Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5015230-40.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

AGRAVANTE: MARCELA SALETE DE BORBA CAMARGO
REPRESENTANTE: SANDRA REGINA DE BORBA CAMARGO

Advogados do(a) AGRAVANTE: GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N, SAMAIRA MARUCCI - SP376876-A,

AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5015230-40.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

AGRAVANTE: MARCELA SALETE DE BORBA CAMARGO
REPRESENTANTE: SANDRA REGINA DE BORBA CAMARGO

Advogados do(a) AGRAVANTE: GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N, SAMAIRA MARUCCI - SP376876-A,

AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão (Id 163841698 – fls. 40/46) que indeferiu a tutela de urgência, em sede de ação proposta objetivando o fornecimento do medicamento RISDIPLAM (EVRYSDI).

Entendeu o MM Juízo a quo, em suma, “que ao menos em análise superficial, não está suficientemente demonstrado que o medicamento se mostra imprescindível à saúde da requerente, eis que não é o único tratamento disponível. Isso porque, a parte autora pode dar continuidade ao tratamento com a substância Nursinersena (Spinarza),fornecido pelo SUS”.

Nas razões recursais, alegou a agravante MARCELA SALETE DE BORBA CAMARGO, menor impúbere, representada por sua genitora, SANDRA REGINA DE BORBA CAMARGO, que teve o fornecimento do medicamento Spinraza suspenso, não estando em uso de qualquer fármaco.

Ressaltou que recebeu o diagnóstico de ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL (AME – Tipo 1), comprometendo sua atividade motora, inclusive movimentos básicos, como a sustentação da cabeça.

Destacou o entendimento consolidado nos tribunais superiores, através dos Temas nº 6, pelo STF, e nº 106, pelo STJ.

Afirmou que preenche os tres requisitos para a concessao do medicamento pleiteado1) a documentaçao acostada demonstra que foi diagnosticada como portadora de ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL TIPO 1, tendo como indicação de tratamento o medicamento RISDIPLAM e que os tratamentos farmacologicos disponveis atualmente para a doença sao o nusinersen (Spiranza),o nasemnogene abeparvovec(Zolgensma )e o Risdiplam (Evrysdi), variando sua indicação conforma a abordagem e estrategia terapeutica; 2)  não tem condições financeiras para arcar com o custo do tratamento (uma dose custa mais de R$ 128.000,00); 3) O medicamento e registrado na ANVISA, sob nº 101000670.

Asseverou que o Risdiplam e o primeiro medicamento de administraçao oral disponvel para o tratamento da AME, sendo administrável, portanto, pelo próprio paciente, enquanto o medicamento disponível na rede pública, administrado por injeçao intratecal, ou seja, por meio de punção lombar, exige internaçao previa do paciente, cuidados sedativos, anestésicos, etc. Nestes termos, argumentou que o Risdiplam acaba por ser mais conveniente ao paciente e de menor valor econômico para o ente publico.

Requereu a reforma da  decisão agravada “para que seja concedida de Tutela Provisoria de Urgencia, com fulcro no art. 300 e seguintes, para determinar que a agravada, seja sumariamente compelida a CUSTEAR A COBERTURA DO MEDICAMENTO RISDIPLAM (EVRYSDI), com a dosagem prescrita pelo medico assistente, disponibilizando-os, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diaria nao inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)”.

Em suma, alega a recorrida UNIÃO FEDERAL que a parte autora pode dar continuidade ao tratamento com a substância Nursinersena (Spinarza),fornecido pelo SUS, sendo que o medicamento pleiteado não é superior ou diferente do que já é fornecido pelo SUS para a enfermidade que a acomete.

Argumenta que, conforme laudo, a autora é traqueostomizada e possui ventilação mecânica 24 horas, sendo que o medicamento almejado não foi testado nesses indivíduos.

Indeferida a antecipação da tutela recursal.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do agravo.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5015230-40.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

AGRAVANTE: MARCELA SALETE DE BORBA CAMARGO
REPRESENTANTE: SANDRA REGINA DE BORBA CAMARGO

Advogados do(a) AGRAVANTE: GRAZIELA COSTA LEITE - SP303190-N, SAMAIRA MARUCCI - SP376876-A,

AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Cuida-se em essência de agravo de instrumento interposto para reformar decisão sobre pedido de tutela provisória .

Embora fosse sempre desejável uma tutela exauriente e definitiva contemporânea à exordial, a realidade é que a instrução processual, a formação do convencimento e o exercício do contraditório demandam tempo. Quando esse tempo é incompatível com o caso concreto, tutelas de cognição sumária, posto que sofrem limitações quanto à profundidade, são necessárias.

O Código de Processo Civil de 2015 conferiu nova roupagem às tutelas provisórias , determinando sua instrumentalidade, sempre acessórias a uma tutela cognitiva ou executiva, podendo ser antecedente ou incidente (artigo 295) ao processo principal.

No caso das tutelas provisórias de urgência , requerem-se, para sua concessão, elementos que evidenciem a probabilidade do direito, perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, CPC) e a ausência de perigo de irreversibilidade da decisão.

Passo à apreciação do mérito do agravo.

A saúde é um direito social garantido pela Constituição da República (art. 6º), indissociável do direito à vida (art. 5º, caput).

À luz dos artigos 196 e 198, § 1º, da Magna Carta, a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela prestação do serviço de saúde à população, o que implica não apenas na elaboração de políticas públicas e em uma consistente programação orçamentária para tal área, como também em uma atuação integrada entre tais entes, que não se encerra com o mero repasse de verbas.

A Lei nº 8.080/90 que regulamentou o Sistema Único de Saúde - SUS, com fundamento na Carta da República, define a saúde como um direito fundamental e inclui nas suas ações a assistência farmacêutica integral.

Os princípios mais importantes do SUS são a universalidade, a equidade e a integralidade. A integralidade remete à ideia de que o atendimento dispensado pelo SUS ao paciente deve ser completo.

É assegurado a todos o acesso igualitário e universal aos serviços de saúde, bem como a integralidade da assistência, dispondo a lei que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado (União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios) prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Entendo que o fornecimento gratuito de medicamentos deve atingir toda a medicação necessária ao tratamento dos necessitados, significando que não só são devidos os remédios padronizados pelo Ministério da Saúde, como todos aqueles que porventura sejam necessários às particularidades de cada paciente. A padronização significa que os medicamentos serão os habitualmente fornecidos, o que não impede que o SUS forneça outro tipo de medicamento indispensável ao tratamento.

A recusa no fornecimento do medicamento pretendido pela autora implica em desrespeito às normas que lhe garantem o direito à saúde e, acima de tudo, o direito à vida, direitos estes indissociáveis.

A Primeira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.657.156/RJ (Tema 106), de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmou tese no sentido de que "a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento".

Modulou-se os efeitos do repetitivo supracitado, por ocasião do julgamento dos EDcl no REsp 1.657.156/RJ, de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 04/05/2018.

Quanto ao caso concreto, peço vênia para transcrever o bem lançado relato produzido pelo Juízo a quo:

 

No caso específico dos autos, a parte autora juntou os seguintes documentos:

O relatório médico emitido pelo neurologista Dr. LUIZ FERNANDO GROSSKLAUSS, em 29.01.2021 (ID 46115149 - Pág. 2), aponta que a Requerente foi diagnosticada com Amiotrofia Espinhal Progressiva (AME) - Tipo 1 e apresenta dependência de suporte ventilatório por meio de BiPAP. Explana que o medicamento SPINRAZA, embora dotado de eficácia equivalente, é fornecido pelo Sistema Único de Saúde – SUS para crianças com AME Tipo 1 não dependentes de BiPAP e que o tal fármaco é aplicado por injeção na coluna (não acometida de escoliose ou outra deformidade), o que torna imprescindível o deslocamento do paciente a hospital de referência. Conclui que o fármaco RISDIPLAM, aprovado pela ANVISA, é o mais adequado para o tratamento de saúde da Requerente, pois é tomado via oral, indicado para todos os casos de AME – inclusive para pacientes em uso de BiPAP - e pode ser utilizado em domicílio.

Através do relatório de ID 52850360, elaborado em 29.04.2021, o mesmo médico atestou o seguinte:

As informações de prontuários médicos, o relatório fisioterápico e o Resumo de Alta do Instituto da Criança – HCFMUSP corroboram o relatado quanto ao diagnóstico da Requerente, à evolução do quadro clínico da paciente para a dependência de ventilação mecânica (BiPAP) e à cessação da internação hospitalar, para início do tratamento domiciliar.

O sumário clínico do Resumo de Alta demonstra que a menor, nascida em 16.07.2017, esteve internada, no mencionado Instituto, no interstício de 25.12.2017 a 04.03.2020, e que, durante a internação, fez uso de outro fármaco (SPINRAZA - Nusinersen), com aplicações realizadas entre 20.08.2019 e 13.02.2020.

O Relatório do Serviço de Fisioterapia relata o treinamento dos genitores da Requerente para a realização dos cuidados necessários em domicílio, com vistas à continuidade do tratamento – ID 52850361.

 

Logo, a autora comprovou ser portadora de atrofia muscular especial – AME Tipo 1, conforme laudo produzido pelo Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo , doença genética que afeta o corpo do neurônio motor promovendo fraqueza e hipotonia muscular, além de comprovar a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito, esse com registro na ANVISA.

Por outro lado, a controvérsia sedimentou-se na comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.

 Se por um lado a parte autora insiste na imprescindibilidade do remédio requerido, tendo em vista a facilidade de administração via oral, a parte contrária sustenta que não comprovada a eficácia do fármaco em pacientes traqueostomizados como a agravante, bem como a possibilidade de administração do medicamento já fornecido pelo SUS.

De acordo com os autos, de fato, não restou comprovada  a imprescindibilidade do remédio requerido. Isto porque, não obstante Dr. Luiz Fernando Grossklauss afirme  que o medicamento fornecido pelo SUS não possa ser administrado em pacientes com ventilação mecânica, é certo que, enquanto internada, a autora recebeu doses de Nursinersena (Spinarza),fornecido pelo SUS.

Logo, neste sumário exame cognitivo, não se vislumbra os requisitos autorizadores da medida pleiteada , o que não afasta eventual procedência do pedido, após o estabelecimento do amplo contraditório e produção de provas, notadamente de perícia médica.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. TUTELA PROVISÓRIA. PROBABILIDADE DO DIREITO. AUSÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TEMA 106/STJ. IMPRESCINDIBILIDADE OU NECESSIDADE DO FÁRMACO.INEFICÁCIA DO TRATAMENTO FORNECIDO PELO SUS. NÃO COMPROVAÇÃO.

1.Embora fosse sempre desejável uma tutela exauriente e definitiva contemporânea à exordial, a realidade é que a instrução processual, a formação do convencimento e o exercício do contraditório demandam tempo. Quando esse tempo é incompatível com o caso concreto, tutelas de cognição sumária, posto que sofrem limitações quanto à profundidade, são necessárias.

2.No caso das tutelas provisórias de urgência , requerem-se, para sua concessão, elementos que evidenciem a probabilidade do direito, perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, CPC) e a ausência de perigo de irreversibilidade da decisão.

3.A saúde é um direito social garantido pela Constituição da República (art. 6º), indissociável do direito à vida (art. 5º, caput). À luz dos artigos 196 e 198, § 1º, da Magna Carta, a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios são solidariamente responsáveis pela prestação do serviço de saúde à população, o que implica não apenas na elaboração de políticas públicas e em uma consistente programação orçamentária para tal área, como também em uma atuação integrada entre tais entes, que não se encerra com o mero repasse de verbas.

4. A recusa no fornecimento do medicamento pretendido pela autora implica em desrespeito às normas que lhe garantem o direito à saúde e, acima de tudo, o direito à vida, direitos estes indissociáveis.

5.A Primeira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.657.156/RJ (Tema 106), de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmou tese no sentido de que "a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento".

6.Quanto ao caso concreto, a autora comprovou ser portadora de atrofia muscular especial – AME Tipo 1, conforme laudo produzido pelo Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo , doença genética que afeta o corpo do neurônio motor promovendo fraqueza e hipotonia muscular, além de comprovar a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito, esse com registro na ANVISA.  Por outro lado, a controvérsia sedimentou-se na comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.

 7. De acordo com os autos, de fato, não restou comprovada  a imprescindibilidade do remédio requerido. Isto porque, não obstante Dr. Luiz Fernando Grossklauss afirme  que o medicamento fornecido pelo SUS não possa ser administrado em pacientes com ventilação mecânica, é certo que, enquanto internada, a autora recebeu doses de Nursinersena (Spinarza),fornecido pelo SUS.

8.Neste sumário exame cognitivo, não se vislumbra os requisitos autorizadores da medida pleiteada , o que não afasta eventual procedência do pedido, após o estabelecimento do amplo contraditório e produção de provas, notadamente de perícia médica.

9.Agravo de instrumento improvido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.