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RELATOR:
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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001720-76.2016.4.03.6125 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: CARLA DE OLIVEIRA NARCISO Advogado do(a) APELANTE: ELIANE SFEIR SALADINI ROMANI - SP120042 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público Federal em face CARLA DE OLIVEIRA NARCISO, nascida em 11.05.1983, e DIONATAN DRESCH, nascido em 25.02.1986, pela prática da conduta descrita no artigo art. 334, §1º, inciso IV, do Código Penal, em concurso de agentes. Narra a denúncia (ID 150916926 – fls. 03/05), recebida em 17.10.2016 (ID 150916926 – fls. 06/08): Segundo consta dos inclusos autos de inquérito policial, no dia 14 de dezembro de 2015, por volta de 0lh15min, na Rodovia João Baptista Cabral Rennó (SP 225), km 310, os denunciados CARLA DE OLIVEIRA NARCISO e DIONATAN DRESCH foram surpreendidos quando transportavam, em proveito próprio ou alheio, agindo em comunhão de propósitos e no exercício de atividade comercial, diversos óculos de sol, mercadorias importadas clandestinamente do Paraguai. Na data dos fatos, durante a operação supracitada, foi abordado o veículo Fiat/Siena, placas AOZ-4302, enquanto transitava pela rodovia SP 225, no município de Santa Cruz do Rio Pardo/SP, o qual tinha como ocupantes CARLA DE OLIVEIRA NARCISO e DIONATAN DRESCH. Ao vistoriar o automotor, constatou-se que eles traziam consigo 418,3 kg de óculos de sol diversos e de origem estrangeira, sem documentação fiscal que demonstrasse sua regular importação ou aquisição em território nacional, que eles haviam recebido, ciente de sua origem ilegal, e transportado àquela localidade. Em sede inquisitiva, ambos declararam que adquiriram as mercadorias em Foz do Iguaçu/PR, com intenção de revendê-las em São Paulo/SP, bem como que realizam essa atividade frequentemente. Evidente é que ambos praticaram a conduta delitiva, seja pelo recebimento ou pelo transporte das mercadorias de origem paraguaia, introduzidas no Brasil mediante a ilusão de tributos, o que caracteriza o crime de descaminho. De acordo com as informações da Receita Federal do Brasil (fl. 31), foram iludidos, na ilícita importação das referidas mercadorias, R$ 43.055,87 (quarenta e três mil e cinquenta e cinco reais e oitenta e sete centavos) em impostos (II e IPI). Citado por edital (ID 150916926 – fls. 151/153), o acusado DIONATAN DRESCH não compareceu em juízo, tampouco constituiu procurador para representá-lo, sendo determinada a suspensão da tramitação do feito e do prazo processual (ID 150916926 – fls. 162/164), com desmembramento do feito (ID 150916926 – fl. 255), em relação a citado réu, remanescendo, nos presentes autos, apenas a corré CARLA DE OLIVEIRA NARCISO. Sentença de procedência da pretensão punitiva estatal (ID 150916926 – fls. 189/198), proferida na data de 14.03.2019, e publicada em 15.03.2019, pela Exma. Juíza Federal Carolina Castro Costa Viegas, da 1ª Vara Federal de Ourinhos/SP, para condenar CARLA DE OLIVEIRA NARCISO pela prática do crime do artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano, 07 (sete) meses e 07 (sete) dias de reclusão, em regime inicial SEMIABERTO. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser designada pelo Juízo das execuções penais, à ordem de uma hora por dia de pena, e a outra consistente em prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários-mínimos vigentes à data do pagamento, revertida em favor de entidade pública ou privada com destinação social. A ré CARLA DE OLIVEIRA NARCISO apelou (ID 150916926 – fls. 260/264) requerendo a absolvição por não comprovação da materialidade delitiva, ou, ainda, a aplicação do princípio da insignificância. Subsidiariamente, pleiteia a redução da pena de prestação pecuniária. Contrarrazões de Apelação apresentadas pelo órgão ministerial (ID 150916926 – fls. 266/273). Nesta instância, a Procuradoria Regional da República emitiu parecer (ID 150916926 – fls. 280/286) pelo desprovimento do recurso da defesa. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001720-76.2016.4.03.6125 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: CARLA DE OLIVEIRA NARCISO Advogado do(a) APELANTE: ELIANE SFEIR SALADINI ROMANI - SP120042 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: A ré CARLA DE OLIVEIRA NARCISO foi condenada pela prática do crime de descaminho, descrito no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal (com redação dada pela Lei n.º 13.008/2014), in verbis: Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem: (...) IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. De acordo com a denúncia, na data de 14.12.2015, a ré CARLA DE OLIVEIRA NARCISO, juntamente com Dionatan Dresch, foi flagrada transportando, no veículo Fiat/Siena, placas AOZ-4302, 418,3 kg de óculos de sol importados clandestinamente do Paraguai, portanto, mercadoria de origem estrangeira, sem documentação fiscal que demonstrasse sua regular importação ou aquisição em território nacional. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA No que concerne a materialidade delitiva consta nos autos: Boletim de Ocorrência (ID 150917094 – fls. 08/11); Auto de Apresentação e Apreensão ID 150917094 – fls. 12/13), apontando que em poder da ré foram apreendidos 448,10 kg de óculos de sol, armazenados em 62 volumes (fotos - ID 150917094 fls. 15/17); Termo de Recebimento de Mercadorias Apreendidas e Divergências Constatadas, emitida pela Receita Federal do Brasil em Marília/SP, atestando o recebimento e guarda de 418,30 Kg de óculos de marcas e modelos diversos (ID 150917094 – fls. 65/66); Relação de Mercadorias, também emitida pela Receita Federal, constando a descrição das mercadorias apreendidas (418,30 kg de óculos de sol diversos), com países de origem e procedência “não declarados” (ID 150917094 – fls. 38/39). Nos autos do inquérito policial, a ré CARLA DE OLIVEIRA NARCISO (ID 150917094 – fl. 18) alegou que reside na cidade de Foz do Iguaçu - PR desde seu nascimento há 32 anos: QUE trabalha como autônoma há aproximadamente 05 anos; QUE referentemente aos fatos ora apurados esclarece que os óculos desprovidos de marca. que transportava no interior de seu veículo (Fiat/Siena, placas AOZ4302) foram adquiridos em Foz do Iguaçu – PR, mais especificamente na Vila Portes (Jardim Jupira) de vendedor ambulante e seriam levados para São Paulo – SP, onde a própria Declarante os revenderia; (...) QUE o valor aproximado dos óculos sem marca que transportava, sena algo em torno de RS 5.000,00 (cinco mil reais), sendo que metade da carga lhe pertenceria (R$ 2.500,00) e que a outra metade seria de seu cunhado DIONATAN DRESCH, o qual também, como vendedor ambulante, revenderia sua parte em São Paulo - SP: QUE faz tal tipo de viagens com frequência aproximada de uma vez por mês, aqui enfatizando a Declarante que as mercadorias que revende sempre são adquiridas em Foz do Iguaçu - PR. No mesmo sentido, em sede policial, foi o depoimento de Dionatan Dresch (ID 150916926 – fl. 20). Em interrogatório judicial, apesar de devidamente citada, a acusada CARLA DE OLIVEIRA NARCISO não compareceu (ID 150917094 – fls. 185/188), tendo sido declarada a sua revelia. Analisando todo o conjunto probatório, constata-se que não há nos autos elementos que comprovem a prática do crime de descaminho, descrito no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal (com redação dada pela Lei n.º 13.008/2014), pela ré CARLA DE OLIVEIRA NARCISO. Destaca-se que, quanto à materialidade delitiva, ainda que tenha havido a apreensão de 418,30 kg de óculos de sol, não há comprovação da origem estrangeira da mercadoria ou, ainda, que tenha sido introduzida irregularmente em território nacional. E nesse sentido, destaca-se a Relação de Mercadorias, emitida pela Receita Federal, constando a descrição das mercadorias apreendidas (418,30 kg de óculos de sol diversos), com países de origem e procedência “não declarados”, bem como o depoimento da ré em sede policial, relatando que as mercadorias foram adquiridas em Foz do Iguaçu. Não se questiona a existência de fortes indícios de que tal mercadoria apreendida tenha sido irregularmente importada do Paraguai, contudo, a prova indiciária quando indicativa de mera probabilidade, como ocorre in casu, não serve como prova substitutiva e suficiente de responsabilização criminal não apurada de forma concludente no curso da instrução criminal. A doutrina é firme a respeito da certeza na convicção do julgador ao emitir decreto condenatório. Confira-se sobre o assunto, os comentários de Guilherme de Souza Nucci ao artigo 386 do Código de Processo Penal (in Código de Processo Penal Comentado. Editora Forense, 16ª edição, maio 2017, p. 914): Prova insuficiente para a condenação: é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu in dubio pro reo. Se o Juiz não possui provas sólidas para a formação de seu convencimento, sem poder indicá-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição. Com efeito, a prova para condenação criminal deve ser cabal, isenta de dúvidas. Mostrando-se incerta, torna-se imperiosa a absolvição. Nesse sentido, é o entendimento sufragado nesta E. Corte: PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. TRANSPORTE DE ÓCULOS DE SOL E CAMISETAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA NÃO DEMONSTRADA. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. 1. A denúncia narra que o acusado foi flagrado transportando em um caminhão roupas e óculos de sol, desacompanhados da documentação comprobatória de sua regular internalização e recolhimento de valores de tributos devidos. O réu declarou perante a autoridade policial que o caminhão lhe foi entregue, já carregado, em Presidente Prudente/SP, e ele teria como destino São Paulo/SP. 2. Inexiste qualquer prova que ateste que as mercadorias sejam provenientes do estrangeiro. A Receita Federal registrou expressamente no Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal que "A autoridade apreensora não encaminhou à Receita Federal do Brasil documentação que evidencie a origem ou a procedência das mercadorias apreendidas nem laudo pericial ou documento de efeito equivalente que comprove a ocorrência de infração específica". 3. Em que pese tenha constado que as camisetas tinham indicação de fabricação estrangeira, na discriminação das mercadorias que segue o AITAGF, os itens apreendidos foram descritos como ‘óculos, marcas e modelos diversos, incluindo produtos com suspeita de falsificação’ e ‘camisetas, com suspeita de falsificação Lacoste’. 4. Não obstante haja inscrições de fabricação estrangeira em alguns dos produtos apreendidos, é razoável concluir que elas foram produzidas no contexto da contrafação, para atribuir às mercadorias características semelhantes às que teriam os produtos originais, e não que as camisetas encontradas pelos policiais tenham sido fabricadas na França, e, os óculos, na Itália. 5. O laudo pericial, elaborado com base em análise indireta das mercadorias, apenas registrou que, ‘de acordo com referido documento [referindo-se à Relação de Mercadorias do AITAGFM], as mercadorias são de origem estrangeira’. 6. O ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente da materialidade do crime. A existência de meros indícios de procedência estrangeira das mercadorias, portanto, não autoriza o embasamento do édito condenatório, incidindo-se o princípio in dubio pro reo. 7. Entendo que não está demonstrada a materialidade delitiva, já que o transporte de mercadorias sem a devida comprovação da aquisição no exterior não configura o crime de descaminho, de forma que inexiste um mínimo probatório a sustentar a condenação. Assim, absolvo o réu, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP. 8. Recurso defensivo provido. (TRF3. Apelação Criminal 0000223-56.2018.403.6125, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, 11ª Turma, julgado em 14.03.2022, publicado em 16.03.2022). Vale frisar que, se durante a fase inquisitorial vige o princípio do in dubio pro societate, para a imposição de juízo condenatório, é imprescindível a certeza do preenchimento de todos os requisitos indispensáveis para a configuração do delito. Meros indícios ou conjecturas não bastam para um decreto condenatório, que deve alicerçar-se em provas robustas. Aplicável, portanto, o princípio in dubio pro reo. Por conseguinte, é o caso de absolver CARLA DE OLIVEIRA NARCISO da imputação da prática do delito previsto no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal (redação conferida pela Lei n.º 13.008/2014), nos termos do artigo 386, inciso VII (não existir prova suficiente para a condenação), do Código de Processo Penal. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à Apelação da defesa, para absolver CARLA DE OLIVEIRA NARCISO, nos termos da fundamentação expendida. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334 §1º, INCISO IV. DESCAMINHO. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. ABSOLVIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PROVA.
- Materialidade delitiva. Consta nos autos Boletim de Ocorrência; Auto de Apresentação e Apreensão, apontando que em poder da ré foram apreendidos 448,10 kg de óculos de sol, armazenados em 62 volumes; Termo de Recebimento de Mercadorias Apreendidas e Divergências Constatadas, emitida pela Receita Federal do Brasil em Marília/SP, atestando o recebimento e guarda de 418,30 Kg de óculos de marcas e modelos diversos; Relação de Mercadorias, também emitida pela Receita Federal, constando a descrição das mercadorias apreendidas (418,30 kg de óculos de sol diversos), com países de origem e procedência “não declarados”. Não se questiona a existência de fortes indícios de que tal mercadoria apreendida tenha sido irregularmente importada do Paraguai, contudo, a prova indiciária quando indicativa de mera probabilidade, como ocorre in casu, não serve como prova substitutiva e suficiente de responsabilização criminal não apurada de forma concludente no curso da instrução criminal.
- A prova para condenação criminal deve ser cabal, isenta de dúvidas. Mostrando-se incerta, torna-se imperiosa a absolvição. Se durante a fase inquisitorial vige o princípio do in dubio pro societate, para a imposição de juízo condenatório, é imprescindível a certeza do preenchimento de todos os requisitos indispensáveis para a configuração do delito. Meros indícios ou conjecturas não bastam para um decreto condenatório, que deve alicerçar-se em provas robustas. Aplicável, portanto, o princípio in dubio pro reo.
- Absolvição da acusada da imputação da prática do delito previsto no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal (redação conferida pela Lei n.º 13.008/2014), nos termos do artigo 386, inciso VII (não existir prova suficiente para a condenação), do Código de Processo Penal.
- Apelação da defesa a que se dá provimento.