APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011682-94.2013.4.03.6104
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: FABIO RAFAEL CICHON, ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR
Advogado do(a) APELANTE: AMADEU MARQUES JUNIOR - PR50646
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011682-94.2013.4.03.6104 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: FABIO RAFAEL CICHON, ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR Advogado do(a) APELANTE: AMADEU MARQUES JUNIOR - PR50646 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pela defesa de FÁBIO RAFAEL CICHON (nascido em 02.04.1983) e pela Defensoria Pública da União em favor do réu ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR (nascido em 27.04.1988), contra a r. sentença (fls. 165/187 – ID 160357700), proferida pelo Exmo. Juiz Federal João Batista Machado (1ª Vara Federal de Registro/SP), que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal, condenando os réus como incursos nas penas do art. 155, § 4º, inciso II, c.c. art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário-mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade, a ser designado pelo Juízo das Execuções Penais, pelo período de 2 (dois) anos, facultando ao réu o cumprimento em tempo menor, na forma do art. 46, § 4º, do Código Pen, bem como a pena de prestação pecuniária no valor de 02 (dois) salários mínimos. Consta da denúncia que (fls. 03/06 – ID 160357700): Segundo restou apurado, no dia 28.set.2012, por volta das 15:40, policiais militares foram acionados para averiguar ocorrência de desvio de cargas transportadas pela empresa Trans Balaban, que presta serviços aos Correios, na Rodovia BR 116, km 491,5 – sentido sul, bairro Cachoeirinha, no Município de Cajati/SP, onde funciona uma fábrica de farinha. Após chegarem àquele local, os policiais avistaram um caminhão estacionado com a inscrição Sedex e verificaram a presença de alguns malotes lacrados ao seu redor, sendo certo que, ao questionarem o proprietário da fábrica, Antônio Maria da Silva Matos, a respeito de tais cargas, este afirmou que eram de responsabilidade do motorista do caminhão, o denunciado FÁBIO CICHON, que naquela ocasião se fazia acompanhar de seu filho, o denunciado ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JÚNIOR. Após o comparecimento do Primeiro Denunciado ao local, este afirmou aos policiais que desviou parte da carga que transportava e que, para tanto, receberia a importância de R$ 500,00 da pessoa de ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JÚNIOR. Em sede policial, disse que é motorista da empresa Trans Balaban, que realiza transporte para os Correios, sendo que na data dos fatos foi abordado pela pessoa de ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR, que lhe convidou para fazer um “esquema” com a carga que transportava, com o que acabou concordando. Disse que no momento em que retiravam os malotes do caminhão, a Polícia Militar compareceu e “Juninho” então fugiu para o mato (fl. 144). ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR afirmou que seu pai possui um estabelecimento no local dos fatos, sendo que o denunciado frequentemente levava seu caminhão para lá, a fim de lavá-lo. Disse que foi o próprio motorista quem lhe propôs fazer um “rolo” com os objetos que ele transportava, no dia dos fatos, o que aceitou. Afirmou que logo em seguida foi ao banheiro, instante em que o denunciado sozinho abriu o caminhão e retirou as cargas de lá de dentro. Disse que não sabe o que o denunciado fez com os malotes subtraídos e afirmou que não lhe pagou dinheiro algum para tanto (fl. 86). As versões divergentes, cotejadas com as informações prestadas pelo informante Antônio Maria da Silva Matos, pai do segundo denunciado, quando da abordagem policial, na verdade revelam a participação de ambos no crime, sendo certo que, com as suas versões, buscam carrear, um ao outro, a responsabilidade que lhes é comum. Diante disso, o Ministério Público Federal denunciou FABIO RAFAEL CICHON e ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR como incursos nas penas do art. 155, § 4º, inciso II, do Código Penal. A inicial acusatória foi recebida em 08.06.2017 (fls. 07/08 – ID 160357700). Processado regularmente o feito, sobreveio a sentença condenatória, cuja baixa em Secretaria deu-se em 29.05.2019 (ID n. 160357700 – fl. 188). Nas razões de Apelação (fls. 210/214 – ID 160357700), a defesa de FÁBIO RAFAEL CICHON pleiteia: a) a desclassificação do crime de furto para o crime de apropriação indébita na modalidade tentada (art. 168 do Código Penal); b) a fixação da pena-base no mínimo legal; c) o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea; d) a fixação do regime aberto para início do cumprimento da pena. Também apela ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR (fls. 224/231 – ID 160357700), postulando: a) os benefícios da Justiça Gratuita; b) a desclassificação do crime de furto tentado para apropriação indébita na forma tentada; c) o reconhecimento das atenuantes constantes nos arts. 65, III, alínea “d”, e 66, ambos do Código Penal; d) a diminuição da pena em seu patamar máximo em razão da tentativa; e) que a substituição por pena de prestação de serviços à comunidade se dê pelo tempo fixado à pena privativa de liberdade, e a redução da pena de prestação pecuniária ao mínimo de 01 (um) salário mínimo. Contrarrazões pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL devidamente apresentadas, em que o órgão acusatório requer o provimento parcial dos recursos interpostos tão somente para que seja corrigido o período fixado para a pena de prestação serviços à comunidade, assim seja reduzido o valor da pena de prestação pecuniária, em atenção à capacidade econômica dos acusados (fls. 239/249 – ID 160357700). A Procuradoria Regional da República, em seu parecer, opinou pelo provimento parcial de ambos os apelos, no que diz respeito à prestação de serviços à comunidade e à pena pecuniária (fls. 252/259 – ID 160357700). É o relatório. À Revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011682-94.2013.4.03.6104 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: FABIO RAFAEL CICHON, ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR Advogado do(a) APELANTE: AMADEU MARQUES JUNIOR - PR50646 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: DA IMPUTAÇÃO Consta da denúncia que (fls. 03/06 – ID 160357700): Segundo restou apurado, no dia 28.set.2012, por volta das 15:40, policiais militares foram acionados para averiguar ocorrência de desvio de cargas transportadas pela empresa Trans Balaban, que presta serviços aos Correios, na Rodovia BR 116, km 491,5 – sentido sul, bairro Cachoeirinha, no Município de Cajati/SP, onde funciona uma fábrica de farinha. Após chegarem àquele local, os policiais avistaram um caminhão estacionado com a inscrição Sedex e verificaram a presença de alguns malotes lacrados ao seu redor, sendo certo que, ao questionarem o proprietário da fábrica, Antônio Maria da Silva Matos, a respeito de tais cargas, este afirmou que eram de responsabilidade do motorista do caminhão, o denunciado FÁBIO CICHON, que naquela ocasião se fazia acompanhar de seu filho, o denunciado ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JÚNIOR. Após o comparecimento do Primeiro Denunciado ao local, este afirmou aos policiais que desviou parte da carga que transportava e que, para tanto, receberia a importância de R$ 500,00 da pessoa de ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JÚNIOR. Em sede policial, disse que é motorista da empresa Trans Balaban, que realiza transporte para os Correios, sendo que na data dos fatos foi abordado pela pessoa de ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR, que lhe convidou para fazer um “esquema” com a carga que transportava, com o que acabou concordando. Disse que no momento em que retiravam os malotes do caminhão, a Polícia Militar compareceu e “Juninho” então fugiu para o mato (fl. 144). ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR afirmou que seu pai possui um estabelecimento no local dos fatos, sendo que o denunciado frequentemente levava seu caminhão para lá, a fim de lavá-lo. Disse que foi o próprio motorista quem lhe propôs fazer um “rolo” com os objetos que ele transportava, no dia dos fatos, o que aceitou. Afirmou que logo em seguida foi ao banheiro, instante em que o denunciado sozinho abriu o caminhão e retirou as cargas de lá de dentro. Disse que não sabe o que o denunciado fez com os malotes subtraídos e afirmou que não lhe pagou dinheiro algum para tanto (fl. 86). As versões divergentes, cotejadas com as informações prestadas pelo informante Antônio Maria da Silva Matos, pai do segundo denunciado, quando da abordagem policial, na verdade revelam a participação de ambos no crime, sendo certo que, com as suas versões, buscam carrear, um ao outro, a responsabilidade que lhes é comum. Diante disso, o Ministério Público Federal denunciou FABIO RAFAEL CICHON e ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR como incursos nas penas do art. 155, § 4º, inciso II, do Código Penal. MATERIALIDADE DELITIVA A materialidade delitiva restou comprovada pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante Delito oriundo da Polícia Civil (fl. 05 – ID 160357298); Boletim de Ocorrência registrado sob o n.º 1308/2012 (fls. 10/12 – ID 160357298); Auto de Exibição e Apreensão oriundo da Polícia Civil (fls. 13/16 – ID 160357298). AUTORIA Ressalte-se que não houve impugnação quanto à autoria delitiva de ambos os acusados, pelo que incontroversas. Não se verifica, tampouco, a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este E. Tribunal. De rigor, portanto, a manutenção da condenação dos recorrentes, aliás, como não poderia deixar de ocorrer, ante o enorme arcabouço fático-probatório constante destes autos. Registre-se, a esse respeito, que as testemunhas ouvidas durante a instrução processual foram enfáticas ao confirmar as circunstâncias da abordagem, afirmando que, no dia dos fatos, foram acionados para averiguação de suposto desvio de carga de caminhão dos Correios, o que, chegando ao local, pôde ser confirmado, já que estava ocorrendo o traslado de mercadorias de um caminhão com o logo Sedex para a fábrica em questão. Além disso, os próprios acusados, apesar de apresentarem versões divergentes entre si sobre de quem teria partido a iniciativa de perpetrar a conduta criminosa, confessaram que, na data dos fatos, haviam entrado em conluio para fazer um “esquema” e desvirtuar a carga dos Correios, tornando inequívoca a autoria delitiva de ambos e justificando a manutenção da condenação dos acusados. O recurso de Apelação manejado pelas partes devolveu ao conhecimento deste E. Tribunal Regional Federal apenas questões relativas à classificação da conduta delituosa e dosimetria penal, a serem analisados a seguir. DA RECLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O DELITO DE PECULADO. EMENDATIO LIBELLI. Em razões de Apelação, os réus pleiteiam a desclassificação do crime de furto qualificado para apropriação indébita, sob o argumento de que a posse das encomendas dos Correios já estava com o réu FABIO, em razão deste ser funcionário da empresa “Trans Balaban”, a serviço da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos, tendo havido apenas a indevida apropriação destas, e não sua real subtração e inversão da posse. De fato, a posse dos bens já se encontrava com o réu FABIO RAFAEL CICHON, não se enquadrando, realmente, a conduta dos acusados no delito a que foram condenados de furto qualificado com abuso de confiança, porém, diferentemente do que pretende a defesa, o caso em concreto não se amolda ao delito de apropriação indébita (art. 168 do Código Penal), mas sim ao delito de peculato-apropriação, descrito no art. 312 do Código Penal, o qual prevê, in verbis: Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Configura-se o delito de peculato-apropriação quando o agente se assenhora, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse, em proveito próprio ou alheio. O pressuposto do crime é a posse legítima, considerada esta em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material) (STJ, RHC n. 10.845/SP, 5ª T., rel. Min. Gilson Dipp, DJ 23.04.2001), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "o conceito de 'posse' de que cuida o artigo 312 do Código Penal tem sentido amplo e abrange a disponibilidade jurídica do bem, de modo que resta configurado o delito de peculato na hipótese em que o funcionário público apropria-se de bem ou valor, mesmo que não detenha a sua posse direta." (RESp n. 1695736/SP, 6ª T., rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 16.05.2018). Veja-se, a esse respeito, casos de desvio de encomendas por carteiros, em que esta E. 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região já enquadrou, de forma reiterada, a classificação jurídica de tais condutas como o delito de peculato. In verbis: DO PECULATO - CONDUTA TÍPICA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DA DOSIMETRIA. I. O artigo 312, §1°, do Código Penal - CP, considera delituosa a conduta do "funcionário público" que se apossa, tomando como se fosse seu, bem que, em razão de sua condição funcional, tem acesso. II. Na hipótese dos autos, ficou comprovado que o apelante se apropriou de algumas correspondências contendo cartões bancários a que teve acesso em razão da sua condição de carteiro (empregado público da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, logo "funcionário público" por equiparação, na forma do artigo 327, §1°, do CP), o que impõe a sua condenação. (...) (TRF3, Décima Primeira Turma, ACR 00012017920134036134, Rel. Cecilia Mello, e-DJF3 Judicial 1 de 24.03.2017) PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO. QUADRILHA OU BANDO. QUESTÕES PRELIMINARES. DOSIMETRIA DA PENA. CONCURSO MATERIAL. 1. Prescrição da pretensão punitiva reconhecida em relação ao corréu que era menor de 21 anos na época dos fatos. 2. A interceptação de comunicações telefônicas foi necessária, tendo sido atendido o disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96. O período pelo qual se estenderam as interceptações alinha-se à gravidade dos fatos e à magnitude do grupo investigado, tornando imprescindíveis as sucessivas prorrogações. Nesse sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 3. Houve subtração de correspondências por funcionário dos Correios, que a elas teve acesso e tinha a posse em razão do cargo que ocupava, repassando-as aos demais corréus. Lesão a interesse de empresa pública federal. Competência da Justiça Federal. 4. Além de a denúncia atender aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, expondo de modo adequado o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação do crime e o rol das testemunhas, o que permitiu o exercício do contraditório e da ampla defesa, o fato é que, depois de proferida a sentença condenatório, a tese de inépcia da denúncia fica superada (STJ, AgRg no REsp 1.909.009/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 22.06.2021, DJe 24.06.2021). 5. Materialidade, autoria e dolo comprovados. O conjunto probatório é robusto e coeso para confirmar não só a autoria delitiva, mas também o dolo, demonstrado pelo prévio ajuste entre os corréus para a prática do delito de peculato, assim como a associação estável e permanente para o cometimento de crimes de peculato. 6. Teses de desclassificação para os crimes de violação de correspondência e estelionato rejeitadas. (...) 10. Apelações provida, parcialmente provida e não provida. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0012922-52.2011.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 06/08/2021, Intimação via sistema DATA: 13/08/2021) No caso em concreto, ainda que FABIO não seja, de fato, funcionário público, mas sim contratado pela empresa “Trans Balaban”, restou amplamente demonstrado nos autos e foi, inclusive, confirmado por ambos os acusados que este estava a serviço da EBCT, que foi o sujeito passivo do delito, o que atraiu a competência desta Justiça Federal (ID n. 160357298). Assim, mesmo em se tratando de funcionário particular, mas estando em exercício de atividade típica do Estado, mais precisamente transporte postal para os Correios (artigo 7º da Lei 6.538/1978- Lei Postal), considera-se FABIO funcionário público por equiparação, nos termos do art. 327, § 1º, do Código Penal (Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública- Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Saliente-se, a esse respeito, que a conceituação de funcionário público, para fins penais, é diversa da apresentada pelo direito administrativo. Como bem elucidado por José Paulo Baltazar Junior: “O CP traz, em seu art. 327, um conceito ampliativo de funcionário público para fins penais, determinado pelo exercício da função pública, ou seja por um critério objetivo, e não pela natureza do vínculo com a administração, o que representaria a adoção de um critério subjetivo” (Crimes federais, 2011, p. 135). O conceito extensivo de funcionário público está intrinsecamente relacionado à própria concepção ampla fornecida pelo direito penal à administração pública, enquanto bem jurídico penalmente tutelado, tendo, inclusive, o § 1º do aludido artigo, disposto acerca dos agentes equiparados a funcionário público, como forma de assegurar o interesse da administração pública mesmo fora dos órgãos públicos da administração direta. No que tange ao § 1º do art. 327 do CP, com a redação dada pela Lei n. 9.983, de 14.07.2000, tem-se que o normativo tratou do funcionário público por equiparação, abarcando o agente que exerce cargo, emprego ou função nas entidades paraestatais, bem como aqueles que trabalham em empresas prestadoras de serviço contratadas ou conveniadas, quando as atividades estiverem atreladas à execução de tarefas essenciais do Estado (atividade típica). A sua antiga redação já equiparava a funcionário público aquele que exercia cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, tendo a novel legislação ampliado a equivalência para incluir aquele que labora em empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada, quando em execução de atividade típica da administração pública. Quanto à expressão entidade paraestatal há que se registrar que esta não deve se restringir às autarquias, devendo compreender as sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações instituídas pelo poder público. Tal restrição não teria sido a vontade do legislador, notadamente porque o próprio caput do art. 327 do CP é deveras ampliativo ao definir funcionário público para fins penais, bem ainda o seu § 2º, ao elevar a pena dos ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento, abarcou não só a administração direta, mas também a sociedade de economia mista, a empresa pública e a fundação instituída pelo poder público. Dessa forma, de rigor o enquadramento da conduta de FABIO RAFAEL CICHON como peculato, devendo ser condenado como incurso no delito do art. 312 do Código Penal. Nesse mesmo sentido, precedente do E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região em situação fática semelhante, no qual a condição de motorista terceirizado a serviço dos Correios também foi equiparada à condição de funcionário público para a configuração do delito de peculato, in verbis: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TENTATIVA DE PECULATO APROPRIAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. MOTORISTA EMPREGADO DOS CORREIOS É FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. PROVA DE AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO. APELAÇÃO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. 1 - Para que o empregado seja considerado servidor público para fins penais, deve ele exercer atividade típica do Estado. Nesse sentido, o artigo 7º da Lei 6.538/78 (Lei Postal) expõe que constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento. Assim, o motorista dos Correios, mesmo que na condição de empregado terceirizado, é equiparado a funcionário público, por exercer atividade típica da administração pública, uma vez que ele transporta as correspondências da ECT, o que atrai a incidência da norma do art.327, §1º do Código Penal ao caso concreto. 2- A aferição de o réu passar a dispor do bem como se proprietário fosse possui uma carga altamente subjetiva, de modo que, para que não se incorra em injustiça no caso concreto, deve-se fixar um parâmetro para essa avaliação que, no caso, seria retirada do bem do local de trabalho réu - o caminhão o qual dirigia -, o que não ocorreu. Assim, entendo que o crime de apropriação indébita majorada não ultrapassou o campo da tentativa, pois o objeto jamais ficou em efetivo poder do acusado. 3 - No caso, há continuidade delitiva. O réu se utilizou do mesmo modus operandi para a consecução tanto do primeiro delito, quanto para a tentativa do segundo: o veículo utilizado era da empresa pública e o réu se aproveitou da facilidade inerente ao cargo que ocupava para tentar se apropriar dos bens, que eram da mesma origem. 4 - Recurso de apelação a que se dá parcial provimento (TRF2, 2ª Turma Especializada, Apelação Criminal n. 0800777-26.2013.4.02.5101, Relator SIMONE SCHREIBER, Dje 25/04/2017). Da mesma forma, no que se refere a ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR, também é o caso de reclassificar sua condenação ao tipo penal do peculato. O sujeito ativo do crime de peculato é, de fato, o funcionário público em sentido amplo (art. 327, CP), porém, tal circunstância pode ser comunicável aos particulares, a teor do que dispõe o art. 30 do Estatuto Penal Repressivo. Havendo concurso de pessoas em que ao menos um deles seja funcionário público ou equiparado a funcionário público, os demais agentes particulares responderão por idêntico crime, desde que cientes da condição especial de que se reveste o funcionário público. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o "peculato corresponde à infração penal praticada por funcionário público contra a administração em geral. Denominado crime próprio, exige a condição de funcionário público como característica especial do agente - de caráter pessoal - elementar do crime, admitindo-se "o concurso de agentes entre funcionários públicos (ou equiparados, nos termos do art. 327, § 1º, do Código Penal) e terceiros, desde que esses tenham ciência da condição pessoal daqueles, pois referida condição é elementar do crime em tela (artigo 30 do Código Penal) (HC n. 213.143/RJ, 5ª T., rel. Min. Ribeiro Dantas, DJ 09.06.2017). Nesse viés, sendo a condição de funcionário público elementar do tipo estampado no art. 312 do CP, deverá se comunicar ao particular em coautoria (STF, HC n. 90.337/SP, 1ª T., rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ 06.09.2007). No caso em concreto, a ciência de ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR de que FABIO RAFAEL CICHON prestava serviço como motorista a transportar serviço de encomendas da EBCT mostrou-se absolutamente inequívoca, já que as embalagens das mercadorias desviadas e o próprio caminhão evidenciavam que pertenciam aos Correios. O próprio acusado FABIO explicita, em seu interrogatório judicial, que “no caminhão vinha escrito SEDEX, tudo emblemado, Correios”, o que também foi confirmado pelas testemunhas de acusação. Além disso, o próprio correu ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR, em seu interrogatório, reporta as mercadorias como “mercadorias dos Correios” e cita que, já no momento da suposta proposta delitiva feita por FABIO, ele teria dito estar em posse de “mercadorias do Sedex” e propôs que as vendessem. Diferente seria a hipótese na qual o particular, no caso, ANTONIO desconhecesse o fato de que FABIO estava à serviço da EBCT, situação na qual sua conduta amoldar-se-ia, realmente, no delito de apropriação indébita, como bem manifestou-se o magistério de Cezar Roberto Bitencourt, ao tratar especificamente acerca do peculato-apropriação: “Desconhecendo essa condição, o dolo do particular não abrange todos os elementos constitutivos do tipo, configurando-se o conhecido erro de tipo, que afasta a tipicidade da conduta. Responderá, no entanto, por outro crime, consoante o permissivo contido no art. 29, § 2º, do Código Penal, que abriga a chamada cooperação dolosamente distinta, autorizando-o a responder, em princípio, pelo crime de apropriação indébita, exatamente o crime que pretendia praticar, cuja pena cominada (1 a 4 anos de reclusão) é consideravelmente inferior à de peculato (2 a 12 anos de reclusão)” (Tratado de direito penal: Parte Especial, 2012, v. 5, p. 41). Assim, a pretensão defensiva de desclassificação para o delito de apropriação indébita não merece guarida, já que, uma vez configurada por equiparação a elementar de “funcionário público”, a tipificação da conduta dos acusados àquela prevista no art. 312 do Código Penal deve prevalecer, em respeito ao princípio da especialidade. Por fim, é importante rememorar que a reclassificação ora procedida se mostra plenamente possível, mesmo que realizada em Segunda Instância, configurando-se a aplicação do instituto da emendatio libelli, cuja previsão encontra-se no art. 383 do Código de Processo Penal (O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave). Isto porque, o acusado se defende dos fatos a ele irrogados (e não da capitulação jurídica propriamente dita), o que tem o condão de espancar qualquer ilação no sentido de que tal proceder ofenderia o devido processo legal (e seus corolários: ampla defesa e contraditório) a culminar em defeso cerceamento de defesa. Nesse sentido: Inquérito. Requisitos de validade da denúncia. Descrição fática consistente. Material probatório que impede o reconhecimento da atipicidade da conduta. Denúncia recebida. 1. O exame da admissibilidade da denúncia se limita à existência de substrato probatório mínimo e à validade formal da inicial acusatória. 2. A acusada se defende dos fatos descritos pela acusação e não propriamente da classificação jurídica dos fatos. Precedentes. 3. Não é inepta a denúncia que, ao descrever fato certo e determinado, permite à acusada o exercício da ampla defesa. Precedentes. (...) (STF, Inq 3113, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 02/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-025 DIVULG 05-02-2015 PUBLIC 06-02-2015) - destaque nosso. Ainda com o escopo de bem aquilatar a questão, cumpre trazer à colação julgados que sufragam a possibilidade de que a emendatio libelli ocorra em 2º grau de jurisdição (julgados estes que apenas impõem o limitativo de que a situação do acusado não reste piorada quando tiver havido o manejo de recurso de Apelação apenas pela defesa em decorrência da aplicação do disposto no art. 617 do Código de Processo Penal): HABEAS CORPUS. EMENDATIO LIBELLI NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. POSSIBILIDADE. MERA SUBSUNÇÃO DOS FATOS NARRADOS À NORMA DE INCIDÊNCIA. CRIME DE TORTURA. INCONSISTÊNCIA PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. IMPROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO CONTRÁRIA AOS LAUDOS PERICIAIS OFICIAIS. JUSTIFICATIVA IDÔNEA. REGRA DO CONCURSO MATERIAL. APLICABILIDADE. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. PERDA DE PATENTE E DO POSTO. CONSEQÜÊNCIA DA CONDENAÇÃO. AUSENTE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Inexiste vedação à realização da emendatio libelli no segundo grau de jurisdição, pois se trata de simples redefinição jurídica dos fatos narrados na denúncia. Art. 383 do Código de Processo Penal. O réu se defende dos fatos, e não da definição jurídica a eles atribuída. (...) (STF, HC 92181, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 03/06/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-03 PP-00567 RT v. 97, n. 877, 2008, p. 508-514) - destaque nosso. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ESPECIAL CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO. (...) FURTO QUALIFICADO (ART. 155, § 4.º, II, DO CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÃO. APELAÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A emendatio libelli pode ser aplicada em segundo grau, desde que nos limites do art. 617 do Código de Processo Penal, que proíbe a reformatio in pejus. 2. Não há ilegalidade no procedimento adotado pelo Tribunal estadual ao retificar a condenação da paciente, dando-a como incursa no artigo 312, § 1.º, do Código Penal, já que, nos exatos termos do artigo 617, combinado com o artigo 383, ambos do Código de Processo Penal, atribuiu definição jurídica diversa aos fatos contidos na inicial sem majorar-lhe a pena. 3. Tendo o Tribunal coator pura e simplesmente atribuído definição jurídica diversa ao fato devidamente narrado na inicial acusatória, não se pode falar em cerceamento de defesa, tampouco em violação ao princípio do contraditório, uma vez que o acusado se defende das condutas que lhe são imputadas na peça vestibular, e não da capitulação jurídica a elas dada pelo órgão acusatório. (...) (STJ, HC nº 247.252/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 11.03.2014) - destaque nosso. PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EMENDATIO LIBELLI. PECULATO. ARTIGO 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR REJEITADA. MERO ERRO MATERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. (...) 3. Não há qualquer limitação para a aplicação da denominada emendatio libelli pelo Tribunal, pois a desclassificação, operada sem qualquer outra providência, não resultará em ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão final ou ao direito de ampla defesa, pois não haverá surpresa para o acusado, que se defendeu amplamente dos fatos que lhe foram imputados na denúncia. 4. Pena mínima decorrente da prática do crime de peculato é maior do que a pena aplicada na sentença pela prática de apropriação indébita e havendo somente recurso da defesa, a fim de se evitar a reformatio in pejus, a reprimenda do apelante, em caso de manutenção da condenação, deve limitar-se aquela fixada em primeira instância, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal. (...) (TRF3, ACR nº 0003263-22.2008.4.03.6117/SP, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, Quinta Turma, D.E. 21.09.2012) - destaque nosso. A respeito do tema, Eugênio Pacelli assevera: ...a emendatio não é outra coisa senão a correção da inicial (libelo, nessa acepção), para o fim de adequar o fato narrado e efetivamente provado (ou não provado, se a sentença não for condenatória, caso em que seria dispensável a emendatio) ao tipo penal previsto na lei. Nos termos do art. 383 do CPP, com redação dada pela Lei nº 11.719/08, 'o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave'. Na redação da lei, deve-se entender por definição jurídica precisamente a capitulação ou classificação feita pelo autor na inicial, em cumprimento da exigência prevista no art. 41 do CPP. Assim, dar definição jurídica diversa é alterar a capitulação, isto é, a consequência jurídica do fato imputado na denúncia ou queixa. O fato, evidentemente, há de permanecer o mesmo. Não se exige, então, a adoção de quaisquer providências instrutórias, bastando a prolação da sentença com a capitulação jurídica (do fato) que parecer mais adequada ao juiz. Nem mais, nem menos, sobretudo porque o réu não se defende da capitulação, mas da imputação da prática de conduta criminosa. Por isso, ainda que da nova definição jurídica resulte pena mais grave, não haverá qualquer prejuízo à defesa (pelo menos em face do Direito). Por essa razão, a providência pode ser adotada em qualquer grau de jurisdição, ao contrário da mutatio libelli, conforme veremos a seguir. Cumpre observar, porém, que, embora possível, a emendatio libelli em segundo grau sofre as mesmas limitações pertinentes aos efeitos devolutivos dos recursos, em geral. Vige aqui a regra da proibição da reformatio in pejus, ou reforma para pior, segundo a qual o julgamento do recurso não poderá ser mais desfavorável que a decisão de primeira instância, em relação à impugnação aviada exclusivamente pelo recorrente. Não havendo recurso do Ministério Público, o tribunal não poderá piorar a situação do acusado com base no recurso por ele interposto. Assim, ainda que o tribunal esteja autorizado a corrigir a capitulação do crime, da emenda não poderá resultar, nunca, aplicação da pena mais grave. (Curso de processo penal, 20. ed. rev., atualizada e ampliada, São Paulo: Editora Atlas S.A., 2016, p. 653) Nesse mesmo sentido, precedente desta E. 11ª Turma no qual também se refez a capitulação jurídica do delito de apropriação indébita para o crime de peculato-apropriação, em recurso exclusivo da defesa, atentando-se aos limites da reformatio in pejus. Veja-se: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EMENDATIO LIBELLI. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. LIMITES DO ARTIGO 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PECULATO. PRELIMINAR REJEITADA. CITAÇÃO POR HORA CERTA VÁLIDA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A conduta narrada pela acusação amolda-se ao delito de peculato, na modalidade apropriação, nos termos da primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal, e não à capitulação jurídica do crime de apropriação indébita. 2. Necessidade de adequação do fato narrado na denúncia ao tipo penal previsto em lei, mediante a aplicação da emendatio libelli, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, uma vez que o réu defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica, não havendo que se falar em cerceamento de defesa, tampouco em violação do princípio do contraditório. 3. Inexistência de óbice à aplicação da emendatio libelli pelo Tribunal, observado o principio do non reformatio in pejus na hipótese de recurso exclusivo da defesa (CPP, art. 617). 4. Ainda que a aplicação da emendatio libelli em sede recursal implique a subsunção dos fatos a um tipo penal mais gravoso, em apelação exclusiva da defesa, remanesce a autorização legal do artigo 617 do Código de Processo Penal para a aplicação do aludido instituto, desde que não piore a situação do acusado. (...) 8. Pena fixada pela prática do crime estampado no caput do artigo 312 do Código Penal, consoante artigo 383 do Código de Processo Penal, nos limites estabelecidos pelo artigo 617 do mesmo Diploma Legal. (...) 10. A destinação da prestação pecuniária para entidade pública ou privada com destinação social, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução, alcança fins sociais precípuos que o direito penal visa alcançar, de maneira eficaz e objetiva. 11. Emendatio Libelli aplicada de ofício, preliminar rejeitada e apelação não provida, com exclusão, de ofício, da condenação ao pagamento de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração. (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 65593 - 0011106-64.2013.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 06/02/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/03/2018 ) Conclui-se, portanto, ser de rigor a reclassificação jurídica e a condenação de FABIO RAFAEL CICHON e ANTONIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR como incursos no delito do art. 312 do Código Penal, ressalvando-se que, em respeito ao princípio da proibição da reformatio in pejus e o disposto no art. 617 do Código de Processo Penal, a pena final dos acusados deve ficar adstrita ao quantum estabelecido anteriormente pelo r. juízo sentenciante, uma vez ausente recurso ministerial. DA DOSIMETRIA PENAL Relativamente à dosimetria penal, o cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena. 1ª etapa da dosimetria Na primeira fase da dosimetria, o magistrado sentenciante fixou a pena no mínimo legal a ambos os réus, inexistindo qualquer circunstância a ser considerada. Considerando-se a reprimenda inicial do art. 312 do Código Penal, a pena-base remanesce fixada em 02 (dois) anos de reclusão. 2ª etapa da dosimetria Na segunda fase do cálculo, o r. juízo reconheceu a atenuante genérica da confissão espontânea em favor de ambos os acusados, mas deixou de reduzir a reprimenda abaixo do patamar mínimo legal, tendo em vista a Súmula 231 do STJ. A Apelação do réu ANTÔNIO pleiteou a recondução da pena a patamares inferiores ao mínimo legal, o que não se mostra possível. De fato, no caso concreto em análise, é certo que a confissão dos acusados contribuíram, de forma satisfatória, ao deslinde da instrução processual e de suas próprias condenaçõeso, devendo ser, assim, devidamente valorada na aplicação desta atenuante. Ressalte-se o teor da súmula nº. 545 do STJ no sentido de que quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do CP. Ocorre que a pena-base dos acusados já restaram fixadas, não havendo possibilidade de que uma atenuante abaixe a pena base para aquém do mínimo legal, uma vez que sua atividade judicante encontra baliza nos limites constantes do preceito secundário do tipo penal sem que se possa cogitar em ofensa aos postulados da legalidade e da individualização da pena. Destaque-se que o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se debruçar sob a matéria, inclusive reconhecendo a repercussão geral da questão constitucional (portanto, de observância obrigatória para as demais instâncias judiciárias a teor do art. 927, III, do Código de Processo Civil), firmando sua jurisprudência no sentido de que atenuante genérica não pode reduzir a pena abaixo do mínimo legal - a propósito: AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal . Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal (RE 597270 QO-RG, Rel. Min. CEZAR PELUSO, julgado em 26/03/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-11 PP-02257 LEXSTF v. 31, n. 366, 2009, p. 445-458). Sem prejuízo do exposto, cumpre salientar, outrossim, que o C. Superior Tribunal de Justiça, a despeito de já ter editado entendimento sumular no sentido ora exposto nos idos de 1999 (Súm. 231: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal), entendeu por em reapreciar o assunto (quando do julgamento de dois casos concretos em 2011) por meio da sistemática dos recursos repetitivos (portanto, também de observância obrigatória para as demais instâncias judiciárias a teor do art. 927, III, do Código de Processo Civil), reafirmando o posicionamento, conforme é possível ser aferido das ementas que seguem: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ESTUPRO. PENAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ENUNCIADO DA SÚMULA N.º 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA . VIOLAÇÃO AOS ART. 59, INCISO II, C.C. ARTS. 65, 68, CAPUT, E 213 DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. MENORIDADE E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DIMINUIÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL . IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. É firme o entendimento que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo estabelecido em lei, conforme disposto na súmula n.º 231 desta Corte Superior. 2. O critério trifásico de individualização da pena, trazido pelo art. 68 do Código Penal, não permite ao Magistrado extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a aplicação da sanção penal. 3. Cabe ao Juiz sentenciante oferecer seu arbitrium iudices dentro dos limites estabelecidos, observado o preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, sob pena do seu poder discricionário se tornar arbitrário, tendo em vista que o Código Penal não estabelece valores determinados para a aplicação de atenuantes e agravantes, o que permitiria a fixação da reprimenda corporal em qualquer patamar. 4. Recurso especial conhecido e provido para afastar a fixação da pena abaixo do mínimo legal . Acórdão sujeito ao que dispõe o art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ n.º 08, de 07 de agosto de 2008 (REsp 1117073/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 29/06/2012) RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PENAL. VIOLAÇÃO AOS ART. 59, INCISO II, C.C. ARTS. 65 E 68, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. MENORIDADE E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL . IMPOSSIBILIDADE. CRIME PREVISTO NO ART. 12, CAPUT, DA LEI N.º 6.368/76. COMBINAÇÃO DE LEIS. OFENSA AO ART. 2.º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL E AO ART. 33, § 4.º, DO ART. 11.343/06. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. É firme o entendimento que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo estabelecido em lei, conforme disposto na súmula n.º 231 desta Corte Superior. 2. O critério trifásico de individualização da pena, trazido pelo art. 68 do Código Penal, não permite ao Magistrado extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a aplicação da sanção penal. 3. Cabe ao Juiz sentenciante oferecer seu arbitrium iudices dentro dos limites estabelecidos, observado o preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, sob pena do seu poder discricionário se tornar arbitrário, tendo em vista que o Código Penal não estabelece valores determinados para a aplicação de atenuantes e agravantes, o que permitiria a fixação da reprimenda corporal em qualquer patamar. 4. Desde que favorável ao réu, é de rigor a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, quando evidenciado o preenchimento dos requisitos legais. É vedado ao Juiz, diante de conflito aparente de normas, apenas aplicar os aspectos benéficos de uma e de outra lei, utilizando-se a pena mínima prevista na Lei n.º 6.368/76 com a minorante prevista na nova Lei de Drogas, sob pena de transmudar-se em legislador ordinário, criando lei nova. 5. No caso, com os parâmetros lançados no acórdão recorrido, que aplicou a causa de diminuição no mínimo legal de 1/6 (um sexto), a penalidade obtida com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, ao caput do mesmo artigo, não é mais benéfica à Recorrida. 6. Recurso especial conhecido e provido para, reformando o acórdão recorrido, i) afastar a fixação da pena abaixo do mínimo legal e ii) reconhecer a indevida cisão de normas e retirar da condenação a causa de diminuição de pena prevista art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, que no caso é prejudicial à Recorrida, que resta condenada à pena de 03 anos de reclusão. Acórdão sujeito ao que dispõe o art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ n.º 08, de 07 de agosto de 2008 (REsp 1117068/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 08/06/2012) Destaque-se, como não poderia deixar de acontecer, que esta E. Corte Regional também pacificou a questão no mesmo sentido, vale dizer, impossibilidade de que o reconhecimento de atenuante (dentre elas, da confissão) faça com que a pena base fique abaixo da pena mínima prevista no tipo penal - exemplificativamente: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. NULIDADE AFASTADA. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. PENA-BASE REDUZIDA. AUSENTES AGRAVANTES. CONFISSÃO . CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006 AFASTADA. RÉU QUE SE DEDICA A ATIVIDADES CRIMINOSAS. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME INICIAL SEMIABERTO. (...). 5. confissão reconhecida na sentença. Manutenção da atenuante. Redução da pena. Observância da súmula 231 do STJ (...) (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 71739 - 0010517-59.2016.4.03.6119, Rel. DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2017) - destaque nosso. APELAÇÃO CRIMINAL. MOEDA FALSA. ART. 289, §1º, DO CP. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA N.º 444 DO STJ. REDUÇÃO DA PENA-BASE DE OFÍCIO. CONTINUIDADE DELITIVA. RECURSO DA DEFESA PROVIDO EM PARTE. (...) 4. Ausentes elementos que servem à exasperação da pena-base, corrijo-a de ofício, fixando-a no mínimo em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Reconhecida a circunstância atenuante da confissão espontânea, deve a pena ser mantida em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, conforme determina a súmula 231 do STJ (...) (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 69608 - 0002984-67.2016.4.03.6113, Rel. DES. FED. PAULO FONTES, julgado em 23/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/08/2017) Diante disso, mantida a pena intermediária no mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão para ambos os réus FABIO e ANTONIO. 3ª etapa da dosimetria Por fim, examinando a terceira fase da dosimetria penal, o r. juízo sentenciante reconheceu a causa de diminuição geral referente à tentativa (art. 14, II, do Código Penal), aplicando-a na fração mínima de 1/3 (um terço). No caso em concreto, a fração eleita mostrou-se adequada e proporcional ao caso em concreto, pois, como bem fundamentado pela sentença a quo, já se havia percorrido grande parte do iter criminis, sendo que o delito apenas não se consumou por fatores alheios à vontade dos acusados, qual seja, a abordagem pelos policiais militares a partir de denúncia anônima no momento em que alguns malotes já haviam sido, inclusive, retirados do caminhão, não se mostrando devido o pelito defensivo de exasperação do quantum aplicado. Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. FURTO. TENTADO. (1) VIA INDEVIDAMENTE UTILIZADA EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO ESPECIAL. (2) ABSOLVIÇÃO. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. REVOLVIMENTO FÁTICOPROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. (3) PENA-BASE. ACRÉSCIMO. (A) CONDUTA SOCIAL. INCREMENTO JUSTIFICADO. (B) PERSONALIDADE. VALORADA NEGATIVAMENTE. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (4) TENTATIVA. REDUÇÃO DE PENA NO PATAMAR MÁXIMO. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. (5) PENA DEFINITIVA FIXADA EM PATAMAR INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. REGIME INICIAL SEMIABERTO. ADEQUAÇÃO. (6) PENA CORPORAL. SUBSTITUIÇÃO. RESTRITIVA DE DIREITOS. INVIABILIDADE. (7) WRIT NÃO CONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (...) 4. A redução da pena relativa à tentativa no patamar máximo, como requerido pela defesa, não encontra justificativa plausível, uma vez que as instâncias de origem apresentaram fundamentação idônea para aplicar a fração de 1/3 (um terço). (STJ - HC 238673/RJ - Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - Sexta Turma -DJe 24/03/2014). Destarte, mantida a aplicação da fração de 1/3 (um terço) sobre a pena intermediária, chega-se à pena concreta de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão. Pena de multa Tendo em vista que a reprimenda em cálculo restou fixada abaixo do mínimo legal (ante o reconhecimento do conatus), a pena de multa deve ser cominada no patamar mínimo legal previsto pelo ordenamento jurídico, qual seja, em 10 dias-multa (cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos devidamente corrigido). Pena definitiva Mantida a pena definitiva dos acuados em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e de 10 dias-multa (cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos devidamente corrigido). Regime inicial de cumprimento de pena A teor do art. 33, § 2º, c, do Código Penal, as reprimendas corporais anteriormente fixadas devem ser cumpridas inicialmente em regime ABERTO. Substituição da pena privativa de liberdade por reprimendas restritivas de direito Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada foi substituída pelo juízo a quo por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviços à comunidade, a ser designado pelo Juízo das Execuções Penais, pelo período de 2 (dois) anos, facultando ao réu o cumprimento em tempo menor, na forma do art. 46, § 4º, do Código Penal, bem como a pena de prestação pecuniária no valor de 02 (dois) salários mínimos. Com relação à pena de prestação de serviços à comunidade, a defesa de Antônio Júnior alega que a pena privativa de liberdade foi fixada pelo período de 01 ano e 04 meses, porém a prestação de serviços à comunidade foi imposta pelo período de 02 anos, em contrariedade ao art. 55 do Código Penal, que determina que as penas restritivas de direitos devem ter a mesma duração da pena privativa de liberdade. De fato, assiste razão o apelo defensivo, e a pena restritiva de direito mencionada deve ter duração da pena privativa de liberdade imposta, qual seja, 01 (um) ano e 04 (quatro) meses, na forma de cumprimento a ser estabelecida pelo Juízo das Execuções. Da mesma forma, com relação ao valor da prestação pecuniária, considerando-se os documentos acostados aos autos, o réu ANTÔNIO afere renda mensal de aproximadamente R$ 1.013,00 (mil e treze reais mensais), e o réu FÁBIO RAFAEL CICHON, motorista, declarou que aufere renda mensal, no valor aproximado, de R$ 1.200,00 (v. termo de interrogatório - fl. 247), ao que se mostra razoável e proporcional a redução da pena de prestação pecuniária ao valor de 01 (um) salário mínimo para ambos os réus, nos termos do pleiteado pelas defesas e acatado pelo Ministério Público Federal, tanto em contrarrazões, como em parecer. Por fim, reitere-se que a pena de prestação pecuniária deve ser destinada a entidade social, atendendo o art. 45, § 1º, do Código Penal, uma vez que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação. DO REQUERIMENTO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA Pleiteia a Defesa de ANTÕNIO MARIA, em suas razões recursais, a concessão da gratuidade judiciária. Deve ser concedido o pedido de gratuidade de Justiça, na forma do art. 98 da Lei n.º 13.105/2015. Nada obstante, esclareça-se que a mera concessão de gratuidade da Justiça não exclui a condenação do réu nas custas do processo nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, ficando, todavia, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos, quando então a obrigação estará prescrita, conforme determina o art. 98, § 3º, do novo Código de Processo Civil. Além disso, a concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência ou tampouco afasta o seu eventual dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas, nos moldes do art. 98, §§ 2º e 4º, também da Lei n.º 13.105/2015. Em sintonia com o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 23.804/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 01/08/2012; AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 14/06/2011), o pertinente exame acerca da miserabilidade da apelante deverá ser realizado, com efeito, em sede do Juízo de Execução, fase adequada para aferir a real situação financeira do condenado. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por, DE OFÍCIO, reclassificar a conduta dos acusados para aquela prevista no art. 312 do Código Penal, sem, entretanto, qualquer repercussão na pena final cominada, em respeito ao princípio da proibição da reformatio in pejus, mantida a pena definitiva em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, além de DAR PARCIAL PROVIMENTO aos recursos de Apelação interpostos pelos acusados ANTÔNIO MARIA DA SILVA MATOS JUNIOR e FABIO RAFAEL CICHON tão somente para reduzir a pena de prestação pecuniária de ambos os réus para 01 (um) salário mínimo e reduzir o tempo de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade ao tempo estabelecido para a pena privativa de liberdade, além de conceder os benefícios da justiça gratuita ao acusado ANTÔNIO, nos termos anteriormente expendidos. É o voto. Comunique-se o Juízo das Execuções Criminais.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS. DENÚNCIA PELO DELITO DE FURTO QUALIFICADO POR ABUSO DE CONFIANÇA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. NÃO CABIMENTO. RECLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE PECULATO (ART. 312 DO CÓDIGO PENAL) DE OFÍCIO. MOTORISTA TERCEIRIZADO A SERVIÇO DOS CORREIOS. EQUIPARAÇÃO A FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE TÍPICA DO ESTADO. SERVIÇO POSTAL. AUSÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. EMENDATIO LIBELLI EM SEGUNDA INSTÂNCIA. DOSIMETRIA PENAL. PENA-BASE. MANUTENÇÃO NO MÍNIMO LEGAL. SEGUNDA FASE. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA BEM RECONHECIDA. SÚMULA 231 DO STJ. TERCEIRA FASE. TENTATIVA BEM RECONHECIDA. REDUÇÃO EM 1/3. REGIME INICIAL ABERTO DE CUMPRIMENTO DE PENA. REDUÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. CABIMENTO. TEMPO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. ART. 55 DO CÓDIGO PENAL. RECURSOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
- Ressalte-se que não houve impugnação quanto à autoria delitiva de ambos os acusados, pelo que incontroversas. Não se verifica, tampouco, a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este E. Tribunal. De rigor, portanto, a manutenção da condenação dos recorrentes, aliás, como não poderia deixar de ocorrer, ante o enorme arcabouço fático-probatório constante destes autos.
- O recurso de Apelação manejado pelas partes devolveu ao conhecimento deste E. Tribunal Regional Federal apenas questões relativas à classificação da conduta delituosa e dosimetria penal, a serem analisados a seguir.
- Os réus pleiteiam a desclassificação do crime de furto qualificado para apropriação indébita, sob o argumento de que a posse das encomendas dos Correios já estava com o réu FABIO, em razão deste ser funcionário da empresa “Trans Balaban”, a serviço da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos, tendo havido apenas a indevida apropriação destas, e não sua real subtração e inversão da posse.
-De fato, a posse dos bens já se encontrava com o réu FABIO RAFAEL CICHON, não se enquadrando, realmente, a conduta dos acusados no delito a que foram condenados de furto qualificado com abuso de confiança, porém, diferentemente do que pretende a defesa, o caso em concreto não se amolda ao delito de apropriação indébita (art. 168 do Código Penal), mas sim ao delito de peculato-apropriação, descrito no art. 312 do Código Penal.
- Configura-se o delito de peculato-apropriação quando o agente se assenhora, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse, em proveito próprio ou alheio. O pressuposto do crime é a posse legítima, considerada esta em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material) (STJ, RHC n. 10.845/SP, 5ª T., rel. Min. Gilson Dipp, DJ 23.04.2001), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha. Precedentes.
- No caso em concreto, ainda que FABIO não seja, de fato, funcionário público, mas sim contratado pela empresa “Trans Balaban”, restou amplamente demonstrado nos autos e foi, inclusive, confirmado por ambos os acusados que este estava a serviço da EBCT, que foi o sujeito passivo do delito, o que atraiu a competência desta Justiça Federal (ID n. 160357298).
-Assim, mesmo em se tratando de funcionário particular, mas estando em exercício de atividade típica do Estado, mais precisamente transporte postal para os Correios (artigo 7º da Lei 6.538/1978- Lei Postal), considera-se FABIO funcionário público por equiparação, nos termos do art. 327, § 1º, do Código Penal (Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública- Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Precedentes.
- No que se refere a ANTÔNIO, também é o caso de reclassificar sua condenação ao tipo penal do peculato. O sujeito ativo do crime de peculato é, de fato, o funcionário público em sentido amplo (art. 327, CP), porém, tal circunstância pode ser comunicável aos particulares, a teor do que dispõe o art. 30 do Estatuto Penal Repressivo. Havendo concurso de pessoas em que ao menos um deles seja funcionário público ou equiparado a funcionário público, os demais agentes particulares responderão por idêntico crime, desde que cientes da condição especial de que se reveste o funcionário público. Precedentes.
-No caso em concreto, a ciência de ANTONIO de que FABIO prestava serviço como motorista a transportar serviço de encomendas da EBCT mostrou-se absolutamente inequívoca, já que as embalagens das mercadorias desviadas e o próprio caminhão evidenciavam que pertenciam aos Correios. O próprio acusado FABIO explicita, em seu interrogatório judicial, que “no caminhão vinha escrito SEDEX, tudo emblemado, Correios”, o que também foi confirmado pelas testemunhas de acusação. Além disso, o próprio correu ANTÔNIO, em seu interrogatório, reporta as mercadorias como “mercadorias dos Correios” e cita que, já no momento da suposta proposta delitiva feita por FABIO, ele teria dito estar em posse de “mercadorias do Sedex” e propôs que as vendessem.
- Assim, a pretensão defensiva de desclassificação para o delito de apropriação indébita não merece guarida, já que, uma vez configurada por equiparação a elementar de “funcionário público”, a tipificação da conduta dos acusados àquela prevista no art. 312 do Código Penal deve prevalecer, em respeito ao princípio da especialidade.
- Por fim, é importante rememorar que a reclassificação ora procedida se mostra plenamente possível, mesmo que realizada em segunda instância, configurando-se a aplicação do instituto da emendatio libelli, cuja previsão encontra-se no art. 383 do Código de Processo Penal (O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave). A possibilidade de que a emendatio libelli ocorra em 2º grau de jurisdição (julgados estes que apenas impõem o limitativo de que a situação do acusado não reste piorada quando tiver havido o manejo de recurso de Apelação apenas pela defesa em decorrência da aplicação do disposto no art. 617 do Código de Processo Penal. Precedentes.
- Conclui-se, portanto, ser de rigor a reclassificação jurídica e a condenação de ambos os réus como incursos no delito do art. 312 do Código Penal, ressalvando-se que, em respeito ao princípio da proibição da reformatio in pejus e o disposto no art. 617 do Código de Processo Penal, a pena final dos acusados deve ficar adstrita ao quantum estabelecido anteriormente pelo r. juízo sentenciante, uma vez ausente recurso ministerial.
- Dosimetria. Primeira Fase. Na primeira fase da dosimetria, o magistrado sentenciante fixou a pena no mínimo legal a ambos os réus, inexistindo qualquer circunstância a ser considerada. Considerando-se a reprimenda inicial do art. 312 do Código Penal, a pena-base remanesce fixada em 02 (dois) anos de reclusão.
- Segunda fase. Aplicação da atenuante da confissão espontânea. no caso concreto em análise, é certo que a confissão dos acusados contribuiram, de forma satisfatória, ao deslinde da instrução processual e de suas próprias condenaçõeso, devendo ser, assim, devidamente valorada na aplicação desta atenuante. Ressalte-se o teor da súmula nº. 545 do STJ no sentido de que quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do CP.
-Ocorre que a pena-base dos acusados já restaram fixadas, não havendo possibilidade de que uma atenuante abaixe a pena base para aquém do mínimo legal, uma vez que sua atividade judicante encontra baliza nos limites constantes do preceito secundário do tipo penal sem que se possa cogitar em ofensa aos postulados da legalidade e da individualização da pena. Destaque-se que o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se debruçar sob a matéria, inclusive reconhecendo a repercussão geral da questão constitucional (portanto, de observância obrigatória para as demais instâncias judiciárias a teor do art. 927, III, do Código de Processo Civil), firmando sua jurisprudência no sentido de que atenuante genérica não pode reduzir a pena abaixo do mínimo legal.
- Terceira fase. Tentativa. No caso em concreto, a fração eleita de 1/3 (um terço) mostrou-se adequada e proporcional ao caso em concreto, pois, como bem fundamentado pela sentença a quo, já se havia percorrido grande parte do iter criminis, sendo que o delito apenas não se consumou por fatores alheios à vontade dos acusados, qual seja, a abordagem pelos policiais militares a partir de denúncia anônima no momento em que alguns malotes já haviam sido, inclusive, retirados do caminhão, não se mostrando devido o pelito defensivo de exasperação do quantum aplicado.
- Pena de multa. Tendo em vista que a reprimenda em cálculo restou fixada abaixo do mínimo legal (ante o reconhecimento do conatus), a pena de multa deve ser cominada no patamar mínimo legal previsto pelo ordenamento jurídico, qual seja, em 10 dias-multa (cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos devidamente corrigido).
- Pena definitiva. Mantida a pena definitiva dos acuados em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e de 10 dias-multa (cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos devidamente corrigido).
- Regime inicial. A teor do art. 33, § 2º, c, do Código Penal, as reprimendas corporais anteriormente fixadas devem ser cumpridas inicialmente em regime ABERTO.
- Substituição da pena privativa de liberdade. Com relação à pena de prestação de serviços à comunidade, a defesa de Antônio Júnior alega que a pena privativa de liberdade foi fixada pelo período de 01 ano e 04 meses, porém a prestação de serviços à comunidade foi imposta pelo período de 02 anos, em contrariedade ao art. 55 do Código Penal, que determina que as penas restritivas de direitos devem ter a mesma duração da pena privativa de liberdade. De fato, assiste razão o apelo defensivo, e a pena restritiva de direito mencionada deve ter duração da pena privativa de liberdade imposta, qual seja, 01 (um) ano e 04 (quatro) meses, na forma de cumprimento a ser estabelecida pelo Juízo das Execuções.
-Da mesma forma, com relação ao valor da prestação pecuniária, considerando-se os documentos acostados aos autos, o réu ANTÔNIO afere renda mensal de aproximadamente R$ 1.013,00 (mil e treze reais mensais), e o réu FÁBIO, motorista, declarou que aufere renda mensal, no valor aproximado, de R$1.200,00, ao que se mostra razoável e proporcional a redução da pena de prestação pecuniária ao valor de 01 (um) salário mínimo para ambos os réus, nos termos do pleiteado pelas defesas e acatado pelo Ministério Público Federal, tanto em contrarrazões, como em parecer.
-A pena de prestação pecuniária deve ser destinada a entidade social, atendendo o art. 45, § 1º, do Código Penal, uma vez que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação.
- Reclassificação, DE OFÍCIO, da conduta dos acusados para aquela prevista no art. 312 do Código Penal. Apelações defensivas parcialmente providas apenas para reduzir a pena de prestação pecuniária de ambos os réus para 01 (um) salário mínimo e reduzir o tempo de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade ao tempo estabelecido para a pena privativa de liberdade, além de conceder os benefícios da justiça gratuita ao acusado ANTÔNIO.