Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001567-45.2021.4.03.6104

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: CEVA FREIGHT MANAGEMENT DO BRASIL LTDA.

Advogados do(a) APELANTE: ALINE GUIZARDI PEREZ - SP345685-A, BAUDILIO GONZALEZ REGUEIRA - SP139684-A, MARCELLI SILVA DE MELLO - SP410887-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001567-45.2021.4.03.6104

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: CEVA FREIGHT MANAGEMENT DO BRASIL LTDA.

Advogados do(a) APELANTE: ALINE GUIZARDI PEREZ - SP345685-A, BAUDILIO GONZALEZ REGUEIRA - SP139684-A, MARCELLI SILVA DE MELLO - SP410887-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

[ialima]

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Apelação interposta pela Ceva Freight Management do Brasil Ltda. contra sentença que julgou improcedente o pedido de anulação das multas objeto dos Processos Administrativos nº 11128.009248/2009-62 e 10909.721736/2016-11. Honorários advocatícios fixados no patamar mínimo previsto nos incisos I a IV do parágrafo 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil, sobre o valor atualizado da causa (Id 260685516). Opostos embargos de declaração (Id 260685520), foram rejeitados (Id 260685525).

 

Aduz (Id 260685530) que:

 

a) na forma do artigo 1º, §1º, da Lei n.º 9.873/99, incide a prescrição intercorrente nos processos administrativos instaurados pela administração pública federal desde que paralisados por mais de três anos, pendentes de julgamento ou despacho;

 

b) observa-se a ocorrência do decurso temporal no Processo Administrativo n.º 11128.009248/2009-62;

 

c) os autos de infração padecem de vício formal, pois a descrição dos fatos não representa a realidade e não permite a compreensão do ocorrido, em contrariedade ao disposto no artigo 10 do Decreto n.º 70.234/72;

 

d) espontaneamente formalizou o registro dos dados de embarque, antes do início de qualquer procedimento fiscal pela autoridade aduaneira, situação que configura a denúncia espontânea e afasta as penalidades impostas, na forma dos artigos 138 do Código Tributário Nacional e 102, §2º, do Decreto-Lei n.º 37/66;

 

e) a exigência é nula, pois o auto de infração foi lavrado após decisão judicial proferida nos autos do processo nº 0005238-86.2015.4.03.6100, em trâmite perante a 14ª Vara Cível Federal em São Paulo;

 

f) a multa aplicada é desarrazoada e constitui violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, da capacidade contributiva e do não-confisco (artigos 145, §1°, e 150, inciso IV, da Constituição).

 

Em contrarrazões (Id 260685553), a União requer o desprovimento do recurso.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001567-45.2021.4.03.6104

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: CEVA FREIGHT MANAGEMENT DO BRASIL LTDA.

Advogados do(a) APELANTE: ALINE GUIZARDI PEREZ - SP345685-A, BAUDILIO GONZALEZ REGUEIRA - SP139684-A, MARCELLI SILVA DE MELLO - SP410887-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

V O T O

 

I – Dos fatos

 

Ação proposta por Ceva Freight Management do Brasil Ltda. contra a União, com vista à débito desconstituição dos débitos objeto do Processos Administrativos nº 11128.009248/2009-62 e 10909.721736/2016-11, relativo à cobrança de multas decorrentes da inserção extemporânea de informações no sistema SISCOMEX.

 

II - Do Processo Administrativo n.º 11128.009248/2009-62

 

a) Da prescrição administrativa

 

Inicialmente, cumpre destacar que a atividade administrativa aduaneira tem como objetivo a fiscalização e controle das operações de comércio exterior, com vista a garantir os direitos da sociedade à segurança, à saúde, ao meio ambiente, à propriedade intelectual, bem como dos interesses fazendários nacionais, conforme disposto nos artigos 237 da Constituição e 15 do Decreto n.º 6.759/09.

 

No desenvolvimento das atribuições de natureza aduaneira é possível verificar a intersecção entre as esferas tributária e administrativa, com o surgimento de obrigações oriundas de uma relação aduaneira-tributária com natureza tributária e obrigações provenientes de uma relação aduaneira não-tributária, com natureza administrativa[1].

 

O Decreto-Lei n.º 37/66, que dispõe sobre o imposto de importação e reorganiza os serviços aduaneiros, contempla a penalidade da multa às infrações de natureza tributária, como aquelas descritas no artigo 106, diretamente relacionadas aos elementos que compõem o imposto de importação, bem como àquelas de natureza não-tributária referentes ao controle das atividades de comércio exterior, decorrentes do exercício do poder de polícia, enumeradas no artigo 107.

 

O poder de polícia da aduana não se confunde com o tributário, porquanto distintas as suas obrigações, como leciona Rodrigo Mineiro Fernandes[2]: preferimos adotar a denominação obrigação aduaneira, sem classificá-las como principal ou acessória, visto que sua natureza sempre será vinculada ao bem jurídico protegido pelo Direito Aduaneiro, qual seja, o controle aduaneiro. Dessa forma, toda a obrigação aduaneira seria principal e essencial ao devido controle aduaneiro, previsto no art. 237 da Constituição Federal. Se a obrigação foi imposta pela autoridade aduaneira, ela estará sempre vinculada ao poder constitucionalmente outorgado à Aduana, o devido controle aduaneiro. Outra questão será a obrigação tributária, vinculada à arrecadação de tributos, essa sim classificada como principal ou acessória.

 

No caso, a recorrida foi autuada em decorrência da inclusão intempestiva de informações no Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, nos termos dos artigos 107, inciso V, alínea “e”, do Decreto-Lei n.º 37/99, 22, incisos II, alínea “d”, e 50, parágrafo único, inciso II, da IN RFB n.º 800/2007.

 

Decreto-Lei n.º 37/66

Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas:  

(...)

V - de R$ 5.000,00 (cinco mil reais):

(...)

e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga; e

 

IN RFB n. º 800/2007

Art. 22. São os seguintes os prazos mínimos para a prestação das informações à RFB:

(...)

II - as correspondentes ao manifesto e seus CE, bem como para toda associação de CE a manifesto e de manifesto a escala:

(...)

d) quarenta e oito horas antes da chegada da embarcação, para os manifestos e respectivos CE a descarregar em porto nacional, ou que permaneçam a bordo; e

 

Art. 50. Os prazos de antecedência previstos no art. 22 desta Instrução Normativa somente serão obrigatórios a partir de 1º de abril de 2009. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 899, de 29 de dezembro de 2008)

Parágrafo único. O disposto no caput não exime o transportador da obrigação de prestar informações sobre:

I - a escala, com antecedência mínima de cinco horas, ressalvados prazos menores estabelecidos em rotas de exceção; e

II - as cargas transportadas, antes da atracação ou da desatracação da embarcação em porto no País.

[destaquei]

 

Não obstante o processo administrativo fiscal federal (PAF) seja regido pelo Decreto nº 70.235/72, impende destacar que é norma que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União e que não há disposição que trate dos institutos da decadência e da prescrição. Outrossim, em atenção ao princípio da especialidade, ao se tratar do reconhecimento desses institutos em relação à penalidade administrativa de natureza aduaneira não-tributária, é aplicável a Lei n.º 9.873/1999, verbis:

 

Art. 1º. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1º.  Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

 

Art. 5º. O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.

[destaquei]

 

No caso, o auto de infração foi lavrado em 01.12.2009 (Id 260685496, p. 02), a empresa notificada em 05.01.2010 (Id 260685496, p. 128) com a apresentação de impugnação em 29.01.2010 (Id 260685496, p. 129/138) e julgamento em 14.03.2018 (Id 260685496, p. 154/171), observa-se o decurso do prazo de três anos sem movimentação do feito. Nesse sentido, confira-se:

 

TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. MULTA SUBSTITUTIVA DA PENA DE PERDIMENTO. NATUREZA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. LEI 9.873/99. OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO. HONORÁRIOS RECURSAIS.

1. O débito tem origem em multa administrativa substitutiva da pena de perdimento de mercadoria, aplicada no exercício do poder de polícia pela Administração Aduaneira por infração à legislação aduaneira. Não tem natureza tributária, portanto, aplicando-se as normas da Lei 9.873/99 que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva por parte da Administração Pública Federal.

2. A prescrição em relação ao poder sancionador da Administração Púbica Federal está disciplinada na Lei 9.873/1999, que estabelece três prazos que devem ser observados: (a) cinco anos para o início da apuração da infração administrativa e constituição da penalidade; (b) três anos para a conclusão do processo administrativo; e (c) cinco anos contados da constituição definitiva da multa, para a cobrança judicial.

3. A prescrição intercorrente pressupõe a inércia da autoridade administrativa em promover atos que impulsionem de maneira eficiente o procedimento administrativo de apuração do ato infracional e constituição da respectiva multa, em período superior a três anos. O § 1º do art. 1º da Lei 9.873/1999 reputa paralisado o processo administrativo desprovido de julgamento ou despacho.

4. Verificado que o processo administrativo em questão ficou paralisado por prazo superior a três anos, reputa-se consumada a prescrição intercorrente no caso concreto.

5. Recurso de apelação desprovido. Honorários advocatícios majorados na forma do art. 85, § 11 do CPC.

(TRF 4ª Região, AC 5006066-10.2020.4.04.7000, Primeira Turma, Rel. Roger Raupp Rios, j. 14.04.2021, destaquei).

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCON. MULTA ADMINISTRATIVA. CEF. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA. A pretensão punitiva da Administração Pública prescreve em cinco anos, contados da data do fato punível; instaurado o procedimento administrativo para apurá-lo, incide a prescrição intercorrente de trata o §1º do artigo 1º da Lei nº 9.873/99, que é de três anos.  Na hipótese, resta inequívoca a ocorrência da prescrição intercorrente no processo administrativo, tendo em vista que o feito permaneceu paralisado por mais de três anos sem que houvesse a prática de qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato ou capaz de suspender ou interromper o curso do prazo prescricional.    

(TRF 4ª Região, AC 5026433-60.2017.4.04.7000, Quarta Turma, Rel. Vivian Josete Pantaleão Caminha, j. 18.05.2018, destaquei).

 

III - Do Processo Administrativo n.º 10909.721736/2016-11

 

a) Da nulidade do auto de infração

 

Afirma a recorrente que o procedimento administrativo é nulo, porquanto ausente a exata descrição do fato (artigos 9º e 10º, inciso III, do Decreto n.º 70.235/72), o que a impossibilitou de exercer plenamente o seu direito de defesa.

 

No caso, diferentemente do alegado, observa-se que o auto de infração (Id 260685497, p. 04/10) apresenta os fatos e a tipificação legal violada, qual seja a inserção extemporânea de dados nos sistema, relacionando-os, o que, inclusive, possibilitou ao apelante o exercício do direito de defesa, com acesso a ato devidamente fundamentado pela administração, na forma dos artigos 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da CF, 9º, 10, inciso III,  e 59 do Decreto n.º 70.235/72, 1º, 2º, 3º e 50, da Lei n.º 9.784/1999, de modo que resta afastada a alegação de nulidade.

 

b) Da responsabilidade fiscal

 

Sustenta a parte apelante que, na condição de agente de cargas, não é responsável tributário pelo pagamento das multas decorrentes de infração à legislação aduaneira. Contudo, não lhe assiste razão.

 

A partir da vigência do Decreto-Lei n.º 2.472/88, que conferiu nova redação ao artigo 32, parágrafo único, alínea “b”, do Decreto-Lei n.º 37/66, foi estabelecida a responsabilidade tributária solidária do agente de cargas com o transportador, verbis:

 

Art. 32. É responsável pelo imposto: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)

I - o transportador, quando transportar mercadoria procedente do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno

(...)

Parágrafo único. É responsável solidário: (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)

(...)

b) o representante, no País, do transportador estrangeiro. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)

[destaquei].

 

Posteriormente, a Lei n.º 10.833/2003, que alterou a redação do artigo 37 do Decreto-Lei n.º 37/66, também determinou a responsabilidade do agente de cargas no cumprimento da obrigação de prestação de informações sobre as cargas transportadas:

 

 Art. 37. O transportador deve prestar à Secretaria da Receita Federal, na forma e no prazo por ela estabelecidos, as informações sobre as cargas transportadas, bem como sobre a chegada de veículo procedente do exterior ou a ele destinado.  (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)

§ 1º O agente de carga, assim considerada qualquer pessoa que, em nome do importador ou do exportador, contrate o transporte de mercadoria, consolide ou desconsolide cargas e preste serviços conexos, e o operador portuário, também devem prestar as informações sobre as operações que executem e respectivas cargas. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003)

[destaquei]

 

No caso dos autos, verifica-se que a infração foi cometida em 2011 (Id 260685497, p. 10), portanto, após as alterações legislativas mencionadas, razão pela qual é de rigor o reconhecimento da responsabilidade tributária. Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AGENTE MARÍTIMO. AGENTE DE CARGAS. MULTA. INFORMAÇÕES SOBRE CARGAS. RESPONSABILIDADE. DECRETO-LEI Nº 37/66. LEI Nº 10.833/2003. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 192 DO EXTINTO TFR. MULTAS. LEGITIMIDADE. PROVIMENTO.

1. "Agente de cargas" é gênero do qual "agente marítimo" é espécie. O agente marítimo é o agente de cargas que representa, especificamente, a empresa de navegação, transportador marítimo.

2. Desde a edição da Lei nº 10.833/2003, que deu nova redação ao artigo 37 do Decreto-lei nº 37/66, o agente de carga passou a ter obrigação legal de prestar informações, na forma e prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sobre as operações que executa e as respectivas cargas.

 3. Trata-se, pois, de obrigação pessoal, inconfundível com as obrigações do proprietário da embarcação (armador), com as do transportador ou ainda com as do operador portuário; sendo-lhe aplicável, portanto, a pena de multa prevista no art. 107, IV, alínea 'e', do Decreto-Lei 37/66, no caso de inobservância de tal dever.

4. Inaplicável ao caso a Súmula 192 do extinto Tribunal Federal de Recursos (DJ de 25-11-1985, p. 21.503), uma vez que anterior às muitas alterações inseridas no Decreto-lei nº 37, de 1966, especialmente aquelas promovidas pela Lei nº 10.833, de 2003. 5. Reconhecida a legitimidade das multas aplicadas pela autoridade fiscal e que deram origem às CDAs executadas; dando-se provimento à apelação da União para julgar improcedentes os embargos à execução fiscal.

(TRF 4ª Região, AC 5004265-52.2017.4.04.7101, Primeira Turma, Relator Roger Raupp Rios, j.  30.01.2019, destaquei).

 

c) Da infração e da denúncia espontânea

 

Em 25.08.2016, a recorrente foi autuada em decorrência da inclusão intempestiva dos dados do conhecimento eletrônico (HBL) n.º 181105214263696 no Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX, nos termos dos artigos 107, inciso V, alínea “e”, do Decreto-Lei n.º 37/99, 22, incisos II, alínea “d”, e III, da IN RFB n.º 800/2007, que assim dispunham à época dos fatos:

 

Decreto-Lei n.º 37/66

Art. 107. Aplicam-se ainda as seguintes multas:  

(...)

IV - de R$ 5.000,00 (cinco mil reais):

(...)

e) por deixar de prestar informação sobre veículo ou carga nele transportada, ou sobre as operações que execute, na forma e no prazo estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, aplicada à empresa de transporte internacional, inclusive a prestadora de serviços de transporte internacional expresso porta-a-porta, ou ao agente de carga; e

 

IN RFB n. º 800/2007

Art. 22. São os seguintes os prazos mínimos para a prestação das informações à RFB:

(...)

II – as correspondentes ao manifesto e seus CE, bem como para toda associação de CE a manifesto e de manifesto a escala:

(...)

d) quarenta e oito horas antes da chegada da embarcação, para os manifestos e respectivos CE a descarregar em porto nacional, ou que permaneçam a bordo;

III - as relativas à conclusão da desconsolidação, quarenta e oito horas antes da chegada da embarcação no porto de destino do conhecimento genérico.

[destaquei]

 

De acordo com o auto de infração, a inclusão dos dados no SICOMEX foi feita intempestivamente, em 17.11.2011, às 17h32, após a atracação da embarcação, ocorrida em 19.11.2011, às 11h58 (Id 260685497, p. 10). Observa-se, portanto, que as informações foram lançadas no sistema sem atendimento ao prazo prévio de quarenta e oito horas à atração da embarcação no primeiro porto nacional, o que provocou a autuação e a imposição de multa, nos termos dos artigos 107, inciso IV, alínea “e”, do Decreto-Lei n.º 37/99, com a redação dada pelo artigo 77 da Lei n.º 10.833/03, e 22 da IN RFB n.º 800/2007.

 

Destaque-se, ainda, que, não obstante assevere a parte apelante que o registro foi realizado espontaneamente, tal alegação não afasta a aplicação da pena. O instituto da denúncia espontânea, previsto nos artigos 102, §2º, do Decreto-Lei n. º 37/66, 683 do Decreto n.º 6.759/09 e 138 do Código Tributário Nacional, não é aplicável em relação às obrigações acessórias autônomas de caráter administrativo, uma vez que elas se consumam com a simples inobservância da norma, no caso, do prazo definido para informar a autoridade aduaneira. Sobre o tema cumpre destacar a oportuna análise feita pelo Desembargador Federal Carlos Muta, no julgamento da Apelação Cível n.º 0014881-73.2012.4.03.6100, cujo trecho transcrevo:

 

A tipificação da conduta infracional, no caso dos autos, é a prestação de informação a destempo, observação que conduz à necessária conclusão de que a tutela legal é dirigida à instrução documental tempestiva, de modo a permitir a regular fiscalização alfandegária das atividades portuárias, como já examinado acima.

A análise acurada desta premissa revela que o elemento temporal é essencial ao tipo: a infração deriva do desrespeito ao prazo estabelecido pela legislação de regência para o registro de informações. Logo, a conduta que se pretende caracterizar como denúncia espontânea é, na verdade, a própria infração (prestar informação fora do prazo), a evidenciar a fragilidade da alegação. Há impossibilidade lógica, pois, de incidência de denúncia espontânea, enquanto excludente de sanção, em relação às infrações que têm como seu próprio cerne a conduta extemporânea do agente, daí porque a impertinência da invocação do artigo 102, § 2º, do Decreto-Lei 37/1966.

 

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. AGENTE DE CARGA X AGENTE MARÍTIMO. SÚMULA 7/STJ. INFORMAÇÕES NÃO PRESTADAS RELATIVAS ÀS CARGAS SOB A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. MULTA. DECRETO-LEI 37/1966. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA NÃO CARACTERIZADA.

(...)

4. No tocante à alegada afronta aos arts. 138 do CTN e 102, § 2º, do Decreto-Lei 37/1966, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que a denúncia espontânea não tem o efeito de impedir a imposição da multa por descumprimento de obrigações acessórias autônomas. Nessa linha: AgInt no AREsp 1.418.993/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 10/2/2020; e REsp 1.817.679/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2019.

5. Retifica-se o julgado para conhecer do Agravo de modo a conhecer parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, negar-lhe provimento.

6. Agravo Interno provido.

(AgInt no AREsp 1582988/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 29.04.2020, DJe 07.05.2020, destaquei).

 

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. DÉBITOS FISCAIS. AÇÃO ANULATÓRIA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. NÃO CONFIGURADA. MULTA MORATÓRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ. BIS IN IDEM. PREQUESTIONAMENTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 211/STJ. AGRAVO INTERNO. ALEGAÇÕES DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. INEXISTENTES.

I - Na origem, trata-se de ação anulatória de débitos tributários decorrentes de auto de infração constituído em processos administrativos fiscais. Na sentença, julgaram-se improcedentes os pedidos. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida. Nesta Corte, negou-se provimento ao recurso especial da autora.

II - No que se refere à apontada ofensa aos arts. 138 do CTN e 102, § 2º, do Decreto-Lei n. 37/1966, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de que a denúncia espontânea não tem o efeito de impedir a imposição da multa por descumprimento de obrigações acessórias autônomas. Nesse sentido: AgInt no REsp 1613696/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 04/04/2017, DJe 24/04/2017; AgRg no REsp n. 884.939/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 19/2/2009.

(...)

VII - Agravo interno improvido.

(AgInt no AREsp 1418993/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 04.02.2020, DJe 10.02.2020, destaquei).

 

Destaca-se, ainda, que tal entendimento se mantém mesmo após a alteração do artigo 102, §2º, do Decreto-Lei n.º 37/66 pela Lei n.º 12.305/2010, dado o caráter formal e autônomo da obrigação descumprida.

 

Relativamente à alteração promovida no artigo 45, §1º, da IN RFB n.º 800/2007 pela Instrução Normativa n.º 1.473/2014, ressalte-se que a penalidade exigida estava excluída apenas nos casos de alteração e retificação quando as informações prestadas anteriormente fossem tempestivas. No caso, as informações não foram prestadas tempestivamente, de modo que à recorrente não se aplica o dispositivo.

 

d) Do processo n.º 0005238-86.2015.4.03.6100

 

Afirma a parte apelante que a exigência da multa é indevida, em razão da decisão proferida no processo n.º 0005238-86.2015.4.03.6100, em trâmite perante a 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, ajuizada em 13.02.2015, pela Associação Nacional das Empresas Transitárias, Agentes de Carga Aérea, Comissárias de Despachos e Operadores Intermodais – ACTC, com vista ao afastamento das penalidades impostas em razão do descumprimento das obrigações acessórias pelos agentes de carga a ela filiados.

 

Em 07.08.2015, o juízo a quo naquela ação, deferiu parcialmente a antecipação da tutela para determinar que a União se abstivesse de exigir das associadas da autora as penalidades em discussão naqueles autos, independentemente do depósito judicial, sempre que as empresas tenham prestado ou retificado as informações no exercício de seu legítimo direito de denúncia espontânea, nos termos do artigo 102 do Decreto-Lei n.º 37/66. Posteriormente, o julgador de primeira instância restringiu o alcance da decisão às empresas filiadas até a data da propositura da ação e com sede da Subseção Judiciária de São Paulo, decisão contra a qual foi interposto o Agravo de Instrumento n.º 5010382-44.2020.4.03.0000, no qual não foi deferido efeito suspensivo.  Desse modo, à vista de que a recorrente - Ceva Freight Management do Brasil Ltda, CNPJ n.º 03.229.138/0004-06, tem sede na Subseção Judiciária de Santos/SP (Id 260685174, p. 01 e 260685175) os efeitos daquela decisão não lhe são aplicáveis neste caso.

 

e) Da multa

 

Não se sustentam as alegações de violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, artigos 145, §1°, e 150, incisos II e IV, da CF), pois a constatação da adequação ou não da multa aos princípios constitucionais mencionados deve ser feita com base (i) na conduta do contribuinte - se agiu conforme a lei ou em desacordo - e, especialmente, (ii) na verificação da proporcionalidade entre o valor da multa e o seu patrimônio - capacidade de que dispõe, ponderadas sua renda e capital, para tolerar o respectivo pagamento. No caso, restou comprovado que a recorrente não agiu segundo a lei, o que demonstra a razoabilidade da multa. Já no que toca à proporcionalidade entre o seu valor e o patrimônio, não há elementos nos autos que possibilitem tal verificação, como o montante de sua riqueza (renda e capital), de maneira que fica prejudicada a análise da suscitada violação ao princípio da vedação do confisco.

 

Por fim, as questões relativas aos demais dispositivos mencionados no recurso, artigos 150, inciso IV, da CF, Súmula 11 do CARF, 2º, 3º e 4º, da IN SRF n.º 800/2007, 683, §2º, do Decreto n.º 6.759/09, 412 do CC, não interferem nesse entendimento pelos motivos já indicados.

 

IV – Dos honorários advocatícios

 

No caso, restou configurada a sucumbência recíproca. Assim, condeno a União ao pagamento de honorários de advogado em favor dos patronos da autora, que arbitro em 10% sobre o montante exigido no PA n.º 11128.009248/2009-62. De outro lado, condeno a autora, por sua vez, ao pagamento de honorários de advogado em favor dos Procuradores da Fazenda Nacional, fixados em 10% sobre o valor objeto do PA 10909.721736/2016-11, nos termos do artigos 86 e 85, §§ 3º, inciso I,  e 5º, do Código de Processo Civil.

 

V – Do dispositivo

 

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para reformar a sentença e julgar procedente o pedido a fim de reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente na via administrativa do Processo Administrativo n.º 11128.731728/2013-90. Honorários advocatícios fixados nos termos explicitados.

 

É como voto.

 

[1] ULIANA JR., LAÉRCIO CRUZ. Sanções aduaneiras decorrentes da importação de mercadoria e a proteção ao direito fundamental a livre-iniciativa: uma perspectiva da Análise Econômica do Direito. Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação do Programa de Mestrado do Centro universitário Autônomo do Brasil – UNIBRASIL. Curitiba: 2018. Disponível em https://www.unibrasil.com.br/wp-content/uploads/2019/07/Dissertac%CC%A7a%CC%83o-LA%C3%89RCIO-CRUZ-ULIANA-JUNIOR.pdf. Acesso em 30.06.2022.

[2] FERNANDES, Rodrigo Mineiro. Introdução ao direito aduaneiro. São Paulo: Intelecto, 2018, p. 142. 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

ADUANEIRO. APELAÇÃO. PENA DE MULTA. ARTIGO 107, INCISO IV, ALÍNEA “E”, DO DECRETO-LEI N.º 37/99. INFORMAÇÕES PRESTADAS EXTEMPORANEAMENTE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. OCORRÊNCIA. AGENTE DE CARGAS. LEGITIMIDADE. NÃO INSERÇÃO DE DADOS NO SISCOMEX. MULTA. DECRETO-LEI N.º 37/66. LEGALIDADE. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. NÃO CARACTERIZADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

- No desenvolvimento das atribuições de natureza aduaneira é possível verificar a intersecção entre as esferas tributária e administrativa, com o surgimento de obrigações oriundas de uma relação aduaneira-tributária com natureza tributária e obrigações provenientes de uma relação aduaneira não-tributária, com natureza administrativa.

- O Decreto-Lei n.º 37/66, que dispõe sobre o imposto de importação e reorganiza os serviços aduaneiros, contempla a penalidade da multa às infrações de natureza tributária, como aquelas descritas no artigo 106, diretamente relacionadas aos elementos que compõem o imposto de importação, bem como àquelas de natureza não-tributária referentes ao controle das atividades de comércio exterior, decorrentes do exercício do poder de polícia, enumeradas no artigo 107.

- Não obstante o processo administrativo fiscal federal (PAF) seja regido pelo Decreto nº 70.235/72, impende destacar que é norma que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União e que não há disposição que trate dos institutos da decadência e da prescrição. Outrossim, em atenção ao princípio da especialidade, ao se tratar do reconhecimento desses institutos em relação à penalidade administrativa de natureza aduaneira não-tributária, é aplicável a Lei n.º 9.873/1999.

- Decorrido o prazo de três anos sem movimentação do feito, verifica-se a ocorrência da prescrição intercorrente.

- O auto de infração apresenta os fatos e a tipificação legal violada, qual seja a inserção extemporânea de dados nos sistema, relacionando-os, o que, inclusive, possibilitou ao apelante o exercício do direito de defesa, com acesso a ato devidamente fundamentado pela administração, na forma dos artigos 5º, inciso LV, e 93, inciso IX, da CF, 9º, 10, inciso III, e 59 do Decreto n.º 70.235/72, 1º, 2º, 3º e 50, da Lei n.º 9.784/1999, de modo que resta afastada a alegação de nulidade.

- A partir da vigência do Decreto-Lei n.º 2.472/88, que conferiu nova redação ao artigo 32, parágrafo único, alínea “b”, do Decreto-Lei n.º 37/66, foi estabelecida a responsabilidade tributária solidária do agente de cargas com o transportador.

- A Lei n.º 10.833/2003, que alterou a redação do artigo 37 do Decreto-Lei n.º 37/66, também determinou a responsabilidade do agente de cargas no cumprimento da obrigação de prestação de informações sobre as cargas transportadas.

- As informações sobre as cargas foram lançadas no sistema sem atendimento ao prazo prévio de quarenta e oito horas à atração no porto de destino, em contrariedade com a previsão do artigo 22, inciso III, alínea “d”, da IN RFB n.º 800/2007.

- O instituto da denúncia espontânea, previsto nos artigos 102, §2º, do Decreto-Lei n. º 37/66, 683 do decreto n.º 6.759/09 e 138 do Código Tributário Nacional, não é aplicável em relação às obrigações acessórias autônomas de caráter administrativo, uma vez que elas se consumam com a simples inobservância da norma, no caso, do prazo definido para informar a autoridade aduaneira, independentemente da comprovação de dano ao erário, da intenção do agente ou da existência de culpa ou dolo.

- A alteração promovida no artigo 45, §1º, da IN RFB n.º 800/2007 pela Instrução Normativa n.º 1.473/2014, excluiu a penalidade apenas nos casos de alteração e retificação quando as informações prestadas anteriormente fossem tempestivas.

- Não se sustentam as alegações de violação aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da capacidade contributiva e o não confisco artigos 145, §1°, e 150, inciso IV, da CF), pois a constatação da adequação ou não da multa aos princípios constitucionais mencionados deve ser feita com base (i) na conduta do contribuinte - se agiu conforme a lei ou em desacordo - e, especialmente, (ii) na verificação da proporcionalidade entre o valor da multa e o seu patrimônio - capacidade de que dispõe, ponderadas sua renda e capital, para tolerar o respectivo pagamento.

- Restou comprovado que o recorrente não agiu segundo a lei, o que demonstra a razoabilidade da multa. Já no que toca à proporcionalidade entre o seu valor e o patrimônio do apelante, não há elementos nos autos que possibilitem tal verificação, como o montante de sua riqueza (renda e capital), de modo que fica prejudicada a análise da suscitada violação ao princípio da vedação do confisco.

- Verba honorária fixada na forma do artigo 86 do CPC.

- Apelação parcialmente provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação para reformar a sentença e julgar procedente o pedido a fim de reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente na via administrativa do Processo Administrativo n.º 11128.731728/2013-90. Honorários advocatícios fixados nos termos explicitados, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.