Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013727-84.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: TEREZINHA DE FATIMA PIRES VIEIRA GARCIA

Advogado do(a) APELADO: MAURICIO ZABOTI ROJO SILVA - SP329103-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013727-84.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: TEREZINHA DE FATIMA PIRES VIEIRA GARCIA

Advogado do(a) APELADO: MAURICIO ZABOTI ROJO SILVA - SP329103-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

 

Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade de trabalhador rural.

A sentença julgou procedente o pedido, concedendo a tutela de urgência para imediata implantação do benefício.

O INSS apelou, pugnando pela improcedência do pedido, e esta Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso (Id. 259610623 - Pág. 89/96).

Confira-se a ementa do julgado:

PREVIDENCIÁRIO. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVAS DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL INSUFICIENTES. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO CUMPRIDO.

- Não há nos autos provas suficientes que justifiquem o reconhecimento do exercício de atividade rural para efeito de aposentadoria por idade.

 - Cédula de identidade (nascimento em 31.10.1960).

- Certidão de casamento em 03.09.1982, qualificando o marido como lavrador. - Notas fiscais de produtor em nome do marido, de 1991, 1998, 1999 a 2001 e de 2012 a 2014.

- A Autarquia juntou consulta efetuada ao sistema Dataprev, constando que o marido cadastro como contribuinte individual, com recolhimentos efetuados, de 01.03.2005 a 31.01.2016.

- Os depoimentos das testemunhas são vagos e imprecisos quanto à atividade rural exercida pela autora.

- Embora a autora tenha completado 55 anos em 2015, a prova produzida não é hábil a demonstrar o exercício da atividade no campo, pelo período de carência legalmente exigido, segundo o artigo 142 da Lei 8.213/91, de 180 meses.

- A prova material é frágil e os depoimentos das testemunhas são vagos e imprecisos, não esclarecendo detalhes sobre a atividade campesina da requerente, apenas afirmando genericamente o labor rural.

- Dos documentos acostados aos autos não há comprovante de imóvel rural onde alegam ter laborado e qualquer documento em que pudesse se verificar a existência ou não de empregados.

- O marido possui cadastro como contribuinte individual e efetue recolhimentos de 2005 a 2006, descaracterizando o regime de economia familiar.

- O art. 39, II, da Lei n" 8.213/91, autoriza o segurado especial a realizar recolhimentos facultativos, o que não é o caso.

- O regime de economia familiar pressupõe que os membros da família trabalhem no imóvel rural, sem o auxílio de empregados, para sua própria subsistência, o que não ficou comprovado no presente feito.

- Não houve cumprimento dos requisitos exigidos pelos artigos 142 e 143 da Lei 8.213/91, segundo os quais, ainda que descontínuo, esse trabalho deve corresponder ao período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência.

- Apelação da Autarquia Federal provida.

 

A parte autora interpôs recurso especial.

O INSS, por sua vez, opôs embargos de declaração, alegando omissão, uma vez que o acórdão embargado nada dispôs sobre a necessidade de devolução dos valores pagos por força da decisão judicial reformada, ao qual foi negado provimento.

Esclareça-se que em seu apelo o INSS não pleiteou a repetição das prestações pagas em sede de antecipação da tutela, porém, em sede de embargos de declaração, ainda que improvidos, a matéria foi analisada (Id. 259610623 - Pág. 141/147).

Na sequência, o INSS interpôs recurso especial, objetivando o reconhecimento do seu direito ao recebimento dos valores que pagou por força da tutela antecipada posteriormente revogada.

Decisão prolatada pela Vice-Presidência desta Corte determinou  a devolução dos autos à Turma julgadora, para verificação da pertinência de se proceder ao juízo positivo de retratação na espécie, em razão da decisão proferida no julgamento do RESP n° 1.401.560/MT (integrada por embargos de declaração), processado segundo o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil de 1.973.

Esta  Oitava Turma, por unanimidade, decidiu, em sede de juízo de retratação, manter o v. acórdão (Id. 259610623 - Pág. 169/175).

O feito foi sobrestado até o deslinde final da Controvérsia n° 51/STJ, criada pelo Superior Tribunal de Justiça, com o escopo de verificar a aplicação, revisão ou distinção do Tema n° 692/STJ.

Nova decisão proferida pela Vice-Presidência desta Corte determinou  a devolução dos autos à Turma julgadora, para verificação da pertinência de se proceder ao juízo positivo de retratação na espécie, em relação ao tema 692 do STJ (Id. 263956515). 

É o relatório.


 

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0013727-84.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: TEREZINHA DE FATIMA PIRES VIEIRA GARCIA

Advogado do(a) APELADO: MAURICIO ZABOTI ROJO SILVA - SP329103-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­V O T O

 

 

Restituídos os dos autos, para oportunizar juízo de retratação, nos moldes do art. 1.040, inciso II, do CPC, quanto à necessidade de devolução dos valores recebidos pela autora por força de antecipação de tutela,  deferida e posteriormente revogada (Tema 692 do STJ).

A propósito do tema, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) editou a Súmula de n.º 51, publicada no Diário Oficial da União do dia 15/3/2012. Confira-se:

“Os valores recebidos por força de antecipação dos efeitos de tutela, posteriormente revogada em demanda previdenciária, são irrepetíveis em razão da natureza alimentar e da boa-fé no seu recebimento.”

No Superior Tribunal de Justiça, firmou-se inicialmente o entendimento no sentido da impossibilidade de devolução de valores recebidos a título de benefício previdenciário, devido ao seu caráter alimentar, aplicando nesse caso o princípio da “irrepetibilidade dos alimentos”:

 

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE DE SEGURADO. FILHA MAIORDE 21 ANOS DE IDADE. PERDA DA QUALIDADE DE BENEFICIÁRIA. EXTINÇÃO DO BENEFÍCIO. CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O Tribunal a quo, ao analisar os embargos declaratórios do INSS, apreciou todas as questões relevantes para o deslinde da controvérsia. Ademais, não há confundir decisão contrária ao interesse da parte com a falta de pronunciamento do órgão julgador.

2. É cediço que a concessão de benefício previdenciário rege-se pela norma vigente ao tempo em que o beneficiário preenchia as condições exigidas para tanto. Na esteira desse raciocínio, vê-se que o fato gerador para a concessão da pensão por morte é o óbito do segurado, instituidor do benefício.

3. O art. 16 da Lei 8.213/91, em sua redação original, não admite, como beneficiários, na condição de dependentes de segurado, indivíduos maiores de 21 anos e menores de 60 anos, exceto se comprovadamente inválidos.

4. Não há falar, portanto, em restabelecimento da pensão por morte à beneficiária, maior de 21 anos e não-inválida, uma vez que, diante da taxatividade do diploma legal citado, não é dado ao Poder Judiciário legislar positivamente, usurpando função do Parlamento.

5. A Terceira Seção desta Corte, no âmbito da Quinta e da Sexta Turma, firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário. Aplica-se, in casu, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.”

(STJ - REsp n.º 771.993/RS - Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA. 5.ª Turma - Publicação no DJ de 23/10/2006).- negritei.

 

Não obstante, em 12/02/2014, o STJ alterou o entendimento referido, no âmbito do julgamento do REsp n.º 1.401.560/MT (Tema Repetitivo 692):

 

PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.

- O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor.

- O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial.

- Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º).

- Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal-sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.

Para essa solução, há ainda o reforço do direito material.

Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público.

O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição.

Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrário sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional.

Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – ADI 675) dispensava.

Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.

Recurso especial conhecido e provido.”

(STJ - REsp n.º 1.401.560/MT. Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA. 1.ª SEÇÃO - Data do julgamento 12/02/2014. Publicação no DJ de 20/02/2014).- negritei.

 

Nesse contexto, em virtude da decisão proferida no RESP n.º 1.401.560/MT, a Turma Nacional de Uniformização acabou por cancelar a referida Súmula n.º 51.

De se ressaltar que, embora o entendimento sobre o tema tenha sido revisto, o debate fora novamente levantado, sendo proposta nova revisão do entendimento pelos seguintes motivos:

 

“No voto condutor do acórdão de afetação da matéria ao rito dos repetitivos, o Ministro relator ressalta a necessidade de ampliação do debate das variações a respeito da questão. No ponto, lista as seguintes situações que, dentre outras, poderão ser analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça na presente afetação: 1. tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente; h) tutela de urgência concedida e cassada, a seguir, seja em juízo de reconsideração pelo próprio juízo de primeiro grau, ou pela segunda instância em agravo de instrumento ou mediante pedido de suspensão; i) tutela de urgência cassada, mesmo nas situações retratadas anteriormente, mas com fundamento expresso na decisão de que houve má-fé da parte ou afronta clara a texto de lei, como no caso das vedações expressas de concessão de medida liminar ou tutela antecipada.” (Superior Tribunal de Justiça.. Órgão julgador: PRIMEIRA SEÇÃO. Rel. Ministro OG FERNANDES. Data da afetação 03/12/2018)

(STJ - Tema repetitivo 692. 1ª SEÇÃO – Relator: Ministro OG FERNANDES. Data da afetação 03/12/2018).

 

Acolhida a questão de ordem levantada pelo Ministro OG FERNANDES para submissão ao colegiadofoi determinada a suspensão da tramitação dos processos que versem sobre o assunto submetido à revisão (Controvérsia 51 - Aplicação, revisão ou distinção do Tema n. 692/STJ).

Dessa forma, restou determinada a “suspensão do processamento de todos os processos ainda sem trânsito em julgado, individuais ou coletivos, que versem acerca da questão submetida à revisão pertinente ao Tema n.º 692/STJ e tramitem no território nacional, com a ressalva de incidentes, questões e tutelas, que sejam interpostas a título geral de provimentos de urgência nos processos objeto do sobrestamento”, nos termos do acórdão do STJ supra, publicado no DJe de 03/12/2018.

Sobreveio, ainda, no dia 14/8/2019, em face da interposição de recurso especial pelo INSS, decisão monocrática proferida pelo E. Vice-Presidente do Tribunal, determinando a suspensão do feito nos exatos termos aqui tratados, in verbis:

 

“A questão tratada no presente recurso especial é objeto da Controvérsia n° 51/STJ, criada pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, com o escopo de verificar a aplicação, revisão ou distinção do Tema n° 6921STJ, objetivando a definição da tese consistente em ser devida, ou não, a devolução pelo litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS, dos valores percebidos do INSS em virtude de decisão judicial de natureza precária, que venha a ser posteriormente revogada. Ante o exposto, determino a suspensão do exame de admissibilidade do recurso especial até o deslinde final da quaestio. “.

 

Em 24/05/2022, foi publicado o julgamento da referida questão de ordem pelo STJ. O acórdão restou assim ementado:

 

PROCESSUAL CIVIL. PROPOSTA DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA REPETITIVO 692/STJ (RESP N. 1.401.560/MT). ART. 927, § 4º, DO CPC/2015. ARTS. 256-S, 256-T, 256-U E 256-V DO RISTJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. ADVENTO DE NOVA LEGISLAÇÃO. ART. 115, INC. II, DA LEI N. 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 13.846/2019. TEMA N. 799/STF (ARE 722.421/MG): POSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. QUESTÃO DE ORDEM JULGADA NO SENTIDO DA REAFIRMAÇÃO, COM AJUSTES REDACIONAIS, DO PRECEDENTE FIRMADO NO TEMA REPETITIVO N. 692/STJ.

1. A presente questão de ordem foi proposta com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deve ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.

2. O CPC/1973 regulamentava a matéria de forma clara, prevendo, em resumo, que a efetivação da tutela provisória corre por conta do exequente, e a sua eventual reforma restituiria as partes ao estado anterior à concessão, o que obrigaria o exequente a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo executado. A mesma lógica foi mantida pelo legislador do CPC/2015. Por conta disso que sempre se erigiu como pressuposto básico do instituto da tutela de urgência a reversibilidade dos efeitos da decisão judicial.

3. O debate surgiu especificamente no que tange à aplicação de tal regulamentação no âmbito previdenciário. Ou seja, discutia-se se as normas específicas de tal área do direito trariam solução diversa da previsão de caráter geral elencada na legislação processual.

4. A razão histórica para o surgimento dessa controvérsia na área previdenciária consiste na redação original do art. 130 da Lei n. 8.213/1991, o qual dispunha que: "Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos". Nos idos de 1997, a Lei n. 9.528 alterou completamente a redação anterior, passando a valer a regra geral do CPC, na ausência de norma especial em sentido contrário no âmbito previdenciário.

5. A partir de então, começou a amadurecer a posição no sentido da necessidade de devolução dos valores recebidos em caso de revogação da tutela antecipada, o que redundou, em 2014, no entendimento vinculante firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 692 (REsp n. 1.401.560/MT): "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.".

6. Em 2018, esta Relatoria propôs a questão de ordem sob exame, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à existência de alguns precedentes em sentido contrário no STF, mesmo não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.

7. À época, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991  que regulamenta a matéria no direito previdenciário  trazia redação que não era clara e direta como a da legislação processual, uma vez que não referia expressamente a devolução de valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Tal fato, aliás, não passou despercebido pela Primeira Seção ao rejeitar os EDcl no REsp n. 1.401.560/MT fazendo menção a tal fato.

8. Foi essa redação pouco clara que gerou dúvidas e terminou ocasionando, em 2018, a propositura da questão de ordem ora sob julgamento.

9. A Medida Provisória n. 871/2019 e a Lei n. 13.846/2019, entretanto, trouxeram uma reformulação da legislação previdenciária, e o art. 115, inc. II, passou a não deixar mais qualquer dúvida: Na hipótese de cessação do benefício previdenciário ou assistencial pela revogação da decisão judicial que determinou a sua implantação, os valores recebidos devem ser devolvidos à parte adversa.

10. Se o STJ quando a legislação era pouco clara e deixava margem a dúvidas já tinha firmado o entendimento vinculante no Tema Repetitivo 692/STJ, não é agora que deve alterar sua jurisprudência, justamente quando a posição da Corte foi sufragada expressamente pelo legislador reformador ao regulamentar a matéria.

11. Trata-se, pois, de observância de norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, a meu sentir, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.

12. Ademais, a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.

13. O STF adota o posicionamento referido em algumas ações originárias propostas (na maioria, mandados de segurança) em seu âmbito. Porém, não o faz com caráter de guardião da Constituição Federal, mas sim na análise concreta das ações originárias. A maioria dos precedentes do STF não diz respeito a lides previdenciárias e, além disso, são todos anteriores às alterações inseridas no art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. Na verdade, atualmente o STF vem entendendo pela inexistência de repercussão geral nessa questão, por se tratar de matéria infraconstitucional, como se verá adiante.

14. O que se discute no caso em tela é a interpretação de artigo de lei federal, mais especificamente, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 e vários dispositivos do CPC/2015. Assim, vale o entendimento do STJ sobre a matéria, pois, segundo o art. 105 da Carta Magna, é esta Corte a responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional no país.

15. A propósito, o STF, ao julgar o Tema 799 da Repercussão Geral (ARE 722.421/MG, j. em 19/3/2015), já firmou expressamente que a questão não é constitucional e deve, portanto, ser deslindada nos limites da legislação infraconstitucional, o que foi feito com bastante clareza pelo legislador ao trazer a nova redação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. No mesmo sentido, vide o RE 1.202.649 AgR (relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 20/12/2019), e o RE 1.152.302 AgR (relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em 28/5/2019).

16. Ao propor a questão de ordem, esta Relatoria citou as seguintes particularidades processuais que supostamente seriam aptas a ensejar uma consideração específica quanto à possibilidade de revisão do entendimento firmado no Tema 692/STJ: a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente.

17. Quanto a elas, note-se que se trata basicamente do momento em que foi concedida e/ou revogada a tutela de urgência, se logo no início do feito, se na sentença, se na segunda instância, ou se apenas no STF ou no STJ. A ideia subjacente é que, em algumas hipóteses, a tutela de urgência já estaria, de certa forma, incorporada ao patrimônio jurídico da parte autora, e sua revogação poderia resultar em injustiça no caso concreto.

18. Tais situações, entretanto, são tratadas pela lei da mesma forma, não merecendo distinção do ponto de vista normativo. Ou seja, em qualquer desses casos, a tutela de urgência não deixa de ser precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, o que implicará o retorno ao estado anterior à sua concessão.

19. Situação diversa é a da tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante. Nesses casos, a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, a juízo do Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, como determina o art. 927, § 3º, do CPC. Assim, como diz a norma, o próprio juízo de superação "de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos" deve ser acompanhado da modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Dessa forma, uma eventual guinada jurisprudencial não resultará, em princípio, na devolução de valores recebidos por longo prazo devido à cassação de tutela de urgência concedida com base em jurisprudência dominante à época em que deferida, bastando que o tribunal, ao realizar a superação, determine a modulação dos efeitos.

20. Por fim, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do STJ.

21. Questão de ordem julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago."

(Pet n. 12.482/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 24/5/2022).- negritei.

 

Diante dessas considerações, de rigor seja observado o entendimento reafirmado pelo Superior Tribunal de Justiça para acolher o pedido do INSS, a fim de seja determinada a devolução dos valores recebidos pela parte autora por força de antecipação de tutela revogada.

Posto isso, em juízo de retratação positivo, dou provimento aos embargos de declaração do INSS.

Restituam-se os autos à Vice-Presidência desta Corte.

É o voto.

 

 

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ART. 1.040, II, DO CPC. REPERCUSSÃO GERAL. REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA REPETITIVO 692/STJ. POSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. QUESTÃO DE ORDEM JULGADA NO SENTIDO DA REAFIRMAÇÃO, COM AJUSTES REDACIONAIS, DO PRECEDENTE FIRMADO NO TEMA REPETITIVO N. 692/STJ. JUÍZO DE RETRATAÇÃO POSITIVO. 

- Reexame da matéria, à luz e tendo por limite o tema objeto de pronunciamento do STF em acórdãos paradigmas (art. 1.040, inciso II, do CPC). 

-  Em 24/5/2022, foi publicado o julgamento da questão de ordem pelo Colendo STJ levantada pelo Ministro OG FERNANDES com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deveria ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.

- O STJ considerou que “a Medida Provisória n.º 871/2019 e a Lei n.º 13.846/2019 trouxeram uma reformulação da legislação previdenciária, e o art. 115, inc. II, passou a não deixar mais qualquer dúvida: Na hipótese de cessação do benefício previdenciário ou assistencial pela revogação da decisão judicial que determinou a sua implantação, os valores recebidos devem ser devolvidos à parte adversa.”

- A Corte Superior entendeu que “não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do STJ.”

Questão de ordem julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago" (Pet n.º 12.482/DF, relator Ministro OG FERNANDES, Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 24/5/2022).

- Juízo de retratação positivo.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu, em juízo de retratação positivo, dar provimento aos embargos de declaração do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.