APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000948-37.2021.4.03.6130
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: MERLY FABIANA ALVES LIBERTO
Advogado do(a) APELADO: ELAINE CARVALHO DE AQUINO - SP296146-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000948-37.2021.4.03.6130 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: MERLY FABIANA ALVES LIBERTO Advogado do(a) APELADO: ELAINE CARVALHO DE AQUINO - SP296146-A OUTROS PARTICIPANTES: [ialima] R E L A T Ó R I O Remessa oficial e apelação interposta pela União contra sentença que, em sede de mandado de segurança, concedeu a ordem e julgou procedente o pedido para determinar à autoridade coatora o reconhecimento do direito da impetrante à isenção de IPI na aquisição de veículo automotor, independentemente do decurso do prazo estabelecido pelo artigo 2º, parágrafo único, da Lei n. º 8.989/95 (Id 261229124). Aduz (Id 261229136) que: a) é incabível a fruição da isenção de IPI na aquisição de novo veículo, nos termos dos artigos 2° da Lei nº 8.989/95, com redação dada pelo artigo 2º, § 3°, da Lei 11.196/2005, e 11, inciso V, da Instrução Normativa RFB n° 988/2009; b) o benefício fiscal somente poderá ser fruído uma vez a cada dois anos, independentemente da ocorrência de fortuito ou força maior com o automóvel adquirido anteriormente ao benefício; c) a administração tributária é regida pelo princípio da legalidade, razão pela qual não há como reconhecer a isenção sem a ausência de preenchimento de todos os requisitos e de previsão legal que autorize a concessão de novo benefício em caso de ocorrência de fortuito antes do término do prazo legal; d) conforme o disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional, interpreta-se restritivamente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção. Transcorreu in albis o prazo para contrarrazões. O parecer ministerial é no sentido de que seja desprovida dado prosseguimento ao feito (Id 261504795). É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000948-37.2021.4.03.6130 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: MERLY FABIANA ALVES LIBERTO Advogado do(a) APELADO: ELAINE CARVALHO DE AQUINO - SP296146-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O I - Dos fatos Mandado de segurança impetrado por Merly Fabiana Alves Liberto contra ato praticado pelo Delegado da Receita Federal em Recife/PE, com vista à concessão da isenção do IPI antes do decurso do prazo de dois anos, em razão roubo e destruição de seu veículo, situação que caracteriza força maior e, portanto, autoriza o aproveitamento do benefício. II – Da isenção do IPI Sobre o tema dispunham os artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.989/95, com a redação vigente à época dos fatos: Art. 1º. Ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão, quando adquiridos por: (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003 (...) IV – pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal; Art. 2º. A isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI de que trata o art. 1º desta Lei somente poderá ser utilizada uma vez, salvo se o veículo tiver sido adquirido há mais de 2 (dois) anos. [destaquei] Por sua vez, a Instrução Normativa SRF n.º 988, de 22.12.2009, disciplinou a matéria nos seguintes termos: Art. 2º As pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, ainda que menores de 18 (dezoito) anos, poderão adquirir, diretamente ou por intermédio de seu representante legal, com isenção do IPI, automóvel de passageiros ou veículo de uso misto, de fabricação nacional, classificado na posição 87.03 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (T IPI). (...) § 3º O direito à aquisição com o benefício da isenção de que trata o caput poderá ser exercido apenas 1 (uma) vez a cada 2 (dois) anos, sem limite do número de aquisições, observada a vigência da Lei nº 8.989, de 1995. § 4º Em qualquer hipótese, o prazo de 2 (dois) anos a que se refere o § 3º: I - deverá ser obedecido para uma nova aquisição de veículo com isenção do IPI; e II - terá como termo inicial a data de emissão da Nota Fiscal da aquisição anterior com isenção do IPI. A norma, em atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (artigos 1º, inciso III, 5º, caput, e 224 da Constituição), tem como objetivo oferecer às pessoas com deficiência, por meio do benefício da isenção, inserção na sociedade e o acesso a melhores condições de vida. Nesse contexto, não obstante a vedação temporal imposta pela lei, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, nas hipóteses de força maior, como o roubo, tal restrição deve ser afastada, de modo a satisfazer o caráter humanitário da política fiscal (REsp 1825773/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 19.08.2019, DJe de 21.08.2019). Confira-se ainda: TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PESSOA COM NECESSIDADES ESPECIAIS. LAPSO TEMPORAL DE DOIS ANOS PREVISTO NO ART. 2o. DA LEI 8.989/1995 PARA AQUISIÇÃO DE NOVO VEÍCULO. EXCEÇÃO QUE DEVE SER AFASTADA DIANTE DO CASO CONCRETO. VEÍCULO ROUBADO. SUPERAÇÃO DO ÓBICE EM PROL DAS AÇÕES AFIRMATIVAS. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. O art. 2o. da Lei 8.989/1995 restringe a isenção do IPI ao limite temporal de dois anos para a aquisição de novo veículo automotor. 2. O Tribunal local afastou a limitação temporal do art. 2o. da Lei 8.989/1995, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e em razão de motivo de força maior, tendo em vista que o veículo do recorrido havia sido roubado, tratando-se, ademais, de pessoa portadora de atenções especializadas. 3. A orientação dessa Corte é que a Lei 8.989/1995 não pode ser interpretada em óbice à implementação de ação afirmativa para inclusão de pessoas com necessidades especiais (REsp. 567.873/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 25.02.2004, p. 120). 4. Recurso Especial desprovido. (REsp 1390345/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. 24.03.2015, DJe 07.04.2015, destaquei). Inicialmente, não resta dúvida sobre a condição da impetrante de beneficiária da isenção prevista na Lei n. º 8.989/95 (Id 261229085), razão pela qual não está sujeita ao pagamento do tributo. Ademais, da análise dos autos, observa-se que o veículo da impetrante foi furtado e posteriormente incendiado (Id 261229089), o que ocasionou dano irreversível indenizado de modo integral pela seguradora (Id 261229088), de modo que a parte não pode ser penalizada com a perda da fruição do benefício fiscal (Id 261229084), assegurado por lei, por conta de um evento alheio à sua vontade. Nesse sentido, confira-se o entendimento desta corte: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SINISTRO. AQUISIÇÃO DE NOVO VEÍCULO. PRAZO INFERIOR A DOIS ANOS. POSSIBILIDADE. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. 1. A finalidade da Lei nº 8.989/95 é assegurar à proteção especial conferida pela Constituição Federal às pessoas com deficiência, prestigiando, assim, a dignidade da pessoa humana. 2. In casu, verifico que a impetrante comprovou a autorização de isenção de IPI para pessoa com deficiência com validade até 27.08.2019, a aquisição do veículo com a utilização desta isenção aos 13.05.2019 e o seu sinistro, além do termo de quitação da seguradora, no montante integral. 3. Registro, ainda, a existência de novo requerimento perante a Secretaria da Receita Federal, o qual não foi conhecido, com fundamento no fato da impetrante ter sido beneficiado há menos de 02 (dois) anos. 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a Lei 8.989/1995 não pode ser interpretada em óbice à implementação de ação afirmativa para inclusão de pessoas com necessidades especiais, de forma que o lapso temporal para a concessão da isenção do IPI, na aquisição de veículo automotor, deve ser interpretado de maneira a satisfazer o caráter humanitário da política fiscal, bem como de impedir sua utilização para fins de enriquecimento indevido." 5. Remessa oficial improvida. (RemNecCiv 5001356-46.2020.4.03.6103, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 22.02.2022, destaquei). TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IPI. PESSOA COM DEFICIÊNCIA VÍTIMA DE ENCHENTE/INUNDAÇÃO. PERDA DO VEÍCULO. AQUISIÇÃO DE NOVO VEÍCULO AUTOMOTOR. PRAZO INFERIOR A DOIS ANOS. POSSIBILIDADE. 1. A proibição da concessão da isenção de IPI aos deficientes que adquiram novo veículo adaptado em prazo inferior a dois anos, prevista no art. 2º da Lei nº 8.989/1995, visa a coibir o uso indevido do benefício. 2. No caso em análise, trata-se de perda total de veículo em decorrência de enchente/inundação, não se mostrando razoável tal restrição para o fim que colima, qual seja, a proteção a dignidade da pessoa humana. 3. A despeito da determinação legal de interpretação restritiva para os benefícios fiscais, inserta no art. 111, II, do CTN, a Constituição Federal exige tratamento diferenciado para a pessoa portadora de deficiência física, para lhe garantir o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, dentre os quais, o direito de locomoção, conforme asseguram o art. 5º, o art. 23, II, o art. 203, IV e art. 227, § 1º, II, todos da Constituição Federal. 4. Não há porque negar-lhe o direito à isenção para novo veículo. Negar a medida seria restringir direito daquele que a legislação visa proteger por suas necessidades especiais. 5. Assinale-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a Lei 8.989/1995 não pode ser interpretada em óbice à implementação de ação afirmativa para inclusão de pessoas com necessidades especiais, razão pela qual o lapso temporal para a concessão da isenção do IPI, na aquisição de veículo automotor, deve ser interpretado de maneira a satisfazer o caráter humanitário da política fiscal, bem como de impedir sua utilização para fins de enriquecimento indevido. 6. Remessa oficial a que se nega provimento. (ReeNec 5002389-76.2017.4.03.6103, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, j. 04.04. 2019, destaquei). III – Do dispositivo Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e à apelação. É o voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IPI. LEI N. 8.989/95. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ISENÇÃO. AQUISIÇÃO DE NOVO VEÍCULO. PRAZO INFERIOR A DOIS ANOS. POSSIBILIDADE. REEXAME E RECURSO DESPROVIDOS.
- A Lei n.º 8.989/95, em atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (artigos 1º, inciso III, 5º, caput, e 224 da Constituição), tem como objetivo oferecer às pessoas com deficiência, por meio do benefício da isenção, inserção na sociedade e o acesso a melhores condições de vida. Nesse contexto, não obstante a vedação temporal imposta pela lei, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, nas hipóteses de força maior, como o roubo, tal restrição deve ser afastada, de modo a satisfazer o caráter humanitário da política fiscal.
- Situação em que o veículo foi furtado e posteriormente incendiado, o que ocasionou dano irreversível, indenizado de modo integral pela seguradora, de modo que a parte não pode ser penalizada com a perda da fruição do benefício fiscal, assegurado por lei, por conta de um evento alheio à sua vontade.
- Remessa oficial e apelação desprovidas.