Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022870-62.2014.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: REDE 21 COMUNICACOES S.A., IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, PAULO SAAD JAFET, JOSE CARLOS ANGUITA, MAURICIO CESAR CAMPOS SILVA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730-A
Advogados do(a) APELADO: DANIELA MORA TEIXEIRA - SP183058-A, DIRCEU TEIXEIRA - SP48696-A
Advogado do(a) APELADO: RENATO GUGLIANO HERANI - SP156415-A

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022870-62.2014.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: REDE 21 COMUNICACOES S.A., IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, PAULO SAAD JAFET, JOSE CARLOS ANGUITA, MAURICIO CESAR CAMPOS SILVA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730-A
Advogado do(a) APELADO: RENATO GUGLIANO HERANI - SP156415-A
Advogados do(a) APELADO: DANIELA MORA TEIXEIRA - SP183058-A, DIRCEU TEIXEIRA - SP48696-A
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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em Ação Civil Pública, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face de REDE 21 COMUNICACOES LTDA, IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (IURD), PAULO SAAD JAFET, JOSE CARLOS ANGUITA, MAURICIO CESAR CAMPOS SILVA e UNIÃO, em que se pleiteou a invalidação da outorga do serviço de radiodifusão conferida à ré REDE 21, a condenação desta e da IURD ao pagamento de danos materiais e morais difusos, bem como a condenação da União a se abster de conceder futuras outorgas de radiodifusão às corrés.

Alega o autor que foi instaurado o Procedimento Administrativo n° 1.34.001.004782/2012-54, com o objetivo de sistematizar o debate contínuo entre os atores sociais e estatais sobre temas relacionados às áreas da Comunicação e do Direito, incluindo especialmente radiodifusão sonora, televisão e mídias digitais.

Assevera que, durante as investigações, constatou irregularidades cometidas pelos corréus REDE 21 e Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na execução do serviço público de radiodifusão de sons e imagens outorgado pela União.

Destaca que a IURD e a REDE 21 celebraram, em 16/10/2013, contrato de comercialização de tempo de programação (contrato de arrendamento) com vistas a conjugar esforços para a produção de programas de cunho religioso-cultural de autoria da primeira corré, a serem veiculados na grade de programação da segunda corré (Cláusula 1), de segunda-feira a segunda-feira, durante 22 (vinte e duas) horas diárias (Cláusula 4.1.1), pelo prazo de 5 (cinco) anos (Cláusula 7.1).

Aponta que a referida avença viola o art. 124 da Lei n° 4.117/62 e o art. 28, § 12, "d", do Decreto n° 52.795/63, que determinam que o tempo destinado à publicidade comercial não poderá exceder 25% (vinte e cinco por cento) do tempo total de programação. Verifica-se, igualmente, afronta ao art. 34 da Lei n° 4.117/62 e aos arts. 10, 90 e 94 do Decreto n° 52.795/63, que disciplinam o procedimento de concessão e de transferência das outorgas de radiodifusão.

Anota que a fixação do limite de tempo para a publicidade comercial possui dupla finalidade: de um lado, impedir que o particular preste o serviço público focando exclusivamente na busca indiscriminada por lucros; de outro, coarctar o delegatário a cumprir os princípios que norteiam a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão delineados no art. 221 da CF/88.

Consigna que a prestação de serviço público de radiodifusão constitui modalidade de descentralização por delegação e, portanto, res extra commercium, o que inviabiliza a sua apropriação particular e, por conseguinte, impede a comercialização da posição de delegatário. Em suas palavras, “é evidente que a Rede 21 alienou a sua posição de delegatária à Igreja Universal do Reino de Deus, haja vista ter comercializado 22 (vinte e duas) horas de sua programação diária em prol da entidade religiosa, conforme contrato em anexo. Tal prática, além de desconsiderar o caráter extra commercium do serviço de radiodifusão, afronta também a exigência constitucional de prévio procedimento licitatório para a concessão de serviços públicos (arts. 37, XXI, e 175, caput), a natureza intuitu personae dessa delegação, os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da eficiência administrativa (art. 37, caput), bem como importa em desvio de finalidade da concessão de radiodifusão, acarretando, ainda, o enriquecimento sem causa da Rede 21 e de seus representantes legais (art. 884, caput, CC/02)” (ID Num. 94439934 - Pág. 29).

Defende que o delegatário jamais poderá, sem a anuência do poder concedente, transferir ao contratante a execução em si do serviço de radiodifusão. Na realidade, o que a Lei n° 4.117/62 e o Decreto n° 52.795/63 permitem é que a emissora se comprometa a veicular a programação indicada pelo terceiro, o que não se confunde com a cessão (total ou parcial) do direito de uso e gozo sobre o bem público concedido ao delegatário (o canal no espectro de radiofrequências).

Recorda que o art. 26 da Lei n° 8.987/95 permite a subconcessão dos serviços públicos em geral. Ocorre que esse diploma normativo não se aplica à delegação do serviço de radiodifusão, por ressalva expressa do seu art. 41.

Ao final, formula os seguintes pedidos (ID Num. 94439934 - Págs. 49-51):

a) A invalidação da outorga do serviço de radiodifusão conferida à ré Rede 21, com a declaração de caducidade, na forma do artigo 27, artigo 35, inciso III, e artigo 38, § 1º, incisos I e II, todos da Lei n° 8.987/95;

b) A suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, além da declaração de inidoneidade da Rede 21 e de seus representantes legais (Paulo Saad Jafet e José Carlos Anguita), bem como da Igreja Universal do Reino de Deus e de seu representante legal (Maurício Cesar Campos Silva), na forma do artigo 87, incisos III e IV, da Lei n° 8.666/93, o que, por implicação lógica, acarreta a decretação judicial para que sejam impedidos de:

(i) Participar de procedimento licitatório que verse sobre delegação de serviços de radiodifusão, ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócios; e

(ii) Receber novas outorgas de serviços de radiodifusão, ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócios;

c) A condenação da Rede 21 e dos seus representantes legais (Paulo Saad Jafet e José Carlos Anguita), bem como da Igreja Universal do Reino de Deus e de seu representante legal (Maurício Cesar Campos Silva), a indenizarem solidariamente a União por danos patrimoniais no valor total do contrato celebrado entre a Rede 21 e a IURD;

d) A condenação da Rede 21 e dos seus representantes legais (Paulo Saad Jafet e José Carlos Anguita), bem como da Igreja Universal do Reino de Deus e de seu representante legal (Maurício Cesar Campos Silva), a compensarem os danos morais difusos verificados na espécie, em valor a ser oportunamente fixado por Vossa Excelência e revertido para o Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.347/85;

e) A condenação da Rede 21 e da Igreja universal do Reino de Deus às sanções estabelecidas pelos arts. 6º e 19 da Lei n° 12.846/13;

f) A condenação da União (Presidência da República e Ministério das Comunicações) a se abster de conceder futuras outorgas de radiodifusão à Rede 21 e aos seus representantes legais (Paulo Saad Jafet e José Carlos Anguita), bem como à Igreja Universal do Reino de Deus e a seu representante legal (Maurício Cesar Campos Silva), ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das quais sejam sócios;

Em decisão ID Num. 94439934 - Págs. 109-115, foi indeferido o pedido de tutela provisória. Desta decisão, o Parquet interpôs o agravo de instrumento nº 0032307-94.2014.4.03.0000, tendo a então Desembargadora Federal Alda Bastos indeferido o pedido de antecipação da tutela recursal (ID Num. 94439934 - Págs. 170-185).

Intimadas as partes a especificarem as provas que pretendessem produzir (ID Num. 94439938 - Pág. 27), a REDE 21 requereu a produção de provas testemunhal e documental (ID Num. 94439938 - Pág. 56) e PAULO SAAD JAFET e JOSÉ CARLOS ANGUITA requereram prova testemunhal (ID Num. 94439938 - Págs. 66-67). Tais pedidos foram indeferidos, tendo sido delimitados os seguintes pontos controvertidos (ID Num. 94439938 - Pág. 82):

Qual o conceito de publicidade comercial? (fl. 11v.).

Contrato excedeu o limite de 22 horas diárias? - depende do conceito de publicidade comercial (fl. 09v.).

O contrato com 22 horas diárias caracteriza alienação da posição de delegatária? (fl. 14 e 14v.).

Se se considerar ter havido o excesso do limite de 22 horas diárias, isto caracteriza (e qual) ato de improbidade?

Na sentença, o r. Juízo a quo julgou improcedente os pedidos (ID Num 94439947).

Inconformado, apela o MPF repisando os termos da sua petição inicial (ID Num. 94439949).

Intimados, os corréus apresentaram contrarrazões, tendo em comum o pedido de manutenção da r. sentença (ID Num. 94439954, ID Num. 94439956, ID Num. 94439958 e ID Num. 94439961). Especificamente, PAULO SAAD JAFET, JOSÉ CARLOS ANGUITA e MAURÍCIO CESAR CAMPOS SILVA aduziram a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam; e a REDE 21 arguiu as preliminares de inépcia da petição inicial.

Posteriormente, subiram os autos a esta E. Corte Federal.

Em parecer, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República, manifestou-se pelo provimento do recurso (ID Num. 108857419).

Em 18/05/2022, as partes foram intimadas da inclusão deste feito para a sessão de julgamento do dia 15/06/2022, posteriormente adiado para 18/08/2022.

Em 02/08/2022, a REDE 21 alega que foi sancionada a Lei nº 14.408/2022, que alterou algumas disposições do Código Brasileiro de Telecomunicações, em busca de estabelecer regras mais explícitas sobre a comercialização do espaço da programação das empresas de radiodifusão privadas.

Nas suas palavras, “além de i) haver a expressa previsão legal do que seria, taxativamente, “publicidade comercial”, para efeitos do Código Brasileiro de Telecomunicações; ii) existe a eminente previsão de que as concessionárias e as permissionárias podem transferir, comercializar e ceder 100% (cem por cento) da sua grade para a produção independente, desde que mantenha a limitação legal da publicidade comercial e o controle de qualidade do conteúdo” (ID Num. 261557907 - Pág. 12).

Instados a se manifestar, o MPF foi contrário à incidência da Lei nº 14.408/2022 (ID Num. 263917249). Já a União entendeu que o caso em questão se enquadra ao novo texto legal (ID Num. 263968837).

Em nova manifestação, a REDE 21 reiterou a aplicação imediata da Lei nº 14.408/2022, trazendo um parecer lavrado pela Procuradoria Regional da República das 2ª Região, favorável a sua tese. A seu ver, “o Ministério Público da União, por meio de todos os seus ramos, deve agir de maneira coerente e uníssona” (ID Num. 265637677 - Pág. 10) e que a divergência opinativa seria uma afronta ao princípio da unidade do Ministério Público previsto no art. 127 da CF.

É o relatório.

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022870-62.2014.4.03.6100

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APELADO: REDE 21 COMUNICACOES S.A., IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS, PAULO SAAD JAFET, JOSE CARLOS ANGUITA, MAURICIO CESAR CAMPOS SILVA, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO ZANIN MARTINS - SP172730-A
Advogado do(a) APELADO: RENATO GUGLIANO HERANI - SP156415-A
Advogados do(a) APELADO: DANIELA MORA TEIXEIRA - SP183058-A, DIRCEU TEIXEIRA - SP48696-A
Advogados do(a) APELADO: DANIELA MORA TEIXEIRA - SP183058-A, DIRCEU TEIXEIRA - SP48696-A
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V O T O

 

 

 

De início, impende frisar que está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), in verbis:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

Com efeito, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO (FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL). REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO DA FEDERAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011.

3. Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal.

4. No presente caso, tendo a sentença julgado extinto o processo sem resolução de mérito, justamente pela carência de ação (fls. 347/351) - falta de interesse processual, prevista no art. 267, VI do CPC/1973 -, e considerando a jurisprudência deste STJ quanto à aplicação analógica do sobredito art. 19 às Ações Civis Públicas, é mesmo imprescindível o reexame necessário.

5. Ainda que existisse eventual vício na decisão singular, este seria convalidado pelo julgamento do presente Agravo Interno perante o Órgão Colegiado, sendo incabível o reconhecimento de nulidade. Julgados: AgInt no REsp. 1.709.018/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.8.2018; AgInt no REsp. 1.533.044/AC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017.

6. Agravo Interno da Federação a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019)

Da Lei nº 14.408/2022

A Lei nº 14.408, de 12 de julho de 2022, alterou a Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações) para dispor sobre a transferência, a comercialização e a cessão do tempo de programação para a produção independente.

Dentre as novidades trazidas pelo Diploma Legal, consta a permissão para as emissoras de rádio e televisão vender toda a sua programação para a veiculação de produção independente (grifei):

Art. 38. Nas concessões, permissões ou autorizações para explorar serviços de radiodifusão, serão observados, além de outros requisitos, os seguintes preceitos e cláusulas:

k) as concessionárias e permissionárias poderão transferir, comercializar ou ceder o tempo total de programação para a veiculação de produção independente, desde que mantenham sob seu controle a regra legal de limitação de publicidade comercial e a qualidade do conteúdo da programação produzido por terceiro para que atenda ao disposto na alínea “d” deste caput, além de responsabilizarem-se perante o poder concedente por eventuais irregularidades que este vier a constatar na execução da programação; (Incluída pela Lei nº 14.408, de 2022)

Além disso, a Lei nº 14.408/22 trouxe o conceito legal de publicidade comercial:

Art. 124. O tempo destinado na programação das estações de radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder de 25% (vinte e cinco por cento) do total.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se publicidade comercial o espaço da programação para a difusão de mensagens e informações com conteúdo próprio de publicidade de produtos e serviços para os consumidores e/ou de promoção de imagem e marca de empresas. (Incluída pela Lei nº 14.408, de 2022)

A despeito de as modificações, em tese, versarem sobre questões postas em julgamento, tenho que a Lei nº 14.408/22 não pode ser aplicada ao caso concreto, por força do princípio do tempus regit actum.

Em parecer, o Parquet sintetizou os fatos discutidos nos seguintes termos (ID Num. 108857419 - Pág. 2, grifei):

Consta dos autos que a Igreja Universal do Reino de Deus - IURD e a Rede 21 celebraram, por meio de seus administradores, em 16 de outubro de 2013, contrato de comercialização de tempo de programação, com vistas a conjugar esforços para a produção de programas de cunho religioso-cultural de autoria da IURD, a serem veiculados na grade de programação da Rede 21 (Cláusula 1), de segunda-feira a segunda-feira, durante 22 (vinte e duas) horas diárias (Cláusula 4.1.1), pelo prazo de 5 (cinco) anos (Cláusula 7.1). Tal prática, a um só tempo, constituiria afronta ao art. 34 da Lei nº 4.117/62 e aos arts. 10, 90 e 94 do Decreto nº 52.795/63, que disciplinam o procedimento de concessão e de transferência das outorgas de radiodifusão, e violaria o art. 124 da Lei nº 4.117/62 e o art. 28, §12, “d”, do Decreto nº 52.795/63, que determinam que o tempo destinado à publicidade comercial não poderá exceder 25% (vinte e cinco por cento) do tempo total de programação. Os fatos descritos não só teriam como consequência o enriquecimento ilícito da Rede 21 e de seus representantes legais, bem como resultariam dano ao erário, fruto da falta de arrecadação do valor da outorga da transferência da concessão ao Estado (utilização exclusiva de 22 horas diárias de programação ou 91,66% da concessão pela IURD configura transferência por via oblíqua).

(...)

Sobreveio a r. sentença recorrida (id. 94439944)

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs a apelação (id. 94439949), aduzindo, em síntese, que a Rede 21 detém a outorga do serviço público de radiodifusão, todavia, contratou a IURD para elaborar sua 22 h da programação, isto é, 91,66% do tempo, de modo que, na prática a verdadeira executora do serviço público é a IURD, o que é vedado pelo ordenamento, por constituir transferência de outorga sem respeito ao processo licitatório e configurar enriquecimento sem causa da Rede 21 que não executa o serviço outorgado. Assim, a prática configura infringência aos princípios da impessoalidade, do dever de licitar e infringe a obrigação de obter autorização para transferência da concessão. Não bastasse, houve infringência à finalidade educativas e informativa e desrespeito ao estímulo à produção independente e ao percentual máximo de 25% da programação com publicidade comercial; impondo-se a cassação da outorga e o acolhimento dos pedidos iniciais.

Segundo a imputação ministerial, em 16/10/2013, a REDE 21, detentora da outorga do serviço público de radiodifusão, celebrou contrato de comercialização de tempo de programação com a IURD, tendo por objeto a utilização de 22 horas de programação diária pelo prazo de 5 anos.

A seu ver, o referido negócio jurídico resultou em verdadeira transferência da concessão do serviço público de radiodifusão sem que fossem obedecidas as disposições da legislação vigente ao caso, o que incidiria na nulidade da avenca por ilicitude do objeto, nos termos do art. 166, II, do CC (ID Num. 94439934 - Pág. 29):

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

Ora, a nulidade de um negócio jurídico somente pode ser aferida com base na legislação que estava em vigor quando de sua concretização.

Do contrário, significaria que um ato praticado em total desacordo com o ordenamento jurídico poderia ser futuramente sanado, desde que existisse alteração na legislação sobre o tema.

Ocorre que o Direito não fica à mercê das modificações vindouras no ordenamento jurídico, devendo coibir as condutas ilícitas praticadas pelos agentes quando elas forem concretizadas, sob pena de gerar insegurança jurídica e instabilidade institucional perante a sociedade.

Em caso análogo, o E. Superior Tribunal de Justiça, analisando o prazo prescricional para a alegação de simulação em contrato firmado sob a égide do CC/1916, aplicou o princípio do tempus regit actum:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. APLICAÇÃO. SIMULAÇÃO. PRESCRIÇÃO (CC/1916, ART. 178, § 9º, V, b). OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

5. Por outro lado, merece parcial reforma o acórdão recorrido, pois a alegação de simulação em negócios jurídicos celebrados sob a égide do Código Civil de 1916 atrai a incidência do princípio tempus regit actum afastando a aplicação das regras do Código Civil de 2002, para, com base no art. 178, § 9º, V, b, do Código Beviláqua, reconhecer-se a ocorrência de prescrição.

(REsp n. 1.004.729/MS, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/10/2016, DJe de 26/10/2016.)

Nestes termos, passo a analisar este recurso sob a ótica do regime anterior à Lei nº 14.408/22.

Das preliminares

PAULO SAAD JAFET, JOSÉ CARLOS ANGUITA e MAURÍCIO CESAR CAMPOS SILVA aduziram a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, ao passo que e REDE 21 arguiu as preliminares de inépcia da petição inicial em razão de pedidos genéricos, bem como o pedido “a” ser contra legem.

Quanto à legitimidade passiva ad causam, o MPF defende a inclusão dos coapelados com fundamento na Lei nº 12.846/13, que cuida da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, especificamente o seu art. 3º:

Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

§ 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.

§ 2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.

Como o supracitado § 2º condiciona a responsabilidade dos dirigentes e administradores à “medida da sua culpabilidade”, a alegação somente pode ser apreciada juntamente com o mérito recursal.

Quanto à preliminar de pedidos genéricos, aduz a REDE 21 que os itens “c” e “d” seriam inaptos. Tais pedidos possuem a seguinte redação:

c) A condenação da Rede 21 e dos seus representantes legais (Paulo Saad Jafet e José Carlos Anguita), bem como da Igreja Universal do Reino de Deus e de seu representante legal (Maurício Cesar Campos Silva), a indenizarem solidariamente a União por danos patrimoniais no valor total do contrato celebrado entre a Rede 21 e a IURD;

d) A condenação da Rede 21 e dos seus representantes legais (Paulo Saad Jafet e José Carlos Anguita), bem como da Igreja Universal do Reino de Deus e de seu representante legal (Maurício Cesar Campos Silva), a compensarem os danos morais difusos verificados na espécie, em valor a ser oportunamente fixado por Vossa Excelência e revertido para o Fundo previsto no art. 13 da Lei n° 7.347/85;

O pedido de danos patrimoniais (item “c”) está certo e delimitado quanto ao “valor total do contrato celebrado entre a Rede 21 e a IURD”. Tal montante não foi descrito pelo Parquet. Contudo, a justificativa por ele adotada se mostra pertinente, conforme se infere da seguinte passagem de sua exordial (ID Num. 94439934 - Págs. 7-8):

Saliente-se, desde logo, que o Ministério Público Federal não logrou, até o presente momento, obter os valores pactuados entre as partes, uma vez que a Igreja Universal do Reino de Deus escusa-se, de forma reiterada e peremptória, do dever de apresentá-los extrajudicialmente ao Parquet ("Anexo H”), o que afronta prerrogativas constitucionais e legais do órgão ministerial (art. 129, VI, CR/88; art. 8°, IV e §3°, LC n° 75/93; art. 10, Lei n° 7.347/85).

Com relação ao pedido de danos morais coletivos (item “d”), também não vislumbro nulidade pela ausência do quantum buscado, uma vez que tal montante pode ser aferível em sede de liquidação de sentença. Além disso, o MPF trouxe elementos fáticos suficientes para delimitar o alcance desta pretensão, bem como as condutas praticadas pelos coapelados que, a seu sentir, teriam causado lesão na esfera moral de toda a comunidade.

Por fim, a preliminar de que o pedido “a” seria contra legem, também deve ser afastada, sendo necessário, contudo, fazer algumas ponderações. O mencionado pedido tem a seguinte redação:

a) A invalidação da outorga do serviço de radiodifusão conferida à ré Rede 21, com a declaração de caducidade, na forma do artigo 27, artigo 35, inciso III, e artigo 38, § 1º, incisos I e II, todos da Lei n° 8.987/95;

Em um primeiro momento, assiste razão ao apelado ao aduzir o equívoco na menção aos artigos da Lei n° 8.987/95, uma vez que o seu art. 41 expressamente consigna que “o disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.

Tanto é verdade que, em sede de apelação, o Parquet reiterou a mesma pretensão, contudo excluiu a parte referente à Lei n° 8.987/95 (ID Num. 94439949 - Págs. 13-14):

Por todo exposto e pelo que mais consta dos autos, reiterando os argumentos apresentados na petição inicial, requer o Ministério Público Federal o provimento do presente apelo para que os seguintes pedidos sejam acolhidos:

a) a invalidação da outorga do serviço de radiodifusão conferida à ré Rádio 21, com a declaração de caducidade;

Penso, contudo, que a interpretação dos pedidos não pode ser feita tomando por base somente aquilo que está descrito no tópico específico da petição inicial (“Dos Pedidos”), devendo ser feita uma análise global de toda a exordial para se inferir, por interpretação lógico-sistemática, o real desiderato da parte autora.

Tal entendimento encontra respaldo no E. Superior Tribunal de Justiça, o qual, sob a égide do CPC/1973, assim já decidiu:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. ATUAÇÃO SIMULTÂNEA OU SUCESSIVA DA PROCURADORA. PRETENSÃO DEDUZIDA NO RECURSO ESPECIAL QUE ESBARRA NA SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284 DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Inexiste o alegado julgamento ultra petita, pois o julgador não violou os limites objetivos da pretensão, tampouco concedeu providência jurisdicional diversa do pedido formulado na inicial, porquanto o pedido deve ser extraído a partir de interpretação lógico-sistemática de toda a petição inicial, sendo desnecessária a sua formulação expressa na parte final desse documento, podendo o Juiz realizar análise ampla e detida da relação jurídica posta em exame.

(...)

(AgRg no AREsp 420.451/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 05/12/2013, DJe 19/12/2013)

É importante destacar que o entendimento aqui defendido ganha respaldo com a edição do CPC/2015, genericamente, em razão do princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º) e, especificamente, em razão do § 2º, do art. 322:

Art. 322. O pedido deve ser certo.

§ 2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

Como bem sintetizado pela Exma. Representante da Procuradoria da República, extrai-se da petição inicial que a “causa de pedir é a utilização pela IURD de 22 horas de programação diária da Rede 21 por cinco anos, o que, a um só tempo: a) configura transferência de concessão não autorizada e ilegal – já que não obedeceu a nenhum requisito legal – e; b) viola o regramento e os princípios extraídos da limitação à publicidade comercial” (ID Num. 108857419 - Págs. 7-8).

Ao requerer “a invalidação da outorga do serviço de radiodifusão conferida à ré Rede 21, com a declaração de caducidade”, busca o MPF, em suma, uma decisão jurídica de natureza constitutiva negativa, a qual, embora não possa estar fundamentada na Lei n° 8.987/95, admitiria a aplicação de outros regramentos, tais com o art. 166, inciso VII, do CC, que preconiza ser nulo o negócio jurídico quando “a lei taxativamente a declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção".

Superada a análise das preliminares, passo ao exame do mérito.

 

Da concessão do serviço público de radiodifusão de sons e imagens

A concessão de serviço público consiste na transferência pela qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o faça em seu nome, por sua conta e risco. Só existe concessão de serviço público quando se trata de serviço próprio do Estado, definido em lei.

O Poder Público transfere ao particular apenas a execução dos serviços, continuando a ser seu titular, assim como a concessão deve ser feita, em princípio, sempre por meio de licitação.

No caso dos autos, cuida-se de pretensão voltada à empresa concessionária de serviço público de radiodifusão de sons e imagens (REDE 21), vinculada ao regime jurídico previsto na Lei nº 4.117/62, que instituiu o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), bem como na Lei nº 9.472/97, que institui a denominada Lei Geral de Telecomunicações (LGT).

Tanto o CBT como a LGT não regulamentam o alcance, a natureza e o conteúdo da produção e dos programas televisivos, do que conclui que as referidas temáticas ficam sob exclusivo critério da empresa concessionária.

Em 16/10/2013, a REDE 21 e Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) firmaram o contrato ID Num. 94439934 - Págs. 53-62 com os seguintes objetos:

1. Objeto. Pelo presente Contrato: (a) as Partes se obrigam a conjugar esforços para a produção de programas de cunho religioso-cultural de autoria da IURD ("Programas"); e (b) a REDE21 se obriga a veicular os Programas na grade de programação da REDE21, especificamente em São Paulo (canal -21 UHF), e nas emissoras, retransmissoras listadas no anexo I, assim como pelo SAT analógico do canal (e SAT digital, caso venha a ser implantado), conforme especificado na cláusula 4 abaixo.

Dentre as obrigações da REDE 21, o MPF chama a atenção para aquela prevista no item 4.1.1:

4. Obrigações e Direitos da REDE21. Além de outras obrigações e direitos previstos neste Contrato, a REDE21 irá:

4.1 Exibir os Programas na REDE21, especificamente em São Pauto (canal 21 UHF), e nas emissoras, retransmissor s listadas no anexo 1, assim como pelo SAT do canal. A inclusão de novas emissoras (próprias/afiliadas) e/ou exclusão das afiliadas já existentes não criará nenhum ônus adicional ao Contrato e poderá ocorrer sem a necessidade de obtenção de qualquer aprovação prévia da IURD.

4.1.1 O Programa será exibido pela REDE21, diariamente, durante 22h (vinte e duas horas), sendo certo que durante outras 2h (duas horas) de cada dia serão veiculados matérias de caráter jornalístico, conforme legislação em vigor, cujo conteúdo será de exclusiva responsabilidade da REDE21 ou quem esta indicar.

Segundo o órgão ministerial, a avença viola o art. 124 da Lei n° 4.117/62 e o art. 28, § 12, "d", do Decreto n° 52.795/63, que determinam que o tempo destinado à publicidade comercial não poderá exceder 25% (vinte e cinco por cento) do tempo total de programação. Os dispositivos mencionados apresentavam a seguinte redação na época:

Lei n° 4.117/62

Art. 124. O tempo destinado na programação das estações de radiodifusão, à publicidade comercial, não poderá exceder de 25% (vinte e cinco por cento) do total.

Decreto n° 52.795/63

Art. 28 - As concessionárias e permissionárias de serviços de radiodifusão, além de outros que o Governo julgue convenientes aos interesses nacionais, estão sujeitas aos seguintes preceitos e obrigações:

12 - na organização da programação:

d) limitar ao máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do horário da sua programação diária o tempo destinado à publicidade comercial;   

Além disso, segundo o apelante, houve afronta ao art. 34 da Lei n° 4.117/62 e aos arts. 10, 90 e 94, do Decreto n° 52.795/63, que disciplinam o procedimento de concessão e de transferência das outorgas de radiodifusão.

Dito de outro modo, para o MPF, a utilização das 22 (vinte e duas) horas diárias da programação da REDE 21 pela IURD deve ser entendida como publicidade comercial, a qual está limitada a 25% do tempo total de programação, por força do art. 124 da Lei n° 4.117/62 e o art. 28, § 12, "d", do Decreto n° 52.795/63. Como tal barreira não foi respeitada, houve transferência ilegal da outorga do serviço de radiodifusão.

Como bem especificado pelo r. Juízo Singular na decisão saneadora, cinge-se a questão apresentada nestes autos quanto ao conceito de publicidade comercial e se a utilização de 22 horas diárias de programação configura alienação da posição de delegatária do serviço público.

Ocorre que tanto na Lei nº 4.117/62 (CBT) como na Lei nº 9.472/97 (LGT) não trazem o conceito legal deste instituto.

Na r. sentença, a publicidade comercial foi assim definida (ID Num. 94439945 - Pág. 6):

Na forma delineada pela Lei n. 9.472/1997, a publicidade comercial é vinculada ao anúncio de produtos e serviços e, não se justifica a imputação de qualquer outro sentido a ela.

O Código Brasileiro de Telecomunicações apenas determinou quais são as finalidades a serem observadas nas concessões e, o autor não provou a violação de nenhuma delas.

Na exordial, o Parquet adota o conceito de publicidade comercial dada por Braulio Santos Rabelo de Araújo (ID Num. 94439934 - Págs. 24-26, grifei):

Nessa toada, Bráulio Santos Rabelo de Araújo esclarece que "o termo publicidade comercial refere-se ao caráter comercial que a operação tem para o concessionário ou permissionário de radiodifusão e não ao caráter comercial ou não do conteúdo ou da instituição que contrata determinado tempo de programação" (grifos nossos). Logo, o termo designa "toda e qualquer operação de comercialização de tempo de programação realizada por todo e qualquer concessionário e permissionário de radiodifusão, independentemente do caráter comercial ou não do contratante e da caracterização ou não do conteúdo como publicidade comercial strictu sensu". O doutrinador prossegue trazendo exemplos pragmáticos que demonstram a exatidão de sua tese, urna vez que a emissora de rádio ou televisão pode:

"(i) comercializar tempo de programação com uma instituição comercial -  como, por exemplo, um banco, uma empresa de cosméticos, uma rede varejistas de eletrodomésticos - que pague pela veiculação de conteúdo de caráter comercial, caracterizado corno publicidade comercial strictu sensu - como uma propaganda em intervalo comercial, um merchandising que se realize dentro da própria programação ou um programa todo voltado à publicidade de uma instituição, como, v.g., programas de meia hora ou uma hora vendidos para redes de farmácias ou academias promoverem suas atividades; ou

(ii) comercializar tempo de programação com uma instituição não comercial - como, por exemplo, a União, os Estados e os Municípios, organizações religiosas, associações, partidos políticos, sindicatos e universidades públicas ou privadas sem fins lucrativos - que pague pela veiculação de conteúdo de caráter não comercial, não caracterizado como publicidade comercial strictu sensu - v.g. (a) propaganda institucional de ações governamentais, (b) comunicações de caráter informativo a respeito, por exemplo, de campanhas de vacinação, cuidados com saúde ou obrigações com a justiça eleitoral, (c) mensagens de interesse de sindicatos, como a promoção de atividades sindicais (v.g. festa do dia do trabalho), comunicações a respeito de uma greve ou manifestações favoráveis ou contrárias a determinada medida governamental, (d) mensagens promovendo a imagem institucional de universidades públicas, universidade privadas sem fins ou associações sem fins lucrativos como, v.g., a AACD; e (d) a transmissão de programas religiosos, tão difundidos na atual idade."

Ao que consta, trata-se de um conceito extremamente amplo, que aborda temáticas distintas entre si, alcançando desde aquelas de natureza eminentemente comercial (ex: “um banco, uma empresa de cosméticos, uma rede varejistas de eletrodomésticos”) até as que não possuem idêntica finalidade (ex: “organizações religiosas, associações, partidos políticos, sindicatos e universidades públicas ou privadas sem fins lucrativos”, “mensagens de interesse de sindicatos”; “programas religiosos”).

A REDE 21, a seu turno, trouxe a lição de Vidal Serrano Nunes Júnior (ID Num. 94439935 - Pág. 19, grifei):

Entendemos, no entanto, por conceituar publicidade comercial como o ato de comunicação, de índole coletiva, patrocinado por entre público ou privado, com ou sem personalidade, no âmago de uma atividade econômica, com a finalidade de promover, direta ou indiretamente, o consumo de produtos e serviços.

(...)

É que a publicidade comercial, como ato de comunicação, está predisposta à realização de uma finalidade: a promoção do consumo.

O conceito adotado pelo doutrinador trazido pela REDE 21 é bem mais restrito, estando direcionado à finalidade de “promoção do consumo”.

Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, em trecho de seu clássico “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto”, destina um tópico para tratar do conceito de publicidade:

Publicidade, segundo um grande jurista português, é “toda a informação dirigida ao público com o objectivo de promover, directa ou indirectamente, uma atividade económica”.

Assim como sucede com o marketing, não é fácil definir publicidade, especialmente em decorrência do “caráter complexo de suas múltiplas funções e das relações mútuas entre elas”. O Comitê de Definições da American Association of Advertising Agencies (AAAA) oferece a seguinte noção: “publicidade é qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto de ideias, como de bens ou serviços, por um patrocinador identificado”.

Em tal sentido, a publicidade não é uma técnica pessoal, cara a cara, entre o consumidor e o fornecedor. Não se utiliza de comunicação individual. Um conceito mais amplo é possível: “publicidade é uma atividade comercial controlada, que utiliza técnicas criativas para desenhar comunicações identificáveis e persuasivas nos meios de comunicação de massa, a fim de desenvolver a demanda de um produto e criar uma imagem da empresa em harmonia com a realização de seus objetivos, a satisfação dos gostos do consumidor e o desenvolvimento do bem-estar social e econômico”.

De maneira mais concreta e menos utópica, a publicidade foi definida como “o conjunto de comunicações controladas, identificáveis e persuasivas, transmitidas através dos meios de difusão, com o objetivo de criar demanda de um produto ou produtos e contribuir para a boa imagem da empresa”.

(in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto: direito material e processo coletivo: volume único / Ada Pellegrini Grinover... [et al.]; colaboração Vicente Gomes de Oliveira Filho e João Ferreira Braga. – 12. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, Capítulo V, Seção III, item 5, grifei)

Assim, para um dos autores do anteprojeto do CDC, o conceito de publicidade ostenta natureza eminentemente econômica, lucrativa, “com o objetivo de criar demanda de um produto ou produtos e contribuir para a boa imagem da empresa”.

Em análise técnica sobre o tema, cumpre transcrever o conceito de publicidade dado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), organização da sociedade civil que “visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial” (conforme se extrai de seu sitio eletrônico), em seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária:

Artigo 8º

O principal objetivo deste Código é a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias.

É certo que o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária não possui força de lei, mas de ato interno do CONAR. Contudo, dada a sua relevância para o setor econômico da publicidade e da propaganda, pode ser utilizado como uma fonte do Direito, qualificado como “costume” (art. 4º da LINDB).

Trata-se, inclusive, de posicionamento encampado pelo Ministro Luís Felipe Salomão:

Embora criticado por parte da doutrina por não possuir status de lei, o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária é importante fonte que expressa os costumes do mercado publicitário (SCHMIDT. Lélio Denícoli. A publicidade comparativa à luz da lei de propriedade industrial. Revista da ABPI 52 mai/jun 2001).

(REsp 1377911/SP, Quarta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 19/12/2014)

Importa esclarecer que, embora o CONAR tenha conceituado a publicidade e a propaganda no mesmo dispositivo (art. 8º), juridicamente cuidam-se de institutos distintos. Trazendo os ensinamentos de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin:

Publicidade seria o “conjunto de técnicas de ação coletiva utilizadas no sentido de promover o lucro de uma atividade comercial, conquistando, aumentando ou mantendo cliente”. Já a propaganda é definida como o “conjunto de técnicas de ação individual utilizadas no sentido de promover a adesão a um dado sistema ideológico (político, social ou econômico)”.

(Idem, ibidem, item 6, grifei)

A Lei nº 4.680/65, que regulamenta o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda, conceitua propaganda como sendo “qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado” (art. 5º).

Portanto, adotando o art. 8º do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com a necessária distinção conceitual, tem-se que publicidade é a atividade destinada “a estimular o consumo de bens e serviços”, ao passo que propaganda é a atividade destinada a “promover instituições, conceitos ou idéias”.

Partindo-se de tal premissa, de fato, não há como considerar que a programação de natureza religiosa possa ser qualificada como publicidade comercial.

Como se sabe, a Constituição Federal consagra a religião como direito fundamental, assegurando a liberdade religiosa em seu art. 5º, inciso VI:

Art. 5º

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Logo, dado o delineamento da religião trazido pela Carta Magna, não há como se inferir de seu propósito o estímulo ao consumo de bens e serviços. Consequentemente, não vislumbro ilegalidade no objeto da avença firmada entre a REDE 21 e a IURD, referente à comercialização de tempo de programação (Cláusula 1).

O simples fato de a REDE 21 ter contratualmente concedido 22 (vinte e duas) horas diárias de sua programação para a IURD, por si só, não significa a transferência de outorga do serviço de radiodifusão, mas sim uma opção institucional da emissora em ser referência televisiva em um determinado segmento de interesse público, no caso, a religião cristã.

Trata-se, em verdade, de manifestação do exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão, expressamente garantidos pela Constituição Federal nos seguintes dispositivos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

(...)

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

(...)

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Inclusive, foi justamente com fundamento na relevância da proteção constitucional ao direito de liberdade de pensamento e de expressão que o E. Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 2.566/DF, declarou a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 4º, da Lei nº 9.612/98, que proibia a prática de proselitismo no âmbito da programação das emissoras de radiodifusão comunitária.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI N. 9.612/98. RÁDIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. PROBIÇÃO DO PROSELITISMO. INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DIRETA. 1. A liberdade de expressão representa tanto o direito de não ser arbitrariamente privado ou impedido de manifestar seu próprio pensamento quanto o direito coletivo de receber informações e de conhecer a expressão do pensamento alheio. 2. Por ser um instrumento para a garantia de outros direitos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a primazia da liberdade de expressão. 3. A liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa. Precedentes. 4. A liberdade política pressupõe a livre manifestação do pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso do argumentos críticos. Consenso e debate público informado pressupõem a livre troca de ideias e não apenas a divulgação de informações. 5. O artigo 220 da Constituição Federal expressamente consagra a liberdade de expressão sob qualquer forma, processo ou veículo, hipótese que inclui o serviço de radiodifusão comunitária. 6. Viola a Constituição Federal a proibição de veiculação de discurso proselitista em serviço de radiodifusão comunitária. 7. Ação direta julgada procedente.

(ADI 2566, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 16/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225  DIVULG 22-10-2018  PUBLIC 23-10-2018)

No voto vencedor, o Ministro Edson Fachin assim justificou a inconstitucionalidade da vedação à prática de proselitismo:

Assim, é preciso jamais olvidar a essencialidade do direito à liberdade de expressão, veículo indispensável para o exercício pleno de diversos direitos fundamentais. Como advertiu o e. Ministro Luiz Fux, quando do julgamento da ADI 2.404, já referenciada nesta manifestação, “a conexão axiológica entre liberdade de manifestação de pensamento dos seus variados matizes e o princípio democrático, servindo aquela de instrumento à preservação deste, torna claro o risco subjacente a qualquer forma de controle prévio pelo Poder Executivo do conteúdo a ser veiculado nos meios de comunicação”. Não se pode perder de vista que a liberdade de expressão jamais possui um aspecto meramente individual.

Não se trata apenas de direitos que pertencem a quem fala ou de quem está com a palavra, mas também de quem a ouve. O direito a liberdade de expressão abrange, necessariamente, uma dimensão social, que engloba o direito de receber informações e ideias.

Em síntese, os direitos da liberdade de pensamento e de manifestação devem ser prestigiados, garantindo-se às partes a possibilidade de celebração de negócio jurídico que atendam às suas finalidades institucionais, sempre respeitando o ordenamento jurídico pátrio.

Para além do aspecto constitucional, deve-se destacar que, no contrato impugnado, a Cláusula 1 é expressa ao apontar “as Partes se obrigam a conjugar esforços para a produção de programas de cunho religioso-cultural de autoria da IURD ("Programas")”. Ou seja, as partes, de comum acordo, são responsáveis pela produção conjunta dos programas.

E, em caso de eventuais irregularidades, a Cláusula 4.1.3 garante o direito da REDE 21 de deixar de exibir os programas da IURD (ID Num. 94439934 - Pág. 56):

4.1.3 A REDE21 poderá deixar de exibir os Programas, caso venham a contrariar a sua linha editorial, a legislação pertinente, quando não estiverem em condições técnicas adequadas, comprometendo a qualidade da transmissão, ou, ainda, se forem considerados inadequados para o horário de exibição. Nessa hipótese, a REDE21 deverá comunicar a IURD por escrito, indicando os motivos do veto e se não for possível entregar novos Programas, fica a REDE21 autorizada a exibir reprises de Programas anteriormente entregues pela IURD.

Um último aspecto que deve ser ressaltado é o de que, em termos normativos, não há que se falar em transferência indireta do serviço público de radiodifusão, na medida em que, na época dos fatos, estavam em vigor os §§ 1º e 2º, do art. 89, do Decreto nº 52.795/63:

Art 89. As concessões e permissões poderão ser transferidas direta ou indiretamente.

§ 1º Dá-se a transferência direta quando a concessão ou permissão é transferida de uma pessoa jurídica para outra.

§ 2º Dá-se a transferência indireta quando a maioria das cotas ou ações representativas do capital é transferida de um para outro grupo de cotistas ou acionistas que passa a deter o mando da sociedade.

É certo que o art. 89 teve sua redação alterada pelo Decreto nº 9.138/2017, o qual, inclusive, revogou os §§ 1º e 2º. Contudo, como o contrato entre a REDE 21 e a IURD foi firmado em 16/10/2013 (ID Num. 94439934 - Pág. 62), naquele período as citadas vedações estavam vigorando (princípio do tempus regit actum).

Por fim, em razão da manutenção do entendimento adotado na r. sentença, reconhecendo a validade do negócio jurídico firmado entre a REDE 21 e a IURD, resta prejudicada a análise dos demais questionamentos suscitados pelo Parquet ou pelos coapelados.

Quanto à petição ID Num. 265637677, em que a REDE 21 acosta um parecer lavrado pela Procuradoria Regional da República das 2ª Região favorável à aplicação da Lei nº 14.408/2022, nada a decidir.

Impende destacar que o princípio da unidade consagrado no § 1º, do art. 127, da CF, volta-se ao Ministério Público como instituição, sendo descabida a tese invocada pela REDE 21 de que os seus membros deveriam agir de “maneira coerente e uníssona” (ID Num. 265637677 - Pág. 10).

Até porque tal alegação contraria o princípio da independência funcional, consagrado no mesmo dispositivo, que legitima a atuação ministerial divergente ainda que sobre um mesmo assunto.

Como bem ensinam Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, na clássica obra “Teoria Geral do Processo” (grifei):

Dois princípios básicos informam tradicionalmente a instituição do Ministério Público: a) o da unidade; b) o da independência funcional - ambos erigidos à dignidade constitucional na ordem vigente (Const., art. 127, §1º).

Ser una e indivisível a Instituição significa que todos os seus membros fazem parte de uma só corporação e podem ser indiferentemente substituídos um por outro em suas funções, sem que com isso haja alguma alteração subjetiva nos processos em que oficiam (quem está na relação processual é o Ministério Público, não a pessoa física de um promotor ou curador).

Ser independente significa, em primeiro lugar, que cada um de seus membros age segundo sua própria consciência jurídica, com submissão exclusivamente ao direito, sem ingerência do Poder Executivo, nem dos juízes e nem mesmo dos órgãos superiores do próprio Ministério Público (v. lei n. 8.625, de 12.2.93, art. 1º, par. ún.). Por outro lado, a independência do Ministério Público como um todo identifica-se na sua competência para "propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e títulos" (Const., art. 127, § 2º) e para elaborar "sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias" (art. 127, § 3º).

(in Teoria Geral do Processo, 28ª edição, editora Malheiros, 2012, pg. 242)

Ante o exposto, rejeito as preliminares e nego provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida.

É como voto.

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS. PEDIDO FORMULADO COM BASE NA LEI Nº 8.987/95. MERA IRREGULARIDADE. CONCEITO DE PUBLICIDADE COMERCIAL. RELIGIÃO. NÃO ABRANGÊNCIA. DIREITO À LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE EXPRESSÃO. RECURSO IMPROVIDO.

1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).

2. A nulidade de um negócio jurídico somente pode ser aferida com base na legislação que estava em vigor quando de sua concretização.

3. A interpretação dos pedidos não pode ser feita tomando por base somente aquilo que está descrito no tópico específico da petição inicial (“Dos Pedidos”), devendo ser feita uma análise global de toda a exordial para se inferir, por interpretação lógico-sistemática, o real desiderato da parte autora.

4. Ao requerer “a invalidação da outorga do serviço de radiodifusão conferida à ré Rede 21, com a declaração de caducidade”, busca o MPF, em suma, uma decisão jurídica de natureza constitutiva negativa, a qual, embora não possa estar fundamentada na Lei n° 8.987/95, admitiria a aplicação de outros regramentos, tais com o art. 166, inciso VII, do CC, que preconiza ser nulo o negócio jurídico quando “a lei taxativamente a declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção".

5. A concessão de serviço público consiste na transferência pela qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o faça em seu nome, por sua conta e risco. Só existe concessão de serviço público quando se trata de serviço próprio do Estado, definido em lei.

6. Para o MPF, a utilização das 22 (vinte e duas) horas diárias da programação da REDE 21 pela IURD deve ser entendida como publicidade comercial, a qual está limitada a 25% do tempo total de programação, por força do art. 124 da Lei n° 4.117/62 e o art. 28, § 12, "d", do Decreto n° 52.795/63. Como tal barreira não foi respeitada, houve transferência ilegal da outorga do serviço de radiodifusão.

7. Em uma análise técnica sobre o tema, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), conceitua publicidade e propaganda como “atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias” (art. 8º). Embora o CONAR tenha conceituado a publicidade e a propaganda no mesmo dispositivo, cuidam-se de institutos distintos.

8. A Lei n º 4.680/65, que regulamenta o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de propaganda, conceitua propaganda como sendo “qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado” (art. 5º). Portanto, adotando o art. 8º do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com a necessária distinção conceitual, tem-se que publicidade é a atividade destinada “a estimular o consumo de bens e serviços”, ao passo que propaganda é a atividade destinada a “promover instituições, conceitos ou idéias”.

9. Partindo-se de tal premissa, não há como considerar que a programação de natureza religiosa possa ser qualificada como publicidade comercial. A Constituição Federal consagra a religião como direito fundamental, assegurando a liberdade religiosa em seu art. 5º, inciso VI. Logo, dado o delineamento da religião trazido pela Carta Magna, não há como se inferir de seu propósito o estímulo ao consumo de bens e serviços.

10. O simples fato de a REDE 21 ter contratualmente concedido 22 (vinte e duas) horas diárias de sua programação para a IURD, por si só, não significa a transferência de outorga do serviço de radiodifusão, mas sim uma opção institucional da emissora em ser referência televisiva em um determinado segmento de interesse público, no caso, a religião cristã. Trata-se, em verdade, de manifestação do exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão.

11. Para além do aspecto constitucional, deve-se destacar que, no contrato impugnado, a Cláusula 1 é expressa ao apontar “as Partes se obrigam a conjugar esforços para a produção de programas de cunho religioso-cultural de autoria da IURD ("Programas")”, ou seja, as partes, de comum acordo, são responsáveis pela produção conjunta dos programas. E, em caso de eventuais irregularidades, a Cláusula 4.1.3 garante o direito da REDE 21 de deixar de exibir os programas da IURD.

12. Preliminares rejeitadas. Apelação e remessa oficial, tida por submetida, improvidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.