APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-55.2013.4.03.6000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: RAMIRO JULIANO DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ EDUARDO PRADEBON - MS6720-A
APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: PAULO BERNARDINO DE SOUZA
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: GIVANILDO HELENO DE PAULA - MS12246-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-55.2013.4.03.6000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: RAMIRO JULIANO DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: LUIZ EDUARDO PRADEBON - MS6720-A R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos de declaração contra acórdão assim ementado: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FISCAIS DO IBAMA. SOLICITAÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA PARA NÃO PROCEDER À FISCALIZAÇÃO E AUTUAÇÃO DE IRREGULARIDADES. LEI 8.429/1992. FATO NOVO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. PRESCRIÇÃO. RESSARCIMENTO DO DANO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. DANO MORAL. 1. Consolidada a jurisprudência no sentido de que se aplica ao direito administrativo sancionador os princípios fundamentais do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu, previsto no artigo 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. 2. Em decorrência de tal extensão de princípios reguladores, o advento da Lei 14.230/2021, no que instituiu novo regramento mais favorável ao réu imputado ímprobo, deve ser considerado no exame de pretensões formuladas em ações civis públicas de improbidade administrativa, ainda que ajuizadas anteriormente à vigência da nova legislação. 3. Segundo a nova disciplina instituída pela Lei 14.230/2021, a prescrição da ação de improbidade administrativa é de oito anos, contados do fato ou da cessação dos fatos, quando permanente a infração. É causa de suspensão da prescrição, pelo prazo de até 180 dias, a instauração de inquérito civil ou processo administrativo para apuração de responsabilidade, findos os quais recomeça a correr o prazo de oito anos. São causas interruptivas da prescrição de oito anos: ajuizamento da ação de improbidade administrativa, publicação de sentença condenatória, publicação de decisão ou acórdão de segundo grau que confirma condenação ou reforma sentença de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência. A interrupção da prescrição gera a contagem, a partir da mesma data, de novo prazo de prescrição, porém pela metade do prazo originário, ou seja, por quatro anos. 4. No caso, ocorridos os fatos em 26/05/2011, instaurado contra os corréus processo administrativo disciplinar em 06/06/2011 e proposta a ação civil pública de improbidade administrativa em 08/01/2013, resta evidenciado que, entre tais datas, não houve o decurso do prazo prescricional de oito anos. A sentença foi proferida em 12/03/2019 e publicada no diário oficial em 09/04/2019, mais de quatro anos depois do ajuizamento da ação civil pública de improbidade administrativa, em 08/01/2013, acarretando, nos termos e com esteio no artigo 23, caput, §§ 4º, I e II, 5º e 8º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021, a consumação da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora, salvo no tocante ao ressarcimento ao erário. 5. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 852.475, em que reconhecida repercussão geral, fixou o entendimento de que “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (Tese 897/STF), sem dissentir do fundamento constitucional previsto no dispõe o artigo 37, § 5º, da CF (“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”). 6. O conceito de erário público denota a natureza material do patrimônio público envolvido. Ao prever a Lei de Improbidade Administrativa, em sua redação anterior, o ressarcimento integral do dano, é possível extrair que a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário refere-se somente ao dano material efetivamente perpetrado aos cofres públicos – inocorrente na espécie -, pois somente este permite a reparação integral exigida pela lei, enquanto a compensação financeira do dano moral ocorre mediante mera estimativa, por valor aproximado, ao eventual abalo moral ou psíquico efetivamente por alguém suportado. A compreensão de erário público como patrimônio material da Administração Pública já foi objeto de manifestação expressa do Ministro GILMAR MENDES, em voto proferido perante o Tribunal Superior Eleitoral, expressamente referido na decisão de indeferimento de liminar AC 3766 MC, de relatoria da Min. CÁRMEN LÚCIA (DJe 16/12/2014), perante a Suprema Corte, assim como de pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.014.161, rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 20/9/2010). 7. No caso, não se descreveu prejuízo material ao erário, sofrido pelo IBAMA, pois a conduta imputada foi a de que os ex-servidores simularam ação de fiscalização, a partir do que solicitaram vantagem indevida, não constando, porém, que de tal conduta tenha advindo supressão de multa ou valor devido pela empresa aos cofres públicos. Não se tratou, pois, de valores constituídos regularmente e devidos ao IBAMA, cujo pagamento tenha deixado de ocorrer à conta de ato ilícito atribuído aos réus, de modo a materializar dano ao erário para efeito de ressarcimento, única pretensão que, como visto, não foi atingida pela prescrição intercorrente, mas que sequer pode ser admitida como procedente na espécie dos autos. 8. O dano, que se descreveu, não foi material, mas de natureza moral, acerca da qual, porém, bem decidiu a sentença que não restou caracterizada para justificar a pretensão posta na inicial, pois a imediata repreensão do IBAMA às indevidas condutas de seus servidores afastou qualquer abalo que estes pudessem ter causado à imagem da autarquia federal. Acrescente-se, ainda, que os fatos imputados aos corréus tiveram início cerca de uma semana antes da data da prisão em flagrante, em 26/05/2011, tendo sido instaurado o respectivo processo administrativo disciplinar já em 06/06/2011, concluído em 2012, o que revela a celeridade do IBAMA na apuração e punição dos envolvidos, com observância, até onde se pode avistar, do devido processo legal, ampla defesa e contraditório. 9. Afastada a sucumbência, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985 e jurisprudência neste sentido consolidada. 10. Decretação de ofício, nos termos do § 8º do artigo 23 da Lei 8.429/1992 com alterações da Lei 14.230/2021, da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora formulada na presente ação de improbidade administrativa quanto às sanções outras que não a de ressarcimento ao erário, julgando, assim, quanto a tais pontos, prejudicadas apelação e remessa oficial, tida por submetida; e, no tocante ao ressarcimento do dano moral, confirma-se a sentença, negando provimento à remessa oficial, tida por submetida." Alegou o IBAMA omissão, pois: (1) tratando-se de ação civil por improbidade administrativa, a aplicação retroativa de novos prazos de prescrição intercorrente da Lei 14.230/2021 ofende ato jurídico perfeito e segurança jurídica; (2) a prescrição encontra-se interrompida desde a data do despacho de citação; e (3) não houve inércia da parte autora na condução do feito, decorrendo eventual demora unicamente de mecanismos inerentes à Justiça. Já o Ministério Público Federal aduziu omissão quanto à irretroatividade das inovações introduzidas pela Lei 14.230/2021, pois: (1) o ordenamento jurídico brasileiro consagra, no campo do direito intertemporal, que a lei tem efeito imediato e geral, sendo a retroatividade excepcional e sujeita à previsão legal expressa, respeitados ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada (artigos 6º, caput, do Decreto-lei 4.657/1942 e 5º, XXXVI, CF); (2) a imputação da prática de improbidade administrativa tem natureza cível (artigo 37, § 1º, da CF), e a garantia de retroatividade da lei penal benéfica aplica-se apenas à esfera criminal, sendo flagrantemente inconstitucional o artigo 17-D da Lei 8.429/1992 ao dispor, em outros aspectos, que a ação por improbidade administrativa não constitui ação civil (ADI 2.797); (3) a prescrição intercorrente é instituto de direito processual, exigindo observância ao disposto nos artigos 14 do CPC e 5º, XXXVI, da CF; e (4) a parte autora não pode ser prejudicada por decurso de tempo a que não deu causa durante a tramitação do feito. RAMIRO JULIANO DA SILVA, por sua vez, alegou omissão, pois, diante do resultado que lhe foi favorável, afigura-se de rigor a inversão do ônus sucumbenciais, devendo o embargado arcar com honorários advocatícios, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC. Intimadas sobre os embargos de declaração opostos e recente tese fixada pela Suprema Corte no julgamento do ARE 843.989 RG (tema 1.199/STF), as partes apresentaram manifestações. É o relatório.
APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000143-55.2013.4.03.6000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: RAMIRO JULIANO DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: LUIZ EDUARDO PRADEBON - MS6720-A V O T O Senhores Desembargadores, o acórdão embargado foi proferido anteriormente ao julgamento pela Suprema Corte do paradigma cuja aplicação se impõe, observada a própria ressalvada contida no exame anterior da espécie. Com efeito, importa registrar que, para definir “eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente”, o Plenário do Excelso Pretório fixou, no julgamento do ARE 843.989 (Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 18/08/2022), em regime de repercussão geral, as seguintes teses vinculantes: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei” (grifamos, Tema 1.199) Como visto, o contraste entre o decidido no aresto embargado face ao paradigma firmado exige suprimento, uma vez que se constate omissão no tratamento, ainda que por fato superveniente, mas pertinente e relevante à solução do caso concreto, no que concerne, especificamente, à prescrição, em modalidade intercorrente, da pretensão sancionadora quanto às sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/1992, sendo de rigor a reapreciação da causa, à luz do entendimento fixado no ARE 843.989, Tese 1.199/STF. Antes, porém, registre-se, por relevante ao presente caso, em que a demanda foi ajuizada pelo IBAMA, que a restrição à legitimidade para somente permitir a propositura de ação de improbidade administrativa pelo Ministério Público restou afastada no julgamento das ADI’s 7.042 e 7.043 (Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 31/08/2022), ao “declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 14.230/2021” e “a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil” (grifamos). Tem-se, assim, que, no mérito, a presente ação civil pública foi ajuizada em 08/01/2013 pelo IBAMA para condenar os ex-servidores PAULO BERNARDINO DE SOUZA e RAMIRO JULIANO DA SILVA, por improbidade administrativa, por utilização do cargo para auferir vantagem ilícita, com violação a princípios da administração pública, causando prejuízos à imagem da autarquia. Segundo a inicial (ID 87014456, f. 3/13 e ID 87014459, f. 1), apurou-se em processo administrativo disciplinar instaurado no âmbito da Corregedoria Geral do IBAMA (PAD 02001.003368/2011-14), que redundou na demissão dos servidores, que os corréus, utilizando-se de veículo da autarquia devidamente caracterizado e identificando-se como fiscais do IBAMA, empreenderam suposta ação fiscalizatória na empresa Madeireira Pazinha Ltda., sem respaldo em qualquer ordem de fiscalização ou determinação superior e, “agindo em conjunto”, a pretexto de irregularidades constatadas, solicitaram aos prepostos da pessoa jurídica fiscalizada a quantia de cinquenta mil reais, depois reduzida para cinco mil, para fins de não realizarem a autuação. Constou, ainda, da exordial que representantes da empresa pediram prazo para pensarem a respeito, o que foi aceito pelos réus que, entretanto, passaram a pressioná-los para entregar-lhes a quantia solicitada. Os prepostos, então, fizeram contato com a Superintendência do IBAMA em Mato Grosso do Sul que, a sua vez, comunicou os fatos à Superintendência da Polícia Federal no Estado que, instaurado inquérito policial e mediante autorização judicial, passou a monitorar, mediante ação controlada, o desenrolar das tratativas, até que ajustada a entrega do valor exigido. Narrou o autor da ação que, na data combinada, um dos prepostos da empresa entregou ao corréu PAULO BERNARDINO a quantia exigida, ensejando imediata prisão em flagrante, “ocasião em que o réu Paulo Bernardino efetuou ligação ao réu Ramiro para que o mesmo fosse ao local da entrega do dinheiro, ocasião em que o mesmo também foi preso em flagrante”, já que “o réu Paulo Bernardino afirmou que o dinheiro seria dividido com o réu Ramiro”. Acrescentou, ainda, “que os réus, quando da abordagem às vítimas, davam a entender que a propina seria destinada a outros servidores do ente público, a quem o primeiro réu, sr Paulo, referia-se a chefão. Com isso, os réus maculavam todos os agente públicos do ente federal e, por conseguinte, a honra objetiva da própria entidade, causando-lhe dano moral imensurável que deve ser integralmente ressarcido”. Aduziu o IBAMA que os corréus agiram com dolo e má-fé, buscando enriquecimento ilícito próprio e violando princípios da administração pública, incidindo no disposto nos artigos 9º, caput, I e X, e 11, caput, I e II, da Lei 8.429/1992, pelo que requereu condenação cumulativa dos requeridos ao pagamento de cinquenta mil reais para cada réu, a título de compensação dos danos morais sofridos; perda do cargo ou função que ocupavam na época dos fatos; suspensão dos direitos políticos por dez anos; pagamento de multa civil de cem vezes o valor da última remuneração percebida no cargo que ocupavam à época dos fatos; e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. No exame das condutas ímprobas imputadas na espécie, cumpre destacar que, conquanto ainda pendentes de publicação acórdão e inteiro teor do paradigma julgado pela Suprema Corte (ARE 843.989: Tema 1.199), é possível extrair de publicações oficiais relacionados ao julgamento a tese de que "Diante da revogação expressa do texto legal anterior, não se admite a continuidade de uma investigação, uma ação de improbidade, ou uma sentença condenatória por improbidade com base em uma conduta culposa não mais tipificada legalmente. Entretanto, a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não implica a extinção automática das demandas, pois deve ser precedida da verificação, pelo juízo competente, do exato elemento subjetivo do tipo: se houver culpa, não se prosseguirá com o feito; se houver dolo, prosseguir-se-á. Essa medida é necessária porque, na vigência da Lei 8.429/1992, como não se exigia a definição de dolo ou culpa, muitas vezes a imputação era feita de modo genérico, sem especificar qual era o elemento subjetivo do tipo” (grifamos, Informativo STF 1.065, de 02/09/2022). Logo, as alterações promovidas pela nova Lei 14.230/2021 nos tipos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, com supressão ou inclusão de elementos objetivos ou subjetivos, aplicam-se a atos ímprobos praticados na vigência da redação anterior da lei, desde que sem condenação transitada em julgado, como no caso, “em virtude da revogação expressa do texto anterior” nestas hipóteses (https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=492606, notícia veiculada em 18/08/2022). Em convergência com tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já havia, anteriormente, na fixação da Tese 1.108 (“A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública”), considerado, na fundamentação dos paradigmas em curso (REsp’s 1.926.832, 1.930.054 e 1.913.638, julgados em 11/05/2022), as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 nos tipos legais de improbidade administrativa, como revelado na ementa de um dos respectivos acórdãos: REsp 1.926.832, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 24/05/2022: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. IMPROBIDADE. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR TEMPORÁRIO. AUTORIZAÇÃO. LEI LOCAL. DOLO. AFASTAMENTO. 1. Em face dos princípios a que está submetida a administração pública (art. 37 da CF/1988) e tendo em vista a supremacia deles, sendo representantes daquela os agentes públicos passíveis de serem alcançados pela lei de improbidade, o legislador ordinário quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões político-administrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento. 2. A questão central objeto deste recurso, submetido ao regime dos recursos repetitivos, é saber se a contratação de servidores temporários sem concurso público, baseada em legislação municipal, configura ato de improbidade administrativa, em razão de eventual dificuldade de identificar o elemento subjetivo necessário à caracterização do ilícito administrativo. 3. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, desde há muito, a contratação de servidores públicos temporários sem concurso público baseada em legislação local afasta a caracterização do dolo genérico para a configuração de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública. 4. O afastamento do elemento subjetivo de tal conduta dá-se em razão da dificuldade de identificar o dolo genérico, situação que foi alterada com a edição da Lei n. 14.230/2021, que conferiu tratamento mais rigoroso para o reconhecimento da improbidade, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.429/1992, em que é necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado. 5. Para os fins do art. 1.039 do CPC/2015, firma-se a seguinte tese: "A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública."6. In casu, o Tribunal de origem manteve a sentença que condenou os demandados, mesmo levando em conta a existência de leis municipais que possibilitavam a contratação temporária dos servidores apontados nos autos, sem a prévia aprovação em concurso público, motivo pelo qual o acórdão deve ser reformado. 7. Recurso especial provido.” (grifamos) Neste contexto e nos limites da devolução, tem-se que a atual redação da Lei 8.429/1992, no que retroativamente aplicável ao caso conforme Tese 1.199/STF e fundamentação supramencionada, excluiu a caracterização de improbidade administrativa pela prática de ato culposo, como antes previa o respectivo artigo 10 - o que, na espécie dos autos, se afigura irrelevante, já que os atos ímprobos ora imputados encontram tipificação em dispositivos diversos da Lei de Improbidade Administrativa (artigos 9º e 11) -, assim como deixou de conter, no artigo 11, tipo aberto, não mais admitindo, para tipificação, qualquer ação ou omissão que violasse princípios da administração pública, a exemplo das figuras elencadas nos respectivos incisos, que constituíam mero rol exemplificativo, permitindo, inclusive, imputação de ato ímprobo com lastro apenas no caput do artigo. Na atual redação, porém, a caracterização da violação aos princípios administrativos deve decorrer necessariamente de condutas descritas nos respectivos incisos, tornando, pois, exaustivo e taxativo o respectivo rol. No caso dos autos, a inicial imputou aos réus condutas ímprobas tipificadas nos artigos 9º, caput, I e X, e 11, caput, I e II da Lei 8.429/1992: “ Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; [...] X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; [...] Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)” Especificamente quanto à imputação de violação a princípios da Administração Pública, em razão da alteração e revogação, respectivamente, do caput e incisos I e II do artigo 11, LIA, cabe salientar que, apesar de admitir a jurisprudência da Corte Superior o enquadramento do ato ímprobo em dispositivo diverso do indicado na inicial (MS 14.045, Rel. Min. NAPOLEÃO MAIA, DJe 29/04/2010: “É pacífico, no âmbito desta Corte, o entendimento de que "o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados, e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o Processo Administrativo Disciplinar; a descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa."), é relevante considerar que as condutas imputadas aos réus na inicial da presente ação não se enquadram, porém, em quaisquer das atuais tipificações previstas nos incisos taxativos do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000) (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência) IX - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) X - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)” Ainda, no aspecto subjetivo da tipicidade legal, a nova redação da LIA passou a exigir, inclusive, especial intento do agente ímprobo de obter proveito ou benefício indevido próprio ou para outrem, conforme previsto nos parágrafos do artigo 11, com disposições aplicáveis a quaisquer atos de improbidade administrativa: “Art. 11. [...] § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)” (grifamos) Na espécie, consta dos autos que os réus PAULO BERNARDINO DE SOUZA e RAMIRO JULIANO DA SILVA, à época, agentes fiscais do IBAMA, agindo com unidade de desígnios, simularam fiscalização ambiental na Madeireira Pazinha Ltda. e, a pretexto de irregularidades verificadas, exigiram cinco mil reais para não autuar, multar ou embargar a empresa e apreender o estoque, em tese, irregular. Segundo se apurou – conforme prova material e oral convergentes, produzidas na presente ação, bem como no processo administrativo disciplinar e inquérito policial instaurados para apuração dos mesmos fatos –, os réus, em conjunto e sem respaldo em ordem de fiscalização ou determinação superior, adentraram na empresa em 17/05/2011 e solicitaram documento de comprovação do estoque de madeira existente em depósito. Foram atendidos por funcionário da madeireira que apresentou o documento solicitado e reportou a situação a Rodrigo Rosa Pasa, filho dos donos e responsável pela empresa na ocasião, em razão de viagem dos pais. Por conta de sua pouca experiência no trabalho, Rodrigo Pasa pediu ajuda a Celso Almeida Martins, amigo da família com experiência no mesmo ramo de negócios, que foi até o local. Depois de discutirem sobre eventuais irregularidades no quantitativo de madeira em estoque comparado com o declarado à autarquia, bem como na existência de outro depósito não reportado ao IBAMA, Rodrigo Pasa adentrou no escritório para tratar com o financeiro da empresa a respeito do apontado pelos fiscais, enquanto estes permaneceram no pátio da madeireira conversando com Celso Martins. Neste momento, os réus informaram que não levariam adiante a fiscalização se lhes fosse entregue a quantia de cinquenta mil reais, depois reduzida para cinco mil reais. A proposta foi comunicada por Celso Martins a Rodrigo Pasa, que tentou ganhar tempo até o retorno de seus pais. Contudo, nos dias seguintes, Rodrigo Pasa e Celso Martins passaram a receber ligações do réu PAULO BERNARDINO cobrando o valor exigido, quando então decidiram levar o fato a conhecimento de autoridades do IBAMA, o que ocorreu em conversa com Marcio Ferreira Yule e Alexandre de Matos Martins Pereira, Superintendente Substituto e funcionário da autarquia, respectivamente, que presenciaram, durante a narrativa, ligação em viva-voz de PAULO BERNARDINO dirigida a Rodrigo Pasa, cobrando a resolução do negócio. Foi então que todos se dirigiram à Polícia Federal e, orientado pelo Delegado Marcelo Alexandrino de Oliveira, Rodrigo Pasa ligou para o réu PAULO BERNARDINO e combinou a entrega do valor para o dia seguinte, em operação a ser acompanhada por agentes policiais, mediante autorização judicial de ação policial controlada, com captação de escuta ambiental (ID 87014888, f. 3/6). Em 26/05/2011, em frente a uma agência bancária, conforme combinado, Rodrigo Pasa entrou no veículo do réu PAULO BERNARDINO e entregou-lhe envelope com o valor exigido em dinheiro, cujas cédulas já haviam sido copiadas pela polícia (ID 87014466, f. 2/8 e ID 87014467, f. 1), sendo preso em flagrante. Minutos depois, para receber sua parte no negócio e sem saber da prisão do comparsa, compareceu ao mesmo local o réu RAMIRO JULIANO, quando também foi preso em flagrante. Com efeito, corroborando que a fiscalização empreendida na madeireira por ambos os réus tinha o fim específico de extorquir a empresa, cabe destacar o testemunho de Celso Almeida Martins no bojo do PAD/IBAMA, em 06/06/2011, rico em detalhes, pois os fatos ainda eram bem recentes: “[...] Durante o debate, o sr PAULO BERNARDINO, tendo em vista, grande quantidade de funcionários e o movimento da atividade inerente à empresa próximo ao grupo, solicita que o grupo se dirija ao escritório; que ao se dirigirem ao escritório os servidores do IBAMA foram na viatura e pararam próximo à entrada lateral da empresa, dentro do pátio da mesma, o depoente e o sr Rodrigo, e seu irmão, chegaram alguns momentos depois dos fiscais, enquanto entravam no escritório da empresa o servidor PAULO BERNARDINO pede à funcionária Gislaine que chame ‘o baixinho’, que seria o depoente; que o depoente se dirige à viatura parando ao lado de PAULO BERNARDINO, sendo que o sr RAMIRO JULIANO se encontrava do outro lado da viatura, e retomando o debate sobre os relatórios e medição, o depoente afirmou ao servidor PAULO BERNARDINO que a medição requerida demandaria um prazo de dez ou quinze dias, ao que PAULO BERNARDINO respondeu dizendo que poderiam resolver de outra forma. Como o servidor não estaria sozinho na ação, e deveria prestar satisfação a seus superiores, a que ele chamou de chefão, solicitou então ao depoente a quantia de cinquenta mil reais, e o depoente retrucou que este valor ‘não existe’ e que não poderia resolver desta forma; que após um curto período de silêncio o servidor PAULO BERNARDINO solicita o valor de cinco mil reais, para ver o que poderia fazer em relação ao prazo solicitado pela empresa, [...] que em conversa com o sr Rodrigo, ao informar do que havia sido proposto pelo servidor PAULO BERNARDINO, o sr Rodrigo lhe disse que não tomaria nenhuma atitude na ausência de seu pai [...] tal decisão foi informada pelo depoente ao fiscal PAULO BERNARDINO [...] que a negociação se referia à concessão por parte do fiscal de um prazo maior para entregar o levantamento do pátio, porém o sr PAULO BERNARDINO insistia em que o dinheiro fosse pago antes do fim do prazo” (ID 87014474, f. 1). A participação do corréu RAMIRO JULIANO no ilícito restou inconteste nos autos. Ainda na inquirição de 06/06/2011, Celso Almeida Martins continuou: “durante toda esta conversa, o sr RAMIRO JULIANO DA SILVA não participou da negociação, sem falar em valores ou qualquer assunto relacionado com o depoente, porém pela proximidade escutou e acompanhou toda a negociação; que de volta ao escritório, desta vez acompanhado dos fiscais, o depoente põe novamente a par da situação o sr Rodrigo, neste momento o sr PAULO BERNARDINO conversa com o sr Rodrigo, e é informado por este que além de não possuir o valor combinado de cinco mil reais, preferia que seu pai fosse o responsável pela decisão final, diante da concordância de PAULO BERNARDINO com a condição de que tal decisão ocorresse em breve, encerrou-se a negociação; o depoente reforça que, mesmo presente e em silêncio, o servidor RAMIRO acompanhou toda a negociação [...] que pode afirmar com certeza que o sr RAMIRO JULIANO se encontrava dentro do escritório onde ocorreu parte da negociação” (grifamos, ID 87014474, f. 1/2 e 5). Também, no próprio dia do flagrante delito, o Delegado de Polícia Federal Marcelo Alexandrino de Oliveira declarou que, quando da prisão de PAULO BERNARDINO, “em entrevista, este confessou ao depoente que RAMIRO viria até o local para receber sua parte da propina; que então o depoente solicitou a PAULO que ligasse para RAMIRO, pedindo que o mesmo viesse até o local onde se encontravam; que viu quando RAMIRO chegou ao local e ligou para PAULO BERNARDINO; que o depoente acompanhou o encontro de PAULO BERNARDINO com RAMIRO, momento em que deu voz de prisão a RAMIRO” (grifamos, ID 87014459, f. 10). Em Juízo, a testemunha confirmou que, dada a ordem de prisão a PAULO BERNARDINO, questionou-lhe sobre RAMIRO JULIANO, recebendo a resposta de que ele ainda viria, então pediu que o PAULO BERNARDINO ligasse para RAMIRO JULIANO, para comparecer ao local, o que foi feito na presença do delegado, com a seguinte conversa: “olha, já estou aqui, já recebi o negócio”, “já deu certo, já estou com o negócio aqui, vem que estou aqui em frente ao Banco do Brasil” (ID 87015195). Em convergência, na degravação da escuta ambiental judicialmente autorizada na ação controlada da Polícia Federal para prisão em flagrante dos réus, restou transcrito, na conversa de PAULO BERNARDINO com Rodrigo Pasa, que “não, não, pode ficar sossegado, só vô chegar e passar pro pessoal também que tá sabendo né?” (ID 87014914, f. 4/9). Inclusive em interrogatório na Polícia Federal, PAULO BERNARDINO confessou os fatos com todos os detalhes e confirmou “que o dinheiro que foi entregue ao interrogado seria repartido pela metade com RAMIRO; que RAMIRO tinha conhecimento de todos os fatos aqui narrados” (grifamos, ID 87014465, f. 4). Ainda que o réu não tenha assinado tal depoimento, foi colhido na presença não apenas dos policias como também de três servidores do IBAMA, que foram convocados para o ato, inclusive superiores hierárquicos que, confirmaram a regularidade do ato – “como estava como superintendente, convocou o chefe imediato deles, Mario Rubbo, e a chefe substituta da Divisão Jurídica do IBAMA, acompanhando o interrogatório deles. O interrogatório correu normalmente para os dois” (Marcio Ferreira Yulle, ID 87015196). Sobre tal ocorrência, PAULO BERNARDINO declarou, em Juízo, que, na ocasião do interrogatório policial, “não sabia nem o que estava falando. Na hora que eu li mesmo, que caiu a ficha, assim que eu fui ler o depoimento, eu não assinei”, porém, questionado especificamente se na ocasião “contou tudo como aconteceu lá”, respondeu: “foi o que eu contei, sei lá, o que perguntava eu respondia, mas... tanto que não assinei”, “eu devo ter falado, mas na hora que eu li ele mesmo, quando caiu a ficha que eu li, eu não assinei” (ID 87015189). Observou, pertinentemente, a comissão processante no processo administrativo disciplinar que redundou na demissão dos réus (ID 87014900, f. 3 e 5) que, “com relação ao depoimento de Rodrigo, o fato de ele ter afirmado que RAMIRO não lhe solicitou dinheiro, não significa que RAMIRO estivesse alheio à negociação. Como é possível que um servidor público federal com anos de experiência em fiscalização, ex-Gerente Executivo do IBAMA em uma região famosa pela conturbada relação de empresários versus IBAMA, se deixaria envolver, inocentemente, num esquema de concussão e propina, ao acompanhar um servidor, com quem não tem intimidade, numa ação fiscalizatória sem ordem de fiscalização, sendo ele quem deu a ideia de fiscalizar a empresa, sem acompanhar os trâmites de toda a ação? Seria o cúmulo da irresponsabilidade e incompetência propor a fiscalização na empresa e ficar alheio ao que seu colega conversa com o empresário ou às consequências legais dessa ação. [...] Afirmar que já recebeu oferecimento de propina em Juína-MT, à época em que foi Gerente do IBAMA naquela localidade, e que o empresário foi preso após denúncia ao MPF, mais um vez demonstra ter experiência suficiente para não permitir que um colega solicite propina em uma ação simples em que só os dois participam, sem seu conhecimento. Vale sempre ressaltar que para RAMIRO JULIANO, PAULO é apenas um colega, não há entre eles amizade ou relação de confiança plena” (ID 87014917, f. 13 e 16). Realmente, o próprio corréu RAMIRO JULIANO admitiu que foi dele a iniciativa de fiscalizar, mesmo sem a respectiva ordem, a Madeireira Pazinha, a pretexto de ter havido, em outra ação fiscalizatória anterior, denúncias de irregularidades na empresa (ID 87014465, f. 6/8). Contudo, a tese de atuação funcional regular restou absolutamente infirmada nos autos. O próprio corréu RAMIRO JULIANO afirmou “que, havendo alguma irregularidade na organização do pátio, deve-se notificar a empresa para que organizem seu estoque, por essência, e em caso de diferença entre o pátio declarado e o real, deve-se autuar a empresa” (ID 87014476, f. 4), o que não ocorreu. A testemunha Antonio Carlos Shunke, fiscal do IBAMA, colega dos réus, confirmou que o procedimento adequado à situação seria notificar a empresa a apresentar a documentação necessária e, questionada especificamente se é normal dar prazo de uma semana para regularização, conversando informalmente com a pessoa, sem documentar nada a respeito, respondeu que “não ficaria conversando não” (ID 87015191). Também Erivaldo Correia da Silva, outro colega de trabalho dos réus, afirmou que, havendo necessidade de medição de estoque e sendo os agentes presentes insuficientes para tanto, o normal seria voltar ao IBAMA e avisar a chefia, para montar equipe para o levantamento necessário, sendo dispensado qualquer outro relatório que não o próprio documento já apresentado pela empresa no momento da abordagem inicial (ID 87015194). O próprio corréu PAULO BERNARDINO declarou, no PAD/IBAMA, que, “devido à ausência de ordem de fiscalização, o procedimento correto, que seria autuação, apreensão da madeira irregular e embargo da empresa, não foi feito [...] que não comunicou nem verbalmente a situação da empresa a sua chefia” (grifamos, ID 87014475, f. 15), contrariando, diretamente, a versão de RAMIRO JULIANO em Juízo, no sentido de que, após fiscalização in loco na madeireira, os réus retornaram ao IBAMA e teriam informado "o chefe de fiscalização, Mário” (ID 87015190). Mário Eugênio Rubbo, superior imediato dos réus, também contradizendo a versão de RAMIRO JULIANO, afirmou, “que não determinou ação fiscalizatória na empresa Pazinha em nenhum momento; que não foi comunicado de forma nenhuma da existência de irregularidades na empresa Pazinha pelos fiscais PAULO BERNARDINO DE SOUZA e RAMIRO JULIANO DA SILVA; que não foi comunicado pelos acusados de que pendências existentes da Operação Térmitas seriam fiscalizadas em nenhum momento [...] que não foi informado, nem posteriormente, que houve ação na empresa Pazinha [...] no caso da empresa Pazinha, os acusados não tinham autonomia para agirem sem a devida ordem de fiscalização, pois não se tratava de uma emergência ambiental [...] principalmente porque em momento algum foi comunicado ao chefe da DIPAM a existência de tais irregularidades, nem havia uma situação como uma saída de carga ilegal que implicasse necessidade da imediata intervenção” (grifamos, ID 87014477, f. 4 e 6). Marcio Ferreira Yule, Superintende Substituto do IBAMA, por sua vez, confirmou que “o procedimento normal para uma ação fiscalizatória seria que esta somente ocorreria diante de uma ordem de fiscalização, porém sabe que qualquer servidor público, não só fiscal, diante de uma irregularidade, deve tomar providências ou solicitar providências a quem tenha atribuição para tal” (ID 87014473, f. 1/2), tendo declarado, ainda, que o IBAMA trabalha com ordem de serviço, mas há possibilidade de realizar fiscalização, autuação ou embargo em situação de flagrância, fazendo o relatório imediatamente; não há possibilidade de tentativa de regularização verbal, porque existem o termo de notificação, termo de embargo, entre outros, para resolver o ilícito formalmente (ID 87015196). No mesmo sentido concluiu a comissão processante no relatório final do processo administrativo disciplinar (ID 87014897, f. 1/2; ID 87014898, f. 6, 9, 13, 15/6; e ID 87014917, f. 13): “Tanto em seu depoimento junto à Polícia Federal quanto junto a esta Comissão [...] ambos os indiciados admitiram que a fiscalização na empresa Madeireira Pazinha Ltda ocorreu sem que houvesse ordem de fiscalização ou determinação superior, mesmo que informal, e que a fiscalização se daria com base em uma suspeita de RAMIRO de que a empresa estivesse irregular. Nesses mesmos depoimentos os servidores afirmam não terem efetuado vistoria na empresa se limitando a solicitar apresentação de relatórios e levantamento físico do pátio da empresa. Vale ressaltar que tal solicitação foi apenas verbal, sem lavratura de notificação, que é o documento oficial para tal propósito, e ainda que, nem mesmo após a visita à empresa, o chefe da DIPAM foi comunicado das alegadas irregularidades na empresa e a ‘ação’ dos fiscais [...] [...] Vale lembrar sempre que NÃO É um procedimento padrão, ou mesmo um procedimento aceitável, que um servidor do IBAMA ligue para um empresário ou infrator cobrando resposta de uma ação fiscalizatória que deveria estar oficializada em forma de notificação, e principalmente chamando essa resposta de ‘negócio’. [...] [...] mesmo que a empresa estivesse de fato irregular, que seu pátio seja de fato clandestino, e que exista uma imensa divergência entre o pátio real e o declarado pela empresa, nada disso dá legalidade aos atos do defendente e seu companheiro de fiscalização, que não deram publicidade aos seus atos, não deixaram clara a motivação, não deram ciência à chefia imediata, não agiram com legalidade e menos ainda foram fiéis à instituição a que deveriam servir. [...] [...] o defendente não apresentou, nem mesmo em sua defesa escrita, qualquer documento lavrado por si ou seu colega PAULO BERNARDINO referente à fiscalização. [...] [...] o defendente RAMIRO JULIANO DA SILVA, juntamente com o outro indiciado, ao arrepio das normas legais, sem dar publicidade e sem comunicar aos seus superiores as alegadas irregularidades existentes na empresa, efetuaram ação a que chamaram de ‘fiscalização’, porém que em nada se enquadrava na fiscalização dentro do que determinam as normas. A saber: a) foram à empresa sem ordem de fiscalização e/ou determinação oficial (despacho em processo ou documento, por exemplo); b) supostamente encontraram diversas irregularidades, todavia nenhum termo sequer foi lavrado; d) [sic] mesmo que a ação decorresse de um dano ambiental iminente ou evidente, o que não ocorreu, após a ação deveriam ter informado seus superiores e isso nunca ocorreu; e) trataram do assunto por telefone por diversas vezes com o suposto infrator, sem oficializar o que o infrator deveria apresentar ao IBAMA, nem prazos e nem motivos. [...] [...] o fato de existirem irregularidades na empresa Pazinha Ltda não poderia ser considerado como atenuante ou justificativa para os atos dos dois servidores indicados neste processo. Deve sim ser considerado como agravante e prova cabal de que os servidores estiveram na empresa não para atuar em prol do órgão ambiental ou em cumprimento à legislação, e sim em interesses próprios e escusos, mais claro ainda quando vemos que os servidores evitaram ao máximo a ciência dessa ação por parte de seus superiores ao tratar por telefone particular e em locais que não a repartição ou o escritório da empresa.” (grifamos) Assim, bem lançada a sentença no que concluiu que “RAMIRO não só sabia da exigência indevida feita por PAULO, como dela participou, planejando-a com o seu colega de fiscalização e supervisionando a execução, embora nos atos executórios diretos tenha se mantido na retaguarda de PAULO, esperando que este recebesse a vantagem ilícita e lhe repassasse a sua parte” (grifamos, ID 87015187, f. 82). De fato, como se observa da narrativa fática exposta, fartamente lastreada na prova dos autos, RAMIRO JULIANO foi ao encontro de PAULO BERNARDINO para receber a respectiva parte da propina, legitimando a prisão em flagrante, ao contrário do alegado. Aduziu o apelante que atendeu ao chamado de PAULO BERNARDINO, comparecendo ao local do flagrante, para tratar de assunto relacionado à “formação da equipe que viajaria em operação para Mato Grosso” (ID 87014476, f. 6) e, entendendo que era sobre tal viagem, saiu do IBAMA e foi até o Banco do Brasil encontrar PAULO BERNARDINO, quando foi preso, justificando que “fui na intenção de que ele estivesse resolvendo as questões das passagens e viagem”. Ao ser indagado, porém, se tais questões não seriam resolvidas por sistema ou como tais questões seriam resolvidas na rua, em frente à agência bancária, afirmou tão somente, sem maiores explicações, que “eu entendi que eram essas as informações que ele queria passar” (ID 87015190). No entanto, mais uma vez, contrariando a versão do corréu, PAULO BERNARDINO declarou expressamente, em 07/06/2011, poucos dias após a prisão, que “RAMIRO JULIANO não faria parte da equipe que viajaria para o norte do Mato Grosso, junto com o depoente” (ID 87014475, f. 15). Ademais, a própria colega de trabalho dos réus, a testemunha Indelécia Barbosa dos Santos declarou em Juízo que o procedimento de diárias e passagens já era, em 2011, realizado pelo sistema (ID 87015193). Não se trata, portanto, de ilações. O corréu PAULO BERNARDINO admitiu, na polícia, que o dinheiro recebido seria repartido com RAMIRO JULIANO (ID 87014465, f. 4), assim como o delegado que deu ordem de prisão aos réus confirmou que, na ligação em que RAMIRO JULIANO foi chamado para comparecer ao local da entrega do dinheiro, PAULO BERNARDINO falou ao comparsa: “olha, já estou aqui, já recebi o negócio”, “já deu certo, já estou com o negócio aqui, vem que estou aqui em frente ao Banco do Brasil” (ID 87015195). Não se cogita, pois, de qualquer vício na prisão em flagrante dos réus, questão, inclusive, já superada, em razão de anterior pronunciamento expresso da Corte na ação penal que manteve a condenação de RAMIRO JULIANO e PAULO BERNRDINO pelo crime de concussão (“Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”): Ap. 0005412-46.2011.4.03.6000, Rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, e-DJF3 28/01/2019: “PENAL. PROCESSO PENAL. DELITO DE CONCUSSÃO (CP, ART. 316). MATERIALIDADE. AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA MANTIDA. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS. 1. Na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, a defesa do corréu nada requereu. Deferida a diligência requerida pelo segundo réu, o Juízo a quo deu vista às partes, para ciência e manifestação acerca dos informações e documentos juntados aos autos. Em manifestação, a defesa requereu a produção de prova que em nada se relaciona com as informações e documentos juntados aos autos, restando injustificado seu extemporâneo requerimento. 2. As versões apresentadas pelos acusados não se sustentam em quaisquer elementos dos autos. Não esclarecem os réus as razões da suposta fiscalização da empresa, a ausência de formalização posterior da diligência realizada e o prazo que teria sido concedido "verbalmente" para a apresentação de relatório ("levantamento de madeira"). Não apresentam, ainda, justificativa crível para os contatos telefônicos mantidos com o responsável pela empresa e para o encontro com ele marcado em frente a uma agência bancária. A ação controlada foi autorizada judicialmente e as provas dos autos foram submetidas ao contraditório e não infirmadas pelos réus. Não prospera a afirmação do réu de que sua prisão em flagrante teria sido forjada. Conforme ressaltou o Juízo a quo, o réu era servidor do IBAMA desde 1998, ou seja, tinha pleno conhecimento de que participava de fiscalização oficiosa e irregular. Ademais, não é verossímil a afirmação de que teria ido ao encontro do corréu, também fiscal do IBAMA, em frente a uma agência bancária para "tratar de diárias e passagens". A "autonomia dos fiscais" do IBAMA não lhes confere a prerrogativa de atuarem discricionária e oficiosamente, sem registro e comunicação de suas atividades. 2. As declarações das testemunhas, o reconhecimento fotográfico dos réus e a circunstância de inexistir ordem de fiscalização da segunda empresa são suficientes à manutenção da condenação em relação ao segundo fato imputado aos réus. 3. No que diz respeito ao terceiro fato imputado, não há prova suficiente de que o réu esteve na sede da empresa sem estar de posse de ordem formal de fiscalização, como ocorreu em relação aos fatos anteriores. A circunstância de a testemunha ter afirmado que o dinheiro foi entregue em frente à agência bancária (local também utilizado para os pagamentos referidos nos dois fatos anteriores) não é prova suficiente para sua condenação. 4. Dosimetria das penas mantidas. 5. Apelações criminais não providas.” (grifamos) A propósito, diante do contexto fático, probatório e jurídico dos autos, cabe registrar que dispõe o Código Civil que “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal” (grifamos). Portanto, por todo o exposto, restaram devidamente configurados, no presente caso, os atos de improbidade administrativa praticados pelos réus, conforme previsto no artigo 9º, caput, I e X, da Lei 8.4229/1992, a justificar a aplicação das sanções previstas no artigo 12, I, do mesmo diploma legal, tal como fixado e fundamentado pela sentença, quase todas aquém do máximo legal e pleiteado na inicial, sem, pois, violação à razoabilidade ou proporcionalidade. Destaque-se, a tal respeito, que não procede a alegação do apelante no sentido de que a sanção de multa civil somente é cabível na hipótese de dano ao patrimônio público, pois o artigo 12 da Lei 8.4229/1992 prevê expressamente, em todos os seus incisos a aplicação de tal penalidade, inclusive no inciso I, referente à “hipótese do art. 9º”, como na espécie, “independentemente do ressarcimento integral do dano” ao erário (caput), sequer pleiteado na presente ação. Ademais, conforme artigo de autoria do Ministro JOSÉ AUGUSTO DELGADO, do Superior Tribunal de Justiça, intitulado “Improbidade Administrativa: algumas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa”, o rol de sanções previstas no artigo 37, § 4º, CF não é taxativo, inexistindo vedação constitucional à instituição, por lei ordinária infraconstitucional, de outras sanções extrapenais por atos ímprobos (https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/informativo/author/proofGalleyFile/404/363, f. 2/3). Destaque-se, a propósito, que a LIA encontra-se em vigor desde 1992, sem que houvesse, desde então, qualquer pronunciamento judicial de inconstitucionalidade material da sanção de multa civil prevista nos incisos do respectivo artigo 12. No tocante à multa civil – fixada em R$ 7.500,00 para cada réu, considerando a vantagem indevida envolvida no ilícito imputado -, a referência abstrata à ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade não autoriza reforma, já que a dosimetria foi motivada no exame das circunstâncias legais do caso concreto, nada sendo, de específico, alegado e comprovado acerca de eventual descumprimento da legislação ou vício nos termos genéricos apontados. A pena de demissão do apelante, imposta no processo administrativo disciplinar no âmbito do IBAMA, já foi objeto de pleito de anulação na ação ordinária 0001345-33.2014.4.03.6000, julgada improcedente na Corte, com acórdão assim ementado: ApCiv 0001345-33.2014.4.03.6000, Rel. Des. Fed. WILSON ZAUHY, Intimação via sistema 14/04/2022: “DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. IBAMA. DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE QUE A DECISÃO FOI CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. ÔNUS PROBATÓRIO DO QUAL O AUTOR NÃO SE DESINCUMBIU. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. Pretende o autor a anulação da pena de demissão que lhe foi imposta, com sua consequente reintegração em cargo público, bem como a condenação da ré ao pagamento de todos os vencimentos e vantagens que deixou de aferir e de indenização por dano moral. 2. Em matéria de processo administrativo disciplinar, a decisão contrária às provas dos autos é ilegal; a apreciação destas provas pela autoridade, no entanto, se insere no mérito administrativo, de sorte que não é cabível a mera reapreciação judicial das provas valoradas administrativamente. Precedente desta Corte. 3. A sanção disciplinar foi motivadamente aplicada ao autor, que não logrou demonstrar a alegada contrariedade dessa decisão com as provas do processo administrativo disciplinar, de sorte que não é possível acolher seu pleito de anulação da pena. 4. Honorários advocatícios devidos pelo autor majorados para 12% sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no § 11 do artigo 85 do CPC/2015, observados os benefícios da gratuidade da justiça. 5. Apelação não provida.” (grifamos) Por fim, quanto à condenação dos réus em verba de sucumbência, a apelação, conforme já constou do acórdão embargado, deve ser provida para afastar a imposição de honorários advocatícios, a teor do artigo 18 da Lei 7.347/1985, em conformidade com a jurisprudência consolidada a respeito da matéria. Ante o exposto, acolho os embargos de declaração do IBAMA e Ministério Público Federal para afastar, face à superveniente jurisprudência da Suprema Corte, a decretação de ofício da prescrição intercorrente; dar parcial provimento à apelação para afastar a verba honorária nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985; negar provimento à remessa oficial, tida por submetida, nos termos da fundamentação; e julgar prejudicados os embargos de declaração do réu. É como voto.
APELADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEISArt. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. ADVENTO DA LEI 14.230/2021. IRRETROATIVIDADE DO NOVO REGIME PRESCRICIONAL. ARE 843.989. TESE 1.199. EXAME DO MÉRITO. REMESSA OFICIAL, TIDA POR SUBMETIDA, DESPROVIDA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO IBAMA E MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, PREJUDICADOS OS DO RÉU.
1. Os embargos de declaração do IBAMA e do Ministério Público Federal devem ser acolhidos, pois o acórdão embargado foi proferido anteriormente ao julgamento pela Suprema Corte do paradigma cuja aplicação se impõe, observada a própria ressalvada contida no exame anterior da espécie, devendo-se, diante de fato superveniente, adequar o aresto recorrido ao julgamento do ARE 843.989, em 18/08/2022, com eficácia vinculante, no qual restou definido que “o novo regime prescricional previsto na lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.
2. No exame das condutas ímprobas imputadas na espécie, cumpre destacar que, conquanto ainda pendentes de publicação acórdão e inteiro teor do paradigma julgado pela Suprema Corte (ARE 843.989: Tema 1.199), é possível extrair de publicações oficiais relacionados ao julgamento a tese de que "Diante da revogação expressa do texto legal anterior, não se admite a continuidade de uma investigação, uma ação de improbidade, ou uma sentença condenatória por improbidade com base em uma conduta culposa não mais tipificada legalmente. Entretanto, a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não implica a extinção automática das demandas, pois deve ser precedida da verificação, pelo juízo competente, do exato elemento subjetivo do tipo: se houver culpa, não se prosseguirá com o feito; se houver dolo, prosseguir-se-á. Essa medida é necessária porque, na vigência da Lei 8.429/1992, como não se exigia a definição de dolo ou culpa, muitas vezes a imputação era feita de modo genérico, sem especificar qual era o elemento subjetivo do tipo” (Informativo STF 1.065, de 02/09/2022). Logo, as alterações promovidas pela nova Lei 14.230/2021 nos tipos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, com supressão ou inclusão de elementos objetivos ou subjetivos, aplicam-se a atos ímprobos praticados na vigência da redação anterior da lei, desde que sem condenação transitada em julgado, como no caso, “em virtude da revogação expressa do texto anterior” nestas hipóteses. Em convergência com tal entendimento, o Superior Tribunal de Justiça já havia, anteriormente, na fixação da Tese 1.108 (“A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública”), considerado, na fundamentação dos paradigmas em curso (REsp’s 1.926.832, 1.930.054 e 1.913.638, julgados em 11/05/2022), as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 nos tipos legais de improbidade administrativa.
3. A atual redação da Lei 8.429/1992, no que retroativamente aplicável ao caso conforme Tese 1.199/STF e fundamentação supramencionada, excluiu a caracterização de improbidade administrativa pela prática de ato culposo, como antes previa o respectivo artigo 10 - o que, na espécie dos autos, se afigura irrelevante, já que os atos ímprobos ora imputados encontram tipificação em dispositivos diversos da Lei de Improbidade Administrativa (artigos 9º e 11) -, assim como deixou de conter, no artigo 11, tipo aberto, não mais admitindo, para tipificação, qualquer ação ou omissão que violasse princípios da administração pública, a exemplo das figuras elencadas nos respectivos incisos, que constituíam mero rol exemplificativo, permitindo, inclusive, imputação de ato ímprobo com lastro apenas no caput do artigo. Na atual redação, porém, a caracterização da violação aos princípios administrativos deve decorrer necessariamente de condutas descritas nos respectivos incisos, tornando, pois, exaustivo e taxativo o respectivo rol.
4. Especificamente quanto à imputação de violação a princípios da Administração Pública, em razão da alteração e revogação, respectivamente, do caput e incisos I e II do artigo 11, LIA, cabe salientar que, apesar de admitir a jurisprudência da Corte Superior o enquadramento do ato ímprobo em dispositivo diverso do indicado na inicial (MS 14.045, Rel. Min. NAPOLEÃO MAIA, DJe 29/04/2010: “É pacífico, no âmbito desta Corte, o entendimento de que "o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados, e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o Processo Administrativo Disciplinar; a descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa."), é relevante considerar que as condutas imputadas aos réus na inicial da presente ação não se enquadram, porém, em quaisquer das atuais tipificações previstas nos incisos taxativos do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa.
5. No aspecto subjetivo da tipicidade legal, a nova redação da LIA passou a exigir, ainda, especial intento do agente ímprobo de obter proveito ou benefício indevido próprio ou para outrem, conforme previsto nos parágrafos do artigo 11 (§§ 1º e 2º), com disposições aplicáveis a quaisquer atos de improbidade administrativa.
6. Consta dos autos que os réus PAULO BERNARDINO DE SOUZA e RAMIRO JULIANO DA SILVA, à época, agentes fiscais do IBAMA, agindo com unidade de desígnios, simularam fiscalização ambiental na Madeireira Pazinha Ltda. e, a pretexto de irregularidades verificadas, exigiram cinco mil reais para não autuar, multar ou embargar a empresa e apreender o estoque, em tese, irregular. Segundo se apurou – conforme prova material e oral convergentes, produzidas na presente ação, bem como no processo administrativo disciplinar e inquérito policial instaurados para apuração dos mesmos fatos –, os réus, em conjunto e sem respaldo em ordem de fiscalização ou determinação superior, adentraram na empresa em 17/05/2011 e solicitaram documento de comprovação do estoque de madeira existente em depósito. Foram atendidos por funcionário da madeireira que apresentou o documento solicitado e reportou a situação a Rodrigo Rosa Pasa, filho dos donos e responsável pela empresa na ocasião, em razão de viagem dos pais. Por conta de sua pouca experiência no trabalho, Rodrigo Pasa pediu ajuda a Celso Almeida Martins, amigo da família com experiência no mesmo ramo de negócios, que foi até o local. Depois de discutirem sobre eventuais irregularidades no quantitativo de madeira em estoque comparado com o declarado à autarquia, bem como na existência de outro depósito não reportado ao IBAMA, Rodrigo Pasa adentrou no escritório para tratar com o financeiro da empresa a respeito do apontado pelos fiscais, enquanto estes permaneceram no pátio da madeireira conversando com Celso Martins. Neste momento, os réus informaram que não levariam adiante a fiscalização se lhes fosse entregue a quantia de cinquenta mil reais, depois reduzida para cinco mil reais. A proposta foi comunicada por Celso Martins a Rodrigo Pasa, que tentou ganhar tempo até o retorno de seus pais. Contudo, nos dias seguintes, Rodrigo Pasa e Celso Martins passaram a receber ligações do réu PAULO BERNARDINO cobrando o valor exigido, quando então decidiram levar o fato a conhecimento de autoridades do IBAMA, o que ocorreu em conversa com Marcio Ferreira Yule e Alexandre de Matos Martins Pereira, Superintendente Substituto e funcionário da autarquia, respectivamente, que presenciaram, durante a narrativa, ligação em viva-voz de PAULO BERNARDINO dirigida a Rodrigo Pasa, cobrando a resolução do negócio. Foi então que todos se dirigiram à Polícia Federal e, orientado pelo Delegado Marcelo Alexandrino de Oliveira, Rodrigo Pasa ligou para o réu PAULO BERNARDINO e combinou a entrega do valor para o dia seguinte, em operação a ser acompanhada por agentes policiais, mediante autorização judicial de ação policial controlada, com captação de escuta ambiental. Em 26/05/2011, em frente a uma agência bancária, conforme combinado, Rodrigo Pasa entrou no veículo do réu PAULO BERNARDINO e entregou-lhe envelope com o valor exigido em dinheiro, cujas cédulas já haviam sido copiadas pela polícia, sendo preso em flagrante. Minutos depois, para receber sua parte no negócio e sem saber da prisão do comparsa, compareceu ao mesmo local o réu RAMIRO JULIANO, quando também foi preso em flagrante.
7. Com efeito, corroborando que a fiscalização empreendida na madeireira por ambos os réus tinha o fim específico de extorquir a empresa, cabe destacar o testemunho de Celso Almeida Martins no bojo do PAD/IBAMA, em 06/06/2011, rico em detalhes, pois os fatos ainda eram bem recentes: “que o depoente se dirige à viatura parando ao lado de PAULO BERNARDINO, sendo que o sr RAMIRO JULIANO se encontrava do outro lado da viatura, e retomando o debate sobre os relatórios e medição, o depoente afirmou ao servidor PAULO BERNARDINO que a medição requerida demandaria um prazo de dez ou quinze dias, ao que PAULO BERNARDINO respondeu dizendo que poderiam resolver de outra forma. Como o servidor não estaria sozinho na ação, e deveria prestar satisfação a seus superiores, a que ele chamou de chefão, solicitou então ao depoente a quantia de cinquenta mil reais, e o depoente retrucou que este valor ‘não existe’ e que não poderia resolver desta forma; que após um curto período de silêncio o servidor PAULO BERNARDINO solicita o valor de cinco mil reais, para ver o que poderia fazer em relação ao prazo solicitado pela empresa, [...]que a negociação se referia à concessão por parte do fiscal de um prazo maior para entregar o levantamento do pátio, porém o sr PAULO BERNARDINO insistia em que o dinheiro fosse pago antes do fim do prazo”.
8. A participação do corréu RAMIRO JULIANO no ilícito restou inconteste nos autos. Ainda na inquirição de 06/06/2011, Celso Almeida Martins continuou: “durante toda esta conversa, o sr RAMIRO JULIANO DA SILVA não participou da negociação, sem falar em valores ou qualquer assunto relacionado com o depoente, porém pela proximidade escutou e acompanhou toda a negociação; [...] reforça que, mesmo presente e em silêncio, o servidor RAMIRO acompanhou toda a negociação [...] que pode afirmar com certeza que o sr RAMIRO JULIANO se encontrava dentro do escritório onde ocorreu parte da negociação”. Também, no próprio dia do flagrante, o Delegado de Polícia Federal Marcelo Alexandrino de Oliveira declarou que, quando da prisão de PAULO BERNARDINO, “em entrevista, este confessou ao depoente que RAMIRO viria até o local para receber sua parte da propina” e, em Juízo, a testemunha confirmou que, dada a ordem de prisão a PAULO BERNARDINO, questionou-lhe sobre RAMIRO JULIANO, recebendo a resposta de que ele ainda viria, então pediu que o PAULO BERNARDINO ligasse para RAMIRO JULIANO, para comparecer ao local, o que foi feito na presença do delegado, com a seguinte conversa: “olha, já estou aqui, já recebi o negócio”, “já deu certo, já estou com o negócio aqui, vem que estou aqui em frente ao Banco do Brasil”. Em convergência, na degravação da escuta ambiental judicialmente autorizada na ação controlada da Polícia Federal para prisão em flagrante dos réus, restou transcrito, na conversa de PAULO BERNARDINO com Rodrigo Pasa, que “não, não, pode ficar sossegado, só vô chegar e passar pro pessoal também que tá sabendo né?”. Inclusive em interrogatório na Polícia Federal, PAULO BERNARDINO confessou os fatos com todos os detalhes e confirmou “que o dinheiro que foi entregue ao interrogado seria repartido pela metade com RAMIRO; que RAMIRO tinha conhecimento de todos os fatos aqui narrados”.
9. O próprio corréu RAMIRO JULIANO admitiu que foi dele a iniciativa de fiscalizar, mesmo sem a respectiva ordem, a Madeireira Pazinha, a pretexto de ter havido, em outra ação fiscalizatória anterior, denúncias de irregularidades na empresa. Contudo, a tese de atuação funcional regular restou absolutamente infirmada nos autos, pois as testemunhas, colegas de trabalho e superiores hierárquicos dos réus, assentaram que o procedimento adequado à situação seria notificar a empresa a apresentar a documentação necessária e avisar a chefia, para montar uma equipe para fazer o levantamento necessário. O próprio corréu PAULO BERNARDINO declarou, no PAD/IBAMA, que, “devido à ausência de ordem de fiscalização, o procedimento correto, que seria autuação, apreensão da madeira irregular e embargo da empresa, não foi feito [...] que não comunicou nem verbalmente a situação da empresa a sua chefia”, contrariando, diretamente, a versão de RAMIRO JULIANO em Juízo. Mário Eugênio Rubbo, superior imediato dos réus, também contradizendo a versão de RAMIRO JULIANO, afirmou, “que não determinou ação fiscalizatória na empresa Pazinha em nenhum momento; que não foi comunicado de forma nenhuma da existência de irregularidades na empresa Pazinha pelos fiscais PAULO BERNARDINO DE SOUZA e RAMIRO JULIANO DA SILVA; que não foi comunicado pelos acusados de que pendências existentes da Operação Térmitas seriam fiscalizadas em nenhum momento [...] que não foi informado, nem posteriormente, que houve ação na empresa Pazinha [...] no caso da empresa Pazinha, os acusados não tinham autonomia para agirem sem a devida ordem de fiscalização, pois não se tratava de uma emergência ambiental [...] principalmente porque em momento algum foi comunicado ao chefe da DIPAM a existência de tais irregularidades, nem havia uma situação como uma saída de carga ilegal que implicasse necessidade da imediata intervenção”.
10. Como se observa da narrativa fática exposta, fartamente lastreada na prova dos autos, RAMIRO JULIANO foi ao encontro de PAULO BERNARDINO para receber a respectiva parte da propina, legitimando a prisão em flagrante, ao contrário do alegado. Aduziu o apelante que atendeu ao chamado de PAULO BERNARDINO, comparecendo ao local do flagrante, para tratar de assunto relacionado à “formação da equipe que viajaria em operação para Mato Grosso” e, entendendo que era sobre essa viagem, saiu do IBAMA e foi até o Banco do Brasil encontrar PAULO BERNARDINO, quando foi preso, “fui na intenção de que ele estivesse resolvendo as questões das passagens e viagem”. Ao ser indagado, porém, se tais questões não seriam resolvidas por sistema ou como tais questões seriam resolvidas na rua, em frente à agência bancária, afirmou tão somente, sem maiores explicações, que “eu entendi que eram essas as informações que ele queria passar”. No entanto, mais uma vez, contrariando a versão do corréu, PAULO BERNARDINO declarou expressamente, em 07/06/2011, poucos dias após a prisão, que “RAMIRO JULIANO não faria parte da equipe que viajaria para o norte do Mato Grosso, junto com o depoente”. Ademais, a própria colega de trabalho dos réus, a testemunha Indelécia Barbosa dos Santos declarou em Juízo que o procedimento de diárias e passagens já era, em 2011, realizado pelo sistema.
11. Não se cogita, pois, de qualquer vício na prisão em flagrante dos réus, questão, inclusive, já superada, em razão de anterior pronunciamento expresso da Corte na ação penal que manteve a condenação de RAMIRO JULIANO e PAULO BERNRDINO pelo crime de concussão (“Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”): Ap. 0005412-46.2011.4.03.6000, Rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, e-DJF3 28/01/2019.
12. A propósito, diante do contexto fático, probatório e jurídico dos autos, cabe registrar que dispõe o Código Civil que “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.
13. Devidamente configurados, no presente caso, os atos de improbidade administrativa praticados pelos réus, conforme previsto no artigo 9º, caput, I e X, da Lei 8.4229/1992, a justificar a aplicação das sanções previstas no artigo 12, I, do mesmo diploma legal, tal como fixado e fundamentado pela sentença, quase todas aquém do máximo legal e pleiteado na inicial, sem, pois, violação à razoabilidade ou proporcionalidade.
14. Não procede a alegação do apelante no sentido de que a sanção de multa civil somente é cabível na hipótese de dano ao patrimônio público, pois o artigo 12 da Lei 8.4229/1992 prevê expressamente, em todos os seus incisos a aplicação de tal penalidade, inclusive no inciso I, referente à “hipótese do art. 9º”, como na espécie, “independentemente do ressarcimento integral do dano” ao erário (caput), sequer pleiteado na presente ação. Ademais, conforme artigo de autoria do Ministro JOSÉ AUGUSTO DELGADO, do Superior Tribunal de Justiça, intitulado “Improbidade Administrativa: algumas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa”, o rol de sanções previstas no artigo 37, § 4º, CF não é taxativo, inexistindo vedação constitucional à instituição, por lei ordinária infraconstitucional, de outras sanções extrapenais por atos ímprobos. Destaque-se, a propósito, que a LIA encontra-se em vigor desde 1992, sem que houvesse, desde então, qualquer pronunciamento judicial de inconstitucionalidade material da sanção de multa civil prevista nos incisos do respectivo artigo 12.
15. No tocante à multa civil – fixada em R$ 7.500,00 para cada réu, considerando a vantagem indevida envolvida no ilícito imputado -, a referência abstrata à ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade não autoriza reforma, já que a dosimetria foi motivada no exame das circunstâncias legais do caso concreto, nada sendo, de específico, alegado e comprovado acerca de eventual descumprimento da legislação ou vício nos termos genéricos apontados.
16. A pena de demissão do apelante, imposta no processo administrativo disciplinar no âmbito do IBAMA, já foi objeto de pleito de anulação em ação no qual já houve deliberação da Corte em desfavor da pretensão.
17. Embora procedente a ação civil pública, nos termos da fundamentação, não cabe impor verba honorária, a teor do artigo 18 da Lei 7.347/1985 e jurisprudência, a propósito, firmada.
18. Embargos de declaração do IBAMA e do Ministério Público Federal acolhidos para afastar prescrição intercorrente, negar provimento à remessa oficial, tida por submetida, e dar parcial provimento à apelação apenas para excluir a imposição de verba honorária; prejudicados os embargos de declaração do réu.