APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001270-04.2008.4.03.6000
RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
APELANTE: SOCIEDADE DE PROTECAO ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS
Advogados do(a) APELANTE: LUCIVAL BENTO PAULINO FILHO - MS20998-A, NEDYSON DE AVILA GORDIN - MS11379-A, WAGNER LEAO DO CARMO - MS3571-A
APELADO: MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001270-04.2008.4.03.6000 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: SOCIEDADE DE PROTECAO ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS Advogados do(a) APELANTE: LUCIVAL BENTO PAULINO FILHO - MS20998-A, NEDYSON DE AVILA GORDIN - MS11379-A, WAGNER LEAO DO CARMO - MS3571-A APELADO: MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de dois embargos de declaração opostos pelo Município de Campo Grande e pela União, em face do acórdão assim ementado (ID 260999301): “PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EUTANÁSIA CANINA COMO POLÍTICA PÚBLICA DE CONTROLE DE LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA. EXAME SOROLÓGICO. DESTRUIÇÃO DOS CRIADOUROS DOS VETORES DA DOENÇA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada originariamente na Justiça Estadual pela Sociedade de Proteção e Bem-Estar Animal – Abrigo dos Bichos em face do Município de Campo Grande e da Secretaria de Saúde Pública do Município de Campo Grande, objetivando que i) os laudos definitivos de leishmaniose visceral canina, indicando animais positivos, somente sejam emitidos após realização de exames sorológicos combinados; ii) em caso de dúvida, seja garantido ao proprietário do animal o direito à contraprova dos exames, custeados pelo Poder Público; iii) o Município adote procedimento formal acerca das medidas executadas para o controle da leishmaniose canina, mediante termo de consentimento para adentrar residências, coletar sangue de animais domésticos e realizar a eutanásia em animais portadores de doença grave, bem como termo de cientificação de animais sorologicamente positivos, e apresentação de ficha individualizada e identificada por foto digital, acompanhada de laudo expedido por médico veterinário, de todo animal sacrificado no CCZ/CG; iv) seja proibido o sacrifício de animais sadios como medida de controle da população de cães e gatos e seja adotado pelo Município as medidas preconizadas no artigo 29, § 4º, da Lei Estadual nº 2.990/2005. 2. De início, destaque-se que a ação de improbidade administrativa, a ação civil pública e a ação popular compõem o microssistema de tutela dos direitos difusos e coletivos. Desse modo, aplica-se à sentença de improcedência prolatada com fundamento na Lei nº 7.347/1985 o disposto no artigo 19 da Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular), por analogia, submetendo-se o provimento jurisdicional ao reexame necessário. 3. A eutanásia de animais é medida drástica e ineficiente no controle da leishmaniose visceral canina, sendo que a proteção dos animais em relação às práticas que possam provocar sua extinção ou que os submetam à crueldade é decorrência do direito da pessoa humana ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal. 4. Cabe ao veterinário decidir acerca da prescrição do tratamento aos animais contaminados, bem como quanto aos recursos humanos e materiais a serem empregados. Diante disso, caso o profissional entenda que o tratamento é indicado, poderá o proprietário do animal optar em realizá-lo ou em submeter seu cão/gato à eutanásia, não podendo o CCZ/CG interferir nessa decisão. 5. Ainda que o tratamento do animal seja apenas paliativo, já que a referida doença não tem cura, a maneira mais eficiente para o controle da zoonose, que é endêmica no Brasil, é a destruição dos criadouros dos vetores da leishmaniose, tais como o “mosquito-palha” e outros insetos denominados flebotomíneos, mediante o saneamento das cidades, no caso, do Município de Campo Grande. Precedentes. 6. Diante da ineficiência dos exames sorológicos e da possibilidade de erro no resultado do teste - mesmo que ínfimo -, é um direito do dono do animal a realização de contraprova por meio de exames alternativos, os quais, por serem mais caros, não são feitos pelo Município, mas sim às expensas do proprietário. 7. As medidas executadas para o controle da leishmaniose canina devem ser efetuadas mediante termo de consentimento para adentrar residências, coletar sangue de animais domésticos e realizar a eutanásia em animais portadores de doença grave, bem como mediante termo de cientificação de animais sorologicamente positivos, e apresentação de ficha individualizada e identificada por foto digital, acompanhada de laudo expedido por médico veterinário, de todo animal sacrificado no CCZ/CG. 8. Apelação parcialmente provida. 9. Reexame necessário conhecido em parte e, na parte conhecida, provido em parte”. Alega o primeiro embargante que o acórdão é omisso e obscuro quando menciona que a Portaria Interministerial MAPA 1.426/2008 foi declarada ilegal, pois a ilegalidade do ato normativo foi declarada em autos diversos, não havendo expressa decisão acerca da legalidade da norma na presente demanda. Aduz que não houve manifestação expressa acerca do Decreto Federal n. 51.838/1963, que dispõe sobre normas técnicas especiais para o combate à leishmaniose, autoriza a eliminação dos animais domésticos doentes e permite às autoridades sanitárias o ingresso em todos os locais que forem julgados de interesse para o combate à doença. Afirma que houve considerável diminuição da enfermidade em humanos, mas o julgado desconsiderou esse fato e consignou que a leishmaniose, a despeito da eutanásia, continua a se manifestar nos animais. Requer, por derradeiro, a análise expressa do Decreto Federal n. 51.838/1963, e dos artigos 2º e 30, incisos, I, V e VII da Constituição Federal, para fins de prequestionamento. A segunda embargante afirma que o Município de Campo Grande já tem adotado a eutanásia apenas nas hipóteses em que o dono do animal doente não opte por seu tratamento, devendo, portanto, ser esclarecida a obscuridade quanto à essa questão. Sustenta que, a despeito do constante progresso e inclusão de novas ações no controle da leishmaniose, não cabe ao Poder Judiciário, mas ao Poder Executivo, por imperativo constitucional, dizer qual a maneira mais eficiente para o controle da zoonose, ainda mais considerando-se que há várias medidas sendo adotadas, e não apenas a eutanásia. Pugna, por fim, pela apreciação dos artigos 2º, 196, 197 e 200, inc. I, e 225, § 1º, I, da Constituição Federal, bem como dos arts. 7º e 9º do Decreto Federal nº 51.838/1963, para fins de prequestionamento. Intimada para os fins do artigo 1.023, § 2º, do Código de Processo Civil, a parte embargada apresentou resposta. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001270-04.2008.4.03.6000 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: SOCIEDADE DE PROTECAO ANIMAL ABRIGO DOS BICHOS Advogados do(a) APELANTE: LUCIVAL BENTO PAULINO FILHO - MS20998-A, NEDYSON DE AVILA GORDIN - MS11379-A, WAGNER LEAO DO CARMO - MS3571-A APELADO: MUNICIPIO DE CAMPO GRANDE OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): É cediço que os embargos de declaração têm cabimento apenas quando a decisão atacada contiver vícios de omissão, obscuridade ou contradição. No caso em apreço, o aresto analisou devidamente todas as questões, de forma suficientemente clara, nos limites da controvérsia, não restando vício a ser sanado. Como bem consignado no acórdão embargado, “a Portaria Interministerial MAPA nº 1.426/2008, que proíbe o tratamento de leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano ou não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, foi declarada ilegal por afrontar a legislação protetiva do meio ambiente” (ID 258392062 - Pág. 3), de acordo com precedentes desta Corte Regional. Logo, já tendo sido reconhecida a ilegalidade do ato normativo em outros julgados, não há impedimento para que essa informação seja trazida aos presentes autos para fins de fundamentação do decisum. Além disso, não há obscuridade no que diz respeito à imposição da eutanásia nas hipóteses em que o dono do animal doente não optar por seu tratamento, pois o aresto assim esclareceu: “Cabe ao veterinário decidir acerca da prescrição do tratamento aos animais contaminados, bem como quanto aos recursos humanos e materiais a serem empregados. Diante disso, caso o profissional entenda que o tratamento é indicado, poderá o proprietário do animal optar em realizá-lo ou em submeter seu cão/gato à eutanásia, não podendo o CCZ/CG interferir nessa decisão” (ID 258392062 - Pág. 5). E mais, “o Centro de Controle de Zoonoses de Campo Grande já vem utilizando os testes sorológicos ELISA e RIFI, em conjunto, para o diagnóstico de leishmaniose, todavia, esses exames não possuem 100% de confiabilidade, pois o fato de a sensibilidade e especificidade dos testes serem superiores a 90%, não significa que não há margem para erros, havendo maior razão para que o proprietário do animal possa optar pelo tratamento do seu cão/gato em vez de entregá-lo para ser sacrificado” (ID 258392062 - Pág. 9). Assim, como se vê, caso o proprietário do animal doente se recuse a realizar o tratamento, a eutanásia é possível. Com relação à separação dos poderes, é defeso ao Poder Judiciário adentrar no mérito dos atos administrativos de efetivação de políticas públicas, cabendo-lhe unicamente examiná-los sob o aspecto da legalidade e moralidade. Na hipótese dos autos, porém, está autorizada a ingerência do Judiciário, uma vez que a adoção pelo Município de procedimento formal acerca das medidas executadas para o controle da leishmaniose canina, mediante a apresentação de termos de consentimento, termo de cientificação e de ficha individualizada, acompanhada de laudo expedido por médico veterinário, assegura a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, além de a motivação das decisões ser um dos pilares do Direito Administrativo. Registre-se, ainda, que os aclaratórios não se prestam a responder questionário ou consulta formulados pela parte, tampouco compete ao Poder Judiciário a apreciação exaustiva, ponto por ponto, de tudo quanto suscetível de questionamento. Confira-se: "PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. 1. Os embargos de declaração opostos na origem não podem ser destinados ao "acréscimo de razões que para a parte pareçam significativas, mas que, para o julgador, se não irrelevantes, constituem questões superadas pelas razões de julgar" (EDcl nos EDcl no AgRg no AgRg no REsp 792.547/DF, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (Desembargadora Convocada do TJ/PE), SEXTA TURMA, DJe de 19.8.2013). 2. "Não cabe ao Tribunal, que não é órgão de consulta, responder a questionários postos pela parte sucumbente, que não aponta de concreto nenhuma obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, mas deseja, isto sim, esclarecimentos sobre sua situação futura e profliga o que considera injustiças decorrentes do 'decisum' (...)" (EDcl no REsp 739/RJ, Rel. Min. ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, DJ de 11.3.1991, p. 2395). 3. Agravo interno não provido". ..EMEN: (AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1394852 2018.02.89134-0, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:19/02/2019 ..DTPB:.) (grifei) “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO (Art. 1.022 DO CPC DE 2015). AUSÊNCIA DOS VÍCIOS ALEGADOS. EXIGÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO PARA APLICAÇÃO DA TESE FIRMADA EM REPETITIVO. STJ - TEMA 994 - O ICMS NÃO INTEGRA A BASE DE CÁLCULO DA CPRB - REJEIÇÃO. 1. À luz da melhor exegese do art. 1. 021, §3º, e do art. 489, ambos do Código de Processo Civil de 2015, o julgador não está compelido, no curso do processo intelectual de formação de sua convicção para a solução do litígio, a guiar-se pela linha de raciocínio e questionamentos predefinida na argumentação das razões recursais. 2. Uma vez apreciados motivada e concretamente os fundamentos de fato e de direito que envolvem o litígio, tomando em consideração todas as alegações relevantes para a sua composição, não há cogitar em desrespeito à sistemática processual civil, assim como à norma do art. 93, IX, da CF. 3. O juiz ou tribunal deve decidir a questão controvertida indicando os fundamentos jurídicos de seu convencimento, manifestando-se sobre todos os argumentos capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada, não estando, porém, obrigado a responder "questionários" ou analisar alegações incapazes de conferir à parte os efeitos pretendidos. 4. Para aplicação da tese firmada em sede de recurso repetitivo é desnecessário aguardar seu trânsito em julgado. Precedentes. (...) 11. Embargos de declaração rejeitados”. (ApCiv 0051635-71.2015.4.03.6144, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/10/2019.) (grifei) Frise-se, por fim, ser desnecessária a referência expressa dos dispositivos legais e constitucionais tidos por violados, pois o exame da questão, à luz dos temas invocados, é mais do que suficiente para viabilizar o acesso às instâncias superiores. Logo, o que se percebe é que os embargantes desejam que prevaleça a tese por eles defendida, no afã de reagitar questões de direito já dirimidas, à exaustão, pela Turma julgadora, com nítida pretensão de inversão do resultado final, o que não é possível na via estreita dos embargos de declaração. Ante o exposto, REJEITO os embargos de declaração. É como voto.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. MERO INCONFORMISMO COM O RESULTADO DO JULGAMENTO. PREQUESTIONAMENTO. EMBARGOS REJEITADOS.
1. Os embargos de declaração são cabíveis apenas quando presente alguma das hipóteses previstas no art. 1.022 do novo Código de Processo Civil.
2. A ilegalidade da Portaria Interministerial MAPA nº 1.426/2008, que proíbe o tratamento de leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano ou não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, já foi reconhecida em outros julgados desta Corte. Logo, não há qualquer impedimento para que essa informação seja trazida aos presentes autos para fins de fundamentação do decisum.
3. É defeso ao Poder Judiciário adentrar no mérito dos atos administrativos de efetivação de políticas públicas, cabendo-lhe unicamente examiná-los sob o aspecto da legalidade e moralidade. Na hipótese dos autos, porém, está autorizada a ingerência do Judiciário, uma vez que a adoção pelo Município de procedimento formal acerca das medidas executadas para o controle da leishmaniose canina, mediante a apresentação de termos de consentimento, termo de cientificação e de ficha individualizada, acompanhada de laudo expedido por médico veterinário, assegura a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, além de a motivação das decisões ser um dos pilares do Direito Administrativo.
4. Os aclaratórios não se prestam a responder questionário ou consulta formulados pela parte, tampouco compete ao Poder Judiciário a apreciação exaustiva, ponto por ponto, de tudo quanto suscetível de questionamento.
5. É desnecessária a referência expressa dos dispositivos legais e constitucionais tidos por violados, pois o exame da questão, à luz dos temas invocados, é mais do que suficiente para viabilizar o acesso às instâncias superiores.
6. O que se percebe é que os embargantes desejam que prevaleça a tese por eles defendida, no afã de reagitar questões de direito já dirimidas, à exaustão, pela Turma julgadora, com nítida pretensão de inversão do resultado final, o que não é possível na via estreita dos embargos de declaração.
7. Embargos de declaração rejeitados.