RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0051837-86.2020.4.03.6301
RELATOR: 41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: FERNANDO OLIVEIRA SANTOS
Advogado do(a) RECORRIDO: SERGIO CAMPOS - SP408431-A
OUTROS PARTICIPANTES:
Trata-se de recurso inominado interposto pela pelo INSS da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência. É o breve relatório.
VOTO A sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua fundamentação. Vejamos seu conteúdo quanto a análise do mérito pertinente ao objeto do recurso: "(...) Por sua vez, o laudo socioeconômico demonstra a configuração de miserabilidade (arquivo 29). A parte autora reside com a companheira e duas filhas menores. A renda da família totaliza R$570,00, sendo R$ 400,00, provenientes das atividades que a companheira exerce como babá autônoma e R$ 170,00 que recebem do Bolsa Família, Programa de Transferência de Renda. Dessa forma, a renda per capita da família é de apenas R$100,00, valor inferior a meio salário mínimo, parâmetro de que se vale a jurisprudência para verificar a pertinência da intervenção estatal em casos como o dos autos. Em verdade, noto que a renda é proveniente de atividade informal e, portanto, incerta. Anoto que a importância recebida no programa bolsa família não pode ser considerada para se aferir a renda mensal per capita do grupo familiar. Isso porque, nos termos do artigo 4º, §2º, II do Decreto nº 6214/2007, não serão computados como renda mensal bruta familiar os valores oriundos de programas sociais de transferência de renda. As condições do imóvel residencial da parte autora são condizentes com a situação socioeconômica descrita no laudo (vide fotografias juntadas ao arquivo 29). Diante disso, e em vista do conjunto probatório carreado aos autos, este Juízo conclui que a parte autora, atualmente, se enquadra dentre os destinatários do benefício assistencial, que deve ser reservado àqueles que não possuem meios de sobreviver por si próprios e não tenham, ainda, seus familiares meios de suprir-lhes tal falta, isto é, nos casos extremos em que só resta o auxílio do Estado. A assistência social tem atuação supletiva e visa garantir o mínimo existencial, neste sentido leciona Oziel Francisco de Sousa: O benefício de prestação continuada é a garantia de 01 salário mínimo mensal concedido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que não possua condições de prover sua própria sobrevivência, e nem de tê-la provida por sua família. É voltada, portanto, para a garantia de mínimas condições de vida, numa evidente demonstração de tentativa de realização da justiça social e de garantir a concretização da dignidade da pessoa humana. (O benefício assistencial como elemento nuclear do mínimo existencial: uma análise na perspectiva dos direitos fundamentais sociais. p.512- in Curso Modular de Direito Previdenciário. Lugon & Lazzari (coordenadores). Porto Alegre: Conceito Editorial, 2007. No que concerne ao marco inicial do benefício, este deve ser deferido a partir do laudo pericial em 02/06/2021 pois, somente nesta oportunidade foi possível aferir o preenchimento dos dois requisitos essenciais para a concessão do benefício assistencial: a deficiência permanente e o real estado de miserabilidade da parte autora. Registre-se que a concessão judicial do benefício assistencial de prestação continuada não exime o Instituto Nacional de Seguro Social de proceder a devida fiscalização e revisão nos termos do art. 21 da Lei nº 8.742/93. <#Diante do exposto, e do mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial por Fernando Oliveira Santos, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, e condeno o INSS à implantar, no prazo de 20 dias, o benefício de prestação continuada (assistencial) com DIB na data da perícia, realizada em 02/06/2021, com RMA R$ 1.100.00 (em 10/2021), possibilitando à autarquia proceder à reavaliação da situação da parte autora no prazo de 2 (dois) anos; (...)" O artigo 46 combinadamente com o § 5º do art. 82, ambos da Lei nº 9099/95, facultam à Turma Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença. Ademais a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a adoção dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, vejamos, por exemplo, o seguinte julgado: EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX ,da Constituição do Brasil. Agravo Regimental a que se nega provimento. ( AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008). O parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.” O dispositivo legal prevê, expressamente, a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX, da Constituição Federal. Assim, considerando que a sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95. No que tange às matérias prequestionadas, verifico que houve menção genérica ao malferimento de princípios constitucionais, mas desacompanhadas de razões claras sobre porque as referidas violações decorreriam do julgado, pelo que deixo de enfrentá-las. Posto isso, nego provimento ao recurso. Condeno a recorrente Autora vencida ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% sobre o valor da causa nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Para o beneficiário da gratuidade de justiça, o pagamento da verba honorária se sujeita ao disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. É como voto.
No caso dos autos, o Perito nomeado por este Juízo concluiu que a parte
autora apresenta cegueira no olho direito por trauma perfurante há vinte anos e
osteoatrose de coluna em 2016. Segundo relatado pelo Perito, foi constatado que a
cegueira do olho direto é irreversível (quesito n. 10).
O Perito afirmou de modo expresso que: “Tendo em vista os exames
realizados e documentação apresentada, o autor apresenta cegueira em olho direito(
classificação da OMS) por trauma perfurante.”
Embora o Perito tenha afirmado que não há incapacidade para a atividade
habitual, entendo que está caracterizada a deficiência nos termos da ordem jurídica em
vigor
Afinal, a parte autora possui 39 anos de idade, trabalhou como ajudante
geral e ajudante de obra e não concluiu o do ensino fundamental e - reitero - possui
cegueira em um olho (visão monocular).
Veja-se que a lei exige para a concessão do benefício assistencial que haja
deficiência, considerando “pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma
ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas” (artigo 20, § 2º, acima transcrito).
É evidente que o impedimento da parte autora (cegueira em um olho), em
conjunto com as demais barreiras acima citadas (baixa escolaridade e o quadro clínico),
obstrui a sua participação em sociedade a ponto de impossibilitar o próprio sustento.
Ademais, e aqui está o ponto mais relevante para o deslinde desta
controvérsia, a Lei nº 14.126, de 23/03/2021, recentemente publicada, passou
a prever expressamente que a visão monocular é classificada como deficiência
sensorial para todos os efeitos legais. Confira-se:
Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do
tipo visual, para todos os efeitos legais.
Parágrafo único. O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de
julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica -se à visão
monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Veja-se que a lei prevê que a visão monocular é definida como deficiência
"para todos os efeitos legais", o que inclui obviamente a Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS).
A lei é evidentemente interpretativa, do que decorrem efeitos
declaratórios e retroativos.
Assim, por opção legislativa da qual o Judiciário não pode se furtar, é evidente que há deficiência (esta sim o requisito pertinente aos benefícios assistenciais) a ensejar a concessão do benefício pleiteado.
E M E N T A
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BPC. DEFICIENTE. VISÃO MONOCULAR. INCAPACIDADE QUE DEVE SER CONJUGADA COM AS CONDIÇÕES PESSOAIS. RENDA PER CAPITA INFERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE CONFIRMAM O ESTADO DE MISERABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS FUNDAMENTOS. ART. 46 DA LEI 9.099/95.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. As reais condições de moradia e a potencial ajuda de familiares, ainda que não pertencentes ao grupo familiar na forma da lei, devem ser consideradas frente a responsabilidade subsidiária do Estado em prover a subsistência do indivíduo.
3. No caso dos autos, há indícios de falta de recursos para atendimento das necessidades básicas.
4. Outrossim, é evidente que o impedimento da parte autora (cegueira em um olho), em conjunto com as demais barreiras descritas nos autos (baixa escolaridade e o quadro clínico), obstrui a sua participação em sociedade a ponto de impossibilitar o próprio sustento.
5. Manutenção do julgado pelos próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei 9.099/95.