexame necessário, tido por submetido, em Ação Civil Pública, proposta pelo MINISTERIO PUBLICO FEDERAL em face de OLICIO DOS SANTOS PEREIRA e EUNICE MAXIMO DE OLIVEIRA PEREIRA, na qual foi acolhida parcialmente a pretensão para a recuperação de dano ambiental em área de preservação permanente, causada por edificação localizada às margens do Rio Paraná, no bairro Beira Rio, no Município de Rosana/SP. 

O dispositivo da r. sentença foi assim redigido: 

Ao fio do exposto, com fulcro no art. 269, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido vertido na inicial para o fim de CONDENAR os Réus à obrigação de não fazer, consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas não edificantes e de preservação localizadas em 15 (quinze) metros desde a borda da calha do leito regular do Rio Paraná e abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel; sob pena de demolição das obras e recomposição da área degradada, bem como o pagamento de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser recolhida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total e parcial de qualquer das obrigações acima discriminadas. Considerando a sucumbência recíproca, que reputo no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada parte, os honorários se compensam em idêntica proporção. Custas processuais na mesma proporção, observada a isenção que goza o MPF e a União Federal. P.R.I.C. 

Distribuído os autos ao Exmo. Desembargador Federal André Nabarrete, Sua Excelência concluiu que “o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, segundo a Lei nº 4.771/1965, e que, por outro, não se constata, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia erigida em área de preservação permanente, ainda mais quando não demonstrada a "inexistência de alternativa técnica e locacional" no momento de planejamento da edificação”. 

Em razão disso, condena a parte ré nos seguintes termos (ID Num. 107752990 - Págs. 164-165): 

Sinteticamente, com supedâneo em tais fundamentos e também considerado o reexame necessário, tido por interposto, deve ser atendido em parte o pleito posto no exórdio e, assim, julgada parcialmente procedente a ação para condenar os réus nos seguintes termos: 

a) desocuparem a área de preservação permanente que, in casu, engloba a propriedade inteira; 

b) absterem-se de erigir ou reformar qualquer construção, cerca, proceder à supressão de vegetação, aterramento, plantação, criação de animais ou empreender qualquer outra atividade lesiva ao meio ambiente local; 

c) providenciarem a elaboração de plano de recuperação de área degradada, no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado e após aprovação pelo órgão ambiental responsável, observada a obrigação de realizarem a demolição completa das edificações existentes no terreno e retirarem o entulho para local apropriado, vedada qualquer medida alternativa à remoção; 

d) recuperarem e reflorestarem a área degradada, o que deverá dar-se consoante o aludido projeto técnico florestal circunstanciado, no prazo de seis meses, a contar do seu deferimento pelo CBRN, bem como acompanharem sua evolução por três anos; 

e) pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais verificados ao longo dos anos em que a área de preservação foi ocupada pelos réus, a impedir sua regeneração, conforme apuração em fase de liquidação, verba destinada ao fundo do artigo 13 da LACP; 

f) o pagamento de multa diária de mil reais, conforme fixada na sentença, a ser vertida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caso de descumprimento total ou parcial de quaisquer das obrigações cominadas. 

Analisando os autos, acompanho a conclusão do eminente Relator de que o imóvel discutido se encontra a menos de 500 metros do leito do rio Paraná, em área de preservação permanente, na faixa marginal do curso d'água, violando a previsão do art. 2º da Lei nº 4.771/65. 

Com relação às condenações impostas aos coapelados, apenas ouso divergir quanto ao pagamento de indenização por danos ambientais. 

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) estabelece que a indenização pode ser mera alternativa quando não for possível a recuperação ambiental: 

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: 

(...) 

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. 

No Relatório Técnico de Vistoria nº 39/2011, realizado pelo Centro Técnico Regional V – Presidente Prudente, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, ao responder o quesito a respeito da recuperação ambiental na região, os técnicos responsáveis assim aduziram (ID Num. 107752913 - Pág. 75) 

n) O que pode ser feito para recompor a APP? 

A medida inicial para recompor a APP é promover a retirada das construções e qualquer outra intervenção resultante das atividades humanas no local. Considerando que esta área possui alto potencial de regeneração natural da vegetação o simples abandono da área já garantiria a recuperação da vegetação típica de APP. Contudo, outras técnicas podem ser adotadas tais como o enriquecimento e/ou adensamento com a inserção de mudas de essências nativas regionais. 

No próprio estudo realizado pela Procuradoria da República (Parecer PRSP/MPF nº 11/2012), as signatárias fizeram diversas conclusões e recomendações sobre a região, todas voltadas exclusivamente para a recuperação ambiental (ID Num. 107752914 - Págs. 79-80): 

i. Congelamento das ocupações existentes na área até o momento, impedindo-se a implantação de novas construções ou a realização de benfeitorias naquelas existentes, acompanhado da realização de reuniões públicas para esclarecimento da população e da intensificação das operações de fiscalização; 

(...) 

iii. Implantação de um projeto de recuperação da área, compreendendo a remoção das ocupações, a limpeza dos terrenos e a restauração da forma e das funções da APP no local, considerando, dentre outras, estratégias baseadas no plantio de espécies nativas e no favorecimento da regeneração natural, cuja efetividade depende de sua adoção na área como um todo. 

Assim, como existem provas de que a demolição das construções e o reflorestamento seriam suficientes para reparar o dano ambiental, entendo que se mostra desarrazoada a condenação do recorrido ao pagamento de indenização em dinheiro. 

Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, demostrada a possibilidade de reparação plena da área degradada através da obrigação de fazer e de não fazer, é incabível a reparação indireta: 

PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO TOTAL DA ÁREA DEGRADADA. PEDIDO INDENIZATÓRIO INDEFERIDO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 

1. Tratando-se de casos de danos ambientais, é perfeitamente possível a cumulação de indenização em conjunto com obrigação de fazer, entretanto isso não é obrigatório, e está adstrito à possibilidade ou não de recuperação total da área degradada. 

2. No caso, conclusão diversa da apresentada pela Corte de origem, a respeito do dever de indenizar o dano ambiental, demanda o reexame do contexto fático-probatória dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ. 

3. Agravo interno não provido. 

(AgInt no REsp 1.581.257/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 07/02/2019, DJe 12/02/2019) 

 

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFETIVA REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. SÚMULA 7/STJ. 

1. Em ação civil pública ambiental, é admitida a possibilidade de condenação do réu à obrigação de fazer ou não fazer cumulada com a de indenizar. Tal orientação fundamenta-se na eventual possibilidade de que a restauração in natura não se mostre suficiente à recomposição integral do dano causado. 

2. No entanto, na hipótese dos autos, impossível alterar o entendimento do Tribunal a quo, uma vez que lastreado em prova produzida. Óbice da Súmula 7/STJ. 

Agravo não conhecido. 

(AgRg no REsp 1.486.195/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 03/03/2016, DJe 11/03/2016) 

Quanto à condenação ao pagamento de multa cominatória diária de mil reais, em princípio, tenho que não se mostra cabível em demandas como a presente, uma vez que não há notícia nos autos de resistência fática da parte ré acerca das obrigações impostas na r. sentença. 

Contudo, verifico que os coapelados não interpuseram recurso, razão pela qual não existe via processual apta para a modificação do quanto decidido, sob pena de reformatio in pejus

Ante o exposto, dou parcial provimento aos recursos de apelação e ao reexame necessário, tido por submetido, para condenar os coapelados nos termos propostos pelo Exmo. Desembargador Federal Relator, com exceção do item “e” (pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais). 

É como voto. 

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003470-60.2013.4.03.6112

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL

APELADO: OLICIO DOS SANTOS PEREIRA, EUNICE MAXIMO DE OLIVEIRA PEREIRA

Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - SP241316-A
Advogado do(a) APELADO: VALTER MARELLI - SP241316-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

I - DO REEXAME NECESSÁRIO

 

O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:

"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo". (Redação dada pela Lei nº 6.014/73).

 

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido."

(STJ, AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

 

In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pedidos formulados em sede do exórdio contra OLÍCIO DOS SANTOS PEREIRA e sua esposa, porquanto requereu o Parquet Federal fosse observada faixa de APP de quinhentos metros, não quinze, como fixou o magistrado a quo, tampouco foram acolhidos os de demolição, retirada do entulho, recomposição da cobertura vegetal do local, no prazo de seis meses, conforme projeto a ser apresentado à Coordenaria de Biodiversidade e Recursos Naturais - CBRN em trinta dias, além de indenização pelo dano ambiental.

 

Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença.

 

II - DOS FATOS E DO PROCESSAMENTO

 

Narrou o Ministério Público Federal que, em fiscalização realizada no espaço sub judice no dia 03/11/2006 (fls. 06/09 do apenso) pela Polícia Ambiental do Estado de São Paulo, foi lavrado auto de infração (nº 195486) por ter sido constatada a violação à legislação ambiental por parte dos réus, OLÍCIO DOS SANTOS FERREIRA e sua esposa, consistente na construção de uma edificação em alvenaria com cerca de 72 m2, além de caixa d'água, fossa, gramados e vegetação exótica em um terreno de 121 m2 situado em área de preservação permanente.

 

A conduta do réu foi informada ao Ministério Público Federal e lá deu origem ao Inquérito Civil Público nº 110/2012 em apenso. A par dos autos de infração e do boletim de ocorrência, consta do aludido feito o laudo técnico de vistoria e avaliação de dano ambiental do DEPRN (fls. 20/25), que constatou que houve irregular parcelamento do solo, bem como a existência de uma edificação em alvenaria em APP, que impede a regeneração da vegetação e a preservação dos recursos hídricos:

"concluímos que houve dano ambiental, pois a edificação naquela área de preservação permanente impede a formação florestal em seus estágios mais avançados da sucessão secundária da Mata Atlântica - Floresta Latifoliada Estacional Semidecidual.

As intervenções havidas ocupa uma área de preservação permanente correspondente a 0,0121 hectare, ou seja, 121 metros quadrados, conforme consta do Auto de Infração Ambiental nº 195486, estando em desacordo com a Legislação vigente.

Sugerimos que o autor proceda a demolição da edificação ali erigida irregularmente em área de preservação permanente, removendo o respectivo entulho para local adequado e pertinente.

Sugerimos ainda que seja recomposto o dano ambiental, realize o autor o plantio de 21 mudas de árvores de espécies nativas da região."

 

À fl. 52, foi determinada a abertura de inquérito policial, que foi autuado sob o nº 8-0040/2011-4-DPF/PDE/SP (fls. 50/60). Foi também acostado o relatório técnico de vistoria nº 39/2011 elaborado pela Secretaria de Meio Ambiente (fls. 62/72), que avaliou a situação dos Bairros Beira Rio, Saúva e Entre Rios e verificou o desrespeito das APP em diversos trechos da margem esquerda do Rio Paraná e afirmou que nenhuma das áreas pode ser considerada como urbana consolidada. À fl. 78, depoimento do réu Olicio dos Santos Pereira, que confirmou ser o proprietário, embora não possua documentação imobiliária. Às fls. 95/96, laudo nº 120/07 do Instituto de Criminalística, que mencionou que o terreno está cercado, desprovido de cobertura vegetal e a edificação estava a cerca de 170 metros do rio. Às fls. 136/154, laudo de perícia criminal federal do Núcleo de Criminalística - SETEC, que verificou diversos lotes existentes na região e avaliou os danos ao meio ambiente. Por fim, às fls. 154/196 cópia do parecer PRSP/MPF nº 11/2012 firmado por peritas ambientais, que consignaram:

 

Considerando a situação da ocupação existente às margens do Rio Paraná em área de preservação permanente, na "parte alta" do Bairro Beira Rio, que teve início cerca de trinta anos atrás e vem se consolidando ao longo desse tempo;

Considerando os impactos dessa ocupação sobre os meios físico e biótico;

Considerando a importância da conservação e da recuperação das áreas de preservação permanente do Alto Rio Paraná para a manutenção dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora, do equilíbrio físico, químico e biológico de ecossistemas terrestres e aquáticos e ainda, da proteção do solo evidtanto erosão e assoreamento dos cursos d'água;

Estas signatárias concluem pela necessidade de:

i. congelamento das ocupações existentes na área até o momento, impedindo-se a implantação de novas construções ou a realização de benfeitorias naquelas existentes, acompanhado da realização de reuniões públicas para esclarecimento da população e da intensificação das operações de fiscalização;

ii. execução de medidas emergenciais, por parte da Prefeitura Municipal de Rosana, com vistas a controlar processos erosivos em curso nas ruas de nos lotes vagos;

iii. Remoção do conjunto das ocupações existentes nos lotes nº 113 a 150 do Bairro Beira Rio, acompanhada da realocação (remoção e assentamento) dos moradores, que não possuam outra residência, para local situado fora dos limites da área de preservação permanente do Rio Paraná. Nesse sentido, cabe ressaltar a importância da realização de um cadastramento imparcial, capaz de identificar de forma adequanda, as ocupações utilizadas exclusivamente como única moradia das famílias e aquelas usadas como segunda residência, para recreação (ranchos);

iv. implantação de um projeto de recuperação da área, compreendendo a remoção das ocupações, a limpeza dos terrenos e a restauração da forma e das funções da APP no local, considerando, entre outras, estratégias baseadas no plantio de espécies nativas e no favorecimento da regeneração natural, cuja efetividade depende de sua adoção na área como um todo.

 

Após tramitação e constatado que o réu causou dano em área de preservação permanente ao impedir a regeneração da vegetação ou promovê-la sponte própria, tampouco que se interessou em firmar termo de ajustamento de conduta, o Procurador da República ajuizou a ação.

 

Consideradas tais circunstâncias, pugnou o MPF, em sua exordial, fossem condenados os réus à recuperação da APP (florestamento), mediante a retirada das construções e impermeabilizações, plantio e manutenção, sob supervisão do órgão ambiental, que deverá aprovar a forma de recuperação, coibida toda atividade lesiva, bem como ao pagamento de indenização a ser quantificada em perícia ou arbitramento do juízo, correspondente aos danos ambientais, além de multa diária de um salário mínimo para o caso de descumprimento, custas e honorários. Foi também requerida a intimação da União e do IBAMA para manifestarem eventual interesse em integrar a lide.

 

Foi deferida liminar (fls. 41/42), a fim de sustar qualquer construção no local, proibir o despejo de lixo doméstico ou substâncias poluidoras, impedir a supressão de qualquer cobertura vegetal sem autorização e não ceder o uso da área, sob pena de multa diária de cem reais.

 

Os réus foram devidamente citados e contestaram (fls. 63/100). Intimada, a União requereu o ingresso no polo ativo (fls. 49/50), o que foi deferido (fl. 61). À fl. 205, o IBAMA manifestou desinteresse.

 

Após a apresentação das impugnações do MPF (fls. 106/121) e da União (fls. 123/127), os réus pediram a suspensão do processo para o chamamento do Município de Rosana. O pleito foi negado pela decisão de fl. 150, sob o fundamento de que não se cogita de formação de litisconsórcio passivo necessário. Não foi interposto recurso.

 

O Parquet foi instado a se manifestar sobre a possibilidade de acordo (fl. 157), que foi considerado inviável, dada a impossibilidade de regularização do imóvel.

 

Às fls. 162/163, o Município de Rosana informou que: o Bairro Beira Rio se insere no perímetro urbano por força das Leis Complementares Municipais nºs 20 e 26, ambas de 2007; não realiza programa de regularização fundiária e nunca houve; não há informações cadastrais que possibilitem certificar a quanto tempo existe o bairro, mas por informações verbais data da década de 1980; dispõe de coleta irregular de lixo, iluminação, rede elétrica e transporte público; não é cobrado IPTU; até então não havia legislação municipal que dispusesse sobre áreas não edificantes ao longo dos rios. O Parquet, às fls. 200/201, disse que a manifestação municipal reforça que a área não se caracteriza como urbana consolidada, nos termos do artigo 47, II, da Lei nº 11.977/2009.

 

Por meio da sentença (fls. 209/232) a ação foi julgada parcialmente procedente, nos termos reproduzidos no relatório. Em síntese, o magistrado apenas restringiu a área de preservação ambiental à faixa de 15 metros, contada do nível da água.

 

Houve recurso do MPF e da União Federal, ora trazidos a julgamento.

 

III - DA INTERVENÇÃO DO MUNICÍPIO DE ROSANA

 

Cumpre afastar a necessidade de integração do Município de Rosana à demanda, a propósito da existência de um precedente desta Turma (nº 2011.61.12.006911-7/SP).

 

Ressalte-se, primeiramente, que, no caso dos autos, independentemente de examinar a pertinência dessa questão, é certo que está preclusa, pois, conforme mencionado no item anterior, os réus já requereram o chamamento e a citação do Município de Rosana para, verbis, "fazer a regularização exigida por Lei, ou para se manifestar contrariamente ou então ser acionada em ação própria para suprir sua obrigação", o que foi negado pela decisão de fl. 150, sob o fundamento de que não se verifica responsabilidade solidária in casu, a qual restou irrecorrida. Não se diga, ademais, que é matéria de ordem pública e pode ser suscitada a qualquer tempo, porque, uma vez deduzida e resolvida, somente poderia ser modificada por meio da competente impugnação, que não ocorreu.

 

De qualquer modo, considerado que não participei do julgamento do aludido julgado e que a situação daquela área deu origem a inúmeros processos semelhantes ainda pendentes, deixo consignado meu entendimento a respeito. Naquela ocasião, a Turma, à luz do primado da dignidade humana, dos artigos 47 do CPC e 182 da CF, entendeu necessária a integração do Município de Rosana à lide, razão pela qual anulou a sentença e declarou prejudicados os recursos, porque, verbis:

 

"é certo que a área em que localiza há décadas o imóvel do réu, ora apelante, é urbana, não havia cobertura florestal na área, e a Prefeitura Municipal de Teodoro Sampaio, à qual pertencia o atual Município de Rosana, abriu a estrada do Pontal, sendo certo que a Prefeitura de Rosana por meio da Lei Municipal Complementar nº 24/2008, considerou o bairro Beira Rio como perímetro urbano (cf. doc. de fls. 125/127).

Nesse local, a área segundo consta teria sido aterrada e drenada, surgindo então o bairro, no ano de 1960, tendo o imóvel sido construído em 1990 e desde 2008 a área é considerada legalmente urbana, dispondo de malha viária com canalização de águas pluviais; rede de abastecimento de água; distribuição de energia elétrica e iluminação pública; serviço de recolhimento de lixo.

Somente o Município detém competência para dizer se "em tese" a supressão de APP envolveria interesse social, nos termos da resolução nº 369, de 28 de março de 2006.

 

Vejamos, no entanto, o que diz o Relatório Técnico de Vistoria (fl. 62 do apenso):

 

"Qual a extensão da faixa de Preservação Permanente no entorno do rio federal, de acordo com a caracterização da área ser urbana consolidada ou rural?"

Nos locais vistoriados tem-se que a Área de Preservação Permanente (APP) é de:

- 500 mentros a partir do leito maior do Rio Paraná, que possui largura superior a 500 metros.

"Diante disso, é possível afirmar que nenhuma das áreas pode ser considerada urbana consolidada, especialmente quando ao item "c". Cabe colocar que embora parte da área apresente equipamentos de infraestrutura urbana, informa-se que, por estarem sobe APP os mesmos devem passar por licenciamento. Como se desconhece a existência de tal procedimento, as ruas, postes de rede de transmissão de energia elétrica, telefones públicos e as construções existentes são irregulares".

 

Destaco também o que consta do Laudo nº 3871/2011 da Polícia Federal (fls. 136/152 do apenso):

 

O loteamento Beira Rio está situado no munícipio de Rosana/SP, no extremo Oeste do Estado de São Paulo, à margem esquerda do Rio Paraná. (...). O parcelamento caracteriza-se pelos seguintes equipamentos públicos e/ou infra-estrutura particular:

- ausência de malha viária com canalização de águas;

- ausência de esgotos. Em boa parte dos lotes o descarte é direto no Rio Paraná. Em alguns casos são utilizadas fossas sépticas ou negras;

- presença de energia elétrica (rede de distribuição, com iluminação pública);

- recolhimento e tratamento de resíduos sólidos urbanos - foi observada coleta, mas não foi avaliado se o município realiza tratamento dos resíduos;

- rede telefônica - não observada;

- delimitação individuas das parcelas (cercas de arame, cercas-vivas ou outros)

 

A Lei Complementar nº 24/2008 do Município de Rosana, invocada no precedente em comento, estabeleceu unicamente que "fica criada uma expansão urbana do Distrito-sede de Rosana, por força desta lei municipal, em razão de necessidade de regularização da área denominada Beira Rio e que se insere dentro das seguintes medidas (...)." Evidencia-se que não caracteriza a chamada "área urbana consolidada" prevista na Resolução CONAMA 303/2002, que, ademais, sequer poderia ser reconhecida, dado que a área não preenche os requisitos legais relativos à densidade demográfica mínima e existência de infraestrutura urbana:

 

XIII - área urbana consolidada: aquela que atende aos seguintes critérios:

a) definição legal pelo poder público;

b) existência de, no mínimo, quatro dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana:

1. malha viária com canalização de águas pluviais,

2. rede de abastecimento de água;

3. rede de esgoto;

4. distribuição de energia elétrica e iluminação pública;

5. recolhimento de resíduos sólidos urbanos;

6. tratamento de resíduos sólidos urbanos; e

c) densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km2.

 

Ainda que o bairro fosse enquadrado como área urbana consolidada, somente após eventual aprovação da regularização fundiária pelo órgão ambiental competente seria possível reduzir a APP do local para 15 metros, conforme se extrai do artigo 65 do Código Florestal vigente:

 

Art. 65.Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

§ 1o  O processo de regularização fundiária de interesse específico deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior e ser instruído com os seguintes elementos:  (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

I - a caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área; 

II - a identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área; 

III - a especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos; 

IV - a identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas; 

V - a especificação da ocupação consolidada existente na área; 

VI - a identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico; 

VII - a indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização; 

VIII - a avaliação dos riscos ambientais; 

IX - a comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e 

X - a demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d'água, quando couber. 

§ 2o  Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado. 

§ 3o  Em áreas urbanas tombadas como patrimônio histórico e cultural, a faixa não edificável de que trata o § 2o poderá ser redefinida de maneira a atender aos parâmetros do ato do tombamento. 

 

Por outro lado, o julgado em comento também alude a que somente o município poderia definir a existência de interesse social na região. No entanto, a Lei nº 4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente - urbanas ou rurais - tampouco a manutenção de edificações, salvo nas taxativas exceções atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social:

 

Lei nº 4.771/1965

"Art. 1º. (...)

§ 2º.  Para os efeitos deste Código, entende-se por:

(...)

IV - utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão;

c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA;

V - interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)"

"Art. 3º. Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

(...)

§ 1º. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social."

"Art. 4º.  A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 1º.  A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 2º.  A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 3º.  O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)

§ 4º.  O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001).

(...)"

Lei nº 12.651/2012

"Art. 3º.  Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(...)

VIII - utilidade pública:

a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;

b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho;

c) atividades e obras de defesa civil;

d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;

e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;

IX - interesse social:

a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;

b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;

c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;

d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009;

e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;

f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;

g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;

(...)"

"Art. 7º.  A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado."

"Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.

(...)

§ 2º.  A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.

(...)

§ 4º.  Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei."

(destaques aditados)

 

Por configurarem rol taxativo, as normas excepcionais devem ser interpretadas de modo restritivo. Ora, a situação descrita pelos peritos, in casu, não se amolda às hipóteses legais, de forma que não há interesse em chamar o município para lide, a fim de deliberar se há interesse social, que, repita-se, até o momento não foi reconhecido pelo ente municipal, conforme reconhecido nas informações de fls. 162/163.

 

Por fim, não bastasse, verifica-se que a Resolução CONAMA nº 369, que dispõe sobre os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitem a intervenção ou supressão de vegetação em APP, também referida na fundamentação do precedente relatado pela Des. Fed. Marli Ferreira, no § 2º do seu artigo 9º veda a regularização de áreas consideradas de risco de inundações:

 

Art. 9o A intervenção ou supressão de vegetação em APP para a regularização fundiária sustentável de área urbana poderá ser autorizada pelo órgão ambiental competente, observado o disposto na Seção I desta Resolução, além dos seguintes requisitos e condições:

§ 2o E vedada a regularização de ocupações que, no Plano de Regularização Fundiária Sustentável, sejam identificadas como localizadas em áreas consideradas de risco de inundações, corrida de lama e de movimentos de massa rochosa e outras definidas como de risco.

 

Está fartamente demonstrado nos autos (fl. 46 do apenso) que o Bairro Beira Rio sofre constantes inundações e, inclusive, que em dezembro de 2009 a situação foi crítica. Destaco, por oportuno, recente jurisprudência desta corte em caso idêntico:

 

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL. PRODUÇÃO DE NOVA PROVA. IN CASU, DESNECESSÁRIA. LAUDOS PERICIAIS EXPEDIDIOS POR TÉCNICOS E ÓRGÃOS COM COMPETÊNCIA LEGAL PARA ANALISAR, DISPOR E OPINAR SOBRE MEIO AMBIENTE. DEVER DE REPARAÇÃO INTEGRAL. EXISTÊNCIA DE CAUSAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE. IRRELEVANTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NÃO COMPROVADA. ÁREA SUJEITA A INUNDAÇÃO. FIXAÇÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE EM 500 METROS. RECUPERAÇÃO DA ÁREA AMBIENTAL COM A DEMOLIÇÃO E A REMOÇÃO DE EDIFICAÇÕES. OBRIGATORIEDADE. RECUPERÇÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSIBILIDADE. CUMULAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER. POSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO E DA MULTA DIÁRIA. DESNECESSÁRIA DIANTE DA POSSIBILIDADE DE REGENERAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. JURISPRUDÊNCIA DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA E. CORTE REGIONAL. SENTENÇA MANTIDA, EM PARTE.

1. Sentença submetida à remessa oficial, consoante a jurisprudência assente do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal, aplicando-se por analogia a Lei nº 4.717, de 1965, a qual prevê, em seu art. 19, que "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição";

2. Cinge-se a controvérsia em apurar se o imóvel em questão está edificado sobre Área de Preservação Permanente (APP) localizada às margens do rio Paraná, no bairro Beira Rio, município de Rosana/SP, com área de abrangência de 500 (quinhentos) ou de 15 (quinze) metros conforme fixado na r. sentença que considerou o local como área urbana consolidada, bem como as possíveis medidas a serem determinadas, em face do reconhecimento de transgressão ambiental;

3. Desnecessária a produção de nova prova pericial, uma vez que os laudos, relatórios e informações técnicas constantes do Procedimento Preparatório, em apenso, foram expedidos por técnicos de órgãos com competência legal para fazê-lo, podendo analisar, dispor e opinar sobre questões relacionadas ao meio ambiente, e dispõem, explicitamente, sobre a efetiva ocorrência do dano, a extensão da área de APP a ser considerada e a possibilidade e forma de restauração da área danificada;

4. Em contrarrazões, os réus não negaram a ocorrência de dano ambiental, apenas afirmam que a APP, naquele local, não deve ser de 500 (quinhentos) e sim de 15 (quinze) metros, conforme fixado na r. sentença e nos termos estabelecidos no §2º do art. 65 do Código Florestal, ou seja, como área urbana consolidada, nos moldes do disposto no inciso I do art. 47 da Lei nº 11.977, de 2009;

5. Os laudos, relatórios e informações técnicas constantes do Procedimento Preparatório, em apenso, afirmam que, em razão da largura do rio Paraná ser superior a 600 metros, no trecho relativo à edificação em análise, a Área de Preservação Permanente a ser considerada é de 500 (quinhentos) metros;

6. Em que pese o novo Código Florestal, em seu art. 65, admitir a regularização ambiental dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Área de Preservação Permanente, não sujeitas a alagamentos e inundações, ele também determina que o processo de declaração de área urbana consolidada passa, necessariamente, pelo projeto de regularização fundiária, submetido pelo Poder Público aos órgãos ambientais competentes. A Lei Municipal Complementar que declara o bairro Beira Rio área urbana, não supre o processo de regularização fundiária, portanto, não pode ser aplicado, à espécie, o art. 65 do Código Florestal.

7. Sendo assim, na ausência de prova da regularização fundiária e por se tratar de área sujeita a inundações, a APP a ser considerada é de 500 (quinhentos) metros, conforme estabelece o art. 4º, I, "e", da Lei nº 12.651/2012, e o art. 3º, I, "e", da Resolução CONAMA nº 303, de 2012;

8. Os laudos, relatórios e informações técnicas constantes do Procedimento Preparatório, em apenso (fls. 72; 130/131; e 155v, "i") afirmam que os danos causados pelos réus à APP são plenamente recuperáveis, mas que para isso todas as edificações existentes no local deverão ser demolidas e o entulho resultante devidamente retirado. Além disso, deverá ser apresentado à autoridade ambiental competente um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) para aprovação e fiscalização de sua execução, o que se acompanhará por ocasião da fase de cumprimento de sentença.

9. Conforme jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, em ação civil pública ambiental admite-se a possibilidade de condenação do réu à obrigação de fazer ou não fazer cumulada com a de indenizar. Tal orientação fundamenta-se na eventual possibilidade de que a restauração in natura não se mostre suficiente à recomposição integral dos danos causado por todos (AgRg no REsp 1486195/SC, rel. Min. Humberto Martins, segunda turma, DJe de 11/03/2016);

10. É certo que as determinações registradas no dispositivo do r. sentença recorrida acolheram integralmente as recomendações apontadas nos laudos. Assim, o deslinde da causa acena para a total regeneração do local, arcando os réus com todas as despesas dela decorrentes - o que se acompanhará por ocasião da fase de cumprimento de sentença. Diante disso e considerando as condições financeiras dos réus dispensável a majoração do valor da condenação no dever de indenizar e da multa diária fixadas na r. sentença;

11. Decisão em consonância com a jurisprudência das egrégias Terceira e Sexta Turma deste Tribunal sobre a matéria.

12. Dá-se parcial provimento ao reexame necessário e às apelações.

(Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1916777; Sexta Turma; Rel. Des. Fed. Diva Malerbi; j. em 01/02/2018)

 

DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. ART. 475, I, DO CPC/1973 C/C ART. 19 DA LEI N.º 7.347/1985. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). RIO PARANÁ. MUNICÍPIO DE ROSANA. PROVA PERICIAL NÃO REALIZADA. DESNECESSIDADE. DANO AMBIENTAL. EXTENSÃO. 500 (QUINHENTOS) METROS. EDIFICAÇÃO. DEMOLIÇÃO. RECOMPOSIÇÃO DA COBERTURA VEGETAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INCABÍVEIS.

1. Reconhecida a submissão da r. sentença à remessa oficial, conforme o disposto no art. 475, I, do CPC/1973 c/c art. 19 da Lei n.º 7.347/1985.

2. Estando comprovado nos autos, conforme o Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 3.871/2011, o fato de que o lote em questão está em Área de Preservação Permanente (APP), cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, mesmo porque o parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 4.771/1965 é claro ao dispor que no caso de áreas urbanas (...) observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

3. Portanto, a faixa a ser considerada, in casu, deve ser a de 500 (quinhentos) metros do leito do Rio Paraná, na forma da legislação ambiental e não a de 15 (quinze) metros de cada lado, conforme prevista no § 2º do art. 65 da Lei n.º 12.651/2012.

(...)

(AC nº 0001175-50.2013.4.03.6112; Sexta Turma; Rel. Des. Fed. Consuelo Yoshida; j. em 30/11/2017)

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RETIRADA DAS EDIFICAÇÕES EXISTENTES NA FAIXA PROTETIVA. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO.

1. Trata-se de ação civil pública em que se busca a reparação do dano ambiental causado em área de preservação permanente (APP), às margens do Rio Paraná, consubstanciado na supressão e corte da vegetação, além do impedimento à regeneração natural, em razão da construção de rancho no local.

2. Submete-se ao duplo grau de jurisdição obrigatório a sentença que reconhecer a carência da ação ou julgar improcedente, no todo ou em parte, o pedido deduzido em sede de ação civil pública, por força da aplicação analógica da regra contida no artigo 19 da Lei n. 4.717/65.

3. O imóvel em questão situa-se no bairro Beira Rio, no Município de Rosana, às margens do Rio Paraná.

4. O ponto nodal da questão refere-se à natureza do local em que o rancho foi construído, se consistente em área de preservação permanente (APP), tal como alegado pelo MPF e pela União, ou em área urbana consolidada, consoante reconhecido na sentença.

5. In casu, o imóvel, que dista 65 metros do leito do rio Paraná, foi edificado antes ter sido adquirido, no ano de 1.999, pelos atuais proprietários, época em que estava em vigor a Lei n. 4.771/1965, que já definia como área de preservação permanente a faixa marginal de 500 metros para os rios cuja largura fosse superior a 600 metros.

6. Do cotejo da legislação em comento com o caso concreto versado nos autos, conclui-se que se considera área de preservação permanente, relativamente ao Rio Paraná - o qual possui um leito de mais de 2.300 (dois mil e trezentos) metros de largura - a faixa marginal de largura mínima de 500 (quinhentos) metros desde a borda da calha do leito regular.

7. O E. Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que, nos casos de reparação de danos ambientais causados em área de preservação permanente, a obrigação é propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse, independente da efetiva autoria da degradação ambiental.

8. Além disso, o reconhecimento por parte do Município de que um determinado local é área urbana consolidada não afasta a aplicação da legislação ambiental, até mesmo porque depende de prévia autorização do órgão ambiental competente, fundamentada em parecer técnico, para supressão da vegetação na área de preservação permanente, o que não ocorreu na hipótese em análise, pois houve a ocupação e construção clandestina, sem qualquer autorização do Poder Público.

(...)

(AC nº 0006056-70.2013.4.03.6112; 3ª Turma; Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos; j. 18/10/2017)

 

Em conclusão, in casu, a par de ter-se operado a preclusão por força da decisão de primeiro grau a respeito que restou irrecorrida, é incontroverso que o imóvel está inteiramente dentro de área de preservação permanente, a qual não se enquadra como "urbana consolidada", tampouco como de interesse social e que, mesmo que fosse considerada urbana, não pode ser regularizada por estar em várzea sujeita a inundações sazonais. A situação jurídica do rancho, portanto, não pode ser modificada com a integração da municipalidade à demanda e não terá influência no seu desfecho, à vista da responsabilidade atribuída aos réus e dos pedidos formulados contra eles. Diga-se, por fim, que, conquanto o município tenha competência para legislar concorrentemente sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente (artigo 24, VIII, CF) e sobre os assuntos de interesse local (artigo 30, I, CF), não pode fazê-lo para restringir ou suprimir diretriz protetiva estabelecida pela legislação federal. Nesse sentido, a lição de Paulo Affonso Leme Machado:

 

"Ressalte-se que nem o princípio de autonomia municipal possibilita ao Município autorizar obras públicas ou privadas nas áreas destinadas a florestas de preservação permanente, pois estaria derrogando e invadindo a competência da União".

(in Direito Ambiental Brasileiro, 4ª ed. Revista Malheiros, 1992, pag. 420/421)

 

A classificação do município como de interesse turístico não interfere com a fundamentação explicitada, tampouco a edição da Lei nº 13.465/2017, na medida em que é incontroverso que o terreno até o momento não está regularizado e descabe a esta corte cogitar sobre situações em tese, futuras e incertas.

Por fim, o STJ colocou uma pá de cal na discussão ao fixar a tese admitida sob nº 1010, repise-se: "Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade". Restou assentada, portanto, a necessidade de se respeitar as faixas de preservação permanente segundo a largura do curso d'água, que, in casu, como adiante se verá, é de 500 metros. 

 

Desnecessária, portanto, sob qualquer ângulo, a inclusão do Município de Rosana na lide.

 

IV - DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE

 

A proteção ao meio ambiente (artigo 1º, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:

 

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais."

(destaques aditados)

 

Encontra-se disposição similar na Constituição do Estado de São Paulo. Confira-se:

 

"Artigo 192 - A execução de obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos e a exploração de recursos naturais de qualquer espécie, quer pelo setor público, quer pelo privado, serão admitidas se houver resguardo do meio ambiente ecologicamente equilibrado."

 

A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade.

 

A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto nº 99.274/1990), ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981).

 

A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei nº 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.

 

De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 5º, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF/88), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:

 

"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."

 

A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c.c. artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal, a qual foi também inserida na Constituição do Estado de São Paulo, artigo 195, verbis:

 

Lei nº 6.938/1981

"Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(omissis)

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos."

"Art. 14. (omissis)

§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

Lei nº 12.651/2012

"Art. 2º.  As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

§ 1º.  Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1º do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais."

Constituição do Estado de São Paulo

"Artigo 195 - As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, com aplicação de multas diárias e progressivas no caso de continuidade da infração ou reincidência, incluídas a redução do nível de atividade e a interdição, independentemente da obrigação dos infratores de reparação aos danos causados."

 

De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.

 

As mesmas diretrizes de proteção ambiental são seguidas pela legislação estadual paulista, destacadas as Leis Estaduais nº 997/76 (e respectivo Decreto nº 8.468/76) e nº 9.509/97.

 

O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º,  que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.

 

A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei nº 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:

 

"Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

"Art. 38-A.  Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: (Incluído pela Lei nº 11.428, de 2006).

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

"Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa."

"Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente."

"Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

I - advertência;

II - multa simples;

III - multa diária;

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto;

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX - suspensão parcial ou total de atividades;

X - (VETADO)

XI - restritiva de direitos."

 

Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, sua regulamentação, delimitação ou especificação deriva diretamente do ordenamento jurídico, diplomas legais e também infralegais. No tocante aos diplomas regulamentares, registre-se ter o CONAMA competência para "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", nos termos do artigo 8º, VII, da Lei nº 6.938/1981.

 

Para o caso em análise, vale também mencionar a Resolução CONAMA nº 303/2002, a qual reitera o conteúdo da legislação ordinária e, por delegação legal, fixa limites para as áreas protegidas. Lembre-se que tal definição, em âmbito da legislação federal, não impede que venham os parâmetros ali estabelecidos a ser ampliados na esfera regional e local, com prevalência da norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época e nos dias atuais:

 

Lei nº 4.771/1965

"Art. 1º. (...)

§ 2º.  Para os efeitos deste Código, entende-se por:

(...)

II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

(...)"

"Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

(...)

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

(...)

3- de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 metros;(redação original)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.07.1989)

5- de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

"Art. 4º, § 1°. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social."

Resolução CONAMA nº 303/2002:

"Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:

a) trinta metros, para o curso d'água com menos de dez metros de largura;b) cinquenta metros, para o curso d'água com dez a cinquenta metros de largura;c) cem metros, para o curso d`água com cinquenta a duzentos metros de largura;d) duzentos metros, para o curso d'água com duzentos a seiscentos metros de largura; e) quinhentos metros, para o curso d'água com mais de seiscentos metros de largura;

(...)"

Lei nº 12.651/2012

"Art. 4º.  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(...)

I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

(...)

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; "

(destaques aditados)

 

O Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei nº 4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado de tal espaço, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social, os quais foram anteriormente reproduzidos no item III.

 

No mesmo sentido dos dispositivos referidos há ainda a Lei nº 9.433/97 (institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989) e a Resolução CONAMA nº 369/2006 (Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP).

 

As normas mencionadas, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente, como visto. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. No entanto, por serem excepcionais configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.

 

De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).

 

V - DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS RÉUS PELA OCORRÊNCIA DO DANO AMBIENTAL

 

Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.

 

O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.

 

Não há qualquer conflito entre a questão da preservação ambiental e o direito de propriedade, porquanto este não pode ser desvinculado de sua função socioambiental, a qual abrange os fundamentos e preceitos norteadores já declinados, inclusive a impossibilidade da pretensão ao direito adquirido à degradação ambiental. É indissociável da função socioambiental da propriedade a noção do seu uso de modo a resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.

 

Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.

 

A título de nota, eventual autorização administrativa para a ocupação de terreno consolidado como área de preservação permanente fora dos casos expressa e excepcionalmente autorizados pelo ordenamento pátrio configuraria ato administrativo nulo, porque editado em afronta à literal disposição dos regramentos atinentes à tutela do meio ambiente ora apontados ou, no mínimo, perderia sua eficácia, dada a impossibilidade de se sustentar o "direito adquirido à degradação ambiental". O Superior Tribunal de Justiça adota posição incisiva nesse sentido, consoante se depreende do julgado a seguir transcrito:

 

"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ. 1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR 2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal. 3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal. 4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica-se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto). 5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ. LICENCIAMENTO AMBIENTAL 6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP. 7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir. 8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado. HIPÓTESE DOS AUTOS 9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos, os efeitos da suspensão de ofício da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de ofício da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas. 10. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração. (destaques aditados)

(STJ, REsp 1245149, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 13/06/2013).

 

In casu, o local sub judice, como visto, na margem esquerda do Rio Paraná, configura área de preservação permanente, nos termos do artigo 2º, alínea "a", item 5, da Lei nº 4.771/1965, na redação da Lei nº 7.803/89, vigente ao tempo da lavratura do auto de infração (atual artigo 4º, I, "e", da Lei nº 12.651/2012) e artigo 3º, I, "e", da Resolução CONAMA nº 303/2002, a saber, a margem ciliar de 500 metros, considerado que o curso d'água tem, segundo o laudo de constatação, mais de 600 metros de largura no trecho do imóvel.

 

Consoante ainda a vistoria o laudo técnico de vistoria e avaliação de dano ambiental do DEPRN, o terreno do rancho possui 121 metros quadrados e está inteiramente inserido em Área de Preservação Permanente. Vedada, portanto, qualquer intervenção em toda sua área, na qual, todavia, verificou-se a existência de edificações.

 

A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação.

 

VI- DA APLICAÇÃO DA NORMA MAIS RIGOROSA

 

Foi explicitado no tópico IV que o Código Florestal revogado - com base no qual foi lavrado o auto de infração ambiental - estabelecia APP igual ao atual. Ainda que assim não fosse, o STJ estabeleceu a aplicabilidade da norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, verbis:

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE . RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.

1. Trata-se de requerimento apresentado pelo recorrente, proprietário rural, no bojo de "ação de anulação de ato c/c indenizatória", com intuito de ver reconhecida a falta de interesse de agir superveniente do Ibama, em razão da entrada em vigor da Lei 12.651/2012 (novo Código Florestal), que revogou o Código Florestal de 1965 (Lei 4.771) e a Lei 7.754/1989. Argumenta que a nova legislação "o isentou da punição que o afligia", e que "seu ato não representa mais ilícito algum", estando, pois, "livre das punições impostas". Numa palavra, afirma que a Lei 12.651/2012 procedera à anistia dos infratores do Código Florestal de 1965, daí sem valor o auto de infração ambiental lavrado contra si e a imposição de multa de R$ 1.500, por ocupação e exploração irregulares, anteriores a julho de 2008, de Área de Preservação Permanente nas margens do rio Santo Antônio.

2. O requerimento caracteriza, em verdade, pleito de reconsideração da decisão colegiada proferida pela Segunda Turma, o que não é admitido pelo STJ. Nesse sentido: RCDESP no AgRg no Ag 1.285.896/MS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 29.11.2010; AgRg nos EREsp 1.068.838/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 11.11.2010; PET nos EDcl no AgRg no Ag 658.661/MG, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 17.3.2011; RCDESP no CC 107.155/MT, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, DJe 17.9.2010; RCDESP no Ag 1.242.195/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3.9.2010. Por outro lado, impossível receber pedido de reconsideração como Embargos de Declaração, sob o manto do princípio da fungibilidade recursal, pois não se levanta nenhuma das hipóteses do art. 535 do CPC.

3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).

4. Ademais, como deixa claro o novo Código Florestal (art. 59), o legislador não anistiou geral e irrestritamente as infrações ou extinguiu a ilicitude de condutas anteriores a 22 de julho de 2008, de modo a implicar perda superveniente de interesse de agir. Ao contrário, a recuperação do meio ambiente degradado nas chamadas áreas rurais consolidadas continua de rigor, agora por meio de procedimento administrativo , no âmbito de Programa de Regularização Ambiental - PRA, após a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural - CAR (§ 2°) e a assinatura de Termo de Compromisso (TC), valendo este como título extrajudicial (§ 3°). Apenas a partir daí "serão suspensas " as sanções aplicadas ou aplicáveis (§ 5°, grifo acrescentado). Com o cumprimento das obrigações previstas no PRA ou no TC, "as multas" (e só elas) "serão consideradas convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente".

5. Ora, se os autos de infração e multas lavrados tivessem sido invalidados pelo novo Código ou houvesse sido decretada anistia geral e irrestrita das violações que lhe deram origem, configuraria patente contradição e ofensa à lógica jurídica a mesma lei referir-se a "suspensão" e "conversão" daquilo que não mais existiria: o legislador não suspende, nem converte o nada jurídico. Vale dizer, os autos de infração já constituídos permanecem válidos e blindados como atos jurídicos perfeitos que são - apenas a sua exigibilidade monetária fica suspensa na esfera administrativa , no aguardo do cumprimento integral das obrigações estabelecidas no PRA ou no TC. Tal basta para bem demonstrar que se mantém incólume o interesse de agir nas demandas judiciais em curso, não ocorrendo perda de objeto e extinção do processo sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI).

6. Pedido de reconsideração não conhecido.

(Pet no REsp nº 1240122; Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 02/10/2012)

 

Destaque-se ainda:

AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 15 DA LEI 12.651/2012. COMPENSAÇÃO DE APPS EM ÁREA DE RESERVA LEGAL. PROIBIÇÃO DE RETROCESSO. PROTEÇÃO DOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS.

1. Cuida-se de inconformismo contra decisum do Tribunal de origem que possibilitou a compensação de eventuais Áreas de Preservação Permanente (APPs) em área destinada a Reserva Legal, fundamentando-se no art. 15 da Lei 12.651/2012 (Código Florestal).

2. Não se emprega norma ambiental superveniente de cunho material aos processos em curso, seja para proteger o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, seja para evitar a redução do patamar de proteção de ecossistemas frágeis sem as necessárias compensações ambientais. No mesmo sentido: AREsp 611.518/MS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25/8/2015; EDcl no REsp 1.381.341/MS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 27/8/2015; AREsp 730.888/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 16/9/2015; AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12/3/2014. 3. O STJ consolidou o entendimento de que "'o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)' (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, DJe 07/06/2016)" (AgInt no AgInt no AREsp 850.994/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 19.12.2016). Nesse sentido: EDcl no REsp 1.389.942/MS, Rel. Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 28.9.2017; AgRg no AREsp 364.256/MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 21.9.2017, aguardando publicação.

4. Recurso Especial provido.

(REsp 1694622 / SP; Rel. Min. HERMAN BENJAMIN; j. em 19/10/2017)

 

VII. CONCLUSÃO

 

Deflui do conjunto probatório com total segurança, por um lado, que o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, segundo a Lei nº 4.771/1965, e que, por outro, não se constata, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia erigida em área de preservação permanente, ainda mais quando não demonstrada a "inexistência de alternativa técnica e locacional" no momento de planejamento da edificação. A construção que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normatização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público.

 

Assim ponderado, é de se concluir que não pode subsistir a faixa de preservação permanente de 15 metros estabelecida em primeiro grau, mas de quinhentos metros, bem como, em consequência, a correspondente recomposição do terreno e o pagamento de indenização pelos danos ambientais. Ressalta-se, ademais, que não é possível, quanto a tal área, qualquer acordo de compensação ou regularização ambiental.

 

Considerado o todo consignado - elementos de prova apontados, legislação norteadora do tema e correlata doutrina -, verifica-se comprovada a atuação ilegítima dos requeridos, consistente na manutenção de edificação e demais estruturas em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente acima apontados, bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é imperiosa a correspondente responsabilização pelo dano ambiental causado.

 

VIII. DA CONDENAÇÃO

 

Fixada a responsabilização, é de se deliberar sobre os termos da condenação. A sentença recorrida reduziu a faixa de preservação permanente para 15 metros e ordenou a não fosse utilizada ou explorada, sob pena de multa diária de mil reais, bem como deixou de arbitrar o dano ambiental e a recomposição do que foi degradado.

 

A área de preservação permanente a ser respeitada é quinhentos metros, consoante a fundamentação expendida, de modo que o imóvel está inteiramente localizado dentro dela. Devem ser mantidas as demais determinações da sentença, relativamente às proibições de intervenção no local, acrescida, porém, da necessidade de demolição, retirada do entulho e recuperação do terreno, conforme plano a ser apresentado ao órgão competente, além do pagamento de indenização. A multa diária fixada em mil reais não foi impugnada pelos interessados e, ademais, vedado utilizar o salário mínimo como parâmetro (artigo 7º, IV, CF). Descabida a condenação ao pagamento de honorários, como a seguir será explicitado.

 

Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - CORTE LOCAL QUE, AO RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO RÉU (ART. 3º, INC. IV E ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFICADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE RÉ. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL.

(omissis)

5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1381211, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, v.u., DJe 19/09/2014);

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL AJUIZADA POR SUBLOCATÁRIA DE "POSTO DE GASOLINA". PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS NO IMÓVEL. NOVA AÇÃO, AJUIZADA PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA A ANTIGA LOCATÁRIA, OBJETIVANDO A RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS, A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL NO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E A RECONSTRUÇÃO DO PISO. LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DOS EQUIPAMENTOS EM CINCO DIAS E A REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, COM EFETIVA LIMPEZA DO IMÓVEL, EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONCLUSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO TERIA SIDO CUMPRIDA A LIMINAR QUANTO À LIMPEZA DO LOCAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO RECONHECIDO, MAS APENAS EM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS, EM VALOR A SER APURADO EM PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA NO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES. RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINADA PELA QUINTA TURMA DO STJ NO RESP Nº 1.041.697/RS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO. NOVA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO FICOU CONFIGURADA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTO QUE, CONQUANTO MENCIONADO, NÃO FOI UTILIZADO COMO RAZÃO DE DECIDIR PELO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS. RESPONSABILIDADE PELA RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. MATÉRIA CUJA ANÁLISE DEMANDA O REEXAME DE FATOS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ÓBICE DAS SÚMULAS NOS 5 E 7 DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMA CONTIDA EM RESOLUÇÃO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PEDIDO DE QUE O VALOR SEJA DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO TERIA FICADO COMPROVADO O PREJUÍZO MENCIONADO PELOS AUTORES. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. IMPEDIMENTO À EXPLORAÇÃO DO IMÓVEL QUE SOMENTE FICOU CONFIGURADO A PARTIR DA DEVOLUÇÃO DAS CHAVES AOS PROPRIETÁRIOS. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA INDENIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIMPEZA DO LOCAL NO PRAZO DEFINIDO NA LIMINAR. PRAZO SUJEITO ÀS DETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. PONTO QUE NÃO FOI OBJETO DE DEBATE E DECISÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DEVIDO À PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O CUMPRIMENTO DA LIMINAR NO CONCERNENTE À RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. ENTENDIMENTO DA SENTENÇA REFORMADO PELO TRIBUNAL NO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELOS AUTORES NA RETIRADA DOS TANQUES REMANESCENTES. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA EXCESSIVO. MATÉRIA CUJA DISCUSSÃO DEVERÁ AGUARDAR A DEFINIÇÃO, NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO, A RESPEITO DO MOMENTO EM QUE FOI CUMPRIDA A ORDEM DE LIMPEZA DO TERRENO.

(omissis)

12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1372596, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, v.u., DJe 02/05/2013).

 

É essa a interpretação a ser dada ao pleito formulado, pois o autor não restringiu a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível sua realização na fase de liquidação, como visto, nomeado expert pelo próprio Juízo onde será cumprido o decisum condenatório. O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda'. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).

 

A questão da verba honorária sucumbencial deve ser examinada consoante o preceito contido no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, pois "na ação civil pública, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 17 pela Lei 8.078/90" (STJ, REsp 493823).

 

Nesse passo, a novel jurisprudência da Superior Corte, por sua Primeira Seção, firmou o entendimento no sentido de que deve ser o tema tratado à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, em observância à absoluta simetria de tratamento entre as partes. Assim, se não podem os legitimados ativos ser condenados aos honorários em sede de ação civil pública, igualmente não poderão de tal verba se beneficiar, ainda que o valor seja vertido ao fundo do artigo 13 da LACP. A título ilustrativo, colacionam-se as ementas a seguir:

 

"AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DO DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - DETRO - RJ. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. PERMISSÃO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil o aresto que resolve suficientemente a lide, ainda que não acate os argumentos apresentados por uma das partes. 2. Recurso especial a que se nega provimento. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DA RÁPIDO MACAENSE LTDA. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO PERMISSÃO. TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 480, 481 E 482 DO CPC E 42, § 2º, DA LEI N. 8987/95. AFRONTA À RESERVA DE PLENÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil o aresto que resolve suficientemente a lide, ainda que não acate os argumentos apresentados por uma das partes. 2. A análise da existência de cerceamento de defesa esbarra na Súmula 7/STJ, mormente quando a questão posta desborda dos lindes da ação civil pública. 3. No recurso especial, a empresa não combate diretamente fundamento do aresto recorrido segundo o qual a norma de efeito concreto que estipulou o contrato de adesão não pode ser objeto de controle de constitucionalidade. Aplicação da Súmula 283/STJ. 4. Por sua vez, a Corte de origem, a despeito de argumentos constitucionais, aferiu o descompasso do contrato de adesão com a Lei de Concessões, o que não constituiu violação da cláusula de reserva de plenário. 5.Nos termos do art. 42, § 2º, da Lei n. 8.987/95, deve a Administração promover certame licitatório para novas concessões de serviços públicos, não sendo razoável a prorrogação indefinida de contratos de caráter precário. 6. Por simetria, em sede de ação civil pública, não cabe a condenação do réu em honorários. Precedentes. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido apenas em parte.(...)" (destaques aditados)

(STJ, REsp 1407860, Rel. Min. OG FERNANDES, Segunda Turma, v.u., DJE DATA:18/12/2013);

"PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - VIOLAÇÃO AO ART. 535 NÃO CONFIGURADA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MINISTÉRIO PÚBLICO AUTOR E VENCEDOR - DESCABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Na ação civil pública movida pelo Ministério Público, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85. 3. Posiciona-se o STJ no sentido de que, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet. 4. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. Precedentes. 5. Recurso especial não provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1302105, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, v.u., DJE DATA:14/08/2013);

"ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não cabe falar em ofensa ao art. 535 do CPC, na medida em que o Tribunal a quo decidiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia. 2. A jurisprudência da Primeira Seção deste Superior Tribunal é firme no sentido de que, por critério de absoluta simetria, no bojo de ação civil pública não cabe a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento."

(STJ, AGAREsp 221459, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, v.u., DJE DATA:23/04/2013).

 

Assim, quanto aos honorários advocatícios, impõe-se a manutenção da sentença.

 

Sinteticamente, com supedâneo em tais fundamentos e também considerado o reexame necessário, tido por interposto, deve ser atendido em parte o pleito posto no exórdio e, assim, julgada parcialmente procedente a ação para condenar os réus nos seguintes termos:

a) desocuparem a área de preservação permanente que, in casu, engloba a propriedade inteira;

b) absterem-se de erigir ou reformar qualquer construção, cerca, proceder à supressão de vegetação, aterramento, plantação, criação de animais ou empreender qualquer outra atividade lesiva ao meio ambiente local;

c) providenciarem a elaboração de plano de recuperação de área degradada, no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado e após aprovação pelo órgão ambiental responsável, observada a obrigação de realizarem a demolição completa das edificações existentes no terreno e retirarem o entulho para local apropriado, vedada qualquer medida alternativa à remoção;

d) recuperarem e reflorestarem a área degradada, o que deverá dar-se consoante o aludido projeto técnico florestal circunstanciado, no prazo de seis meses, a contar do seu deferimento pelo CBRN, bem como acompanharem sua evolução por três anos;

e) pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais verificados ao longo dos anos em que a área de preservação foi ocupada pelos réus, a impedir sua regeneração, conforme apuração em fase de liquidação, verba destinada ao fundo do artigo 13 da LACP;

f) o pagamento de multa diária de mil reais, conforme fixada na sentença, a ser vertida ao Fundo Federal de Reparação dos Interesses Difusos Lesados, em caso de descumprimento total ou parcial de quaisquer das obrigações cominadas.

 

IX - DO DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, dou parcial provimento aos apelos e à remessa oficial, nos termos anteriormente detalhados, a fim de que seja respeitada a área de preservação ambiental de quinhentos metros, estabelecer o prazo de trinta dias para apresentação do plano de recuperação ambiental ao órgão ambiental responsável, observadas a obrigação de demolição completa das edificações existentes no terreno e retirada do entulho para local apropriado, vedada qualquer medida alternativa à remoção, bem como ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE. DELIMITAÇÃO. MUNICÍPIO DE ROSANA. EXCEPCIONALIDADE.

1. Sentença submetida ao reexame necessário. Aplicação analógica das disposições do artigo 19 da Lei nº 4.717/65.

2. De início, cumpre destacar que o Município de Rosana foi desmembrado do Município de Teodoro Sampaio e o Bairro Beira Rio surgiu na década de 1960, sendo certo que, anteriormente ao aludido desmembramento, era ocupado por ribeirinhos e pescadores, que tiravam seu sustento do Rio Paraná e, posteriormente, por pescadores amadores e pequenos comerciantes, que aproveitavam o movimento de cruzamento do rio Paraná em direção ao Estado de Mato Grosso do Sul que era feito por uma balsa. Isto até enchimento da represa da Hidrelétrica Sérgio Motta. Portanto, o bairro surgiu antes do próprio Município de Rosana, há mais de 50 anos, sendo que referido bairro foi inserido no perímetro urbano do Município de Rosana por meio da LC 020/2007.

3. Em cumprimento ao que determina o artigo 182 da Constituição Federal e a Lei Federal nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), o Município de Rosana promulgou, ainda, a Lei Complementar nº 45/2015, instituindo o seu Plano Diretor Participativo. Diante do peculiar interesse do Município, e considerando a certificação legal de que o bairro onde se localiza o imóvel dos réus está dentro do perímetro urbano da cidade, estabeleceu-se um zoneamento municipal e o território de Rosana foi ordenado a partir de macrozonas, dentre as quais ressalta o art. 29, II, a Macrozona de Interesse Turístico e Ambiental (MZITA). Restou disposto, ainda, no parágrafo único do artigo 31 do referido regramento que são diretrizes específicas da MZITA, "Estimular e promover a regularização ambiental das ocupações situadas em APPs e nas ilhas do Rio Paraná, observando a Lei Federal nº 12.651/2012, em especial as disposições contidas no Capítulo XIII, Seção II que trata das áreas consolidadas em APP."

4. Assim, dentro do regramento do novo Código Florestal, e com fundamento em seu interesse local, é direito e dever do Município de Rosana, ordenar seu território e proceder, como, aliás, expressamente autoriza referida norma, a regularização dessas ocupações antrópicas ao longo do rio Paraná. Pouco importa se o Ministério Público concorda ou não com a inserção do bairro Beira Rio como perímetro urbano (zona urbana). O problema é do Município e não da União Federal. Nenhum Poder Judiciário poderá dizer que a lei municipal é inconstitucional, eis que sua edição e promulgação encontra fundamento constitucional e também no Estatuto das Cidades. Destaque-se que os dispositivos legais mencionados, por mais que alguns entendam que não devem ser assim aplicados, foram declarados constitucionais pelo Colendo STF, e cuida das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente.

5. Quanto às denominadas áreas urbanas e urbanas consolidadas, o próprio Código Florestal remete ao Estatuto das Cidades, e nesse sentido foi que o Município de Rosana dispôs no § 2º do artigo 80 do Plano Diretor que: "§ 2º- Para fins de regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, deverá ser mantida Área de Preservação Permanente (APP) com largura mínima de 5 (cinco) metros de cada lado." (destaquei)

6. A compatibilização do novo Código Florestal com os interesses do Município, igualmente protegidos, devem levar em consideração a dignidade da pessoa humana, e a Lei nº 12.651/2012 faz uma diferenciação entre a área rural consolidada e área urbana ou urbana consolidada, para fixar limites diferenciados para observância de APP, sendo absurda e divorciada totalmente da realidade exigir-se em área urbana ou urbana consolidada APP de 500 (quinhentos) metros, pena de se inviabilizar totalmente o pequenino Município de Rosana, que conta com um população de pouco mais de 19.600 habitantes, pelo último censo, cerca de 26,5 habitantes por km2 e um PIB de R$ 778.538,00, comparativamente com a cidade de Presidente Prudente, que lhe é próxima e conta com um PIB de R$ 24,8 bilhões.

7. Evidente que o magistrado há de julgar os feitos que lhe são submetidos com a ponderação e razoabilidade nas decisões. Aliás, é assim que determina o art. 20 da Lei nº 13.655/2018 que instituiu a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determinando que a decisão judicial considere as consequências práticas de sua decisão.

8. Na espécie, a legislação ambiental prevê expressamente a possibilidade de regularização da área, sem ampliação ou modificação do status quo, devendo os ribeirinhos se submeter ao PRA, nos termos do art. 4º do Código Florestal. Aliás, bem por isso o Plano Diretor do Município já prevê o PRA (Plano de Recuperação Ambiental). Os imóveis, quer rurais, quer urbanos, devem, na hipótese alinhavada, se submeter à Regularização Ambiental, em especial se considerarmos que nenhum deles tem área superior a 1(hum) hectare. É nesse sentido, aliás, o § 12 do art. 61-A do Código Florestal, cuja constitucionalidade veio de ser reconhecida pelo C. STF, e que, expressamente, admite a manutenção das residências. Assim não fosse, o artigo em análise não teria afirmado "e da infra estrutura associada". Teria o legislador escrito residências "e infraestrutura associadas", o que não ocorreu.

9. Destaque que a ocupação antrópica que o Código admite, não é qualquer ocupação. Há de ser aquela preexistente a 22 de julho de 2008, como é o caso dos autos. Acrescenta-se, por oportuno, que a dignidade da pessoa humana e os direitos que lhe foram garantidos pelo texto constitucional, explicitados no "caput" do art. 6º, arrolam, ao lado da educação e da saúde, dentre outros, o trabalho, a moradia e o lazer. Aliás, leciona o Prof. Celso Antonio Fiorillo que: "... a nova legislação instrumental ratifica no plano infraconstitucional que lesões ou ameaça aos bens ambientais/direito ambiental (patrimônio genético, meio ambiente cultural, meio ambiente digital, meio ambiente artificial, saúde ambiental, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural) serão apreciadas pelo Poder Judiciário, conforme os princípios fundamentais indicados nos arts. 1º a 3º da Carta Magna, bem como em face das garantias e direitos individuais fundamentais indicados no  art. 5º e seguintes da Constituição Federal." (Direito Processual Ambiental Brasileiro-Saraiva, 2018, p. 25)

10. Por fim, cabe deixar consignado que o C. STF, nas inúmeras reclamações recebidas contra a autoridade dos julgamentos proferidos nas ADI's 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas em 28/02/2018, tem suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fundamento nas disposições do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), inclusive desta E. Corte (v. Rcl 51472 MC/SP - Relator Min. DIAS TOFFOLI - j. 18/02/2022 - Publicação DJe-s/n DIVULG 21/02/2022 PUBLIC 22/02/2022).

11. Remessa oficial e apelações improvidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Na sequência do julgamento, após o voto vista da Des. Fed. MARLI FERREIRA e voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE, do Des. Fed. MARCELO SARAIVA e do Des. Fed. SOUZA RIBEIRO, foi proclamado o resultado: a Quarta Turma, por maioria, decidiu negar provimento à remessa oficial, tida por submetida, bem como as apelações do MPF e da União Federal, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA, com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. SOUZA RIBEIRO. Vencidos o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator) e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA (com exceção do pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais), que davam parcial provimento aos apelos e à remessa oficial, a fim de que fosse respeitada a área de preservação ambiental de quinhentos metros, estabelecer o prazo de trinta dias para apresentação do plano de recuperação ambiental ao órgão ambiental responsável, observadas a obrigação de demolição completa das edificações existentes no terreno e retirada do entulho para local apropriado, vedada qualquer medida alternativa à remoção, bem como ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento. Lavrará o acórdão a Des. Fed. MARLI FERREIRA. A Des. Fed. MARLI FERREIRA votou na forma do art. 942, §1.º do CPC. O Des. Fed. SOUZA RIBEIRO (6ª Turma), votou na forma dos artigos 53 e 260, § 1º do RITRF3 , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.