APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005386-87.2021.4.03.6104
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: HELLMANN WORLDWIDE LOGISTICS DO BRASIL LTDA.
Advogados do(a) APELANTE: ELIANA ALO DA SILVEIRA - SP105933-A, RUBEN JOSE DA SILVA ANDRADE VIEGAS - SP98784-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005386-87.2021.4.03.6104 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: HELLMANN WORLDWIDE LOGISTICS DO BRASIL LTDA. Advogados do(a) APELANTE: ELIANA ALO DA SILVEIRA - SP105933-A, RUBEN JOSE DA SILVA ANDRADE VIEGAS - SP98784-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: [ialima] R E L A T Ó R I O Apelação interposta pela Hellmann Worldwide Logistics do Brasil Ltda. contra sentença que julgou improcedente o pedido de anulação do débito objeto do Processo Administrativo Fiscal nº 11128.731728/2013-90, bem como fixou os honorários advocatícios sobre o valor atualizado da causa, nos percentuais mínimos do artigo 85, §§ 2°, 3° e 4º, do Código de Processo Civil (Id 260325459). Aduz (Id 260325464) que: a) na forma do artigo 1º, §1º, da Lei n.º 9.873/99, incide a prescrição intercorrente nos processos administrativos instaurados pela administração pública federal desde que paralisados por mais de três anos, pendentes de julgamento ou despacho; b) a hipótese prevista no artigo 107, inciso IV, alínea “e”, do Decreto-Lei n.º 37/66 não se aplica ao agente de carga, uma vez que sua atuação se deu na qualidade de mandatária da empresa transportadora responsável pelo registro das informações junto ao SISCOMEX; c) o agente de carga não pode ser equiparado ao transportador, nos termos do artigo 135 do Código Tributário Nacional e do entendimento firmado pelo Tribunal Federal de Recursos com a edição da Súmula 192; d) todas as informações sobre as cargas transportadas e todos os prazos exigidos pela fiscalização aduaneira foram cumpridos, de modo que deve ser afastada a aplicação da multa prevista no artigo 107, inciso IV, alínea “e”, do Decreto-Lei n.º 37/1966, em especial porque as autoridades alfandegárias não tiveram qualquer dificuldade para realizar a fiscalização ou a apurar os créditos destinados ao erário; e) deve ser aplicado o instituto da denúncia espontânea, cabível tanto em obrigações tributárias quanto administrativas, pois houve o registro dos dados sem que houvesse por parte da autoridade aduaneira qualquer tipo de exigência, conforme previsto no artigo 102, § 2º, do Decreto-Lei n.º 37/66; f) a multa aplicada é desarrazoada e constitui violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, da capacidade contributiva e do não-confisco (artigos 145, §1°, e 150, inciso IV, da Constituição). Em contrarrazões (Id 260325469), a União requer o desprovimento do recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005386-87.2021.4.03.6104 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: HELLMANN WORLDWIDE LOGISTICS DO BRASIL LTDA. Advogados do(a) APELANTE: ELIANA ALO DA SILVEIRA - SP105933-A, RUBEN JOSE DA SILVA ANDRADE VIEGAS - SP98784-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O I – Dos fatos Ação proposta pela Hellmann Worldwide Logistics do Brasil Ltda. contra a União, com vista à débito desconstituição do débito objeto do Processo Administrativo Fiscal nº 11128.731728/2013-90, relativo à cobrança de multas decorrentes da inserção extemporânea de informações no sistema SISCOMEX. II – Da prescrição administrativa Inicialmente, cumpre destacar que a atividade administrativa aduaneira tem como objetivo a fiscalização e controle das operações de comércio exterior, com vista a garantir os direitos da sociedade à segurança, à saúde, ao meio ambiente, à propriedade intelectual, bem como dos interesses fazendários nacionais, conforme disposto nos artigos 237 da Constituição e 15 do Decreto n.º 6.759/09. No desenvolvimento das atribuições de natureza aduaneira é possível verificar a intersecção entre as esferas tributária e administrativa, com o surgimento de obrigações oriundas de uma relação aduaneira-tributária com natureza tributária e obrigações provenientes de uma relação aduaneira não-tributária, com natureza administrativa[1]. O Decreto-Lei n.º 37/66, que dispõe sobre o imposto de importação e reorganiza os serviços aduaneiros, contempla a penalidade da multa às infrações de natureza tributária, como aquelas descritas no artigo 106, diretamente relacionadas aos elementos que compõem o imposto de importação, bem como àquelas de natureza não-tributária referentes ao controle das atividades de comércio exterior, decorrentes do exercício do poder de polícia, enumeradas no artigo 107. O poder de polícia da aduana não se confunde com o tributário, porquanto distintas as suas obrigações, como leciona Rodrigo Mineiro Fernandes[2]: preferimos adotar a denominação obrigação aduaneira, sem classificá-las como principal ou acessória, visto que sua natureza sempre será vinculada ao bem jurídico protegido pelo Direito Aduaneiro, qual seja, o controle aduaneiro. Dessa forma, toda a obrigação aduaneira seria principal e essencial ao devido controle aduaneiro, previsto no art. 237 da Constituição Federal. Se a obrigação foi imposta pela autoridade aduaneira, ela estará sempre vinculada ao poder constitucionalmente outorgado à Aduana, o devido controle aduaneiro. Outra questão será a obrigação tributária, vinculada à arrecadação de tributos, essa sim classificada como principal ou acessória. No caso, a recorrida foi autuada em decorrência da inclusão intempestiva de informações no Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, nos termos dos artigos 107, inciso V, alínea “e”, do Decreto-Lei n.º 37/99, 22, incisos II, alínea “d”, e 50, parágrafo único, inciso II, da IN RFB n.º 800/2007, que assim dispunham à época dos fatos: Decreto-Lei n.º 37/66 Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas: (...) V - de R$ 5.000,00 (cinco mil reais): (...) e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga; e IN RFB n. º 800/2007 Art. 22. São os seguintes os prazos mínimos para a prestação das informações à RFB: (...) II - as correspondentes ao manifesto e seus CE, bem como para toda associação de CE a manifesto e de manifesto a escala: (...) d) quarenta e oito horas antes da chegada da embarcação, para os manifestos e respectivos CE a descarregar em porto nacional, ou que permaneçam a bordo; e Art. 50. Os prazos de antecedência previstos no art. 22 desta Instrução Normativa somente serão obrigatórios a partir de 1º de abril de 2009. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 899, de 29 de dezembro de 2008) Parágrafo único. O disposto no caput não exime o transportador da obrigação de prestar informações sobre: I - a escala, com antecedência mínima de cinco horas, ressalvados prazos menores estabelecidos em rotas de exceção; e II - as cargas transportadas, antes da atracação ou da desatracação da embarcação em porto no País. [destaquei] Não obstante o processo administrativo fiscal federal (PAF) seja regido pelo Decreto nº 70.235/72, impende destacar que é norma que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União e que não há disposição que trate dos institutos da decadência e da prescrição. Outrossim, em atenção ao princípio da especialidade, ao se tratar do reconhecimento desses institutos em relação à penalidade administrativa de natureza aduaneira não-tributária, é aplicável a Lei n.º 9.873/1999, verbis: Art. 1º. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. Art. 5º. O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária. [destaquei] No caso, o auto de infração foi lavrado em 15.10.2013 (Id 260325278, p. 04), a empresa notificada em 04.11.2013 (Id 260325278, p. 50) com a apresentação de impugnação em 02.12.2013 (Id 260325278, p. 57/79) e julgamento em 19.02.2020 (Id 260325278, p. 150/161), observa-se o decurso do prazo de três anos sem movimentação do feito. Nesse sentido, confira-se: TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. MULTA SUBSTITUTIVA DA PENA DE PERDIMENTO. NATUREZA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. LEI 9.873/99. OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. O débito tem origem em multa administrativa substitutiva da pena de perdimento de mercadoria, aplicada no exercício do poder de polícia pela Administração Aduaneira por infração à legislação aduaneira. Não tem natureza tributária, portanto, aplicando-se as normas da Lei 9.873/99 que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva por parte da Administração Pública Federal. 2. A prescrição em relação ao poder sancionador da Administração Púbica Federal está disciplinada na Lei 9.873/1999, que estabelece três prazos que devem ser observados: (a) cinco anos para o início da apuração da infração administrativa e constituição da penalidade; (b) três anos para a conclusão do processo administrativo; e (c) cinco anos contados da constituição definitiva da multa, para a cobrança judicial. 3. A prescrição intercorrente pressupõe a inércia da autoridade administrativa em promover atos que impulsionem de maneira eficiente o procedimento administrativo de apuração do ato infracional e constituição da respectiva multa, em período superior a três anos. O § 1º do art. 1º da Lei 9.873/1999 reputa paralisado o processo administrativo desprovido de julgamento ou despacho. 4. Verificado que o processo administrativo em questão ficou paralisado por prazo superior a três anos, reputa-se consumada a prescrição intercorrente no caso concreto. 5. Recurso de apelação desprovido. Honorários advocatícios majorados na forma do art. 85, § 11 do CPC. (TRF 4ª Região, AC 5006066-10.2020.4.04.7000, Primeira Turma, Rel. Roger Raupp Rios, j. 14.04.2021, destaquei). DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCON. MULTA ADMINISTRATIVA. CEF. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA. A pretensão punitiva da Administração Pública prescreve em cinco anos, contados da data do fato punível; instaurado o procedimento administrativo para apurá-lo, incide a prescrição intercorrente de trata o §1º do artigo 1º da Lei nº 9.873/99, que é de três anos. Na hipótese, resta inequívoca a ocorrência da prescrição intercorrente no processo administrativo, tendo em vista que o feito permaneceu paralisado por mais de três anos sem que houvesse a prática de qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato ou capaz de suspender ou interromper o curso do prazo prescricional. (TRF 4ª Região, AC 5026433-60.2017.4.04.7000, Quarta Turma, Rel. Vivian Josete Pantaleão Caminha, j. 18.05.2018, destaquei). Por fim, as questões relativas aos demais dispositivos mencionados no recurso, artigos 145, §1º, e 150, incisos II e IV, da CF, 23 da Lei 9.430/1996, 32, 37 e 102, §§1° e 2º, do Decreto-Lei n.º 37/66, 106, inciso II, alínea “a”, 113, §2º, 128, 138 do CTN, 728, inciso IV, alínea “e”, do Decreto 6759/2009, 5º da Lei n.º 9.873/99, bem como os itens 40 e 47 da Exposição de Motivos da Medida Provisória n.º 497/2010, o Decreto n.º 70.235/72 e a Portaria MF n.º 277/2018, não interferem nesse entendimento pelos motivos já indicados. III – Dos honorários advocatícios Devido à reforma da sentença, é de rigor a reversão da sucumbência, para condenar a União ao pagamento dos honorários advocatícios. Assim, considerados o trabalho realizado, a natureza e o valor atribuído à causa (R$ 8.290,00), fixo a verba honorária no percentual mínimo estabelecido no artigo 85, §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil. IV – Do dispositivo Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença e julgar procedente o pedido a fim de reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente na via administrativa do Processo Administrativo n.º 11128.731728/2013-90. Honorários advocatícios fixados nos termos explicitados. É como voto. [1] ULIANA JR., LAÉRCIO CRUZ. Sanções aduaneiras decorrentes da importação de mercadoria e a proteção ao direito fundamental a livre-iniciativa: uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação do Programa de Mestrado do Centro universitário Autônomo do Brasil – UNIBRASIL. Curitiba: 2018. Disponível em https://www.unibrasil.com.br/wp-content/uploads/2019/07/Dissertac%CC%A7a%CC%83o-LA%C3%89RCIO-CRUZ-ULIANA-JUNIOR.pdf. Acesso em 30.06.2022. [2] FERNANDES, Rodrigo Mineiro. Introdução ao direito aduaneiro. São Paulo: Intelecto, 2018, p. 142.
E M E N T A
ADUANEIRO. APELAÇÃO. PENA DE MULTA. ARTIGO 107, INCISO IV, ALÍNEA “E”, DO DECRETO-LEI N.º 37/99. INFORMAÇÕES PRESTADAS NO SISCOMEX EXTEMPORANEAMENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. LEI N.º 9.873/99. OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
- No desenvolvimento das atribuições de natureza aduaneira é possível verificar a intersecção entre as esferas tributária e administrativa, com o surgimento de obrigações oriundas de uma relação aduaneira-tributária com natureza tributária e obrigações provenientes de uma relação aduaneira não-tributária, com natureza administrativa.
- O Decreto-Lei n.º 37/66, que dispõe sobre o imposto de importação e reorganiza os serviços aduaneiros, contempla a penalidade da multa às infrações de natureza tributária, como aquelas descritas no artigo 106, diretamente relacionadas aos elementos que compõem o imposto de importação, bem como àquelas de natureza não-tributária referentes ao controle das atividades de comércio exterior, decorrentes do exercício do poder de polícia, enumeradas no artigo 107.
- Não obstante o processo administrativo fiscal federal (PAF) seja regido pelo Decreto nº 70.235/72, impende destacar que é norma que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União e que não há disposição que trate dos institutos da decadência e da prescrição. Outrossim, em atenção ao princípio da especialidade, ao se tratar do reconhecimento desses institutos em relação à penalidade administrativa de natureza aduaneira não-tributária, é aplicável a Lei n.º 9.873/1999.
- Decorrido o prazo de três anos sem movimentação do feito, verifica-se a ocorrência da prescrição intercorrente.
- Devido à reforma da sentença, é de rigor a reversão da sucumbência, para condenar a União ao pagamento dos honorários advocatícios.
- Apelação provida.