Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004356-61.2014.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: CLINICA PAULISTA TERAPEUTICA CARDIO-VASCULAR LTDA, RICARDO FERNANDES DE AZEVEDO MELO

Advogado do(a) APELANTE: LINDOMAR FRANCISCO DOS SANTOS - SP250071-A

APELADO: REAL E BENEMERITA ASSOCIACAO PORTUGUESA DE BENEFICENCIA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: ROBERTO SOARES ARMELIN - SP123740

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004356-61.2014.4.03.6100

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: CLINICA PAULISTA TERAPEUTICA CARDIO-VASCULAR LTDA, RICARDO FERNANDES DE AZEVEDO MELO

Advogado do(a) APELANTE: LINDOMAR FRANCISCO DOS SANTOS - SP250071-A
Advogado do(a) APELANTE: LINDOMAR FRANCISCO DOS SANTOS - SP250071-A

APELADO: REAL E BENEMERITA ASSOCIACAO PORTUGUESA DE BENEFICENCIA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: ROBERTO SOARES ARMELIN - SP123740

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de apelação interposta por Clinica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda. – ME contra sentença que julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva da União Federal.

A presente ação ordinária foi proposta por Ricardo Fernandes de Azevedo Melo e Clinica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda. – ME contra a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência e o Sistema Único de Saúde (SUS), objetivando provimento judicial que determine os réus a pagarem à parte autora indenização por danos materiais, no valor de R$ 801.758,22, referentes a serviços prestados; além da quantia de R$ 321.760,41, referentes a danos emergentes e lucros cessantes e; ainda, danos morais, nos valores de R$ 50.000,00 (ao primeiro autor) e de R$ 321.760,41 (à segunda autora).

Narra a inicial que o primeiro autor foi convidado, em outubro de 1968, a integrar a equipe do médico Dr. Euclides Jesus Zerbine, na Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência, para fins de residência médica em cirurgia cardíaca.

Sustentam que o exercício desta atividade exigiu o estabelecimento de fixação de moradia, do primeiro requerente, nas dependências do próprio hospital, à vista do regime de dedicação total ao labor.

Relatam que, após a finalização do período de residência (cinco anos de duração), o médico autor foi contratado pela Clínica E. J. Zerbini, em regime de exclusividade que perdurou por mais de dez anos.

Aduzem que, em 1978, com a saída do sócio do Dr. Zerbine, o demandante foi contratado em seu lugar, ocasião em que passou a assumir cargos e funções administrativas e a assinar cheques-chefias dos residentes e da UTI.

Afirmam que, no início de 1998, o requerente passou da condição de empregado para prestador de serviços do Hospital réu, com equipe própria, ensejando a constituição da clínica autora (Clínica Paulista Terapêutica Cárdio-Vascular Ltda.) e o encerramento do vínculo contratual com relação à equipe do Dr. Zerbine.

Alegam que, aproximadamente, 85% dos pacientes atendidos pela equipe do médico requerente eram do SUS e indicados por Postos de Saúde e pelo próprio Hospital requerido, não havendo gerência, dos autores, sobre tais indicações.

Sustentam que o liame contratual da clínica autora pelo hospital réu perdurou até o mês de março de 2012, ocasião em que sobreveio a rescisão contratual promovida pela segunda ré, que deixou de pagar por inúmeros serviços prestados pelos contratados.

Informam que empreenderam tentativa de solução amigável com o Hospital da Beneficência Portuguesa, por meio de Notificação Extrajudicial - que apurou a importância de R$ 801.758,22 - ; porém, o demandado se recusou a pagar o saldo devedor.

Paralelamente, alegam que, em meados de 1996, o Ministério Público Federal moveu uma ação civil pública (autos nº 0031187-45.1997.403.610) contra o Hospital demandado e mais de vinte médicos, dentre eles, o primeiro autor, que resultou no afastamento deste do exercício das funções médicas que decorrerram do atendimento a pacientes das rés, por determinação de decisão liminar, confirmada por sentença judicial.

Salientam que, embora o hospital réu tenha encaminhado notificações aos autores para que parassem de atender aos pacientes advindos do SUS, restou comprovado nos autos (docs. 17), as “centenas de atendimentos a pacientes da segunda ré que diretamente indicava para atendimento exclusivo com o Dr. Ricardo Melo, sem prejuízo daqueles em que foram por intermédio da primeira ré”.

Alegam que o médico autor foi surpreendido com a negativa de recebimento das guias “AIH” de atendimento de pacientes do SUS, pela Sra. Andrea Braz Conceição Cevada, funcionária do hospital réu, ao fundamento de que, caso recebesse, esta seria demitida.

Informam que tal situação ensejou a lavratura do Boletim de Ocorrências nº 1687/2012 (doc. 08) e a Notificação do Ministério da Saúde, do Ministério Público Federal e do Conselho Regional de Medicina (doc. 09), contendo os relatos sobre os acontecimentos abusivos, arbitrários e que expôs uma infinidade de pacientes a risco de morte.

Atribuíram, à causa, o valor de R$ 2.945.287,04.

Foi determinada a retificação do polo passivo para constar a União Federal, ao invés do Sistema Único de Saúde (fl. 04, ID 89832959).

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC/73, por ilegitimidade passiva da União, oportunidade na qual, o juízo de origem declinou da competência, a fim de que o processamento e o julgamento deste feito sejam promovidos na Justiça Estadual (fls. 60/63, ID 89832774).

A sentença foi publicada em 12/09/2015, conforme certidão de fl. 64 (ID 89832774).

O coautor Ricardo Fernandes de Azevedo manifestou desistência do prazo recursal e pugnou pela redistribuição do feito para a Justiça Comum Estadual, após o trânsito em julgado (fls. 65/66, ID 89832774).

Foi determinada nova publicação da sentença, para produção de efeitos somente para a parte ré Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência, à vista de informação da ausência de intimação desta requerida (fl. 67, ID 89832774). Conforme certidão de fl. 69 (ID 89832774), a publicação deste despacho ocorreu em 22/06/2016.

A União Federal tomou ciência em 22/07/2016 e opôs embargos de declaração, em 26/07/2016 (fl. 71, ID 89832774), tempestivamente, conforme certidão de fl. 78, ID 89832774. Os aclaratórios foram acolhidos, na origem, para o fim de condenar a parte autora ao pagamento dos honorários, no percentual de 5% do valor atualizado da causa (fls. 83/84, ID 89832774).

Por sua vez, a coautora Clínica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda-ME interpôs apelação, protocolada em 02/12/2016 (fl. 03, ID 89832983), pugnando, preliminarmente, pela concessão da justiça gratuita e pela nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, no tocante à ausência de intimação da parte autora para manifestação sobre a defesa e documentos apresentados pelos réus, em sede de réplica.

No mérito, pugna pela reforma sentença para que seja reconhecida a intempestividade dos embargos declaratórios opostos pela União, em 25/07/2016, e cassada a decisão que condenou os autores ao pagamento de honorários advocatícios.

Subsidiariamente, pleiteia a redução dos honorários, por serem exorbitantes e desproporcionais (5% do valor da causa equivale a R$ 147.264,35).

Requer o reconhecimento da nulidade da sentença e determinado o retorno dos autos à origem, para prosseguimento do feito, a partir da réplica. Subsidiariamente, pugna pela cassação da decisão proferida no julgamento dos aclaratórios da União ou a redução dos honorários sucumbenciais, ao patamar legal.

Com contrarrazões (fls. 27/58, ID 89832983), subiram os autos a esta E. Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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APELANTE: CLINICA PAULISTA TERAPEUTICA CARDIO-VASCULAR LTDA, RICARDO FERNANDES DE AZEVEDO MELO

Advogado do(a) APELANTE: LINDOMAR FRANCISCO DOS SANTOS - SP250071-A
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Advogado do(a) APELADO: ROBERTO SOARES ARMELIN - SP123740

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V O T O

 

 

A controvérsia trazida à baila visa a analisar se restou configurado o cerceamento de defesa dos apelantes, à vista da suposta ausência de intimação para manifestação em sede de réplica, e se há (ou não) intempestividade dos embargos de declaração, opostos pela União, na origem.

Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações sobre o juízo preliminar a respeito da existência do direito de recorrer e da regularidade do seu exercício.

Vale ressaltar que o juízo de admissibilidade pode levar ao conhecimento, ou não, do recurso, sem o qual não é possível passar ao exame do mérito.

Na espécie, encontram-se, devidamente, preenchidos os pressupostos intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal e inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal), faltando, apenas, o exame da tempestividade (dos recursos de apelação e embargos de declaração) e do preparo.

I. DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL:

I.1. DA TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS DA UNIÃO:

De plano, não se vislumbra a aventada intempestividade dos embargos de declaração, opostos pela União Federal contra a sentença que extinguiu o presente feito, sem resolução do mérito, por ilegitimidade desta parte processual.

Cumpre mencionar que a sentença foi publicada em 12/09/2015, conforme certidão de fl. 64 (ID 89832774).

Compulsando os autos, verifico que a secretaria processante, em primeira instância, informou, em 29/03/2016 (fl. 67 ID 89832774), que a defesa do demandado Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência não foi intimada da sentença de fls. 986/987.

À vista desta informação, o juízo de piso determinou a inclusão dos advogados no sistema processual, bem como a republicação da sentença de fls. 345/350v (dos autos físicos), para que produzisse os efeitos somente para a parte ré (fl. 67, ID 89832774).

Conforme certidão de fl. 69 (ID 89832774), o referido despacho foi publicado em 22/06/2016.

Por sua vez, a União Federal tomou ciência em 22/07/2016 e opôs embargos de declaração, em 26/07/2016 (fl. 71, ID 89832774), tempestivamente, conforme certidão de fl. 78, ID 89832774.

Vale ressaltar que, no CPC/1973, não havia uma previsão expressa da prerrogativa de intimação pessoal do advogado público, sendo uma peculiaridade inserta no art. 25 da Lei de Execução Fiscal, para a Fazenda Pública, em geral.

Contudo, durante a vigência deste diploma, constata-se que as jurisprudências do STJ e do STF já se alinhavam no sentido de que a intimação pessoal era restrita aos membros da Fazenda Pública da União, à vista de normas especiais (art. 17 da Lei nº 10.910/2004, art. 38 da Lei Complementar nº 73/93 e art. 6º da Lei nº 9.028/95). Precedentes: AgRg no REsp n. 1.056.279/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, SEGUNDA TURMA, J. em 23/2/2010; AgInt no AREsp: 1172325 SP 2017/0226616-9, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, J. 26/03/2019, DJe 29/03/2019.

Com a edição do CPC/15 e a vigência do art. 183, restou estabelecida a aplicação da prerrogativa da intimação pessoal da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público. Inclusive, o legislador unificou o prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, “cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal”. Confira-se:

“Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.

§ 1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.

§ 2º Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público”.

Cumpre mencionar que a lei processual civil tem aplicação imediata, em observância ao princípio da irretroatividade, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, à luz da teoria do isolamento dos atos processuais.

Nesse sentido, confiram-se o teor dos arts. 14 e 1.045 e 1.046, todos do CPC/15, in verbis:

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.

“Art. 1.045. Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”.

“Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

Por sua vez, a questão da irretroatividade processual restou agasalhada pela jurisprudência do STJ, vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MARCO TEMPORAL PARA A APLICAÇÃO DO CPC/2015. PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES. IMPUGNAÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE VERBA HONORÁRIA. MAJORAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

01. O recorrente alega que não há falar em direito adquirido a fim de conclamar incida o Novo Código de Processo Civil apenas às demandas ajuizadas após a sua entrada em vigor (conforme decidido pelo Tribunal a quo), porquanto, consoante estabelecido no artigo 14 do NCPC, o novel diploma normativo processual incidirá imediatamente aos processos em curso.

02. Esta Corte firmou a compreensão de que “a regra processual aplicável, no que tange à condenação em honorários advocatícios sucumbenciais, é aquela vigente na data da prolatação da sentença. Em razão de sua natureza material, afasta-se a aplicação imediata da nova norma.” (REsp 1.686.733/PE, Segunda Turma, Rel. Ministro Og Fernandes, julgado em 03/04/2018, DJe 09/04/2018).

03. Nesse contexto, sobrepõe-se o entendimento consolidado neste Tribunal, no sentido de que salvo as hipóteses excepcionais de valor excessivo ou irrisório, não se conhece de recurso especial cujo objetivo é rediscutir o montante da verba honorária fixada pelas instâncias de origem, a teor do enunciado nº 7, da Súmula do STJ.

04. Agravo interno não provido.

(STJ, 2ª Turma, AgInt no REsp 1686339/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 04/12/2018, publicado em 11/12/2018)

Isto posto, afasto a alegação de intempestividade dos embargos de declaração opostos pela União, na origem.

I.2. DO CABIMENTO E DA TEMPESTIVIDADE DA APELAÇÃO AUTORAL:

Cumpre mencionar que o presente recurso de apelação foi interposto quando vigente o atual Código de Processo Civil, sendo este o diploma aplicável à espécie. Ao contrário das alegações da União, é cabível o recurso de apelação contra sentença que julga extinto o feito, sem resolução do mérito, por ausência de legitimidade, nos moldes do art. 485, §7º e art. 1.009, todos do CPC/15.

A r. sentença foi publicada em 12/09/2015, conforme certidão de fl. 64 (ID 89832774) e o coautor, Clínica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda., interpôs o presente recurso de apelação em 02/12/2016, conforme protocolo da petição de fl. 03 (ID 89832983).

Durante o intervalo temporal entre a intimação da sentença e a interposição recursal, o juízo de origem determinou a republicação da sentença de fls. 345/350v (dos autos físicos), para a produção dos efeitos somente para a parte ré Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência, conforme despacho de fl. 67, ID 89832774. O referido despacho foi publicado em 22/06/2016, conforme certidão de fl. 69 (ID 89832774).

Posteriormente, a União Federal tomou ciência em 22/07/2016 e opôs embargos de declaração, em 26/07/2016 (fl. 71, ID 89832774), posteriormente à vigência do atual CPC/15, que prevê a interrupção do prazo para a interposição de outros recursos, à luz do art. 1.026.

Ainda que se não fosse, verifica-se a alteração no resultado da sentença, por ocasião do julgamento dos aclaratórios da União – que arbitrou o valor dos honorários advocatícios, no percentual de 5% sobre o valor atualizado da causa -, remanescendo, portanto, o direito da apelante quanto ao juízo de admissibilidade da tempestividade recursal.

No ponto, cumpre analisar se, após a interrupção do prazo, restou ou não configurada a intempestividade do apelo da clínica coautora.

A sentença que julgou os embargos de declaração foi proferida em 21/10/2016, disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça em 08/11/2016 e publicada em 09/11/2016 (fls. 84/86, ID 89832774, e fl. 01, ID 259271594).

O presente recurso de apelação foi interposto em 02/12/2016, sendo, portanto, tempestivo, considerando a suspensão dos prazos em 14/11/2016 (Portaria nº 479, de 23/10/2015) e o feriado legal de 15/11/2016.

Passo ao exame do preparo recursal.

I.3. DO PREPARO:

Para se avaliar o preparo, imperioso analisar o pedido de justiça gratuita formulado pelo recorrente, no bojo de suas razões recursais.

Para tanto, a clínica apelante juntou o instrumento particular de distrato social e o registro para fins de publicidade e eficácia contra terceiros (ID 259779899).

Em pesquisa ao sítio eletrônico da Receita Federal, é possível identificar a baixa da situação cadastral da Clínica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda.

Além disso, há declaração dos sócios, “sob as penas da lei”, de que a sociedade, ora dissolvida, não possui débitos junto aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem como débitos de natureza trabalhista.

Por sua vez, verificam-se precedentes jurisprudenciais, nesta Corte Regional, pela procedência do pedido, a saber: AI
5019209-10.2021.4.03.0000, Rel. Des. Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARÃES, SEGUNDA TURMA, J. 05/05/2022, DJe 10/05/2022; ApCiv 5003198-80.2019.4.03.6108, Rel. Des. Federal VALDECI DOS SANTOS, PRIMEIRA TURMA, J. 19/08/2021, DJe 25/08/2021.

Isto posto, defiro o benefício da justiça gratuita ao coautor Clínica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda, o que dispensa a prova do recolhimento do preparo, à luz do art. 99, §7º do CPC/15. Anote-se.

Passo ao exame das preliminares de cerceamento de defesa e de nulidade processual.

II. DAS PRELIMINARES:

II.1. DO CERCEAMENTO DE DEFESA:

Preliminarmente, pugna, a recorrente, pela nulidade da r. sentença, por ausência de intimação da parte autora para manifestação sobre a defesa e documentos apresentados pelos réus, em sede de réplica.

O argumento recursal, em tese, comporta plausibilidade, senão vejamos.

De fato, a jurisprudência desta Corte Regional, à luz dos arts. 350 e 351, ambos do CPC/15, tem se posicionado pela necessidade de abertura de prazo para réplica, quando alegadas, em sede de contestação, quaisquer das matérias previstas no art. 337 do CPC/2015 ou algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autor.

Nesse sentido, colho os seguintes precedentes jurirspudenciais: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 20266397 - 0002733-53.2014.4.03.6102, Rel. Des. Federal ANTONIO CEDENHO, TERCEIRA TURMA, j. em 05/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/07/2017; Ap: 00002270420144036103 SP, Rel. Des. Federal HÉLIO NOGUEIRA, PRIMEIRA TURMA, j. 04/09/2018, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/09/2018.

Na espécie, a União alegou, em contestação, a ilegitimidade passiva do ente público federal para integrar o polo passivo do presente feito, porém, a parte autora não foi intimada para oitiva e, querendo, produzir provas, nos termos do art. 351 do CPC/15 (correspondente ao art. 327 do CPC/73, aplicado ao tempo da instrução processual).

Ainda, a corré Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência também apresentou contestação, pugnando pelo reconhecimento da ilegitimidade ativa do médico coautor, a incompetência da Justiça Federal e a prescrição.

Cabe destacar que a requerida juntou uma série de documentos, tais como (ID 89832773, fls. 25/126, e ID 89832774, fls. 01/58): a) relatórios e ordens de pagamento (honorários médicos – SUS); b) relação de pacientes operados em 2012 e de pacientes avaliados e não autorizados no ano de 2012; c) Ofício nº 388/2012 – Auditoria – emitido pela Prefeitura da Cidade de São Paulo, em atendimento ao solicito pelo MPF; d) Lista de pacientes internos por médico atendente no hospital réu; e, e) notificações extrajudiciais da clínica coautora.

Verifica-se que o juízo de origem concluiu pelo julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC/73), oportunidade na qual deixou de conceder vista dos autos ao demandante, por se tratar de questão unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, seria desnecessária a produção probatória.

Nessa ordem de ideias, o juízo a quo extinguiu o feito, sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva da União, e declinou da competência, para que o presente feito seja processado e julgado no Juízo Estadual.

Contudo, a ausência de intimação dos autores para impugnação não acarretou prejuízo ao exercício da ampla defesa, nesta seara processual, na medida em que a matéria controvertida nos autos não envolve interesse público federal, a ensejar a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do presente feito, nos moldes do art. 109, I da CF/88.

Além disso, a indenização pleiteada pelos autores decorre de relação contratual estabelecida entre a Clínica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda. – ME e a demandada Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência, não envolvendo o ente público federal. Inclusive, o único Instrumento Particular de Prestação de Serviços Médicos, Cirúrgicos e Hospitalares juntado nos autos, foi celebrado em 15/06/2004, e prevê como partes contratantes a clínica co-autora e o hospital demandado (fls. 63/78, ID 89832829).

Vale ressaltar que o simples fato da União integrar o Sistema Único de Saúde não traduz sua responsabilidade pela rescisão contratual, discutida neste feito. No ponto, cumpre mencionar que o que o legislador constituinte previu a descentralização do Sistema Único de Saúde, com direção única em cada esfera de governo, a teor do art. 198, I da CF/88, in verbis:

“Art.198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;”

Por sua vez, a Lei nº 8.080/90 prevê, em seu art. 9º, III, que:

“Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;

II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e

III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.

Sobre a gestão financeira, compete ao Ministério da Saúde a administração dos recursos financeiros, originário do orçamento da Seguridade Social, na esfera federal, através do Fundo Nacional de Saúde, bem como, a ele incumbirá o acompanhamento do repasse de recursos aos Estados e Municípios. Confiram-se:

“Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.

§ 1º Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do Orçamento da Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, serão administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde.

(...)

§ 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei”.

Dessa forma, após o repasse dos recursos, compete a cada ente federativo, na qualidade de gestor financeiro, a execução dos serviços públicos de saúde.

No presente caso, o contrato estabelecido entre o SUS e a Beneficência Portuguesa não envolve a prestação de serviços médicos pela clínica autora. Trata-se de contrato autônomo e independente do contrato de prestação de serviços que vincula a Clínica Paulista, de um lado, e a Real Benemérita Portuguesa, de outro.

Ressalte-se que a União não provê os recursos oriundos do contrato pactuado entre o hospital da Beneficência Portuguesa e a Clínica autora, tampouco os gerencia, não havendo motivos para a inclusão da União no polo passivo desta lide.

Tampouco se trata participação complementar da cobertura assistencial, à luz do art. 24, caput e parágrafo único da Lei nº 8.080/90, prestado pela iniciativa privada, na medida em que a formalização do contrato, em apreço, não vincula o ente público federal.

Ainda que se não fosse, a inicial sequer imputa qualquer ação ou omissão da Administração Pública Federal, que tenha levado diretamente ao resultado danoso discutido

Rejeito, portanto, a preliminar de cerceamento de defesa e mantenho a r. sentença, que concluiu pela ilegitimidade passiva da União e determinou a remessa do feito à Justiça Estadual.

Ante o exposto, conheço do apelo, porquanto tempestivo, defiro o benefício da justiça gratuita à apelante e, no mérito, nego provimento ao apelo da clínica autora.

É COMO VOTO.



E M E N T A

 

 

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA RÉPLICA. PREJUÍZO PROCESSUAL NÃO CONSTATADO. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, I DA CF. JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA À CLÍNICA AUTORA. APELO IMPROVIDO.

01. A controvérsia trazida à baila visa a analisar se restou configurado o cerceamento de defesa dos apelantes, à vista da alegada ausência de intimação para manifestação em sede de réplica, e se há (ou não) intempestividade no manejo dos embargos de declaração, opostos pela União, na origem.

02. A r. sentença foi publicada em 12/09/2015, conforme certificado nos autos, e o coautor, Clínica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda., interpôs o presente recurso de apelação em 02/12/2016, conforme protocolo.

03. Durante o intervalo temporal entre a intimação da sentença e a interposição recursal, o juízo de origem determinou a republicação da sentença, para a produção dos efeitos somente para a parte ré Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência, conforme despacho de fl. 67 (ID 89832774), publicado em 22/06/2016 - fl. 69 (ID 89832774.

04. Posteriormente, a União Federal tomou ciência em 22/07/2016 e opôs embargos de declaração, em 26/07/2016, tempestivamente certificados.

05. Ainda que se não fosse, verifica-se a alteração no resultado da sentença, por ocasião do julgamento dos aclaratórios da União – que arbitrou o valor dos honorários advocatícios, no percentual de 5% sobre o valor atualizado da causa -, remanescendo, portanto, o direito da apelante quanto ao juízo de admissibilidade da tempestividade recursal.

06. A sentença que julgou os embargos de declaração foi proferida em 21/10/2016, disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça em 08/11/2016 e publicada em 09/11/2016 (fls. 84/86, ID 89832774, e fl. 01, ID 259271594).

07. O presente recurso de apelação foi interposto em 02/12/2016, sendo, portanto, tempestivo, considerando a suspensão dos prazos em 14/11/2016 (Portaria nº 479, de 23/10/2015) e o feriado legal de 15/11/2016.

08. Pedido de justiça gratuita da clínica autora deferido, ante a juntada do instrumento particular de distrato social e o registro para fins de publicidade e eficácia contra terceiros.

09. Não se verifica prejuízo para os autores quanto à ausência de intimação para impugnação, em sede de réplica, na medida em que a matéria controvertida nos autos não envolve interesse público federal, a ensejar a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do presente feito, nos moldes do art. 109, I da CF/88.

10. Depreende-se dos autos que o contrato de prestação de serviços médicos foi pactuado entre a Clínica Paulista Terapêutica Cardio-Vascular Ltda. – ME e a demandada Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência, não envolvendo o ente público federal.

11. Vale ressaltar que o simples fato da União integrar o Sistema Único de Saúde não traduz e pela alegada rescisão contratual se a inicial sequer imputa qualquer ação ou omissão sua que tenha levado diretamente ao resultado danoso discutido.

12. Apelo não provido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, conheceu do apelo, porquanto tempestivo, deferiu o benefício da justiça gratuita à apelante e, no mérito, negou provimento ao apelo da clínica autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.