APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000139-07.2017.4.03.6124
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
PARTE RE: VIACAO SAO LUIZ LTDA
Advogados do(a) PARTE RE: CHRISTIANE DA COSTA MOREIRA - MS9673-A, TULIO CARVALHO GOMES - MS20601
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000139-07.2017.4.03.6124 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: PARTE RE: VIACAO SAO LUIZ LTDA ADVOGADO do(a) PARTE RE: TULIO CARVALHO GOMES - MS20601 R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE TERRESTRE - ANTT, visando a reforma da r. sentença que, em sede de ação civil pública, julgou procedentes os pedidos para determinar à VIAÇÃO SÃO LUIZ que: a) conceda, em todo transporte rodoviário interestadual que realizar os benefícios da gratuidade e do desconto tarifários previstos no art. 40 da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), art. 32 da Lei n. 12.852/2013 (Estatuto da Juventude) e art. 1º da Lei n. 8.899/1994 (Lei do Passe Livre) a todos os idosos, jovens e portadores de deficiência de baixa renda, que atendam aos critérios estabelecidos nas respectivas legislações, independentemente da categoria do veículo utilizado na prestação do serviço; b) no prazo de 30 (trinta) dias, informe em sua página na internet, na página inicial e nas subpáginas, preferencialmente na parte superior, de tamanho não inferior a 10 cm de largura por 3 cm de altura, que, em virtude de decisão proferida nesta ação civil pública, os benefícios tarifários previstos no art. 40 da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), art. 32 da Lei n. 12.852/2013 (Estatuto da Juventude) e art. 1º da Lei n. 8.899/1994 (Lei do Passe Livre) serão concedidos em todas as categorias de ônibus; c) no prazo de 30 (trinta) dias, fixe em todos os seus guichês de atendimento, em local de fácil visualização, comunicado, em fonte de tamanho não inferior a 40, informando que, em virtude de decisão proferida nesta ação civil pública, os benefícios tarifários previstos no art. 40 da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), art. 32 da Lei n. 12.852/2013 (Estatuto da Juventude) e art. 1º da Lei n. 8.899/1994 (Lei do Passe Livre) serão concedidos em todas as categorias de ônibus. Foi determinado à AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT que, mensalmente, fiscalize o cumprimento das medidas determinadas nos itens “a” e “c” e que se abstenha de aplicar, para o contrato/ato administrativo com a VIAÇÃO SÃO LUIZ, o art. 3º do Decreto nº 9.921 de 18/07/2019 e art. 2º da Resolução ANTT nº 1.692/2006, bem como do art. 1º do Decreto nº 3.691/2000 e art. 16 da Portaria ANTT nº 261/2012 e Resolução ANTT nº 4.770, de 25/06/2015, devendo ser aplicada diretamente as leis ordinárias de regência, sem a limitação de serviço convencional. Tutela concedida nos seguintes termos: d) cominação de multa, em desfavor da empresa requerida, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de descumprimento das determinações voltadas à divulgação da decisão proferida nesta ação civil pública; e da ANTT, naquele mesmo valor, por dia de descumprimento da obrigação a ela imposta, montantes esses a serem revertidos ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei n. 7.347/85; e e) a cominação de multa, em desfavor da empresa requerida, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) por viagem em que deixem de ser assegurados os benefícios tarifários previstos no art. 40 da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), art. 32 da Lei n. 12.852/2013 (Estatuto da Juventude) e art. 1º da Lei n. 8.899/1994 (Lei do Passe Livre), a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei n. 7.347/85. Sentença submetida ao reexame necessário. Em seu recurso, a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES suscita, preliminarmente, a nulidade da r. sentença (julgamento ultra petita, haja vista que a condenação alcança todas as linhas de transporte interestadual operadas pela VIAÇÃO SÃO LUIZ, assim como em relação à gratuidade prevista no art. 32 da Lei nº 12.852/13 (Estatuto da Juventude), uma vez que o pedido formulado na petição inicial é restrito à gratuidade nas passagens dos idosos e portadores de necessidades especiais no transporte oferecido pela empresa requerida, com cumprimento da obrigação na Subseção Judiciária de Jales/SP. Ainda nesse ponto, alega que a vislumbrada extensão dos limites objetivos do feito implicou inobservância do princípio da vedação da decisão surpresa, a teor dos artigos 9º e 10, ambos, do Código de Processo Civil. No mérito, sustenta a validade dos atos normativos infralegais questionados no que diz respeito à frequência mínima semanal dos serviços prestados e quanto à exclusão da gratuidade de determinados serviços seletivos e especiais, como o executivo, leito e semileito, especialmente quando a legislação consigna serem as gratuidades passíveis de regulação. Aduziu, por fim, que não pode ampliar benefícios sem previsão normativa, em vista dos impactos tarifários que lhe podem ser decorrentes. Subsidiariamente, requer o afastamento da condenação ao pagamento de custas. Com contrarrazões, subiram os autos a este Egrégio Tribunal Regional Federal. Com vista à Procuradoria Regional da República da 3ª Região, foi ofertado o parecer, com manifestação pelo não conhecimento do recurso da ANTT. Subsidiariamente, entende que a apelação deve ser parcialmente provida para excluir, em razão do julgamento ultra petita, a condenação à gratuidade prevista no art. 32 da Lei nº 12.852/13 (Estatuto da Juventude). É o relatório.
ADVOGADO do(a) PARTE RE: CHRISTIANE DA COSTA MOREIRA - MS9673-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000139-07.2017.4.03.6124 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: PARTE RE: VIACAO SAO LUIZ LTDA ADVOGADO do(a) PARTE RE: TULIO CARVALHO GOMES - MS20601 V O T O O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública em face da VIAÇÃO SÃO LUIZ LTDA. e da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT, objetivando garantir o amplo acesso de portadores de necessidades especiais e idosos aos benefícios da isenção tarifária no transporte público interestadual, diariamente, em qualquer categoria de ônibus disponibilizada pela empresa VIAÇÃO SÃO LUIZ e, ainda, a fiscalização, pela ANTT dos serviços executados pela referida empresa e as demais concessionárias de serviço público de transporte, acerca do cumprimento da legislação vigente quanto aos transportes interestaduais, assegurando-se assim, o direito à gratuidade destes grupos de pessoas, garantido constitucionalmente”, com amparo no quanto apurado no bojo do Inquérito Civil nº 1.34.030.000135/2016-50. Pois bem. Afasto a alegação de que a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE TERRESTRE – ANTT está limitada a recorrer de parte da sentença, como colocado pela Procuradoria Regional da República, pois a condenação imposta à Viação São Luiz é consequência do mérito da ação, o qual a ANTT está apta a discorrer. No mérito, destaco que o art. 230 da Constituição Federal criou o dever da sociedade e do Estado em amparar as pessoas idosas. Confira-se: "A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos." Em 1º de outubro de 2003, foi editada a Lei nº 10.741/2003 (estatuto do idoso) que deu cumprimento ao comando constitucional, determinando, dentre outras medidas, a obrigatoriedade do fornecimento de desconto em passagens do sistema de transporte coletivo interestadual, in verbis: (redação dada pela Lei nº 14.423/2022): "Art. 40. No sistema de transporte coletivo interestadual observar-se-á, nos termos da legislação específica: I – a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para pessoas idosas com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos; II – desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para as pessoas idosas que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos. Parágrafo único. Caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II." Posteriormente, em 18/10/2006, foi editado o Decreto nº 5.934 (que estabelecia mecanismos e critérios a serem adotados na aplicação do disposto no art. 40 da Lei nº 10.741). Referida legislação foi revogada com a edição, em 18/07/2019, do Decreto nº 9.921, o qual consolidou os atos normativos editados pelo Poder Executivo federal que dispõem sobre a temática da pessoa idosa: “Art. 34. Este Capítulo dispõe sobre o acesso preferencial ao transporte coletivo pela pessoa idosa, no sistema de transporte coletivo interestadual nos modais rodoviário, ferroviário e aquaviário. Parágrafo único. Para fins do disposto neste Capítulo, compete à Agência Nacional de Transportes Terrestres e à Agência Nacional de Transportes Aquaviários, no âmbito de suas competências, editar as normas complementares para dispor sobre o detalhamento das medidas necessárias para conceder o acesso preferencial ao transporte coletivo pela pessoa idosa. Art. 35. No sistema de transporte coletivo interestadual serão observados, em conformidade com o disposto neste Capítulo e no art. 40 da Lei nº 10.741, de 2003 - Estatuto do Idoso: I - a reserva de duas vagas gratuitas por veículo para pessoa idosa com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos; e II - o desconto de cinquenta por cento, no mínimo, no valor das passagens, para a pessoa idosa que exceder as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos. Parágrafo único. Caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II do caput. (...) Art. 45. A ANTT, a Antaq e a concessionária ou a permissionária, quando disponibilizado o benefício tarifário, adotarão as providências necessárias ao atendimento ao disposto no caput do art. 35 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995. Parágrafo único. A concessionária ou a permissionária apresentará a documentação necessária para a comprovação do impacto do benefício no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, observados os termos estabelecidos na legislação aplicável. Art. 46. Aos infratores ao disposto neste Capítulo serão aplicadas as sanções previstas no art. 78-A e a 78-K da Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001." Ressalto, também, que Supremo Tribunal Federal assentou que o que o Estatuto do Idoso apenas repete o que dispõe o art. 230, § 2º, da Constituição Federal, sendo de aplicabilidade imediata (STF, ADI nº 3768, Relatora Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 26/10/2007). No tocante aos portadores de necessidades especiais, saliento, também, a proteção existente tanto no âmbito constitucional como na legislação infraconstitucional (Lei nº 8.899/1994, Decreto nº 3.298/1999 e Decreto nº 3.691/2000): Constituição “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”; Lei nº 8.899/1994 “Art. 1º É concedido passe livre às pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual”. Decreto nº 3.298/1999 “Art. 6º São diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência: (...) III - incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer; Art. 7º São objetivos da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência: (...) II - integração das ações dos órgãos e das entidades públicos e privados nas áreas de saúde, educação, trabalho, transporte, assistência social, edificação pública, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção das deficiências, à eliminação de suas múltiplas causas e à inclusão social” Decreto nº 3.691/2000 “Art. 1o As empresas permissionárias e autorizatárias de transporte interestadual de passageiros reservarão dois assentos de cada veículo, destinado a serviço convencional, para ocupação das pessoas beneficiadas pelo art. 1o da Lei no 8.899, de 29 de junho de 1994, observado o que dispõem as Leis nos 7.853, de 24 de outubro de 1989, 8.742, de 7 de dezembro de 1993, 10.048, de 8 de novembro de 2000, e os Decretos nos 1.744, de 8 de dezembro de 1995, e 3.298, de 20 de dezembro de 1999”. Ratifico, portanto, em observância ao comando constitucional e à legislação sobre o tema, a obrigatoriedade das empresas em conceder os benefícios da reserva de 2 (duas) vagas gratuitas, por veículo, para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos, bem como do desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos, no sistema de transporte coletivo interestadual. Já para as pessoas com necessidades especiais, acompanho o entendimento que a limitação da gratuidade em 2 (dois) assentos em cada veículo, prevista no Decreto nº 3.691/2000, importa em ofensa aos comandos constitucionais que asseguram tratamento diferenciado às pessoas com deficiência, com o fim de propiciar-lhes integração na sociedade e garantir-lhes pleno exercício dos direitos individuais e sociais. Assim, não há que se falar em limitação de assentos para as pessoas portadoras de necessidades especiais. A propósito, destaco os seguintes julgados: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IDOSO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. VAGAS GRATUITAS. ISENÇÃO TARIFÁRIA. DECRETO REGULAMENTAR EIVADO DE ILEGALIDADE. INDEVIDA INOVAÇÃO NO PLANO LEGISLATIVO. EXCESSO NA REGULAMENTAÇÃO. RECURSOS ESPECIAIS AOS QUAIS SE NEGA PROVIMENTO. (...) 3. A gratuidade do transporte, ao idoso, vale lembrar, não foi estabelecida somente pela Lei 10.741/2003; encontra, antes disso, suporte constitucional. Nota-se, nesse particular, que o constituinte teve especial atenção ao transporte dos idosos, considerando tratar-se não só de um direito, mas de verdadeira garantia, que tem por escopo, além de facilitar o dever de amparo ao idoso, assegurar sua participação na comunidade, bem-estar e dignidade, conforme o disposto nos arts. 229 e 230 da Constituição Federal. 4. Ao reservar 2 vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos, o Estatuto do Idoso não estabeleceu qualquer condicionante além do critério de renda a ser observado. Desse modo, considerando os fins sociais a que se dirige a norma, o dever de amparo ao idoso, a necessidade de assegurar sua participação na comunidade, seu bem-estar e dignidade, bem como a inviolabilidade da integridade psíquica e moral (art. 10, § 2o. da Lei 10.741/2003), a gratuidade do transporte interestadual prevista no art. 40, I do Estatuto do Idoso, resulta na dispensa de pagamento das tarifas de pedágio e de utilização dos terminais. (...) 6. Ressalte-se, por fim, que não tem lugar a almejada interpretação do inciso I do art. 40, com a previsão do respectivo inciso II, que garante o desconto, de forma expressa, no valor da passagem. A reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos, conforme já consignado, não se limita ao valor das passagens, abrangendo eventuais custos relacionados diretamente com o transporte, onde se incluem as tarifas de pedágio e de utilização dos terminais. Desse modo, deve-se garantir ao idoso com reduzido poder aquisitivo (renda igual ou inferior a 2 salários-mínimos) a dispensa do pagamento de valor que importe em obstáculo ao transporte interestadual, de forma a conferir a completa efetividade à norma. 7. Recursos Especiais aos quais se nega provimento, em conformidade com o parecer do Ministério Público Federal. (STJ, REsp nº 1.543.465/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, Julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019) PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA A PASSE LIVRE NO TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL. CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI DE PROTEÇÃO DE SUJEITOS VULNERÁVEIS. COISA JULGADA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. EFEITOS EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL. PRECEDENTES DO STJ. LEI 8.899/1994. LIMITAÇÃO DO DECRETO 3.691/2000. ANÁLISE DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. SENTENÇA EXTRA PETITA NÃO RECONHECIDA. CARACTERÍSTICAS PARTICULARES DO PEDIDO NO PROCESSO CIVIL COLETIVO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 128, 264, 282, 293 E 294 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. A questão jurídica deduzida envolve, essencialmente, a discussão sobre o direito das pessoas com deficiência e comprovadamente carentes ao transporte interestadual gratuito - "passe livre" - instituído pela Lei 8.899/1994, sem a limitação do número de assentos imposta no artigo 1º do Decreto 3.691/2000, e sobre a fixação dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. (...) 5. No que diz respeito à alegação de ofensa ao artigo 1º do Decreto 3.691/2000, sob o argumento de que a limitação no número de assentos a pessoas com deficiência não extrapola os termos da Lei 8.899/1994, nota-se que a matéria foi analisada e decidida pelo Sodalício a quo sob o viés constitucional. Com efeito, a Corte de origem estabeleceu que a limitação de 2 (dois) assentos em cada veículo, prevista no Decreto 3.691/2000, importa em ofensa aos comandos constitucionais que asseguram tratamento diferenciado às pessoas com deficiência, com o fim de propiciar-lhes integração na sociedade e garantir-lhes pleno exercício dos direitos individuais e sociais. Dessarte, inviável a análise da quaestio iuris pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de invadir a competência do STF. 6. O Tribunal a quo promoveu interpretação lógico-sistemática do pedido formulado na inicial, não havendo falar em julgamento extra ou ultra petita. Ademais, na Ação Civil Pública, ao contrário da litigiosidade e da processualística tradicionais, o pedido é fluido ou aberto, pois incumbe ao juiz dar eficácia plena aos direitos e obrigações subjacentes à causa de pedir, mesmo quando as providências judiciais necessárias estiverem meramente implícitas. Em síntese, no processo civil coletivo o juiz não decide sobre fragmentos aleatórios ou periféricos, mas, sim, sobre a totalidade de um microssistema jurídico metaindividual, normalmente composto de prerrogativas indisponíveis e de ordem pública, que precisa de efetividade imediata, se necessário garantido pela via judicial. (...) 8. Recursos Especiais não providos. (REsp nª 1.568.331/MS, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 18/10/2016, DJe de 19/12/2018) Esclareço que a alegação de que a gratuidade e o desconto das passagens são indevidos em ônibus executivos não merece prosperar, haja vista que, quando a empresa não disponibiliza ônibus convencional, faz com que a passagem seja mais cara e penosa para o idoso. Também não pode ficar refém, por exemplo, de uma viagem que possui apenas um horário e a empresa disponibiliza apenas o ônibus da classe leito ou executivo. Ademais, como bem observado na r. sentença: “o art. 16 da Lei nº 7347/1985 determina que a sentença na ACP vai coisa julgada dentro dos limites da competência territorial do órgão prolator. Ocorre, porém, que o Plenário do E. Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE nº RE 1101937 – Tema 105 de Repercussão Geral – declarou a inconstitucionalidade do art. 16 da Lei nº 7347/1985, sob o fundamento de que a redação da lei restringia indevidamente os efeitos das decisões em sede de processo coletivo. (...) Assim, a sentença deve ser aplicada a todas as linhas de transporte rodoviário interestadual operadas pela VIAÇÃO SÃO LUIZ e não somente naquelas operadas na Subseção de Jales/SP”. Por fim, assiste razão à ANTT no que se refere à gratuidade de transporte interestadual fundada no Estatuto da Juventude. Nos termos do parecer da Procuradoria Regional da República: “a gratuidade de transporte interestadual fundada no artigo 32 da Lei n. 12.852/13 (Estatuto da Juventude) não integrou o objeto desta ação civil pública, nem foi objeto de controvérsia neste feito, tanto que, ao apresentar as suas alegações finais, ao cabo da instrução probatória, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL nada referiu a respeito, limitando-se aos fundamentos jurídicos relativos a idosos e portadores de necessidades especiais”. Assim, a r. sentença deve ser parcialmente reformada. Diante do exposto, dou parcial provimento à REMESSA OFICIAL e à apelação interposta pela AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE TERRESTRE – ANTT, para estabelecer os critérios de concessão dos benefícios pleiteados nesta ação (pessoas idosas e com necessidades especiais) na forma acima indicada, bem como excluir da condenação o benefício concedido aos jovens (art. 32 da Lei nº 12.852/2013 - Estatuto da Juventude).
ADVOGADO do(a) PARTE RE: CHRISTIANE DA COSTA MOREIRA - MS9673-A
E M E N T A
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE COLETIVO URBANO INTERESTADUAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI Nº 10.741/2003. LEI Nº 8.899/1994, DECRETOS Nº 3.298/1999 E Nº 3.691/2000. IDOSO E PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS. DESCONTO E GRATUIDADE. APLICABILIDADE. SENTENÇA ULTRA PETITA. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO AOS JOVENS (ART. 32 DA LEI Nº 12.852/13 - ESTATUTO DA JUVENTUDE).
- O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação civil pública em face da VIAÇÃO SÃO LUIZ LTDA. e da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT, objetivando garantir o amplo acesso de portadores de necessidades especiais e idosos aos benefícios da isenção tarifária no transporte público interestadual, diariamente, em qualquer categoria de ônibus disponibilizada pela empresa VIAÇÃO SÃO LUIZ e, ainda, a fiscalização, pela ANTT dos serviços executados pela referida empresa e as demais concessionárias de serviço público de transporte, acerca do cumprimento da legislação vigente quanto aos transportes interestaduais, assegurando-se assim, o direito à gratuidade destes grupos de pessoas, garantido constitucionalmente, com amparo no quanto apurado no bojo do Inquérito Civil nº 1.34.030.000135/2016-50.
- Afasta-se, de imediato, a alegação de que a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE TERRESTRE – ANTT está limitada a recorrer de parte da sentença, como colocado pela Procuradoria Regional da República, pois a condenação imposta à Viação São Luiz é consequência do mérito da ação, o qual a ANTT está apta a discorrer.
- No mérito, destaca-se que o art. 230 da Constituição Federal criou o dever da sociedade e do Estado em amparar as pessoas idosas.
- Em 1º de outubro de 2003, foi editada a Lei nº 10.741/2003 (estatuto do idoso) que deu cumprimento ao comando constitucional, determinando, dentre outras medidas, a obrigatoriedade do fornecimento de desconto em passagens do sistema de transporte coletivo interestadual (redação dada pela Lei nº 14.423/2022).
- Posteriormente, em 18/10/2006, foi editado o Decreto nº 5.934 (que estabelecia mecanismos e critérios a serem adotados na aplicação do disposto no art. 40 da Lei nº 10.741). Referida legislação foi revogada com a edição, em 18/07/2019, do Decreto nº 9.921, o qual consolidou os atos normativos editados pelo Poder Executivo federal que dispõem sobre a temática da pessoa idosa.
- Ressalta-se, também, que Supremo Tribunal Federal assentou que o que o Estatuto do Idoso apenas repete o que dispõe o art. 230, § 2º, da Constituição Federal, sendo de aplicabilidade imediata (STF, ADI nº 3768, Relatora Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 26/10/2007).
- No tocante aos portadores de necessidades especiais, saliento, também, a proteção existente tanto no âmbito constitucional como na legislação infraconstitucional (Lei nº 8.899/1994, Decreto nº 3.298/1999 e Decreto nº 3.691/2000).
- Ratifica-se, portanto, em observância ao comando constitucional e à legislação sobre o tema, a obrigatoriedade das empresas em conceder os benefícios da reserva de 2 (duas) vagas gratuitas, por veículo, para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos, bem como do desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos, no sistema de transporte coletivo interestadual.
- Já para as pessoas com necessidades especiais, acompanho o entendimento que a limitação da gratuidade em 2 (dois) assentos em cada veículo, prevista no Decreto nº 3.691/2000, importa em ofensa aos comandos constitucionais que asseguram tratamento diferenciado às pessoas com deficiência, com o fim de propiciar-lhes integração na sociedade e garantir-lhes pleno exercício dos direitos individuais e sociais. Assim, não há que se falar em limitação de assentos para as pessoas portadoras de necessidades especiais.
- A alegação de que a gratuidade e o desconto das passagens são indevidos em ônibus executivos não merece prosperar, haja vista que, quando a empresa não disponibiliza ônibus convencional, faz com que a passagem seja mais cara e penosa para o idoso. Também não pode ficar refém, por exemplo, de uma viagem que possui apenas um horário e a empresa disponibiliza apenas o ônibus da classe leito ou executivo.
- Ademais, como bem observado na r. sentença: “o art. 16 da Lei nº 7347/1985 determina que a sentença na ACP vai coisa julgada dentro dos limites da competência territorial do órgão prolator. Ocorre, porém, que o Plenário do E. Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE nº RE 1101937 – Tema 105 de Repercussão Geral – declarou a inconstitucionalidade do art. 16 da Lei nº 7347/1985, sob o fundamento de que a redação da lei restringia indevidamente os efeitos das decisões em sede de processo coletivo. (...) Assim, a sentença deve ser aplicada a todas as linhas de transporte rodoviário interestadual operadas pela VIAÇÃO SÃO LUIZ e não somente naquelas operadas na Subseção de Jales/SP”.
- Por fim, assiste razão à ANTT no que se refere à gratuidade de transporte interestadual fundada no Estatuto da Juventude. Nos termos do parecer da Procuradoria Regional da República: “a gratuidade de transporte interestadual fundada no artigo 32 da Lei n. 12.852/13 (Estatuto da Juventude) não integrou o objeto desta ação civil pública, nem foi objeto de controvérsia neste feito, tanto que, ao apresentar as suas alegações finais, ao cabo da instrução probatória, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL nada referiu a respeito, limitando-se aos fundamentos jurídicos relativos a idosos e portadores de necessidades especiais”.
- R. sentença parcialmente reformada.
- REMESSA OFICIAL e a apelação da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTE TERRESTRE – ANTT parcialmente providas para estabelecer os critérios de concessão dos benefícios pleiteados nesta ação (pessoas idosas e com necessidades especiais) na forma indicada na fundamentação do voto, bem como excluir da condenação o benefício concedido aos jovens (art. 32 da Lei nº 12.852/2013 Estatuto da Juventude).