Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000509-40.2003.4.03.6002

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: HORACIO XAVIER ALVIM

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRA BASTOS NUNES - MS10178-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: VIRGILINA BONFIM DE OLIVEIRA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALEXANDRA BASTOS NUNES - MS10178-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000509-40.2003.4.03.6002

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: HORACIO XAVIER ALVIM

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRA BASTOS NUNES - MS10178-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: VIRGILINA BONFIM DE OLIVEIRA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALEXANDRA BASTOS NUNES - MS10178-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por HORÁCIO XAVIER ALVIM (ESPÓLIO) em face de sentença que, em sede de ação indenizatória movida contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), extinguiu o processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC/73, por carência de ação.

Em suas razões recursais, alega o apelante que havia plantação de mandioca no imóvel desapropriado antes da imissão do INCRA na posse do bem. Aduz que o valor a ele reservado nos autos da desapropriação diz respeito apenas às benfeitorias realizadas na fazenda, não cobrindo o ressarcimento da plantação que deixou de colher. Argumenta, ainda, que a Autarquia tem o dever de indenizar os prejuízos por ele sofridos com a desapropriação.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

Parecer do Ministério Público Federal pelo prosseguimento do feito.

É o breve relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000509-40.2003.4.03.6002

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: HORACIO XAVIER ALVIM

Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRA BASTOS NUNES - MS10178-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: VIRGILINA BONFIM DE OLIVEIRA
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALEXANDRA BASTOS NUNES - MS10178-A

 

 

 

V O T O

 

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Preliminarmente, esclareço que, tendo em vista a data de publicação da sentença apelada (ID 90270941, fls. 05), aplica-se aos presentes recursos o CPC/1973, consoante orientação dos Enunciados Administrativos 2 e 3 do Superior Tribunal de Justiça.

Nos moldes do art. 5º, XXII e XXIII, da ordem de 1988, é garantido o direito de propriedade privada, que deve atender a sua função social, razão pela qual se trata de direito fundamental de exercício limitado por diretrizes estabelecidas no sistema jurídico, cabendo ao Estado estabelecer critérios específicos, bem como fiscalizar e intervir para atender aos propósitos superiores do Estado de Direito.

As intervenções estatais diretas no exercício do direito fundamental de propriedade privada podem se dar de duas formas básicas: a) restritivas, que sem retirar a propriedade de seu titular, impõem condições ao seu uso (servidão administrativa, requisição, ocupação temporária, limitações administrativas e tombamento); b) supressivas, que transferem compulsoriamente, para ente estatal, a propriedade até então pertencente a terceiro, por meio da modalidade única da desapropriação.

A desapropriação tem amparo no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, decorre de procedimento regido pelo direito público, e legitima a transferência compulsória da propriedade privada (de terceiros ao Poder Público) por necessidade pública ou utilidade pública, e também por interesse social, sempre mediante justa e prévia indenização em moeda corrente nacional. Nesses casos, o bem desapropriado pode ser produtivo ou não, mas razões sociais e públicas superiores justificam que o Estado tome para si a propriedade privada, reparando seu titular (já que o ônus do benefício geral não pode recair sobre o individual). O Decreto-Lei nº 3.365/1941 dispõe sobre a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, e a Lei nº 4.132/1962 trata da desapropriação por interesse social.

Há outras modalidades de desapropriação previstas na Constituição, tais como as realizadas em razão de descumprimento da função social pertinente a bem imóvel urbano (art. 182) e rural (art. 184 a 186), além da expropriação em razão de ilícito (art. 243), com seus correspondentes atos legislativos (p. ex., art. 8º, da Lei nº 10.257/2001; Lei nº 8.629/1993; e Lei Complementar nº 76/1993), que não dizem respeito ao problema posto nos autos.

A desapropriação comporta um procedimento administrativo prévio, no qual o poder público declara que determinado bem será desapropriado (fase declaratória), e chama o proprietário na busca de um acordo a respeito do valor da indenização (fase executória). Não havendo consenso a respeito do montante indenizatório, cumpre ao Poder Público dar início à fase judicial, com a propositura da ação de desapropriação.

Tecida essa breve introdução, cumpre deixar claro que uma das principais características da desapropriação é ser ela uma forma originária de aquisição da propriedade, ou seja, a desapropriação não se encontra vinculada à situação jurídica anterior do bem desapropriado. Em outras palavras, o bem expropriado ingressa no domínio público livre de quaisquer ônus, gravames ou relações jurídicas, reais ou pessoais, que eventualmente recaíam sobre ele anteriormente. E a justificativa para que a desapropriação seja considerada como forma originária de aquisição da propriedade está justamente no fato de que basta a vontade do Poder Público para consumar a transferência da propriedade, pouco importando a vontade do proprietário ou de terceiro, seja a que título for (credor hipotecário, locatário, arrendatário etc). Na verdade, a desapropriação passa a ser o marco inicial da nova cadeia causal decorrente de futuras transferências do bem desapropriado.

Assim, conclui-se que, se ao tempo da desapropriação pendia sobre o imóvel, por exemplo, garantia real hipotecária, a desapropriação desconstitui o gravame, assistindo ao credor hipotecário apenas o direito de sub-rogar-se no valor da indenização devida ao ex-proprietário. Da mesma forma, eventuais contratos tendo como objeto o bem desapropriado extinguem-se de imediato com sua transferência ao patrimônio público.

No caso dos autos, o apelante “Sustenta, em síntese, que era arrendatário de 314,60 has (trezentos e quatorze hectares e sessenta ares) de terras da Fazenda "juncal", objeto da ação de desapropriação n°. 2001.60.02.001163-8, proposta pelo INCRA em desfavor de Marilisa Anísia Pereira de Almeida Pinto e Antônio Almeida Pinto. Em 27/08/2001, o INCRA foi imitido na posse da referida fazenda. Do total da área de 314,60 hectares de terras, havia, em abril de ano de 2002, uma área remanescente de 198,25 (cento e noventa e oito hectares e vinte e cinco ares) de terras cultivadas com mandioca das variedades "fibra, fécula branca e espeto", plantadas no período de abril a julho de 2001, com bom desenvolvimento vegetativo e com previsão para colheita em outubro/novembro de 2002. Em data de 15 de abril de 2002, o Autor estava terminando a colheita de parte da lavoura (a mais antiga), com mais ou menos 30 (trinta) trabalhadores braçais, quando foi comunicado por eles que havia animais na lavoura. Inconformado, procurou a Delegacia do 1 Distrito Policial de Naviraí/MS, registrando ocorrência. Não bastasse 'isso, a partir do dia 22 de abril de 2002, o  INCRA promoveu a distribuição dos lotes aos assentados, quando o Autor não teve mais acesso à área, deixando de colher uma área de 198,25 hectares de mandioca, com uma produção média estimada em 6.938,75 (seis mil, novecentos e trinta e oito reais e setenta e cinco centavos)”.

Ocorre que, tal como acima referido, a desapropriação configura forma originária de aquisição da propriedade, cessando a existência de qualquer vínculo jurídico anterior relativamente ao bem, de modo que o INCRA não pode ser responsabilizado por eventuais obrigações decorrentes do contrato de arrendamento vinculando o antigo proprietário da fazenda desapropriada (arrendador) e o ora apelante (arrendatário).

Nesse sentido, assim dispõe o art. 26, IX, do Decreto nº 59.566/1966, que regulamenta o Estatuto da Terra:

Art 26. O arrendamento se extingue:

(...)

IX - Pela desapropriação, parcial ou total, do imóvel rural;

(...)

É preciso ter em mente, nesse ponto, que pelo contrato de arrendamento rural, o proprietário do imóvel (arrendador) se obriga a ceder à outra parte da avença (arrendatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo do imóvel rural, mediante o pagamento de um preço estipulado. Nesse pacto, o proprietário assume a obrigação de não interferir na exploração do bem e, mais ainda, de garantir ao arrendatário o seu uso pelo prazo fixado, sendo que o prazo do arrendamento só pode terminar depois de ultimada a colheita (art. 95, I, da Lei 4.504/1964 – Estatuto da Terra). Caso, por alguma razão, isso não aconteça, o arrendador deve responder frente ao arrendatário prejudicado em seu direito de uso e gozo da propriedade rural.  

Conclui-se, portanto, que o INCRA não é parte passiva legítima para responder ao pleito indenizatório formulado pelo autor, decorrente de uma relação jurídica de direito privado mantida com o ex-proprietário do imóvel desapropriado. Eventual pretensão de ressarcimento por danos sofridos em relação à colheita inviabilizada deve ser veiculada em face do arrendador, e não do ente público, já que, segundo o art. 3º do CPC/1973, para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”. Nesse sentido, acórdão do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO. PLEITO INDENIZATÓRIO DO SUBARRENDATÁRIO PELAS BENFEITORIAS REALIZADAS NO IMÓVEL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INCRA. RELAÇÃO PRIVADA QUE SE ATÉM AO EXPROPRIADO, ARRENDATÁRIO E SUBARRENDATÁRIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. VALOR INDENIZATÓRIO FIXADO NA AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO QUE ENGLOBA TODA A TERRA E BENFEITORIAS. INTELIGÊNCIA DO ART. 12 DA LEI 8.629/1993. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR DESPROVIDO.

1. Discute-se nos autos o suposto direito do subarrendatário de imóvel expropriado à complementação do valor fixado a título de indenização pelas benfeitorias realizadas na propriedade, com base na diferença apurada entre o valor pago na Ação de Desapropriação e o montante fixado na perícia realizada na Ação Cautelar de produção antecipada de provas.

2. Fixa-se na Ação de Desapropriação o valor da indenização pela expropriação do imóvel como um todo, incluindo a terra nua e suas benfeitorias. Nesse contexto, descabe ao subarrendatário pleitear no feito expropriatório, diretamente ao INCRA, suposto direito fundado em relação jurídica privada estabelecida com o arrendatário do particular expropriado.

3. O INCRA é parte estranha aos ajustes firmados entre o antigo proprietário, o arrendatário e o subarrendatário do imóvel, notadamente quando o recorrido, intimado a participar da Ação de Desapropriação originária, transitada em julgado, na condição de terceiro interessado, teve a possibilidade de contestar o valor fixado a título de indenização.

4. Nos termos do art. 12 da Lei 8.629/1993, considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis. Ou seja, uma vez fixada a indenização decorrente da desapropriação, esta abarcará todo e qualquer valor referente ao imóvel, inclusive as benfeitorias que agora se discutem. Por essa razão, transitada em julgado a Ação que definiu o valor indenizatório devido, com a participação do ora autor na qualidade de terceiro interessado, não se pode admitir o processamento e o rejulgamento do montante em feito autônomo, diretamente impugnado em face do INCRA. Como dito, não há prejuízo de eventual debate em ação própria, intentada em face do arrendatário ou do expropriado pelas obrigações pactuadas em particular. Só não cabe reabrir o debate em face da Autarquia expropriante, sob pena de ofensa, inclusive à coisa julgada.

5. Agravo Interno do Particular desprovido.

(AgInt nos EDcl no REsp n. 1.479.390/PE, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 11/11/2020, DJe de 17/11/2020.)

É preciso levar em consideração, outrossim, que o autor ingressou nos autos da ação de desapropriação da Fazenda Juncal (feito nº 2001.60.02.1163-8 – ID 90270940, fls. 164/191), visando justamente proteger seus direitos de arrendatário. A sentença ali proferida, por sua vez, expressamente outorgou-lhe o montante de R$ 398.135,74, que representa o valor indenizatório decorrente do contrato de arrendamento objeto desta demanda. Confira-se (ID 90270940, fls. 186):

“Quanto ao pleito do terceiro interessado HORÁCIO XAVIER ALVIM (f. 705), baseado em Contrato Particular de Arrendamento pactuado com os Expropriados (f. 115-124), entendo que ele faz jus ao recebimento do remanescente do valor que já lhe foi reservado inicialmente (R$ 398.135,74 - f. 339-340).

Tendo em vista a resolução da penhora no rosto dos autos, pelo pagamento do débito de HORÁCIO XAVIER ALVIM com a Fazenda Nacional, nos autos da Execução Fiscal n5. 2005.60.06.000710-O (f. 649-658), no valor de R$ 230.666,89, defiro o levantamento do valor remanescente, ou seja, R$ 167.468,85 (cento e sessenta e sete mil, quatrocentos e sessenta e oito reais e oitenta e cinco centavos)”.

Do dispositivo da sentença acima referida assim constou (ID 90270940, fls. 190):

“Defiro o levantamento do valor remanescente, ou seja, R$ 167.468,85 (cento e sessenta e sete mil, quatrocentos e sessenta e oito reais e oitenta e cinco centavos), inicialmente reservado, em favor terceiro interessado HORÁCIO XAVIER ALVIM. Expeça-se o necessário”.

Tratando-se, portanto, do mesmo contrato de arrendamento, discutido tanto naquele processo quanto neste, verifica-se que também não assiste interesse de agir ao autor, na medida em que o provimento jurisdicional aqui buscado se revela desnecessário para a obtenção do bem da vida almejado, eis que já obtido em ação diversa.

Portanto, por qualquer ângulo que se examine a questão, não se encontram presentes neste feito as condições da ação, assim entendidas como os requisitos de existência do direito à obtenção de uma sentença de mérito, nos moldes do previsto nos arts. 3º e 267, VI, do CPC/1973.

Diante do exposto, sendo o autor carecedor de ação, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

Deixo de majorar a verba honorária, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que a sentença foi publicada na vigência do CPC/1973. 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO. FORMA ORIGINÁRIA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. COLHEITA. CARÊNCIA DE AÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INCRA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.

- A desapropriação configura forma originária de aquisição da propriedade, cessando a existência de qualquer vínculo jurídico anterior relativamente ao bem, de modo que o INCRA não pode ser responsabilizado por eventuais obrigações decorrentes do contrato de arrendamento vinculando o antigo proprietário da fazenda desapropriada (arrendador) e o ora apelante (arrendatário). O art. 26, IX, do Decreto nº 59.566/1966, que regulamenta o Estatuto da Terra, prevê que o arrendamento se extingue pela desapropriação, parcial ou total, do imóvel rural.

- Tendo o autor ingressado nos autos da ação de desapropriação do imóvel rural, e sendo beneficiado com o levantamento de um montante que representa o valor indenizatório decorrente do contrato de arrendamento objeto desta demanda, não há que se falar em interesse de agir.

- Em feito proposto por arrendatário buscando indenização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a sentença corretamente extinguiu o processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC/1973, por carência de ação.

- Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.