Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004805-82.2006.4.03.6105

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ATILIO ORTOLANI, CARLOS DE SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA

Advogados do(a) APELADO: ANTONIO JOAO NUNES COSTA - SP286457-A, CARLOS RENATO MONTEIRO PATRICIO - SP143871-A, THIAGO LEARDINE BUENO - SP326866-A
Advogado do(a) APELADO: JOAO RENATO DE FAVRE - SP232225-A
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO ROBERTO DOS RAMOS - SP203655-A
Advogados do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO SA E SOUZA PACHECO - SP146449-A, RITA DE CASSIA PEREIRA DE BRITO - SP392154-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004805-82.2006.4.03.6105

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: ATILIO ORTOLANI, CARLOS DE SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA

Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO ROBERTO DOS RAMOS - SP203655-A
Advogados do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO SA E SOUZA PACHECO - SP146449-A, RITA DE CASSIA PEREIRA DE BRITO - SP392154-A
Advogado do(a) APELADO: JOAO RENATO DE FAVRE - SP232225-A
Advogados do(a) APELADO: CARLOS RENATO MONTEIRO PATRICIO - SP143871-A, THIAGO LEARDINE BUENO - SP326866-A, ANTONIO JOAO NUNES COSTA - SP286457-A

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R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a r. sentença de primeiro grau (ID 161884177), proferida em 19/05/2021.

Narrou a denúncia (ID 161883501 - pp. 4/8) que CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA e ATÍLIO ORTOLANI, na condição de diretores e administradores da pessoa jurídica “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, nas competências de agosto de 1998 a agosto de 2005 (cada um no período em que exerceu a administração da pessoa jurídica), no município de Jundiaí/SP, suprimiram contribuições previdenciárias mediante omissão em documentos de informações previstos pela legislação tributária (GFIPs) de segurados contribuintes individuais que prestaram serviços à mencionada pessoa jurídica.

Segundo a acusação, nas competências entre 29.05.1998 e 21.02.2000, ATÍLIO ORTOLANI exerceu a função de diretor-presidente, tendo sido sucedido, em 21.02.2000 por CARLOS SOUZA MONTEIRO. Por sua vez, MARCOS BAGATELLA exerceu, desde 22.12.1998, a função de diretor-geral, e EDUARDO SANTOS PALHARES exerceu, desde 01.07.2002, a administração e a gerência da pessoa jurídica em comento

Consta, ainda, da denúncia que CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES e MARCOS BAGATELLA, na condição de diretores e administradores da pessoa jurídica “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, nas competências 13/1999, 13/2000, 13/2001, 12 e 13/2002, 11/2003 e 01/2004  (cada um no período em que exerceu a administração da pessoa jurídica), deixaram repassar aos cofres públicos, no prazo legalmente assinalado, as contribuições previdenciárias descontadas dos pagamentos efetuados a empregados da mencionada pessoa jurídica.

Segundo a inicial acusatória tais fatos foram apurados pela Receita Federal do Brasil nos autos do processo administrativo fiscal nº 35406.000011/2006-13 e redundaram na lavratura da NFLD DEBCAD nº 35.835.088-3, tendo sido o crédito tributário definitivamente constituído em 1º de julho de 2010, no valor de R$2.615.264,49 (incluídos juros e multa).

De acordo com a peça inaugural, o crédito tributário esteve incluído em programa de parcelamento entre 11/10/2007 e 1º/07/2010.

A denúncia foi recebida por meio de decisão publicada em 05/05/2016 (ID 161883501 - pp. 9/12).

Processado o feito, sobreveio a r. sentença apelada, no bojo da qual o i. magistrado a quo:

(i) quanto ao crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, CP):

- declarou extinta a punibilidade dos acusados CARLOS SOUZA MONTEIRO e MARCOS BAGATELLA, pela prescrição da pretensão punitiva estatal na modalidade retroativa; e

- absolveu EDUARDO SANTOS PALHARES com fundamento no art. 386, V, do CPP (não haver prova de ter o réu concorrido para a infração penal);

(ii) quanto ao crime de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, CP), absolveu os acusados com fundamento no art. 386, I, do CPP (estar provada a inexistência do fato).

 

Em seu recurso (ID 161884187), o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pretende a reforma da sentença de primeiro grau, aduzindo, primeiramente, que não se consumou a prescrição da pretensão punitiva estatal quanto ao delito do art. 168-A, do Código Penal. No mérito propriamente dito, pugna pela condenação dos réus CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA e ATÍLIO ORTOLANI nos termos da denúncia, inclusive com a fixação do valor mínimo para reparação do dano.

Contrarrazões de recurso apresentadas pela defesa de ATÍLIO ORTOLANI (ID. 161884197), de MARCOS BAGATELLA (ID 161884203), EDUARDO SANTOS PALHARES (ID. 161884205) e CARLOS DE SOUZA MONTEIRO (ID. 161884207), todos requerendo a manutenção da sentença.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opina pelo provimento do recurso acusatório (parecer ID. 165105635).

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental.

 

 

 

 

 


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V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo interposto e passo a analisar as questões devolvidas a esta Corte.

 

JUSTA CAUSA

Inicialmente, consigne-se que a presente ação penal preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, segundo a qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”

Anote-se, por oportuno, que o verbete sumular tem integral aplicabilidade ao crime material contra a ordem tributária previsto no art. 337-A, do Código Penal. A propósito:

“PROCESSO  PENAL.  RECURSO  EM  HABEAS  CORPUS.  CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.  TRANCAMENTO  DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. SÚMULA  VINCULANTE N. 24/STF. PECULIARIDADES DO CASO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO  CÍVEL  DE  ANULAÇÃO  DO  CRÉDITO TRIBUTÁRIO, AINDA PENDENTE DE RECURSO.  SUSPENSÃO  DA AÇÃO PENAL E DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da  ação  penal  ou  inquérito  por  meio  do habeas corpus é medida excepcional,  que  somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação  da  atipicidade  da  conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova  sobre  a  materialidade  do  delito. 

2.  No  caso dos autos, perquire-se  a  suposta  prática dos crimes dos arts. 1º, I e II, da Lei  n.  8.137/1990  e 337-A, I e III, do Código Penal, que, por sua natureza   material,  somente  se  configuram  após  a  constituição definitiva,  no  âmbito administrativo.

3. Segundo o verbete sumular vinculante  n.  24/STF:  "Não  se tipifica o crime material contra a ordem  tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo".

4.  É  imprescindível  destacar o entendimento reiterado desta Corte Superior  acerca da independência entre as esferas cível e penal, de modo  que a "impugnação do débito na seara cível, não obstante possa ter  consequências  sobre  o  julgamento  da  lide penal, não obsta, automaticamente,   a   persecutio  criminis"  (HC  103.424/RS,  Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 16/3/2012).

5.  Na  hipótese em exame, foi dada procedência à ação anulatória da constituição  do crédito tributário, contudo, ainda, não definitiva, pois  pendente  de apreciação da causa pelo TRF da 3ª Região em sede de recurso.

6.  A  "conclusão  alcançada  pelo  juízo cível afetou diretamente o lançamento  do  tributo, maculando a própria constituição do crédito tributário, razão pela qual mostra-se prudente aguardar o julgamento definitivo  na  esfera  cível"  (HC  161.462/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 25/6/2013).

7.  A  concessão  parcial da ordem, pelo acórdão ora recorrido, para determinar  a  suspensão  do  inquérito policial e do curso do prazo prescricional   esvazia   a   pretensão  da  presente  irresignação, porquanto  o depósito do valor integral não se equivale a pagamento, condição para a extinção da punibilidade.

8. Recurso não provido.”

(STJ, 5ª Turma, RHC 27774 / SP, Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181), DJe 19/12/2017) - grifei;

 

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LANÇAMENTO DEFINITIVO DESCONSTITUÍDO POR AÇÃO  DECLARATÓRIA. PENDÊNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO EM QUE SE DISCUTE A EXIGIBILIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM.

1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento alinhavado na Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal aplica-se ao crime descrito no art. 337-A do Código Penal, cuja caracterização, em razão de sua natureza material, depende da constituição definitiva do valor sonegado. Precedentes.

2. No caso, depreende-se dos documentos juntados aos autos que ainda não houve análise dos recursos apresentados contra a Decisão-Notificação n.º 45.20.30.25.00/0191/2077, que julgara procedente a NFDL n.º 37.060.439-3.

3. Caso a conclusão aqui alcançada se desse no bojo do recurso próprio, qual seja, o recurso especial, a consequência não seria outra que não a absolvição dos recorrentes. Contudo, como tal juízo tem sido reiteradamente vedado por esta Corte na via estreita do habeas corpus ou do recurso ordinário em habeas corpus, por demandar, necessariamente, revolvimento do conjunto fático-probatório, a melhor solução é a concessão da ordem a fim de trancar a ação penal. Precedentes.

4. Recurso ordinário a que se dá provimento a fim de trancar a Ação Penal n.º 2008.72.05.000291-5.”

(STJ, 5ª Turma, RHC 24876 / SC, Relator(a) Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 19/03/2012).

 

Na hipótese, o crédito tributário restou definitivamente constituído na esfera administrativa em 15/10/2007, quando a pessoa jurídica contribuinte aderiu ao parcelamento administrativo e expressamente desistiu da impugnação da NFLD DEBCAD nº 35.835.088-3 (ID 161883500 – p. 101), até então pendente de julgamento.

 

PRESCRIÇÃO

Crime do art. 168-A, CP

Quanto ao crime de apropriação indébita, a fim de verificar adequadamente o termo a quo do prazo prescricional (consumação do delito), necessário se faz perquirir a natureza jurídica do crime previsto no art. 168-A do Código Penal.

Deveras, caso se trate de crime material, somente após a constituição definitiva do crédito tributário, com o esgotamento da via administrativa, se poderia considerar o delito consumado, incidindo o entendimento enunciado na Súmula Vinculante nº 24.

Em sentido inverso, compreendido como delito formal, despicienda a constituição definitiva do crédito, porque não dependeria a consumação do crime da verificação de resultado naturalístico.

Abalizada doutrina defende a natureza formal do crime de apropriação indébita previdenciária:

"O agente não toma para si os valores das contribuições previdenciárias para que o crime se perfaça. Não se leva em consideração se o agente se apropriou ou não dos referidos valores ou permitiu que terceiro deles se apropriasse. Basta o não recolhimento à Previdência Social das contribuições do contribuinte. Não existe, na hipótese, o desconto no sentido físico, ou seja, que o valor saia da posse do contribuinte, que recebeu o salário, passe para o poder do empregador e este dele se aproprie, não repassando à Previdência."

(TOURINHO NETO, F. Crime contra a Previdência Social: contribuição previdenciária: apropriação indébita previdenciária, Revista do Tribunal Regional Federal da 1. Região - v. 20 n. 4 abr. 2008, p. 32).

 

“Trata-se de crime próprio (exige qualidade ou condição especial do sujeito ativo, o substituto tributário, no caso do “caput”); formal (para sua consumação não se exige resultado naturalístico); omissivo (a ação tipificada implica abstenção de atividade – “deixar de”); instantâneo (a consumação não se alonga no tempo, ocorrendo em momento determinado); unissubjetivo (pode ser praticado por uma única pessoa, como a maioria dos crimes, que não são de concurso necessário) e unissubsistente (praticado em um único ato) [...]”

(BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.834)

 

Filio-me a esta corrente doutrinária, segundo a qual basta que o agente tenha deixado de recolher as contribuições previdenciárias para que o crime se aperfeiçoe.

Prescindíveis, portanto, o esgotamento do processo administrativo fiscal e a constituição definitiva do crédito na esfera administrativa para a propositura da ação penal, não se aplicando ao delito de apropriação indébita previdenciária a súmula de nº 24 do STF.

Acerca do tema, colaciono os seguintes precedentes desta E. Corte:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS INFRINGENTES. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AMBIGUIDADE E OMISSÃO NÃO CONSTATADAS. PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO DO RESULTADO DO JULGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. ART. 168 -A DO CÓDIGO PENAL. CRIME FORMAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. PENA MÁXIMA EM ABSTRATO. REDUÇÃO DO PRAZO PELA METADE, NOS TERMOS DO ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. EMBARGANTE MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE RECONHECIDA.

[...]

4. O art. 168 -A do Código Penal prevê para o crime de apropriação indébita previdenciária a pena máxima 5 (cinco) anos de reclusão. De acordo com o inciso III do art. 109 do Código Penal, a prescrição da pena superior a 4 (quatro) anos e que não excede a 8 (oito) anos ocorre em 12 (doze) anos.

5. Nos termos do art. 115 do Código Penal, são reduzidos pela metade os prazos de prescrição quando o réu é maior de 70 (setenta) anos, ainda que completada a idade antes da prolação da sentença. Precedentes do STJ.

6. O tipo do art. 168 -A do Código Penal constitui crime omissivo próprio e formal, que se consuma com a ausência do repasse, à Previdência Social, das contribuições descontadas dos segurados empregados, prescindindo da constituição definitiva do crédito ou da retenção física das importâncias previdenciárias pelo agente, para sua configuração. Portanto, para fins de contagem do prazo prescricional, é irrelevante a data da constituição do crédito. Precedente desta Seção.

7. Descontado o período em que o prazo prescricional restou suspenso, por força do parcelamento (art. 68 da Lei nº 11.941/2009), observa-se que transcorreu prazo superior a 6 (seis) anos entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia, de modo que deve ser declarada extinta a punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal, tendo por base a pena máxima em abstrato cominada para o crime.

8. Embargos de declaração rejeitados. Declarada extinta a punibilidade da embargante quanto ao delito tipificado no art. 168 -A do Código Penal, com fundamento nos arts. 107, IV, 109, III, e 115 Código Penal.

(Quarta Seção, Embargos de Declaração em Embargos Infringentes e de Nulidade 0003208-73.2008.403.6181, Rel. Des. Fed. NINO TOLDO, D.E. 28/08/2017) - grifei;

 

“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A, §1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ARTIGO 337-A, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADOS. DESCONHECIMENTO DA LEI NÃO DEMONSTRADO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE POR DIFICULDADES FINANCEIRAS. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA MANTIDA. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.

- Artigo 168-A do Código Penal: Caracteriza-se o crime com o não recolhimento aos cofres públicos das contribuições previdenciárias, no prazo e forma legais, após a retenção do desconto dos funcionários. É, pois, norma penal em branco, a ser integrada pela legislação previdenciária. trata-se de crime omissivo próprio, não se admitindo a tentativa. O objeto material é o valor recolhido e não repassado aos cofres públicos, excluídos os juros de mora e a multa. Precedente do STJ. O crime é formal, não havendo a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário para que se possa dar início à persecução penal, não sendo o caso de aplicação da Súmula Vinculante n.º 24 do STF, de modo que o delito perfectibiliza-se com o vencimento do prazo para o recolhimento (omissão do repasse).

- A existência de recurso da acusação para exasperação da pena impõe a contagem prescricional pela pena aplicada em abstrato. O réu possuía mais de 70 (setenta) anos na data da publicação da sentença (30.06.2017), reduzindo-se o lapso prescricional de metade, para 06 (seis) anos, nos termos do artigo 115 do Código Penal.

- Após o desconto do período em que esteve suspenso o curso prescricional em razão do parcelamento do débito tributário, constata-se o decurso de lapso superior a 06 (seis) anos entre a data dos fatos (última competência ref. 13º de 2007) e o recebimento da denúncia (07.07.2016), restando alcançados pela prescrição todos os períodos constantes da denúncia.

- Declarada, DE OFÍCIO, a extinção da punibilidade do réu DÉCIO NOGUEIRA, no que tange à prática do delito previsto no artigo 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, com supedâneo no art. 107, inciso IV, 1ª figura, art. 109, inciso III, art. 115, todos do Código Penal, combinado com o artigo 61 do Código de Processo Penal.

- Artigo 337-A do Código Penal: - O crime previsto no art. 337-A do Código Penal é omissivo próprio. Por se tratar de delito material o crime de sonegação de contribuição previdenciária somente se configura após a constituição definitiva, no âmbito administrativo, das exações que são objeto das condutas. Carecerá de justa causa qualquer ato investigatório levado a efeito antes da ocorrência do lançamento fiscal definitivo, requisito essencial para o início da persecução penal.

[...]

- De ofício, extinção a punibilidade do réu em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, § 1º, inc. I, CP).

- Apelações não providas.”

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001829-84.2016.4.03.6127/SP, RELATOR: Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS, v.u., D.E. 20/11/2020).

 

Reafirmada a natureza formal do delito em análise, tem-se que a acusação aponta a prática criminosa nas seguintes competências: 13/1999, 13/2000, 13/2001, 12 e 13/2002, 11/2003 e 01/2004.

Nos termos da Lei nº 8.212/1991, o prazo para recolhimento, no que interessa à controvérsia recursal, passou a ser regulado nos seguintes termos:

"Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

I - a empresa é obrigada a: [...]

b) recolher o produto arrecadado na forma da alínea anterior, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço, até o dia dois do mês seguinte ao da competência;" - grifei

 

Nessa linha, tem-se que os crimes de apropriação indébita previdenciária narrados na inicial acusatória se consumaram entre 03/01/2000 e 03/02/2004.

O prazo prescricional é de doze anos, nos termos do art. 109, III, do Código Penal, considerando que a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de 05 (cinco) anos.

A denúncia foi recebida em 05/05/2016 e a prescrição restou suspensa por força de adesão do contribuinte a programa de parcelamento tributário entre 15/10/2007 e 28/11/2013, quando foi excluída por inadimplência, conforme informações da Receita Federal (ID. 161883505 - p. 8), consentâneas com os documentos ID. 161883500 - pp. 97/101. Ou seja, a prescrição permaneceu suspensa por 06 (seis) anos, 02 (dois) meses e 03 (três) dias.

A denúncia imputa a prática do crime de apropriação indébita aos réus nos seguintes períodos:

- CARLOS SOUZA MONTEIRO: Diretor Presidente da “PAULISTA FUTEBOL CLUBE” a partir de 21/02/2000;

- EDUARDO SANTOS PALHARES: exerceu a administração e gerência da sociedade desde 01/07/2002;

- MARCOS BAGATELLA: Diretor Geral desde 22/12/1998.

 

Os réus CARLOS SOUZA MONTEIRO e EDUARDO SANTOS PALHARES, nascidos em 25/03/1959 e 14/12/1957, respectivamente, tinham mais de vinte e um anos de idade na data dos fatos e menos de setenta anos de idade na data da sentença (19/05/2021).

Já o réu MARCOS BAGATELLA, nascido em 28/07/1946, contava com mais de setenta anos de idade na data da sentença e, portanto, faz jus à redução do prazo prescricional pela metade, nos termos do art. 115 do Código Penal. Assim, quanto ao réu MARCOS BAGATELLA, sua punibilidade relativamente ao crime de apropriação indébita previdenciária foi extinta pela prescrição, pois superado o intervalo de seis anos entre o último crime de apropriação indébita imputado na denúncia (competência de 01/2004) e a data do recebimento da denúncia, mesmo computado o período de suspensão da prescrição.

Permanece, por outro lado, hígida a pretensão punitiva do Estado quanto à imputação de apropriação indébita previdenciária relacionada aos réus CARLOS SOUZA MONTEIRO e EDUARDO SANTOS PALHARES, pois o intervalo de doze anos não se esgotou entre a data limite para recolhimento das contribuições descontadas e a data do recebimento da denúncia, considerado o intervalo de suspensão.

 

Crime do art. 337-A, do Código Penal

Os réus ATÍLIO ORTOLANI, MARCOS BAGATELLA, CARLOS SOUZA MONTEIRO e EDUARDO SANTOS PALHARES foram denunciados pela prática de crime material contra ordem tributária, previsto no art. 337-A do Código Penal, motivo pelo qual o prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal se inicia na data da constituição definitiva do crédito tributário, nos termos do entendimento cristalizado pelo C. Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante nº 24, igualmente aplicável ao crime de sonegação de contribuição previdenciária (STJ, 5ª Turma, RHC 24876/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe 19/03/2012).

Consoante já assinalado, a constituição definitiva do crédito tributário objeto do delito descrito na denúncia ocorreu em 15/10/2007, a prescrição restou suspensa por força de adesão do contribuinte a programa de parcelamento tributário entre 15/10/2007 e 28/11/2013 (ou seja, por 06 anos, 02 meses e 03 dias), a denúncia foi recebida em 05/05/2016 e a sentença, proferida em 19/05/2021, não interrompeu a prescrição por não ter natureza condenatória.

O prazo prescricional é de doze anos, nos termos do art. 109, III, do Código Penal, considerando que a pena máxima abstratamente cominada ao delito é de 05 (cinco) anos.

Os réus CARLOS SOUZA MONTEIRO e EDUARDO SANTOS PALHARES, nascidos em 25/03/1959 e 14/12/1957, respectivamente, tinham mais de vinte e um anos de idade na data dos fatos e menos de setenta anos de idade na data da sentença (19/05/2021).

Já os réus MARCOS BAGATELLA, nascido em 28/07/1946, e ATILIO ORTOLANI, nascido em 06/03/1945, contavam com mais de setenta anos de idade na data da sentença (19/05/2021) e fazem jus à redução do prazo prescricional pela metade, nos termos do art. 115 do Código Penal.

O intervalo de seis anos não foi superado entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia, tampouco desde este último marco interruptivo. Portanto, não há que se falar, no caso concreto, em ocorrência da extinção de punibilidade pelo esgotamento do prazo prescricional, permanecendo hígida a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia quanto à imputação do crime do art. 337-A, III, do Código Penal.

 

MATERIALIDADE OBJETIVA

Art. 168-A, §1º, I, do Código Penal

A materialidade objetiva dos crimes de apropriação indébita previdenciária narrados na denúncia, além de incontroversa, vem suficientemente demonstrada nos autos, especialmente representação fiscal para fins penais nº 35406.000011/2006-13 (ID. 161883491 e ID. 161883492) que acompanhou a denúncia, da qual destaco, por mais relevantes, os seguintes documentos:

- Notificação Fiscal de Lançamento de Débito DEBCAD nº 35.835.088-3 e correspondentes discriminativos;

- Relatório da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito DEBCAD nº 35.835.088-3;

- ofício da Receita Federal do Brasil (ID. 161883498 – pp. 112/113).

 

Tais elementos demonstram que a fiscalização tributária apurou diferenças entre o valor das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados do “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, informados em GFIP, e o montante recolhido aos cofres do INSS, nas competências 13/1999, 13/2000, 13/2001, 12 e 13/2002, 11/2003 e 01/2004, no valor histórico (excluídos juros e multa) de R$ 31.926,64 (trinta e um mil, novecentos e vinte e seis reais e sessenta e quatro centavos).

 

Art. 337-A, I, do Código Penal

Quanto ao crime de sonegação de contribuição previdenciária, antes de analisar o mérito recursal, é imprescindível delimitar os fatos imputados na denúncia, pois não há completa identidade entre os crimes pelos quais os réus foram denunciados e as infrações apuradas pela autoridade fazendária. A inicial acusatória, no tópico atinente ao crime de sonegação de contribuição previdenciária, foi assim redigida (grifos diferem do original):

Acusação I:

Artigo 337-A do Código Penal

No período compreendido entre agosto de 1998 e agosto de 2005, no município de Jundiaí/SP, ATÍLIO ORTOLANI, CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES e MARCOS BAGATELLA, com cognição e liberdade volitiva, cada um nos períodos em que exerceram a administração da instituição como acima especificado, suprimiram, no prazo legal, contribuições previdenciárias, mediante a omissão de segurados em documentos de informações previstos pela legislação previdenciária.

ATÍLIO ORTOLANI, CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES e MARCOS BAGATELLA, na condição de administradores da empresa PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA, não declararam nas Guias de Recolhimento ao Fundo de Garantia e Tempo de Serviço e Informação à Previdência Social doravante simplesmente designadas "GFIP') os segurados contribuintes individuais da empresa que lhe prestaram serviços, no período de agosto de 1998 e agosto de 2005, com isso suprimindo as contribuições previdenciárias devidas.

Por meio da análise contábil e comprovação documental, através dos borderôs dos eventos desportivos, onde estão discriminados os valores pagos aos árbitros, quadro móvel e demais contribuintes individuais que lhes prestaram serviços, foram apuradas as supressões.”

 

A leitura do trecho acima revela que a acusação se limitou a imputar aos réus a conduta de sonegar contribuições previdenciárias cujo fato gerador foram pagamentos efetuados a contribuintes individuais, que teriam sido omitidos de GFIPs.

Não obstante, a fiscalização tributária, ao lavrar a NFLD DEBCAD nº 35.385.088-3, apurou a ocorrência (em tese) de supressão de contribuições previdenciárias também em razão da omissão em GFIP de parcela das remunerações pagas pela pessoa jurídica a seus empregados, decorrente de “pagamentos diretos e também indiretos (tanto em espécie quanto ‘in natura’), salários e salários utilidades (‘in natura’)”, conforme trecho do relatório da NFLD (ID. 161883491 – pp. 260/267), fatos que não foram objeto da denúncia.

Desenvolvo.

Por ocasião da autuação administrativa, a Receita Federal do Brasil promoveu o lançamento tributário, de ofício, a partir da conclusão de que a pessoa jurídica contribuinte omitira de GFIPs fatos geradores de contribuições previdenciárias, relacionados pelo auditor responsável pela fiscalização nas seguintes rubricas (ID. 161883491 e 161883492):

a) "ALU" e "ALA" (ALUGUÉIS E CONDOMINIOS) - fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no pagamento, pela empresa, de aluguéis, condomínios e demais despesas domésticas a seus funcionários, que foram considerados pela fiscalização como salário indireto de segurados empregados;

b) “AAC” - (AUDITORIA, ASSESSORIA E CONSULTORIA) - fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no pagamento a contribuintes individuais por serviços prestados de Auditoria, Assessoria e Consultora;

c) "CUR" (CURSOS E TREINAMENTOS) - fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no pagamento, pela empresa, de cursos de capacitação, qualificação e formação profissional a seus funcionários, que foram considerados pela fiscalização como ganhos habituais de segurados empregados sob a forma de utilidades;

d) “DIM” - (DIREITO DE IMAGEM) – fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no pagamento, pela empresa, de valores a seus funcionários, sob o título de "Direito de Imagem", que foram considerados pela fiscalização como remuneração a segurados empregados;

e) “HON" (HONORÁRIOS PROFISSIONAIS) - fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no pagamento, pela empresa, de honorários profissionais e honorários advocatícios a contribuintes individuais, por serviços prestados à empresa;

f) “PAT” e “PAA” (ALIMENTAÇÃO SEM INSCRIÇÃO NO PAT) - fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no fornecimento, pela empresa, de alimentação e cesta básica a seus funcionários, considerados, pela fiscalização, como salário indireto (‘in natura’) a segurados empregados;

g) "VIA" e “VIG” (VIAGENS E ESTADIAS) - fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no pagamento, pela empresa, de despesas com viagens e estadias a seus funcionários, que foram considerados pela fiscalização como salário indireto de segurados empregados;

h) “CIG” e “CIA” (CONTRIBUINTE INDIVIDUAL) - fatos geradores de contribuições previdenciárias consistentes no pagamento a contribuintes individuais que prestaram serviços em jogos de futebol, tais como árbitros e demais integrantes do quadro móvel.

 

Também foram incluídos no DEBCAD nº 35.385.088-3 valores relacionados à rubrica “FPG” - (FOLHA DE PAGAMENTO), que eram compostos de contribuições devidas a outras entidades ou fundos (salário—educação, SESC, INCRA e SEBRAE) declaradas em GFIP e não quitadas no prazo legal (fato penalmente atípico), além de valores descontados da remuneração paga aos empregados e não recolhida aos cofres públicos (conduta já foi objeto de análise no presente voto, no tópico dedicado à materialidade do crime de apropriação indébita previdenciária).

De se notar, portanto, que a acusação imputou aos réus a sonegação apenas de contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos a contribuintes individuais (no caso dos autos, condutas que se relacionam às rubricas “CIG”, “CIA”, “HON” e “AAC”).

Assim, quanto à parcela de contribuições previdenciárias reduzidas mediante suposta omissão de informação à autoridade fazendária acerca de pagamentos efetuados a segurados empregados da pessoa jurídica contribuinte (salário indireto, pagamento in natura, etc.), à míngua de imputação na denúncia, descabe acolher o pedido do órgão ministerial, deduzido no apelo, de condenação pela sonegação da integralidade do valor do DEBCAD nº 35.385.088-3, sob pena de ofensa ao princípio da vinculação entre a peça inicial da acusação e a sentença.

Com efeito, o princípio da congruência ou da correlação entre a acusação e a sentença representa garantia processual que restringe a atuação do órgão julgador em prol dos postulados do contraditório, da imparcialidade do juiz e da inércia da jurisdição e do sistema acusatório constitucionalmente previsto.

Como regra, tem-se que o magistrado está adstrito à análise da pretensão acusatória deduzida na denúncia, razão pela qual o art. 41 do Código de Processo Penal impõe a descrição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias (no mesmo sentido, o art. 8, 2, b, do Pacto de São José da Costa Rica).

Assim, o acusado tem ciência dos fatos que lhe são imputados e pode desenvolver sua defesa com plenitude, devendo o magistrado garantir a máxima eficácia do contraditório ao longo da instrução processual.

Nessa linha de raciocínio, Gustavo Henrique Badaró afirma que o objeto do processo penal (pretensão processual penal) é o fato enquadrável em um tipo penal que se atribui a alguém e que deve permanecer imutável ao longo do processo, pois o objeto da sentença tem que ser o mesmo objeto da imputação (Correlação entre Acusação e Sentença, 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010).

Na hipótese, a denúncia descreve que a conduta fática estaria circunscrita à omissão de informação acerca de pagamentos efetuados a contribuintes individuais, sendo, portanto, incabível a condenação dos réus ATÍLIO, CARLOS, EDUARDO e MARCOS pela prática do crime do art. 337-A, I, do Código Penal, quanto à suposta omissão de informação acerca de pagamentos efetuados a segurados empregados do “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”

Em remate, as (em tese) sonegações de contribuição previdenciária incluídas na NFLD DEBCAD nº 35.385.088-3 relacionadas às rubricas “ALU” e “ALA” (aluguéis), “CUR” (cursos), “DIM” (direito de imagem”), VIA e VIG (viagens) e “PAT” e “PAA” (alimentação) não serão objeto de análise no presente julgamento, por ausência de descrição na denúncia, em observância ao princípio da adstrição.

Quanto aos demais fatos geradores (abarcados pela denúncia e relacionados às rubricas CIG”, “CIA”, “HON” e “AAC), a materialidade objetiva do crime do art. 337-A, I, do Código Penal, restou parcialmente demonstrada nos autos, especialmente por meio da representação fiscal para fins penais nº 35406.000011/2006-13 (ID. 161883491 e ID. 161883492), da qual destaco, por mais relevantes, os seguintes documentos:

- Notificação Fiscal de Lançamento de Débito DEBCAD nº 35.835.088-3 e correspondentes discriminativos;

- Relatório da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito DEBCAD nº 35.835.088-3;

- Boletins financeiros de jogos de futebol;

- Borderôs de eventos desportivos.

 

Tais elementos comprovam que a Receita Federal do Brasil autuou a pessoa jurídica “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.” pela omissão em Guias de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP de “fatos geradores de contribuições previdenciárias”, assim descritos pela autoridade fazendária (ID 161883492 – grifos no original):

“8.2. "AAC- (AUDITORIA, ASSESSORIA E CONSULTORIA)

A empresa efetuou, entre 01/1999 e 08/2005, diversos pagamentos por serviços prestados de Auditoria, Assessoria e Consultoria.

Para a correta identificação e qualificação dos serviços prestados, foram solicitados à empresa todos os contratos de prestação de serviços celebrados com terceiros, as notas fiscais, faturas e recibos dos serviços prestados, bem como todas as comprovações especificas das despesas com Auditoria, Assessoria e Consultoria, conforme pode se observar nos "Termos de Intimação para Apresentação de Documentos – TIAD” anexos.

Apesar das intimações, a empresa deixou de apresentar os documentos solicitados. Não nos foi apresentado nenhum contrato de prestação de serviços com terceiros, notas fiscais, faturas ou recibos de tais serviços, tampouco qualquer documento que comprovasse as despesas contabilizadas nas contas de Auditoria, Assessoria e Consultoria.

Diante de tal recusa, os serviços foram considerados de ofício como prestados por contribuintes individuais, tendo em vista o conceito retirado do art. 12, inciso, V, item "g", da Lei 8.212/91 [...]

Dessa forma, o valor despendido pela empresa com o pagamento dos citados serviços de Auditoria, Assessoria e Consultoria, prestados por contribuintes individuais, é fato gerador de contribuição previdenciária, uma vez que se enquadra de forma cristalina no conceito de salário-de-contribuição definido pela Lei nº 8.212/91, em seu art. 28, inciso III, a seguir:

[...]

Os valores pagos pelos serviços em questão foram extraídos, dos lançamentos contábeis apresentados através dos Livros Diário e Razão. Tais lançamentos encontram-se na contabilidade nas contas: Conta 5.01.01.01.06.004-2 (de 0112000 a 0612000); Conta 5.01.01.01.06.004 (de 0712000 a 0612002); Conta 5.01.01.01.06.005 (de 0112000 e 05/2002); Conta 3.3.04.0004-5 (de OW002 a 1012003); Conta 3.3.04.0005-3 (de 1012002 a 0512003) e Conta 3.2.01.0021-1 (de 0412004 a 0812005) e estão devidamente detalhadas no Anexo II;

[...]

8.5. "HON" (HONORÁRIOS PROFISSIONAIS)

A empresa efetuou, entre 01/1999 e 08/2005, diversos pagamentos de honorários por serviços profissionais prestados.

Para a correta identificação e qualificação de tais serviços, foram solicitados à empresa todos os contratos de prestação de serviços celebrados com terceiros, as notas fiscais, faturas e recibos dos serviços prestados, bem como todas as comprovações específicas das despesas com Honorários Profissionais, conforme pode se observar nos "Termos de Intimação para Apresentação de Documentos - TIAD" anexos.

Apesar das intimações, a empresa deixou de apresentar os documentos solicitados à fiscalização. Não nos foi apresentado nenhum contrato de prestação de serviços profissionais contratados com terceiros, notas fiscais, faturas ou recibos de tais serviços, tampouco qualquer documento que comprovasse as despesas contabilizadas, nas contas de Honorários Profissionais e Honorários Advocatícios. Diante de tal recusa, os serviços foram considerados, de oficio, como prestados por contribuintes individuais, tendo em vista o conceito retirado do art. 12, inciso, V, item "g", da Lei 8.212/91, in verbis:

[...]

0 valor despendido pela empresa com o pagamento dos citados serviços profissionais, prestados por individuais, é fato gerador de contribuição previdenciária, uma vez que se enquadra de forma cristalina no conceito de salário -de -contribuição definido pela Lei nº 8.212/91, em seu art. 28, inciso 111, a seguir:

[...]

Os valores pagos pelos serviços em questão foram extraídos dos lançamentos contábeis apresentados através dos Livros Diário e Razão. Tais lançamentos encontram-se na contabilidade nas contas: Conta 5.01.01.01.06.038-3 (de 0112000 a 0612000); Conta 5.01.01.01.06.038 (de 0712000 a 06/2002); Conta 5.01.01.01.06.063 (de 0412002 e 0612002); Conta 3.3.04.0022-3 (de 107à02 a 1212003); Conta 3.3.04.0028-2 (de 0812003 a 0912003) e Conta 3.3.01.0012-2 (de 0212004 a 0812005) e estão devidamente detalhadas no Anexo V;

[...]

8.8. "CIG (CONTRIBUINTE INDIVIDUAL APÓS GFIP) e "CIA" (CONTRIBUINTE INDIVIDUAL ANTES GFIP):

Os presentes fatos geradores de contribuição previdenciária são provenientes de pagamentos efetuados pela empresa a contribuintes individuais que lhes prestaram serviços, em caráter eventual, sem relação de emprego. Os valores da base de cálculo dos lançamentos foram obtidos através de análise contábil e comprovação documental, através dos borderôs; dos eventos desportivos (cópias anexas), onde estão discriminados os valores pagos aos árbitros, quadro móvel e demais contribuintes individuais que lhes, prestaram serviços. Tais valores estão devidamente demonstrados no Anexo VIII deste Relatório Fiscal.

Os lançamentos foram apurados pela fiscalização do período de 08/1998 a 08/2005, e referem-se às parcelas de contribuição previdenciária a cargo da empresa até a competência 03/2003 e a cargo da empresa e dos segurados a partir da competência 04/2003, em consonância com a Lei nº 10.666, de 08/05/2003, art. 4º, "caput".

A definição de contribuinte individual, na qual se enquadram perfeitamente os segurados que prestaram serviços nos eventos desportivos como árbitros e demais funcionário do quadro móvel, é retirado do art. 12, inciso V, item "g", da Lei 8.212191, in verbis:

[...]

0 valor despendido pela empresa com o pagamento dos citados serviços profissionais, prestados por contribuintes individuais, é fato gerador de contribuição previdenciária, uma vez que se enquadra de forma cristalina no conceito de salário-de-contribuição definido pela Lei nº 8.212/91, em seu art. 28, inciso III, a seguir:

[...]

Os pagamentos de tais serviços prestados por pessoas físicas não constam em folha de pagamento, tampouco em GFIP.

[...]”

 

Em primeiro grau, os réus foram absolvidos da imputação do crime do art. 337-A, do Código Penal, com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal (“estar provada a inexistência do fato).

A leitura da sentença, revela que o i. magistrado a quo se limitou a analisar a sonegação de contribuições previdenciárias relacionada ao pagamento de contribuintes individuais que prestaram serviços em jogos de futebol, “tais como árbitros e demais integrantes do quadro móvel”, e concluiu pela ausência de crime, por entender que não haveria responsabilidade tributária da pessoa jurídica “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, sobre as referidas exações. Por pertinente, trago à colação o seguinte trecho da decisão apelada.

“Em todo caso, o que se verifica é que são as Federações Estaduais - e não os clubes - as responsáveis pela realização dos eventos desportivos, e como tais, tomadoras dos serviços prestados pelos árbitros e auxiliares, na forma da denominada Lei Pelé (Lei n. º 9.615/98), em redação vigente à época dos fatos, nos seguintes termos:

[...]

Destarte, dentro da lógica e dinâmica dos fatos subjacentes à realização dos eventos desportivos futebolísticos, os árbitros, auxiliares e quadro móvel são prepostos das Federações e não dos clubes, ao contrário da tese exposta, sem fundamentos, pela autoridade fiscal e MPF.

E mesmo no campo das presunções, esta é a melhor lógica, na medida em que conferir ao árbitro a condição de preposto de um clube é, em última análise, comprometer a imparcialidade e a necessidade de ausência de conflito de interesses, fundamental à lisura do evento desportivo.

Neste sentido, demonstrado que "árbitros e integrantes do quadro móvel" não afiguram-se contribuintes individuais que prestaram serviços ao clube, não houve, no ponto, prestação de informação falsa e omissiva em GFIP, de modo que a absolvição se impõe por ausência de materialidade delitiva (CPP, art. 386, inc. I).”

 

A fundamentação invocada em primeiro grau (que somente se relaciona com os lançamentos nas rubricas “CIA” e “CIG”) não foi sequer atacada no recurso de apelação do Ministério Público Federal e não merece reforma, pois se mostra consentânea com a legislação (art. 22, III, da Lei nº 8.212/91, e art. 30, parágrafo único, da Lei nº 10.671/2003,) e a jurisprudência sobre o tema. Isto porque, no caso de partidas de futebol, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições incidentes sobre remunerações pagas a árbitros e auxiliares é da entidade promotora do evento (federação, confederação ou liga de futebol). A propósito do tema, trago à colação os seguintes precedentes:

“Tributário - Contribuição previdenciária - Remuneração paga aos árbitros, auxiliares de arbitragem, delegados e demais contribuintes individuais - Lei n. 8.212/1991, art. 22, III - Responsabilidade da entidade promotora do evento (federação, confederação ou liga de futebol) - Aplicação do código desportivo da federação - Impossibilidade - CTN, art. 123 - Precedente.

- Em se tratando de partidas de futebol, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições incidentes sobre a remuneração auferida pelos árbitros, auxiliares de arbitragem, delegados e fiscais de cada espetáculo desportivo, bem como por aqueles que realizam o exame antidopping, bilheteiros, porteiros, maqueiros, seguranças, gandulas etc, é da entidade promotora do evento (federação, confederação ou liga de futebol).

- A existência de Código Desportivo da Federação Catarinense de Futebol e de estatuto, atribuindo a responsabilidade à associação desportiva (time da casa), não tem o condão de modificar o sujeito passivo da contribuição previdenciária, em face do regramento contido no art. 123 do CTN.

- Recurso especial conhecido, mas desprovido.”

(STJ, 2ª Turma, REsp nº 508.981/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 01/02/2005);

 

“EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS INCIDENTES SOBRE A REMUNERAÇÃO DE ÁRBITROS, AUXILIARES E MÉDICOS ANTIDOPING. FEDERAÇÃO DE FUTEBOL. RESPONSABILIDADE. ARTIGO 22, § 6º, DA LEI 8.212/91. OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS.

1. Embora o agente pagador seja o clube de futebol profissional, este o faz em nome da Federação, que é a verdadeira responsável pela contratação e pagamento dos árbitros, auxiliares e médicos antidoping, até porque os clubes sequer possuem ingerência na escala do árbitro e de seus auxiliares.

2. A substituição de que trata o § 6º do artigo 22 da Lei nº 8.212/91 diz respeito apenas aos incisos I e II do mesmo dispositivo legal, quais sejam, as contribuições sobre as remunerações pagas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, não sendo este o caso dos autos.

3. Como os serviços de árbitros e auxiliares foram prestados à FGF, é dela o dever de incluir ditos profissionais em sua folha de pagamento e fazer constar os dados cadastrais dos mesmos nas GFIP's, bem como informar nestas os valores pagos a título de "contribuição e auxílio" a alguns clubes, porquanto se caracterizam como "patrocínio", passível de tributação pelo INSS. Ao descumprir tais obrigações acessórias, deve a Federação sujeitar-se às multas estabelecidas na Lei 8.212/91.”

(TRF 4ª Região, 2ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.71.00.017191-2/RS, Rel. Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, D.E. 21/05/2009).

 

Não obstante, consoante detalhado acima, as imputações contidas na denúncia não se limitaram às sonegações de contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos efetuados aos contribuintes individuais que prestaram serviços em jogos de futebol (árbitros e auxiliares), mas também se relacionam (inclusive em maior medida) a pagamentos efetuados a outros contribuintes individuais, a quem a pessoa jurídica, de acordo com sua própria contabilidade, pagou substanciais valores de “auditoria, assessoria e consultoria” (AAC) e “honorários profissionais” (“HON”).

Com efeito, do total das sonegações (R$499.460,69, excluídos juros e multa), apenas R$34.317,22 tiveram como fatos geradores pagamentos efetuados aos contribuintes individuais que prestaram serviços em jogos de futebol (rubricas “CIA” e “CIG”), enquanto o restante está relacionado a contribuições devidas sobre pagamentos de “assessoria” (R$395.193,13) e “honorários” (R$69.952,34) pela pessoa jurídica, conforme se verifica claramente do “Demonstrativo Sintético de Débito” (ID. 161883491 – pp. 110/127.

Quanto à existência desses pagamentos (“HON” e “AAC”), escriturados na contabilidade da pessoa jurídica, e a omissão de tais fatos geradores em GFIP não há qualquer controvérsia.

Por fim, os crimes de sonegação foram praticados em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, nas competências de 01/1999 a 08/2005, restando configurada a continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, conforme reconhecido na sentença de primeiro grau.

Demonstrada, assim, parcialmente a materialidade objetiva dos crimes de sonegação de contribuição previdenciária narrados na denúncia decorrentes da omissão, em GFIPs, de remunerações pagas a terceiros (contribuintes individuais) por prestação de serviços (assessorias, consultorias e honorários), nas competências de 01/1999 a 08/2005, o que resultou na redução de contribuições previdenciárias no valor de R$465.145,47, condutas que se amoldam perfeitamente ao tipo do art. 337-A, do Código Penal, na forma do art. 71 do mesmo Diploma.

 

AUTORIA E DOLO

Segundo a acusação, nas competências de 29/05/1998 a 21/02/2000, ATÍLIO ORTOLANI exerceu a função de diretor-presidente, tendo sido sucedido, em 21/02/2000 por CARLOS SOUZA MONTEIRO. Por sua vez, MARCOS BAGATELLA exerceu, a partir de 22.12.1998, a função de diretor-geral, e EDUARDO SANTOS PALHARES exerceu, desde 01.07.2002, a administração e a gerência da pessoa jurídica em comento. Tal afirmação reflete Ficha JUCESP (ID. 161883498 – pp. 155/172), da qual se extraem, dentre outras, as seguintes informações:

- ATÍLIO ORTOLANI foi admitido como diretor presidente em 29/05/1998 e renunciou ao cargo em 21/02/2000;

- CARLOS SOUZA MONTEIRO foi admitido como diretor presidente em 21/02/2000;

- MARCOS BAGATELLA foi indicado, em 22/12/1998, para o cargo de diretor geral;

- EDUARDO SANTOS PALHARES foi admitido, em 01/07/2002, como sócio-gerente, condição que ostentou até 17/02/2010.

 

Passo a analisar a prova produzida nos autos acerca das atribuições de cada um dos acusados ao tempo dos fatos e a eventual responsabilidade penal dos réus.

 

ATÍLIO ORTOLANI

Ao acusado foram imputadas as sonegações de contribuição previdenciária relacionadas às competências de janeiro de 1999 a janeiro de 2000 porque, no período, ATÍLIO figurava como diretor presidente da pessoa jurídica contribuinte.

No entanto, a prova oral produzida nos autos revela que ATÍLIO ORTOLANI não exercia, de fato, ao tempo dos crimes narrados na denúncia, a gestão administrativa da “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”

A propósito, destaco as declarações das seguintes testemunhas:

Em sede de inquérito policial, José Marcos Vasques da Silva afirmou que quem administrava de fato o clube durante a presidência de ATÍLIO OTOLANI era MARCOS BAGATELLA (ID. 161883498- pp. 91/92). Em razão de seu falecimento em 12/06/2008 (ID. 161883502 – p. 72), o declarante, embora arrolado como testemunha, não pôde ser ouvido na fase judicial.

Ainda na fase inquisitorial, João Alexandre Ribeiro (ID. 161883498- pp. 93/94) afirmou que MARCOS BAGATELLA era quem administrava de fato o clube durante o período em que a presidência foi formalmente atribuída a ATÍLIO OROTOLANI e a CARLOS MONTEIRO e que, posteriormente, assumiu o corréu EDUARDO PALHARES. Ouvido em juízo (ID. 161884165), a testemunha ratificou suas declarações. Disse que trabalhou no “Clube Paulista” de 1995 a 2013, na supervisão/gerência administrativa. Disse que MARCOS BAGATELLA era o gestor da Parmalat dentro do “Jundiaí” entre 1998 e 2002, aproximadamente, e que nesse período, ATÍLIO ORTOLANI e CARLOS MONTEIRO não compareciam ao clube, senão esporadicamente.

De se ver, portanto, que a defesa se desincumbiu do ônus probatório de demonstrar que, a despeito de constar formalmente como diretor presidente da “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” no período de novembro/1998 a janeiro/2000, o réu ATÍLIO ORTONALI não exercia os poderes de administração inerentes ao cargo nem atuava, de fato, na gestão da pessoa jurídica contribuinte, razão pela qual não se pode atribuir a ele a responsabilidade penal pela sonegação de contribuições previdenciárias descrita na denúncia.

Diante disso, absolvo o réu ATÍLIO ORTOLANI da imputação da prática do crime previsto no art. 337-A, do Código Penal, com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal (“estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”).

 

CARLOS SOUZA MONTEIRO

Consoante se verifica da prova oral produzida nos autos, CARLOS SOUZA MONTEIRO não exercia, de fato, ao tempo dos crimes narrados na denúncia, a gestão administrativa da pessoa jurídica contribuinte, “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”

Confira-se:

Em sede de inquérito policial, José Marcos Vasques da Silva (ID. 161883498 – pp. 91/92), ouvido em 21/05/2008, disse que trabalhava há 13 (treze) anos no Paulista Futebol Clube LTDA, sempre como secretário de futebol. Relatou a sucessão de nomes e gestores do clube, mas afirmou não se recordar de CARLOS DE SOUZA MONTEIRO como presidente. Completou que até a assunção do cargo de diretor por EDUARDO SANTOS PALHARES, a administração do clube era feita por MARCOS BAGATELLA.

Em juízo, as testemunhas de defesa Marilza Natsuko Imanichi, Antônio Luiz Remondini e Antônio Sidnei dos Santos (fl. 964) afirmaram que a PARMALAT repassava recursos financeiros ao Clube Paulista em Jundiaí (“ETTI”), mas disseram que a contabilidade e levantamento das despesas era feito diretamente pelo clube e que “a ponte” entre a PARMALAT e o clube era feita por MARCOS BAGATELLA.

Ainda, no mesmo sentido, tem-se o interrogatório do corréu EDUARDO PALHARES. Tanto na fase policial (ID. 161883498 – pp. 103/104) quanto em juízo (fl. 1071), EDUARDO disse que a gestão tributária do ETTI Futebol Clube, entre 1998 e 2002, esteve a cargo da PARMALAT, representada, dentro do clube, pela pessoa de MARCOS BAGATELLA:

“QUE a partir de 2002 o PAULISTA FUTEBOL CLUBE passou a ser um time empresa recebendo a denominação de PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA; QUE com a criação do PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA, o declarante passou efetivamente a presidir o lime de futebol; QUE MARCOS BAGATELLA era o representante da PARMALAT em Jundiai/SP durante o período em que ATEIO ORTOLANI e CARLOS DE SOUZA MONTEIRO foram os presidentes do ETTI JUNDIAÍ; QUE MARCOS BAGATELLA possuía total poder de mando no ETTI JUNDIA, certamente se reportando a seus superiores;” (declarações no IP).

 

De se ver, portanto, que a defesa se desincumbiu do ônus probatório de demonstrar que, a despeito de constar formalmente como diretor presidente da “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” a partir de 21/02/2000, o réu CARLOS SOUZA MONTEIRO não exercia os poderes de administração inerentes ao cargo nem atuava, de fato, na gestão da pessoa jurídica contribuinte, razão pela qual não se pode atribuir a ele a responsabilidade penal pela sonegação de contribuições previdenciárias ou pelas apropriações indébitas previdenciárias descritas na denúncia.

Diante disso, absolvo o réu CARLOS SOUZA MONTEIRO da imputação da prática dos crimes previstos no art. 168-A, §º, I, e no art. 337-A, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal (“estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”).

 

MARCOS BAGATELLA

A autoria delitiva restou parcialmente comprovada em relação ao réu MARCOS BAGATELLA.

Ainda em sede de inquérito, foram colhidas declarações que corroboram a autoria delitiva imputada a MARCOS BAGATELLA até o início da gestão de EDUARDO PALHARES:

- JOSÉ MARCOS VASQUES DA SILVA (ID. 161883498 – pp. 91/92) disse:

“[...] na época do Sr. ATILIO ORTOLANI havia MARCOS BAGATELA, como diretor geral, e CARLOS DE SOUZA MONTEIRO, que para o declarante, figurava como tesoureiro; QUE ainda na época do Sr. ATILIO ORTOLANI, quem de fato administrava e tinha poder de mando no PAULISTA FUTEBOL CLUBE era o Sr. MARCOS BAGATELA; QUE ATILIO ORTOLANI possuía pouca ingerência sobre administração e decisões da empresa, representava o PAULISTA FUTEBOL CLUBE, assinando os documentos referentes à empresa, mais por exigência legal, conforme contrato social da empresa; QUE dentre as atribuições de ATILIO ORTOLANI estava a assinatura de contratos, admissões, demissões, paga mentos de salários e de impostos, mas quem dava as ordens era o Sr. MARCOS BAGATELA; QUE era MARCOS BAGATELA quem se dirigia ao declarante e determinava o quê e como seria pago [...]” - grifei

 

- JOAO ALEXANDRE RIBEIRO (ID. 161883498 – pp. 93/94):

“[...] QUE nessa época até o ano de 1998 ou 1999 foi o presidente do ETTI JUNDIAÍ o Sr. ATILIO ORTOLANI; QUE em seguida assumiu a presidência do ETTI o Sr. CARLOS DE SOUZA MONTEIRO, que era um dos diretores da PARMALAT, permanecendo no clube até o ano de 2002; QUE a partir de 2002 a PARMALAT saiu do ramo de futebol e devolveu o clube a administração do PAULISTA FUTEBOL CLUBE; QUE com a saída da PARMALAT o time voltou a se chamar PAULISTA FUTEBOL CLUBE, sendo a presidência exercida desde então pelo Sr. EDUARDO SANTOS PALHARES; QUE na época do Sr. ATILIO ORTOLANI, o resumo dos pagamentos ara feito em Jundiaí/SP. que remetia para matriz da PARMALAT em São Paulo/SP que gerava as guias de pagamentos ou autorizações de depósitos bancários, que por sua vez eram realizados em Jundiaí/SP; QUE a administração da empresa de futebol, na pessoa do Sr. ATEIO ORTOLANI, permanecia em São Paulo/SP, só vindo a Jundiaí/SP em ocasiões especiais; QUE em Jundiaí/SP a gerência e administração da empresa era de fato exercida pelo Sr. MARCOS BAGATELLA, funcionário e um dos diretores da PARMALAT; QUE MARCOS BAGATELLA ocupava o cargo de Diretor Geral e Futebol; QUE salvo engano de acordo com o contrato social, até mesmo o presidente deveria assinar cheques em conjunto, nunca isoladamente; QUE todos os pagamentos relacionados a salários, impostos e fornecedores  eram realizados com a gerência de MARCOS BAGATELLA, que encaminhava a documentação a São Paulo/SP a fim de ser colhida a segunda assinatura; QUE a segunda assinatura era aposta pelo Sr. ATEIO ORTOLANI pelo período em que era presidente; QUE na época da presidência do Sr. CARLOS DE SOUZA MONTEIRO, era ele quem dava a segunda assinatura; QUE os pagamentos eram analisados pelo setor financeiro e de controladoria da PARMALAT, de maneira que ATILIO ORTOLANI e CARLOS DE SOUZA MONTEIRO contavam com esse suporte e confiavam em MARCOS BAGATELLA, razão pela qual acredita o declarante que aqueles presidentes não se detinham a detalhes e minúcias do setor financeiro [...]” – grifei

 

Também na fase policial, o corréu CARLOS SOUZA MONTEIRO (ID 161883500 - p. 115) disse que “MARCOS BAGATELLA foi nomeado como diretor de futebol do clube e era ele quem tinha efetivos poderes administrativos em relação à empresa”.

Do mesmo modo, em juízo, as testemunhas ouvidas confirmaram que MARCOS BAGATELLA era responsável pela gestão do “ETTI Jundiaí” nos anos de 1998 a 2002. Confira-se:

A testemunha de defesa Nelson Scaldaferri Júnior (CD. fl. 880) declarou ter sido gerente de controladoria na Parmalat durante onze anos, entre 1991 a 2002, sendo responsável pela contabilidade. Disse que não fazia a contabilidade da Etti, apenas a parte financeira, quando precisava assinar alguma coisa para pagamento. Acrescentou entender que os documentos fiscais, contábeis e pagamentos necessários eram feitos todos em Jundiaí, pois a “Etti Jundiaí” tinha administração independente da Parmalat. Segundo a testemunha, MARCOS BAGATELLA era pessoa de confiança da Parmalat e cuidava da parte administrativa do “ETTI Jundiaí”.

A testemunha João Alexandre Ribeiro (ID. 161884165) afirmou que durante o período em que a Parmalat patrocinava o clube, o “ETTI Jundiaí” era administrado, efetivamente, por MARCOS BAGATELLA (entre 1998 e 2002).

A testemunha de defesa Cláudio Antonio Soares Levada (CD fl. 884) declarou que colabora com o Clube Paulista Jundiaí desde a década de 80 e que atualmente é Presidente do Conselho de Administração do clube. Afirmou que, de 1998 a 2005, atuou como Conselheiro Fiscal do clube. Disse que há dificuldades financeiras e entende que, por tal motivo, houve inadimplência dos tributos. Questionado, respondeu que na época da Parmalat, os atos de administração do clube competiam ao diretor geral, MARCOS BAGATELLA.

De se ver que a prova oral colhida sob o crivo do contraditório confirma que MARCOS BAGATELLA era, no período de janeiro de 1999 até junho de 2007, o efetivo gestor do clube “ETTI Jundiaí”.

Consigne-se, por fim, que o dolo do tipo penal do art. 337-A, III, do Código Penal, é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.

No particular, ressalto que não se cogita jamais da existência de prova cabal e inconteste do dolo, posto que somente o indivíduo conhece seu universo interior e as sutilezas de seu intento. O que se deve buscar, no bojo do processo penal, é a prova robusta e harmônica das circunstâncias objetivas que envolvem os fatos, a partir das quais se pode extrair, por dedução, a existência ou não do dolo do autor, com base nas regras da experiência ordinária.

No caso dos autos, no período em que MARCOS BAGATELLA esteve à frente do “ETTI Jundiaí” (01/1999 a 06/2002), foram omitidos de GFIPs pagamentos que somavam quase dois milhões de reais, valores cuja expressividade não se pode ignorar, especialmente porque, segundo depoimento da própria testemunha de defesa, que confeccionava a folha de pagamento do clube, havia pouco movimento: eram poucos os funcionários (apenas jogadores) e os valores eram fixos (a propósito, faço remissão ao depoimento da testemunha Minoru Kitamura - fl. 838).

No período fiscalizado em que a gestão do clube esteve sob a responsabilidade de MARCOS BAGATELLA, de janeiro/1999 a junho/2002, foram reduzidas contribuições previdenciárias no montante histórico (excluídos juros e multa) de R$ 382.534,89 (trezentos e oitenta e dois mil, quinhentos e trinta e quatro reais e oitenta e nove centavos).

Nesse cenário, não há como se admitir que o administrador do clube desconhecesse a sonegação de vultoso montante de contribuições previdenciárias (R$382.534,89), motivo pelo qual reputo suficientemente comprovado o elemento subjetivo.

Demonstradas, portanto, a materialidade e autoria do delito e ausentes excludentes de qualquer natureza, condeno o acusado MARCOS BAGATELLA  pela prática do crime do art. 337-A, III, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, por ter suprimido, mediante omissão de informação da autoridade fazendária, contribuições previdenciárias devidas pela pessoa jurídica “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, nas competências de janeiro/1999 a junho/2002.

 

EDUARDO SANTOS PALHARES

A autoria, quanto ao réu EDUARDO SANTOS PALHARES, vem demonstrada nos autos.

A prova documental e oral produzida no presente feito revela que EDUARDO SANTOS PALHARES assumiu a diretoria executiva do “Clube Paulista” em 01/07/2002, após a saída da PARMALAT e, nessa condição, decidia acerca do pagamento dos tributos e supervisionava a parte administrativa da pessoa jurídica.

A propósito, confira-se o teor das declarações das testemunhas ouvidas, tanto na fase inquisitorial, quanto em juízo:

- JOSÉ MARCOS VASQUES DA SILVA (ID. 161883498 – pp. 91/92) disse:

“QUE em julho/2002, assumiu a empresa o Sr. EDUARDO SANTOS PALHARES; QUE o declarante possuía a incumbência de preparar as folhas de pagamento de salário e impostos da empresa e repassava para o setor financeiro, a quem cabia efetivar os pagamentos; QUE tem conhecimento de que a política da empresa é dar preferência aos pagamentos de salários, sendo que algumas vezes havia atrasos tanto nesses pagamentos quanto aos recolhimentos de impostos; QUE o Sr. EDUARDO SANTOS PALHARES é pessoa muito mais atuante na administração e gerência da empresa do que seu antecessor; QUE como atual presidente, EDUARDO SANTOS PALHARES tem o efetivo poder de mando dentro da empresa; QUE diferentemente da época de ATÍLIO ORTOLANI, em que o diretor geral MARCOS BAGATELA possuía “carta branca", na gestão de EDUARDO SANTOS PALHARES não houve diretor com tamanho poder; QUE EDUARDO SANTOS PALHARES além de efetivamente administrar a empresa, pode opinar, nas reuniões de diretoria, sobre contratações de jogadores de futebol; [...]” - grifei

 

Em juízo, a testemunha comum João Alexandre Ribeiro (ID. ID. 161884165) relatou que entrou no Clube Paulista em 1995 e lá ficou até 2013, sempre na área administrativa. Entre 1998 e 2002, o clube foi patrocinado pela Parmalat. Após esse período, o Presidente da associação Paulista Futebol Clube, EDUARDO PALHARES passou a administrar o clube, isso no início de 2002.

O próprio réu, em seu interrogatório judicial, afirmou que foi presidente do clube entre maio de 1998 e fevereiro de 2012 e que após a saída da PARMALAT o “ETTI Futebol Clube” passou a enfrentar dificuldades financeiras, o que motivou o inadimplemento de alguns tributos. Disse que a decisão de deixar de pagar os impostos era tomada conjuntamente pelo Conselho Deliberativo e pela Diretoria do clube.

Do mesmo modo, as atas de reuniões do “Paulista Futebol Clube” reproduzidas nos autos (ID. 161883502 e ID. 161883503) revelam que EDUARDO PALHARES tomou posse, em 01/07/2002, como presidente da Diretoria do “Paulista Futebol Clube”, cabendo a ele, exclusivamente, “constituir e nomear a diretoria Executiva do “Jundiaí Futebol Ltda.”. As sucessivas atas revelam que EDUARDO permaneceu como Diretor Executivo até, pelo menos, agosto de 2005 (data do último fato imputado na denúncia).

Especificamente quanto aos crimes de apropriação indébita previdenciária descritos na denúncia, reputo que a alegação defensiva de ausência de dolo merece acolhida.

Não se olvida que o elemento subjetivo do crime do art. 168-A, §1º, I, do Código Penal, é o dolo genérico. As circunstâncias do caso concreto, contudo, geram dúvida razoável acerca do móvel do agente, sendo crível a versão do apelante de que, quanto ao delito de apropriação indébita previdenciária, houve mero equívoco da contabilidade e não intenção de não repassar valores. Isto porque, não obstante o período de fiscalização relacionado ao acusado tenha abarcado os meses de julho/2002 a agosto/2005, as apropriações ocorreram em apenas quatro competências (a saber, 12 e 13/2002, 11/2003 e 01/2004). Além disso, o valor total das contribuições previdenciárias descontadas e não repassadas somava, ao tempo do lançamento, apenas R$4.105,53, sendo certo que em todas as competências mencionadas houve recolhimento em guia da Previdência Social (ainda que em valores insuficientes), como atesta o Discriminativo Analítico de Débito, mais precisamente no ID. 161883491 – pp. 61/63. Destaque-se que, quanto aos meses de 11/2003 e 01/2004, a diferença entre os valores devidos (R$8.331,85 e R$8.762,84, respectivamente) e aqueles recolhidos aos cofres públicos foi de somente R$80,61.

Os ínfimos valores não repassados, quando comparados ao total das obrigações tributárias da pessoa jurídica (mesmo consideradas aquelas omitidas da Receita Federal), tornam verossímil a alegação do réu de que não houve intenção de reter, indevidamente, contribuições previdenciárias descontadas de pagamentos efetuados aos segurados empregados do clube.

A dúvida, no processo penal, é de ser resolvida em benefício do acusado, razão pela qual absolvo o réu EDUARDO SANTOS PALHARES da imputação do crime do art. 168-A, §1º, I, do Código Penal, o que faço com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Quanto ao crime do art. 337-A, III, do Código Penal, o dolo restou plenamente configurado. Como é cediço, basta para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.

No particular, ressalto que não se cogita jamais da existência de prova cabal e inconteste do dolo, posto que somente o indivíduo conhece seu universo interior e as sutilezas de seu intento. O que se deve buscar, no bojo do processo penal, é a prova robusta e harmônica das circunstâncias objetivas que envolvem os fatos, a partir das quais se pode extrair, por dedução, a existência ou não do dolo do autor, com base nas regras da experiência ordinária.

E, no caso dos autos, a prova produzida revela que houve opção deliberada pela omissão, em GFIPs, de pagamentos efetuados pela pessoa jurídica a contribuintes individuais, com a finalidade de reduzir os tributos devidos.

No período fiscalizado em que a gestão do clube esteve sob a responsabilidade de EDUARDO PALHARES, de 01/07/2002 a agosto/2005, foram reduzidas contribuições previdenciárias no montante histórico (excluídos juros e multa) de R$111.234,62 (cento e onze mil, duzentos e trinta e quatro reais e sessenta e dois centavos).

Por fim, tem-se que a tese defensiva de que as sérias dificuldades financeiras supostamente enfrentadas pela pessoa jurídica ao tempo dos fatos impediram o regular adimplemento das obrigações tributárias não configura a causa supralegal excludente da culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa.

Isso porque o réu foi processado penalmente por ter reduzido tributos, mediante omissão de informações à autoridade fazendária, e não por deixar de pagar o crédito tributário constituído, o que, por si só, não constitui fato típico.

Com efeito, não é o caso de reconhecer a inexigibilidade de conduta diversa, pois as privações financeiras não desobrigam o acusado de prestar adequadamente informações acerca da receita auferida pela pessoa jurídica, permitindo a constituição do crédito tributário, ainda que este restasse, posteriormente, inadimplido. Acerca do tema, colaciono os seguintes precedentes:

"AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CONTINUIDADE DELITIVA E CONCURSO MATERIAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA PARA AMBAS AS FIGURAS TÍPICAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS EM RELAÇÃO AO CO-RÉU DETENTOR DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PRECÁRIA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INAPLICABILIDADE AO DELITO DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DA CO-RÉ . INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PENA DE 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO E 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, PARA CADA DELITO, TOTALIZANDO 7 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO E 60 (SESSENTA) DIAS-MULTA, FIXADOS EM ½ (UM MEIO) SALÁRIO MÍNIMO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. SEMI-ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SURSIS. DESCABIMENTO.

[...]

8. No âmbito dos crimes contra a ordem tributária, tem-se admitido, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, como causa supralegal de exclusão de culpabilidade a precária condição financeira da empresa, extrema ao ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa que não a falta do não-recolhimento do tributo devido. Configuração a ser aferida pelo julgador, conforme um critério valorativo de razoabilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos, cabendo a quem alega tal condição o ônus da prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. Deve o julgador, também, sob outro aspecto, aferir o elemento subjetivo do comportamento, pois a boa-fé é requisito indispensável para que se confira conteúdo ético a tal comportamento. 9. Não é possível a aplicação da referida excludente de culpabilidade ao delito do art. 337-A do Código Penal, porque a supressão ou redução da contribuição social e quaisquer acessórios são implementadas por meio de condutas fraudulentas - incompatíveis com a boa-fé - instrumentais à evasão, descritas nos incisos do caput da norma incriminadora.[...]"

(STF, Pleno, AP 516/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 27.09.2010, DJ 06.12.2010);

 

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A DO CÓDIGO PENAL. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO APLICAÇÃO. PRECEDENTE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1. "Não é possível a aplicação da referida excludente de culpabilidade ao delito do art. 337-A do Código Penal, porque a supressão ou redução da contribuição social e quaisquer acessórios são implementadas por meio de condutas fraudulentas - incompatíveis com a boa-fé - instrumentais à evasão, descritas nos incisos do caput da norma incriminadora" (ut, STF, AP 516, Relator Min. AYRES BRITO, Tribunal Pleno, julgado em 27/09/2010, DJe-235, divulgado em 3/12/2010, publicado em 6/12/2010).

2. O reconhecimento, na espécie, da excludente de culpabilidade relativa à inexigibilidade de conduta diversa demandaria a alteração das premissas fático-probatórias fixadas na origem, o que é vedado em recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental improvido."

(STJ, 5ª Turma, AgRg no AREsp 1156788 / SP, Relator(a) Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170), DJe 24/11/2017).

 

Assim, não há como se admitir a tese da inexigibilidade de conduta diversa no caso do crime previsto no art. 337-A, III, do Código Penal, porque praticado mediante fraude, como se verifica na hipótese.

Demonstradas, portanto, a materialidade e autoria do delito e ausentes excludentes de qualquer natureza, condeno o acusado EDUARDO SANTOS PALHARES pela prática do crime do art. 337-A, III, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, por ter suprimido, mediante omissão de informação da autoridade fazendária, contribuições previdenciárias devidas pela pessoa jurídica “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, nas competências de julho/2002 a agosto/2005.

 

DOSIMETRIA

EDUARDO SANTOS PALHARES

1ª FASE

Na primeira etapa da dosimetria, a pena-base deve ser fixada em patamar acima do mínimo legal, em razão das consequências do crime, já que as contribuições suprimidas durante a gestão do acusado (entre julho/2002 e agosto/2005) somavam mais de cem mil reais (R$111.234,62), excluídos juros e multa.

Os apontamentos dos autos (ID. 161883501) não indicam que o réu possua maus antecedentes (Súmula nº 444/STJ), as circunstâncias e motivos do crime são ordinários, a culpabilidade do agente não merece reprovação superior à média e não há elementos nos autos que permitam a valoração da conduta social e da personalidade de EDUARDO SANTOS PALHARES. Por fim, o comportamento da vítima é circunstância judicial cuja análise não guarda pertinência com o crime em tela.

Fixo, assim, a pena em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

 

2ª FASE

Na segunda fase da fixação da reprimenda, não incidem atenuantes ou agravantes.

Ao contrário do quanto alegado pela defesa, EDUARDO jamais confessou a sonegação a ele imputada, apenas declarou que alguns impostos não eram pagos em razão de dificuldades financeiras, o que não é sequer fato penalmente típico.

A pena intermediária fica, portanto, fixada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

 

3ª FASE

Não há causas de aumento ou de diminuição.

 

Continuidade delitiva

Por fim, os crimes de sonegação foram praticados em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução ao longo das competências de 07/2002 a 08/2005, restando configurada a continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, conforme reconhecido na sentença de primeiro grau.

Nos termos da jurisprudência desta E. Corte, igualmente aplicável ao caso dos autos, o aumento pela continuidade delitiva, deve ser aplicado nos seguintes patamares: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento.

Sobre o tema, cito os seguintes precedentes deste Regional: 11ª Turma, ACR 0011528-83.2013.403.6134/SP, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E. 06/11/2018; 11ª Turma, ACR 0002048-83.2009.403.6114/SP, Rel. p/ Acórdão Nino Toldo, D.E. 22/08/2018; 1ª Turma, ACR 0006378-79.2007.4.03.6119, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3 17/11/2015; 2ª Turma, ACR 1105101-64.1998.4.03.6109, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, e-DJF3: 27/06/2013.

Assim, a fração de aumento fica fixada em 1/3 (um terço) considerando que a ação criminosa se repetiu por mais de três anos, entre os meses de julho/2002 e agosto/2005, do que resulta uma pena final de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa.

 

Pena de multa

Não há informações nos autos acerca da situação econômica do réu, motivo pelo qual fixo o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, ou seja, em um trigésimo do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos (15/10/2007), devidamente atualizado.

 

Regime inicial

Fixo o regime aberto para início de cumprimento da pena de reclusão, com fundamento no art. 33, §2º, “c”, do Código Penal, em razão da quantidade de pena aplicada e porque as circunstâncias judiciais não autorizam a fixação de regime inicial mais gravoso.

 

Substituição da pena privativa de liberdade

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e uma pena de prestação pecuniária.

A pena pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas do condenado, além do dano a ser reparado. Ademais, não se deve olvidar que, nos termos do §1º do art. 45 do Código Penal:

"A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários."

 

Assim, fixo a pena de prestação pecuniária em 20 (vinte) salários mínimos, porque o valor se mostra adequado à finalidade da pena, considerando os parâmetros acima expostos, especialmente em vista do dano causado aos cofres públicos.

Determino, por fim, que a pena de prestação pecuniária seja revertida em favor da União, nos termos do art. 45, §1º, do Código Penal.

 

MARCOS BAGATELLA

1ª FASE

Na primeira etapa da dosimetria, a pena-base deve ser fixada em patamar acima do mínimo legal, em razão das consequências do crime, já que as contribuições suprimidas durante a gestão do acusado (entre janeiro/1999 e junho/2002) somavam mais de trezentos e oitenta mil reais (R$382.534,89), excluídos juros e multa.

Os apontamentos dos autos não indicam que o réu possua maus antecedentes (ID. 161883501), as circunstâncias e motivos do crime são ordinários, a culpabilidade do agente não merece reprovação superior à média e não há elementos nos autos que permitam a valoração da conduta social e da personalidade de MARCOS BAGATELLA. Por fim, o comportamento da vítima é circunstância judicial cuja análise não guarda pertinência com o crime em tela.

Fixo, assim, a pena em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa.

 

2ª FASE

Na segunda fase da fixação da reprimenda, incide apenas a atenuante do art. 65, I, do Código Penal, pois o réu contava com mais de setenta anos de idade na data da sentença de primeiro grau.

Assim, aplico a atenuante na fração de 1/6 (um sexto), do que resulta uma pena intermediária de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

 

3ª FASE

Não há causas de aumento ou de diminuição.

 

Pena de multa

Não há informações nos autos acerca da situação econômica do réu, motivo pelo qual fixo o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, ou seja, em um trigésimo do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos (15/10/2007), devidamente atualizado.

 

Continuidade delitiva

Por fim, os crimes de sonegação foram praticados em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução em por mais de três anos consecutivos, restando configurada a continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, conforme reconhecido na sentença de primeiro grau.

Nos termos da jurisprudência desta E. Corte, igualmente aplicável ao caso dos autos, o aumento pela continuidade delitiva, deve ser aplicado nos seguintes patamares: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento.

Sobre o tema, cito os seguintes precedentes deste Regional: 11ª Turma, ACR 0011528-83.2013.403.6134/SP, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E. 06/11/2018; 11ª Turma, ACR 0002048-83.2009.403.6114/SP, Rel. p/ Acórdão Nino Toldo, D.E. 22/08/2018; 1ª Turma, ACR 0006378-79.2007.4.03.6119, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3 17/11/2015; 2ª Turma, ACR 1105101-64.1998.4.03.6109, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, e-DJF3: 27/06/2013.

Assim, a fração de aumento fica fixada em 1/3 (um terço) considerando que a ação criminosa se repetiu entre os meses de janeiro/1999 e junho/2002, do que resulta uma pena final de  02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa.

 

Regime inicial

Fixo o regime aberto para início de cumprimento da pena de reclusão, com fundamento no art. 33, §2º, “c”, do Código Penal, em razão da quantidade de pena aplicada e porque as circunstâncias judiciais não autorizam a fixação de regime inicial mais gravoso.

 

Substituição da pena privativa de liberdade

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e uma pena de prestação pecuniária.

A pena pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas do condenado, além do dano a ser reparado. Ademais, não se deve olvidar que, nos termos do §1º do art. 45 do Código Penal:

"A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários."

 

Assim, fixo a pena de prestação pecuniária em 50 (cinquenta) salários mínimos, porque o valor se mostra adequado à finalidade da pena, especialmente em vista do dano causado aos cofres públicos.

Determino, por fim, que a pena de prestação pecuniária seja revertida em favor da União, nos termos do art. 45, §1º, do Código Penal.

 

Fixação do valor mínimo para reparação

Com esteio no artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal pretende seja fixado o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

O dispositivo legal apontado estabelece que o juiz fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

A despeito das controvérsias acerca da aplicabilidade da novel redação do dispositivo aos fatos ocorridos antes da sua vigência, entendo que a Lei 11.719/2008, responsável pela alteração, é uma norma de natureza processual penal, ensejando aplicação imediata, por força do princípio do tempus regit actum.

O dispositivo em testilha tão-somente determina a liquidação imediata da obrigação de indenizar o dano, dever este há muito disciplinado no artigo 91, inciso I, do Código Penal, não trazendo, o novo dispositivo, qualquer inovação no tocante à existência da obrigação de reparar o dano causado. Nesse sentido:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO CURAÇAO. EVASÃO DE DIVISAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP ATENDIDOS. OITIVA DE TESTEMUNHA. IMPRESCINDIBILIDADE DA OITIVA NÃO COMPROVADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DESPROPORCIONALIDADE NO AUMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME CONTINUADO. FRAÇÃO DE AUMENTO. NÚMERO DE INFRAÇÕES. PENA DE MULTA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. ART. 387, IV, DO CPP. CONDENAÇÃO À REPARAÇÃO DO DANO. POSSIBILIDADE.

[...]

VIII - A regra estabelecida pelo art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, por ser de natureza processual, deve ter aplicação imediata, inclusive a processos em curso.

Agravo regimental desprovido."

(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1.668.560/PR, Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109), DJe 21/05/2018).

 

No entanto, a permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a indenizatória não dispensa a existência de expresso pedido formulado pelo ofendido (STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1.688.156/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 15/06/2018; STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1.671.240/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 04/06/2018).

E, in casu, não houve oportuno pedido do órgão ministerial nesse sentido, obstando o exercício do contraditório e da ampla defesa na fase processual adequada (instrução). É dizer, não basta que a acusação, em sede de apelação, ou seja, após encerrada a fase instrutória e sentenciado o feito, faça o requerimento fundado no art. 387, do Código de Processo Penal, é necessário, em prol do adequado desenvolvimento do contraditório e da ampla defesa, que o pedido seja deduzido em momento oportuno, preferencialmente, já na denúncia.

Dessa forma, rejeito o pedido de fixação do mínimo para de reparação dos danos.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso acusatório para (i) absolver os réus ATÍLIO ORTOLANI e CARLOS SOUZA MONTEIRO das imputações contidas na denúncia, com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal; (ii) manter o reconhecimento da extinção da punibilidade do réu MARCOS BAGATELLA quanto à imputação do crime de apropriação indébita previdenciária pela prescrição (art. 107, IV, do Código Penal); (iii) condenar o réu EDUARDO SANTOS PALHARES pela prática do crime previsto no art. 337-A, III, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, à pena de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos; e (iv) condenar o réu MARCOS BAGATELLA pela prática do crime previsto no art. 337-A, III, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004805-82.2006.4.03.6105

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: ATILIO ORTOLANI, CARLOS DE SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA

Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO ROBERTO DOS RAMOS - SP203655-A
Advogados do(a) APELADO: LUIZ FERNANDO SA E SOUZA PACHECO - SP146449-A, RITA DE CASSIA PEREIRA DE BRITO - SP392154-A
Advogado do(a) APELADO: JOAO RENATO DE FAVRE - SP232225-A
Advogados do(a) APELADO: CARLOS RENATO MONTEIRO PATRICIO - SP143871-A, THIAGO LEARDINE BUENO - SP326866-A, ANTONIO JOAO NUNES COSTA - SP286457-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Inicialmente, ressalto a estima e a admiração que nutro pelo Eminente Relator, Desembargador Federal José Lunardelli.

Pedi vista dos autos para melhor análise dos fatos.

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 2.ª Vara Criminal de Jundiaí/SP,  que quanto ao crime de apropriação indébita previdenciária declarou extinta a punibilidade dos acusados CARLOS SOUZA MONTEIRO e MARCOS BAGATELLA, pela prescrição da pretensão punitiva estatal na modalidade retroativa e absolveu EDUARDO SANTOS PALHARES com fundamento no artigo 386, inciso V, do CPP (não haver prova de ter o réu concorrido para a infração penal) e, quanto ao crime de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, CP), absolveu CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA e ATÍLIO ORTOLANI com fundamento no artigo 386, inciso I, do CPP (estar provada a inexistência do fato).

Em seu apelo, o MPF aduz, preliminarmente, que não se consumou a prescrição da pretensão punitiva estatal quanto ao delito do artigo 168-A, §1.º, inciso I, do Código Penal. No mérito, pugna pela condenação dos réus CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA e ATÍLIO ORTOLANI, nos termos da denúncia, inclusive com a fixação do valor mínimo para reparação do dano (Id. 161884187).

Contrarrazões de recurso apresentadas pela defesa de ATÍLIO ORTOLANI (Id. 161884197), de MARCOS BAGATELLA (Id. 161884203), EDUARDO SANTOS PALHARES (Id. 161884205) e CARLOS DE SOUZA MONTEIRO (Id. 161884207).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Exma. Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo provimento do recurso acusatório (Id. 165105635).

O voto do Relator foi no sentido de dar parcial provimento ao recurso acusatório para absolver os réus ATÍLIO ORTOLANI e CARLOS SOUZA MONTEIRO das imputações contidas na denúncia, com fundamento no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal; manter o reconhecimento da extinção da punibilidade do réu MARCOS BAGATELLA quanto à imputação do crime de apropriação indébita previdenciária pela prescrição (artigo 107, inciso IV, do Código Penal); condenar o réu EDUARDO SANTOS PALHARES pela prática do crime previsto no artigo 337-A, inciso III, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, à pena de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos; e condenar o réu MARCOS BAGATELLA pela prática do crime previsto no artigo 337-A, inciso III, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.

Passo à análise do recurso.

Da Prescrição.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia em face de CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES e MARCOS BAGATELLA pela prática dos delitos tipificadas nos artigos 168-A, §1.º, inciso I, do Código Penal e artigo 337-A, inciso I, na forma do artigo 71, todos do CP e de ATÍLIO ORTOLANI pela prática criminosa tipificada no artigo 337-A, inciso I, na forma do artigo 71, ambos do Código Penal (Id. 161883501 – fls. 04/08).

De início, no que se refere à extinção da punibilidade do réu MARCOS BAGATELLA pela prática do delito previsto no artigo 168-A, §1.º do Código Penal, em razão da prescrição da pretensão punitiva, concordo, com ressalva, com o voto do Relator, Desembargador Federal José Lunardelli, uma vez que acolho o entendimento de que os delitos previstos nos artigos 168-A e 337-A ambos do Código Penal, da mesma forma que o artigo 1.º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, consumam-se com o lançamento definitivo do débito.

O Supremo Tribunal Federal assentou que o exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, uma vez que tais delitos são materiais ou de resultado, e que, enquanto pendente o procedimento administrativo, fica suspenso o curso da prescrição (Súmula Vinculante nº 24).

Destarte, segundo entendimento das nossas Cortes Superiores e deste Tribunal, os delitos previstos nos artigos 168-A e 337-A ambos do Código Penal, da mesma forma que o artigo 1.º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, consumam-se com o lançamento definitivo do débito.

Nesse sentido, o entendimento da jurisprudência. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA ACERCA DA NATUREZA DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A, §1º, inciso I, DO CP. CRIME MATERIAL. AUSÊNCIA DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL ATUAL ENTRE OS ACÓRDÃOS EM COTEJO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168/STJ.
1. A jurisprudência desta Corte Superior, a partir do julgamento do AgRg no Inq n. 2.537/GO pelo Supremo Tribunal Federal, orientou-se no sentido de que o crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no art. 168-A do Código Penal, possui natureza de delito material, a exigir, para sua consumação, a ocorrência de resultado naturalístico consistente no efetivo dano à Previdência. Tem-se, portanto, que o momento consumativo do delito em apreço não correspondente àquele da supressão ou da redução do desconto da contribuição, mas, sim, ao momento da constituição definitiva do crédito tributário, com o exaurimento da via administrativa. Inúmeros precedentes.
2. Os embargos de divergência apresentados contra acórdão que adotou entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça podem ser indeferidos por decisão monocrática, visto que incabíveis, nos termos da Súmula 168/STJ.
3. A agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental.
4. Agravo regimental improvido.
(STJ, AgRg nos EREsp 1734799/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe 01/08/2019)

Desse modo, nos crimes de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP), sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A do CP) e sonegação fiscal (artigo 1.º, inciso I, da Lei nº 8.137/90), por se tratarem de crimes materiais, o termo inicial do prazo prescricional corresponde ao término do processo administrativo fiscal, momento em que restará definitivamente constituído o crédito tributário.

Tecidas essas considerações passo à análise do lapso prescricional quanto ao delito previsto no artigo 168-A, §1.º, inciso I, do CP.

Os réus MARCOS BAGATELLA, CARLOS SOUZA MONTEIRO e EDUARDO SANTOS PALHARES foram denunciados pela prática de crimes de ordem material contra ordem tributária, previstos nos artigos 168-A, §1.º, inciso I, e 337-A, inciso I, na forma do artigo 71, todos do CP e, o réu ATÍLIO ORTOLANI pela prática do delito previsto no artigo 337-A do Código Penal.

No caso vertente, verifica-se que o OFÍCIO/GAB 08124/Nº 387 – 2014, encaminhado pela Receita Federal em 07/08/2014 (Id. 42066809 fl. 286), informa que o crédito tributário referente ao Processo Administrativo 15922.000900/2009-79 (DEBCAB nº 35.835.088-3) foi definitivamente constituído em 14/12/2005. Entretanto, no OFÍCIO/GAB 08124/Nº 153 2015, encaminhado em 10/03/2015 (Id. 42066809 fl. 350), a Receita Federal informa que o crédito tributário foi definitivamente constituído em 01/07/2010.

Todavia, ainda que existam informações conflitantes em relação à data de constituição definitiva do crédito tributário (se ocorreu em 14/12/2005 ou 01/07/2010), o fato é que a denúncia foi recebida em 03/05/2016 (Id. 42065987 - fls. 410vº e 411vº) e, a sentença proferida em 19 de maio de 2021, não interrompeu a prescrição por não ter natureza condenatória. 

Consoante noção corrente, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, a prescrição regula-se pela pena máxima em abstrato, que é de 05 (cinco) anos no caso do artigo 168-A do CP, assim o prazo prescricional é de 12 (doze) anos, nos termos do artigo 109, inciso III, do Código Penal.

Além disso, a prescrição restou suspensa por força de adesão do contribuinte a programa de parcelamento tributário entre 15/10/2007 e 28/11/2013, quando foi excluída por inadimplência, conforme informações da Receita Federal (Id. 161883505 - p. 8). Assim sendo, a prescrição permaneceu suspensa por 06 (seis) anos, 02 (dois) meses e 03 (três) dias.

Destaque-se que a Lei nº 12.234/2010, de 05 de maio de 2010, que revogou o §2.º do artigo 110 do Código Penal, para excluir a prescrição na modalidade retroativa, vedando o seu reconhecimento no período anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa é inaplicável ao caso, uma vez que configura novação legislativa em prejuízo dos réus, o que fere a vedação constitucional da retroatividade em desfavor do réu (cf. artigo 5.º, inciso XL, da Constituição Federal).

Por conseguinte, no que se refere aos réus CARLOS SOUZA MONTEIRO e EDUARDO SANTOS PALHARES, considerando a data mais antiga de constituição definitiva do crédito tributário (14 de dezembro de 2005), computado o prazo de suspensão da pretensão punitiva (entre 15/10/2007 e 28/11/2013), verifica-se que não ocorreu, o lapso prescricional entre a data da constituição dos débitos (14 de dezembro de 2005) e o recebimento da denúncia (5 de maio de 2016), nem entre a data do recebimento da denúncia (5 de maio de 2016) e os dias atuais.

Registre-se, outrossim, que o réu MARCOS BAGATELLA, nascido em 28/07/1946, contava com mais de setenta anos de idade na data da sentença (19/05/2021), fazendo jus à redução do prazo prescricional pela metade, nos termos do artigo 115 do Código Penal.

Desse modo, o réu MARCOS BAGATELLA teve extinta sua punibilidade relativamente ao crime de apropriação indébita previdenciária, pois superado o intervalo de 6 (seis) anos entre a data do recebimento da denúncia (5 de maio de 2016) e os dias atuais.

Logo, permanece hígida a pretensão punitiva do Estado somente quanto à imputação relativa ao delito de apropriação indébita previdenciária relacionada aos réus CARLOS SOUZA MONTEIRO e EDUARDO SANTOS PALHARES.

No que se refere à prescrição da pretensão punitiva relativa ao delito previsto no artigo 337-A, do Código Penal, acompanho o entendimento do E. Relator.

Da materialidade delitiva.

1. Da materialidade do crime previsto no artigo 168-A, §1.º, inciso I, do Código Penal.

No que tange à materialidade, também voto em conformidade com o entendimento do Relator.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia em desfavor de CARLOS SOUZA MONTEIRO, EDUARDO SANTOS PALHARES, MARCOS BAGATELLA, qualificados nos autos em epígrafe, pelas condutas típicas descritas nos artigos 168-A, §1.º e 337-A, inciso I, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, e em desfavor de ATÍLIO ORTOLANI, qualificado nos autos, pela conduta descrita no artigo 337-A, inciso I, na forma do artigo 71, ambos do Código Penal.

A materialidade do crime de apropriação indébita previdenciária é incontroversa e encontra-se amplamente comprovada, especialmente pela Representação Fiscal para Fins Penais nº 35406.000011/2006-13 (Id. 161883491 e Id. 161883492); pela NLFD - DEBCAD n.º 35.835.088-3 e pelo ofício da Receita Federal do Brasil (Id. 161883498 – fls. 112/113).

Destarte, as provas acima mencionadas demonstram que a fiscalização tributária apurou diferenças entre o valor das contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados do “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, informados em GFIP e o montante recolhido aos cofres do INSS, nas competências 13/1999, 13/2000, 13/2001, 12 e 13/2002, 11/2003 e 01/2004, no valor de R$ 31.926,64 (trinta e um mil, novecentos e vinte e seis reais e sessenta e quatro centavos), excluídos os juros e a multa.

2. Da materialidade do crime previsto no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal.

Quanto à materialidade relativa ao delito previsto no artigo 337-A do CP, também comungo do entendimento do E. Relator.

Conforme mencionado pelo E. Relator, a denúncia não abrangeu a suposta omissão de informação à autoridade fazendária acerca de pagamentos efetuados a segurados empregados da pessoa jurídica contribuinte (cf. Id. 161883501 - fls. 407/409), sendo descabido o pleito ministerial formulado na apelação de condenação dos réus pela sonegação da integralidade do valor descrito no DEBCAD nº 35.385.088-3, com fundamento no princípio da congruência entre acusação e sentença.

Com efeito, a denúncia descreve que a conduta fática estaria circunscrita à omissão de informação acerca de pagamentos efetuados a contribuintes individuais, sendo, portanto, incabível a condenação dos réus ATÍLIO, CARLOS, EDUARDO e MARCOS pela prática do crime do artigo 337-A, inciso I, do Código Penal, quanto à suposta omissão de informação acerca de pagamentos efetuados a segurados empregados do “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”

Todavia, quanto aos demais fatos geradores objeto da denúncia e relacionados às rubricas "CIG”, “CIA”, “HON” e “AAC", a materialidade objetiva do crime do artigo 337-A do Código Penal, restou parcialmente demonstrada, especialmente por meio da Representação Fiscal para Fins Penais nº 35406.000011/2006-13; da DEBCAD nº 35.835.088-3; Boletins financeiros de jogos de futebol e borderôs de eventos desportivos (ID. 161883491 e ID. 161883492).

Vejamos.

O MM. Juiz a quo absolveu os réus da imputação do crime do artigo 337-A, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso I, do Código de Processo Penal (“estar provada a inexistência do fato).

Contudo, o magistrado a quo se limitou a analisar a sonegação de contribuições previdenciárias relacionada ao pagamento de contribuintes individuais que prestaram serviços em jogos de futebol, “tais como árbitros e demais integrantes do quadro móvel”, e concluiu pela ausência de crime, por entender que não há responsabilidade tributária da pessoa jurídica “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” (CNPJ nº 02471562/0001-49), depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, sobre as referidas exações.

Destarte, quanto a essa questão, a sentença não merece reforma, uma vez que no caso de partidas de futebol, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições incidentes sobre remunerações pagas a árbitros e auxiliares compete à entidade promotora do evento (federação, confederação ou liga de futebol), nos termos do artigo 22, inciso III, da Lei nº 8.212/91, e artigo 30, parágrafo único, da Lei nº 10.671/2003 (Lei Pelé), o qual determina, in verbis:

Art. 30. É direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões.

Parágrafo único. A remuneração do árbitro e de seus auxiliares será de responsabilidade da entidade de administração do desporto ou da liga organizadora do evento esportivo.

Sendo assim, os árbitros, auxiliares e quadro móvel são prepostos das Federações e não dos clubes, tendo o legislador o objetivo de garantir a imparcialidade e a necessidade de ausência de conflito de interesses, fundamental à lisura do evento desportivo.

Entrementes, as imputações contidas na denúncia não se limitaram às sonegações de contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos efetuados aos contribuintes individuais que prestaram serviços em jogos de futebol (árbitros e auxiliares), mas também se relacionam a pagamentos efetuados a outros contribuintes individuais, quais sejam, os valores de “auditoria, assessoria e consultoria” (AAC) e “honorários profissionais” (“HON”).

Ora, quanto à existência desses pagamentos (“HON” e “AAC”), escriturados na contabilidade da pessoa jurídica, e a omissão de tais fatos geradores em GFIP não há qualquer controvérsia. Com efeito, depreende-se do Relatório Fiscal que os valores pagos pelos serviços em questão foram extraídos dos lançamentos contábeis apresentados através dos Livros Diário e Razão (Id. 161883492 - fl. 09).

Logo, parcialmente, demonstrada a materialidade objetiva dos crimes de sonegação de contribuição previdenciária decorrentes da omissão, em GFIPs, de remunerações pagas a terceiros (contribuintes individuais) por prestação de serviços de assessorias, consultorias e honorários, nas competências de 01/1999 a 08/2005, o que resultou na redução de contribuições previdenciárias no valor de R$ 465.145,47 (quatrocentos e sessenta e cinco mil, cento e quarenta e cinco reais e quarenta e sete centavos).

Da autoria delitiva e dolo.

1. ATÍLIO ORTOLANI

De acordo com a denúncia, ATÍLIO ORTOLANI, exerceu nas competências entre 29/05/1998 e 21/02/2000, a função de diretor presidente na empresa ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA., depois denominada PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA., sendo sucedido em 21/02/2000 por CARLOS SOUZA MONTEIRO; que MARCOS BAGATELLA exerceu, desde 22/12/1998, a função de diretor geral; e que EDUARDO SANTOS PALHARES exerceu, desde 01/07/2002, a administração e gerência da sociedade.

 Quanto ao réu ATÍLIO ORTOLANI foram imputadas as sonegações de contribuição previdenciária relacionadas às competências de janeiro de 1999 a janeiro de 2000 porque, no período, figurava como diretor presidente da pessoa jurídica contribuinte.

Entrementes, restou demonstrado durante a instrução probatória que o réu não exercia os poderes de administração inerentes ao cargo, configurando hipótese de absolvição do réu pela prática do crime do artigo 337-A, do Código Penal.

Desse modo, acompanho o E. Relator pela absolvição do réu ATÍLIO ORTOLANI pela prática do delito previsto no artigo 337-A do Código Penal.

2. CARLOS SOUZA MONTEIRO

Quanto ao réu CARLOS SOUZA MONTEIRO, a defesa se desincumbiu do ônus probatório de demonstrar que, a despeito de constar formalmente como diretor presidente da “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.” a partir de 21/02/2000, o réu não exercia os poderes de administração inerentes ao cargo nem atuava, de fato, na gestão da pessoa jurídica contribuinte, razão pela qual não se pode atribuir a ele a responsabilidade penal pela sonegação de contribuições previdenciárias ou pelas apropriações indébitas previdenciárias descritas na denúncia.

Desse modo, acompanho o E. Relator pela absolvição do réu CARLOS SOUZA MONTEIRO da imputação da prática dos crimes previstos no artigo 168-A, §1.º, inciso I, e no artigo 337-A, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal.

3. MARCOS BAGATELLA

Quanto ao réu MARCOS BAGATELLA restou comprovada a autoria delitiva até o início da gestão de EDUARDO PALHARES.

Deveras, a prova oral colhida sob o crivo do contraditório confirma que MARCOS BAGATELLA era, no período de janeiro de 1999 até junho de 2007, o efetivo gestor do clube “ETTI Jundiaí”, com poderes de decidir a respeito do pagamento dos tributos.

Desse modo, acompanho o E. Relator na condenação do réu MARCOS BAGATELLA  pela prática do crime do artigo 337-A, inciso III, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, por ter suprimido, mediante omissão de informação da autoridade fazendária, contribuições previdenciárias devidas pela pessoa jurídica “ETTI JUNDIAÍ FUTEBOL LTDA.”, depois denominada “PAULISTA FUTEBOL CLUBE LTDA.”, nas competências de janeiro/1999 a junho/2002.

4. EDUARDO SANTOS PALHARES

Por fim, quanto à EDUARDO SANTOS PALHARES,  a prova documental e oral produzida no presente feito revela que o réu assumiu a diretoria executiva do “Clube Paulista” em 01/07/2002, após a saída da PARMALAT e, nessa condição, decidia acerca do pagamento dos tributos e supervisionava a parte administrativa da pessoa jurídica.

Aliás, em seu interrogatório judicial, o próprio réu afirmou que foi presidente do clube entre maio de 1998 e fevereiro de 2012 e que após a saída da "PARMALAT", o “ETTI Futebol Clube” passou a enfrentar dificuldades financeiras, o que motivou o inadimplemento de alguns tributos. Contudo, alegou que a decisão de deixar de pagar os impostos era tomada conjuntamente pelo Conselho Deliberativo e pela Diretoria do clube.

No mesmo sentido, as atas de reuniões do “Paulista Futebol Clube” reproduzidas nos autos (ID. 161883502 e ID. 161883503) revelam que EDUARDO PALHARES tomou posse como presidente da Diretoria do “Paulista Futebol Clube” em 01/07/2002, cabendo a ele, exclusivamente, “constituir e nomear a diretoria Executiva do “Jundiaí Futebol Ltda.” Além disso, as sucessivas atas revelam que EDUARDO permaneceu como Diretor Executivo até, pelo menos, agosto de 2005 (data do último fato imputado na denúncia).

Contudo, comungo do entendimento do E. Relator, quanto à ausência de dolo do réu EDUARDO quanto à referida imputação, posto que os ínfimos valores não repassados ao INSS, sendo verossímil a alegação defensiva de que não houve intenção de reter, indevidamente, contribuições previdenciárias descontadas de pagamentos efetuados aos segurados empregados do clube.

Logo, voto no sentido da absolvição do réu EDUARDO SANTOS PALHARES da imputação do crime do artigo 168-A, §1.º, inciso I, do Código Penal, o que faço com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

Todavia, quanto à prática do delito previsto no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, o dolo do réu EDUARDO SANTOS PALHARES restou plenamente configurado.

No que se refere ao crime de sonegação de contribuição previdenciária, incabível a aplicação da excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, já que o delito ora tratado cuida da administração tributária das empresas, e do correto lançamento de sua contabilidade, não havendo, assim, como entender-se que eventual dificuldade financeira possa justificar a errônea anotação contábil da empresa, com o fim de prejudicar a fiscalização tributária. Isso porque o réu foi processado penalmente por ter reduzido tributos, mediante omissão de informações à autoridade fazendária, e não por deixar de pagar o crédito tributário constituído, o que, por si só, não constitui fato típico.

Assim, não há como se admitir a tese da inexigibilidade de conduta diversa no caso do crime previsto no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, porque praticado mediante fraude, como se verifica na hipótese.

Demonstradas, portanto, a materialidade e autoria do delito e ausentes excludentes de qualquer natureza, acompanho o E. Relator quanto à condenação do acusado EDUARDO SANTOS PALHARES pela prática do crime do artigo 337-A, inciso III, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal.

Dosimetria das penas.

Conforme analisado, de forma minuciosa, pelo E. Desembargador Federal Relator, reporto-me ao conjunto probatório indicado e reconheço que a materialidade, a autoria e o dolo são suficientes à manutenção da condenação de MARCOS BAGATELLA e de EDUARDO SANTOS PALHARES pela prática do delito previsto no artigo 337-A, inciso III, c.c artigo 71 do Código Penal.

No que se refere à dosimetria das penas, acompanho integralmente o Relator.

Com tais considerações, entendo acertado o voto do E. Relator, pelo que o acompanho, ressalvando, contudo, o entendimento de que o delito previsto no artigo 168-A, §1.º, inciso I, do Código Penal é de ordem material, consumando-se com o lançamento definitivo do débito, nos termos da Súmula 24 do E. STF.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A, CÓDIGO PENAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A, DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA VINCULANTE Nº24. PRESCRIÇÃO PARCIAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO GENÉRICO. DEMONSTRAÇÃO PARCIAL. LIMITES DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS. DOSIMETRIA. APELO ACUSATÓRIO PARCIALMENTE PROVIDO.

1 - Ação penal que preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, segundo a qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.” Verbete sumular com integral aplicabilidade ao crime material contra a ordem tributária previsto no art. 337-A, do Código Penal.

2- Prescrição parcialmente reconhecida. Crime de apropriação indébita previdenciária que se aperfeiçoa com a mera omissão no repasse das contribuições descontadas. Prescindíveis, portanto, o esgotamento do processo administrativo fiscal e a constituição definitiva do crédito na esfera administrativa para a propositura da ação penal, não se aplicando ao delito de apropriação indébita previdenciária a súmula de nº 24 do STF.

3 – Demonstrada a materialidade objetiva dos crimes descritos na denúncia, observados os limites da imputação pelo órgão acusatório.

3.1 – O princípio da congruência ou da correlação entre a acusação e a sentença representa garantia processual que restringe a atuação do órgão julgador em prol dos postulados do contraditório, da imparcialidade do juiz e da inércia da jurisdição e do sistema acusatório constitucionalmente previsto.

4- “Em se tratando de partidas de futebol, a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições incidentes sobre a remuneração auferida pelos árbitros, auxiliares de arbitragem, delegados e fiscais de cada espetáculo desportivo, bem como por aqueles que realizam o exame antidopping, bilheteiros, porteiros, maqueiros, seguranças, gandulas etc, é da entidade promotora do evento (federação, confederação ou liga de futebol).” (STJ, 2ª Turma, REsp nº 508.981/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 01/02/2005).

5- Autoria não demonstrada em relação a dois corréus, absolvidos com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal (“estar provado que o réu não concorreu para a infração penal”).

6 - O dolo do tipo penal do art. 337-A, III, do Código Penal, é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.

7 – Dosimetria. Nos termos da jurisprudência desta E. Corte, igualmente aplicável ao crime do art. 337-A, III, Código Penal, o aumento pela continuidade delitiva, deve ser aplicado nos seguintes patamares: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento.

8 - A permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a indenizatória (art. 387, IV, CPP) não dispensa a existência de expresso pedido formulado pelo ofendido (STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1.688.156/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 15/06/2018; STJ, 6ª Turma, AgRg no REsp 1.671.240/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 04/06/2018).

9 – Recurso acusatório parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Des. Fed. Paulo Fontes, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso acusatório para absolver os réus ATÍLIO ORTOLANI e CARLOS SOUZA MONTEIRO das imputações contidas na denúncia, com fundamento no art. 386, IV, do Código de Processo Penal; manter o reconhecimento da extinção da punibilidade do réu MARCOS BAGATELLA quanto à imputação do crime de apropriação indébita previdenciária pela prescrição (art. 107, IV, do Código Penal); condenar o réu EDUARDO SANTOS PALHARES pela prática do crime previsto no art. 337-A, III, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, à pena de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos; e condenar o réu MARCOS BAGATELLA pela prática do crime previsto no art. 337-A, III, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, tendo o DES. FED. PAULO FONTES acompanhado o voto do Relator, ressalvando, contudo, o entendimento de que o delito previsto no artigo 168-A, §1.º, inciso I, do Código Penal é de ordem material, consumando-se com o lançamento definitivo do débito, nos termos da Súmula 24 do E. STF, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.