APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006532-69.2021.4.03.6103
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: ALESSANDRO SILVA DA CUNHA
Advogado do(a) APELANTE: MATHEUS HENRIQUE PEREIRA - SP429756-A
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006532-69.2021.4.03.6103 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: ALESSANDRO SILVA DA CUNHA Advogado do(a) APELANTE: MATHEUS HENRIQUE PEREIRA - SP429756-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta por Alessandro Silva da Cunha em face de sentença que julgou improcedente o pedido formulado na inicial. Em suas razões, a parte apelante sustenta, em síntese, que adquiriu bem imóvel de forma lícita e de boa-fé, razão pela qual aduz ser indevida a reintegração de posse à Caixa Econômica Federal. Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006532-69.2021.4.03.6103 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: ALESSANDRO SILVA DA CUNHA Advogado do(a) APELANTE: MATHEUS HENRIQUE PEREIRA - SP429756-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Da cessão de direitos de imóvel adquirido no PAR Primeiramente destaque-se que a Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça autoriza terceiro, detentor de contrato particular de compra e venda de imóvel, defender a posse do bem via embargos de terceiros, mesmo que a avença não tenha sido levada ao registro público, in verbis: É admissível a oposição de embargos de terceiros fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro. (Súmula 84, STJ) Nesse sentido é o entendimento dessa Corte, como segue: "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIROS. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO. POSSE JUSTA E DE BOA FÉ. APLICAÇÃO DA SÚMULA 84 DO STJ.- Deve-se proceder de ofício ao reexame necessário, nos termos do artigo 475, inciso III, do CPC . O embargante adquiriu o imóvel em litígio, conforme documento de fl. 13, e a partir daí exerceu os poderes inerentes ao domínio como se proprietário fosse. Portanto, possui justo título e exerce posse de boa fé. Entretanto, o documento da fl. 13, não foi levado à registro público e o imóvel foi penhorado em executivo fiscal movido contra empresa do ex proprietário do imóvel. A teor da Súmula 84 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro." - O recurso da autarquia limitou-se a atacar o compromisso de compra e venda, quando o direito do autor se funda na sua efetiva posse e não no referido contrato..- Apelação autárquica não provida. Sentença mantida, inclusive como consequência do reexame necessário."(TRF - AC 6017, 5ª Turma - Relator ANDRÉ NABARRETE - DJU 15-06-2001 - página 914). No mérito, o Programa de Arrendamento Residencial foi criado com a edição da Lei nº 10.188/01. Considera-se arrendamento residencial a operação realizada no âmbito do programa instituído naquela lei (artigo 6º) à pessoa física que, atendidos os requisitos estabelecidos pelo Ministério das Cidades, seja habilitada pela CEF ao arrendamento (artigo 6º, parágrafo único). A norma contida no parágrafo único visa garantir que os destinatários do programa se adequem no perfil definido pelo órgão responsável pela gestão de política pública para habitação. Por esta razão, exige-se que o imóvel seja utilizado exclusivamente pelos arrendatários para sua residência e de sua família, a fim de evitar que estes adotem conduta que burle as regras e os objetivos do programa ao repassar o imóvel a terceiros estranhos ao contrato e que não se enquadrem em seus requisitos. Nesse sentido, prevê-se, em cláusula contratual, que a cessão de direitos por parte do arrendatário implica, de pronto, na rescisão contratual, não sendo necessária a comprovação da existência de má-fé na operação. A prática dos chamados "contratos de gaveta" é aquela pela qual o devedor original transmite a terceiro o imóvel e a responsabilidade pelo pagamento da dívida contratada com o credor, sem a ciência e o consentimento do mesmo. Ocorre que, se a regra geral para assunção de dívidas é o consentimento expresso do credor como requisito de validade, nos termos dos artigos 299 e 303 do CC, o artigo 8º da Lei nº 10.188/01 adota regramento ainda mais rigoroso ao criar verdadeira cláusula impeditiva de transferência do imóvel. No caso do PAR, a CEF não está obrigada a reconhecer a legitimidade do cessionário para o cumprimento da obrigação, sendo possível inferir que a legislação restringe sensivelmente a possibilidade de convalidação da assunção da dívida. Neste contexto, a CEF, como proprietária do imóvel, não tem qualquer vínculo obrigacional com o cessionário, restando configurado verdadeiro esbulho possessório por parte do mesmo, independentemente do adimplemento tempestivo das obrigações inicialmente assumidas pelo arrendatário. Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça e este Tribunal Regional Federal da 3ª Região: "RECURSO ESPECIAL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL- PAR. LEI Nº 10.188/2001. REINTEGRAÇÃO DE POSSE E RESCISÃO DO CONTRATO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA. CESSÃO OU TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO. VALIDADE. 1. Cuida-se de ação de reintegração de posse ajuizada pela Caixa Econômica Federal-CEF objetivando a retomada de imóvel arrendado pelas regras do Programa de Arrendamento Residencial - PAR em virtude da alienação do imóvel a terceiros. 2. Cinge-se a controvérsia a examinar a validade da cláusula que determina a rescisão do contrato de arrendamento residencial no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial - PAR na hipótese de cessão ou transferência de direitos decorrentes da pactuação. 3. São legais as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR, pois encontram amparo na legislação específica que regula a matéria (Lei nº 10.188/2001), bem como se alinham aos princípios e à finalidade que dela se extraem. 4. Recurso especial não provido.” (STJ, RESP 201301464950, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1385292, Terceira Turma, Mnistro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJE DATA:28/10/2014) "PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE ATIVA DO OCUPANTE. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. CESSÃO DE DIREITO SEM A ANUÊNCIA DO AGENTE FINANCEIRO. VEDAÇÃO CONTRATUAL. MANUTENÇÃO DA POSSE. IMPOSSIBILIDADE. POSSE INJUSTA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Aplica-se a Lei n. 13.105/2015 aos processos pendentes, respeitados, naturalmente, os atos consumados e seus efeitos no regime do CPC de 1973. 2. Se o embargante não parte passiva na ação de reintegração de posse movida pela CEF, ostenta ele legitimidade ativa para opor embargos de terceiro, consoante artigo 1.046 do CPC/73. 3. Cuida-se de pedido de manutenção de posse sob a alegação de ser cessionário do contrato de arrendamento residencial firmado pelo PAR entre Mariozã Martins dos Santos Júnior e a CEF, objeto de ação de reintegração de posse processo n. 201160000133082. 4. Expressamente vedado pelo contrato originário a transferência do imóvel a terceiros sem a anuência do agente financeiro, não se reconhece boa-fé do cessionário, que admite ter pago as prestações em nome do titular originário e estava ciente (ou deveria estar) da vedação imposta, já que constante do termo de cessão de direito. 5. Efetivada a transferência do contrato e, de conseguinte, do imóvel, sem que para tanto tivesse havido o assentimento da CEF, há fundamento à reintegração pretendida, não se cogitando da manutenção do cessionário na posse, porque conquistada sem a necessária boa-fé . 6. O princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à moradia não asseguram a ocupação do imóvel vinculado ao PAR, de que trata a Lei n. 10.188/2001, adquirido do arrendatário fora das formalidades legais. 7. Apelação a que se nega provimento. Sentença mantida.” (TRF3, AC 00010619320124036000, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1818916, Relator Desembargador Federal Hélio Nogueira, Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2016) "DIREITO CIVIL: PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. CONTRATO DE GAVETA. OCUPAÇÃO INDEVIDA. TAXAS CONDOMINIAIS. PERDAS E DANOS. DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1 - Na presente ação de reintegração de posse proposta pela CEF, alega-se que o contrato particular de arrendamento residencial com opção de compra, firmado em 06/08/2004, foi cedido através do contrato de gaveta, firmado em 14/11/2005. 2 - O programa PAR foi criado no sentido de prestar auxílio à população de menor renda, no que diz respeito à habitação, requerendo, por parte dos operadores do direito, uma visão e interpretação sistemática e valorativa dos conceitos e regras estabelecidos nas relações jurídicas que têm por base a sobreposição do interesse social e os diretos e garantias individuais ao interesse meramente econômico, expressa no princípio da proporcionalidade das obrigações. 3 - Há que se ressaltar, portanto, o estabelecido no artigo 1° da Lei nº 10.188/2001, que instituiu Programa de Arrendamento Residencial - PAR. 4 - As cláusulas contratuais são explícitas com relação à utilização exclusiva do respectivo imóvel pelos ARRENDATÁRIOS, para sua residência e de sua família, e consequente assunção de todos os encargos e tributos incidentes sobre o mesmo, assim como são explicitas com relação ao seu descumprimento, entre eles a transferência/ cessão de direitos decorrentes desse contrato, gerando para os ARRENDATÁRIOS, a obrigação de pagar as taxas de arrendamento vencidas, atualizadas na forma do contrato, bem como a quitação das demais obrigações contratuais, e devolver o imóvel arrendado à ARRENDADORA. 5 - Tais exigências visam coibir a possibilidade de pessoas que cumpram os requisitos legais para adesão ao referido programa, posteriormente possam fazer uso do imóvel para utilização por parte de pessoas estranhas ao contrato, burlando-se o sistema de habitação popular. 6 - Desta forma, foi comprovado que o imóvel está sendo utilizado com o intuito especulativo, uma vez que é objeto de detenção por outro. 7 - In casu, é dado ensejo à violação de cláusula contratual, pois, conforme acima explicitado, a norma visa proteger o sistema com a comercialização do imóvel arrendado a terceiros, impossibilitando que assim pessoas possam ingressar no referido programa residencial sem atender os requisitos legais, e em desrespeito ao princípio do pacta sunt servanda. 8 - Como se vê, o contrato de gaveta firmado com a arrendatária implica em cessão do imóvel a terceiros, logo, há esbulho a autorizar a reintegração, por restar configurada a especulação imobiliária, autorizando a Lei nº 10.188/01, em seu art. 9º, a propositura de ação de reintegração de posse no caso de inadimplemento no arrendamento, findo o prazo da notificação ou interpelação. 9 - Com efeito, o imóvel objeto do PAR destina-se exclusivamente para uso de moradia e, estando desocupado pelo arrendatário, havendo descumprimento do contrato, tem a CEF direito à reintegração de posse do imóvel. 10 - Uma vez constatada a inadimplência das obrigações contratuais e que o imóvel objeto de arrendamento residencial está sendo utilizado como moradia não da arrendatária e de sua família, mas, com o intuito especulativo, caracterizado está o descumprimento do contrato, dando ensejo, assim, à rescisão da avença e à retomada do bem pela Caixa Econômica Federal. 11 - No que tange à transferência dos direitos e obrigações decorrentes do contrato de financiamento imobiliário, pelo SFH, a terceiros, não obstante a exigência expressa do artigo 1º da Lei nº 8.004/90 quanto à anuência do agente financeiro, cabe, por oportuno, ressaltar os artigos 20 e 21 da Lei nº 10.150/2000, que permitem a regularização dos "contratos de gaveta" firmados até 25/10/96 sem a intervenção do mutuante, em que são estabelecidos alguns requisitos para a sua regulamentação, mantendo-se para o novo mutuário as mesmas condições e obrigações do contrato original: a) que se trate de mutuário do Sistema Financeiro da Habitação - SFH; b) que o contrato tenha cláusula de cobertura de eventual saldo devedor residual pelo FCVS; c) que sejam observados os requisitos legais e regulamentares, inclusive quanto à demonstração da capacidade de pagamento do cessionário em relação ao valor do novo encargo mensal; d) que seja formalizada sua transferência junto ao agente financeiro até 25/10/1996 ou se comprovada a formalização de tal cessão de direitos e obrigações junto a Cartórios de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos ou Notas. 12 - Todavia, conforme comprovado nos autos, o contrato de financiamento originário, firmado com a instituição financeira apelada, não se trata de mútuo do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, e sim do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, segundo as normas da Lei nº 10.188/2001 e não da Lei 4.380/64 e demais conjuntos de leis, entre elas a Lei nº 10.150/2000. 13 - Mesmo que o contrato de financiamento originário fosse regido pelas normas do SFH, com cláusula de cobertura de eventual saldo devedor residual pelo FCVS, e o contrato de gaveta celebrado até 25 de outubro de 1996, deveria ter sido formalizada sua transferência junto ao agente financeiro ou comprovada a formalização de tal cessão de direitos e obrigações junto a Cartórios de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos ou Notas até 25/10/1996, impossível, no presente caso, uma vez que o contrato de gaveta foi firmado em 2005; 14 - Além do mais, foi rescindido o contrato de arrendamento originariamente firmado ante o não cumprimento das obrigações e a cessão do mesmo, com a consequente ocupação irregular. 15 - De tal forma, para o agente financeiro, o arrendatário é aquele que formalizou o contrato de arrendamento residencial. 16 - Conclui-se, portanto, que o acordo firmado entre a arrendatária e o 'gaveteiro' padece de validade perante a CEF. 17 - Desta feita, não há que se reconhecer o gaveteiro como titular dos direitos e obrigações decorrentes do contrato de arrendamento originariamente firmado, havendo que se falar, portanto, em indenização por ocupação indevida, uma vez que outro reside no imóvel ilegalmente. 18 - Apelação improvida.” (TRF3, AC 00092652520094036100, AC - Apelação Cível - 1584892, Décima Primeira Turma, Relatora Desembargadora Federal Cecilia Mello, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2017) Por todo o exposto, não há elementos jurídicos para se reconhecer como legal a cessão de direitos do imóvel pelo arrendatário e nem a existência de boa-fé da parte apelante, sendo indevida a manutenção da posse por parte desta. Por fim, em relação ao pedido de restituição dos valores pagos, trata-se de pedido novo não formulado na petição inicial sem qualquer prova o apelante deixou de formulá-lo por motivo de força maior, pelo que não pode ser provido, com fundamento no art. 1.014, do CPC. Art. 1.014. As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior. Sendo assim, não merece reforma a sentença recorrida. Dos honorários advocatícios No que concerne aos honorários advocatícios, o seu arbitramento pelo magistrado fundamenta-se no princípio da razoabilidade, devendo, como tal, pautar-se em uma apreciação equitativa dos critérios contidos no § 2.º do artigo 85 do Código de Processo Civil, evitando-se que sejam estipulados em valor irrisório ou excessivo. Os honorários devem ser fixados em quantia que valorize a atividade profissional advocatícia, homenageando-se o grau de zelo, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, tudo visto de modo equitativo. Assim, nos termos do artigo 85, §1º, do CPC, majoro os honorários advocatícios fixados na sentença para 11% (onze por cento) sobre o valor atualizado da causa. Considerando que foram concedidos os benefícios da Justiça Gratuita, as obrigações de sucumbência ficarão com a exigibilidade suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC. Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. (...) § 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. Isto posto, nego provimento à apelação, para manter a sentença, nos termos da fundamentação acima. É o voto.
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
E M E N T A
APELAÇÃO. CONTRATOS. EMBARGOS DE TERCEIROS. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PAR. CESSÃO DE DIREITOS SEM ANUÊNCIA DO AGENTE FINANCEIRO. MANUTENÇÃO DA POSSE. INDEVIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Primeiramente destaque-se que a Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça autoriza terceiro, detentor de contrato particular de compra e venda de imóvel, defender a posse do bem via embargos de terceiros, mesmo que a avença não tenha sido levada ao registro público.
2. No mérito, o Programa de Arrendamento Residencial foi criado com a edição da Lei nº 10.188/01. Considera-se arrendamento residencial a operação realizada no âmbito do programa instituído naquela lei (artigo 6º), considera-se arrendatária a pessoa física que, atendidos os requisitos estabelecidos pelo Ministério das Cidades, seja habilitada pela CEF ao arrendamento (artigo 6º, parágrafo único).
3. A norma contida no parágrafo único visa garantir que os destinatários do programa se adequem no perfil definido pelo órgão responsável pela gestão de política pública para habitação. Por esta razão, exige-se que o imóvel seja utilizado exclusivamente pelos arrendatários para sua residência e de sua família, a fim de evitar que estes adotem conduta que burle as regras e os objetivos do programa ao repassar o imóvel a terceiros estranhos ao contrato e que não se enquadrem em seus requisitos.
4. A prática dos chamados "contratos de gaveta" é aquela pela qual o devedor original transmite a terceiro o imóvel e a responsabilidade pelo pagamento da dívida contratada com o credor, sem a ciência e o consentimento do mesmo. Ocorre que se a regra geral para assunção de dívidas é o consentimento expresso do credor como requisito de validade, nos termos dos artigos 299 e 303 do CC, o artigo 8º da Lei nº 10.188/01 adota regramento ainda mais rigoroso ao criar verdadeira cláusula impeditiva de transferência do imóvel.
5. No caso do PAR, a CEF não está obrigada a reconhecer a legitimidade do cessionário para o cumprimento da obrigação, sendo possível inferir que a legislação restringe sensivelmente a possibilidade de convalidação da assunção da dívida. Neste contexto, a CEF, como proprietária do imóvel, não tem qualquer vínculo obrigacional com o cessionário, restando configurado verdadeiro esbulho possessório por parte do mesmo, independentemente do adimplemento tempestivo das obrigações inicialmente assumidas pelo arrendatário. Precedentes.
6. Por todo o exposto, não há elementos jurídicos para se reconhecer como legal a cessão de direitos do imóvel pelo arrendatário e nem a existência de boa-fé da parte apelante, sendo indevida a manutenção da posse por parte desta.
7. Por fim, em relação ao pedido de restituição dos valores pagos, trata-se de pedido novo não formulado na petição inicial sem qualquer prova o apelante deixou de formulá-lo por motivo de força maior, pelo que não pode ser provido, com fundamento no art. 1.014, do CPC.
8. Apelação a que se nega provimento.