Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002580-16.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: DANILO PEREIRA DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE ALMEIDA - SP387644-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002580-16.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: DANILO PEREIRA DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE ALMEIDA - SP387644-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação criminal interposta por Danilo Pereira da Silva contra a sentença de Id n. 261814163, que o condenou à pena de 2 (dois) anos de detenção, em regime inicial aberto, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pelo cometimento do crime do art. 183 da Lei n. 9.472/97. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades filantrópicas ou assistenciais pelo prazo da pena privativa de liberdade substituída, na forma e condições a serem definidas pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos, a serem destinados a instituição pública ou privada, com destinação a ser estabelecida consoante o disciplinado pela Resolução n. 154/2012 do Conselho Nacional de Justiça.

Alega-se, em síntese, o seguinte:

a) o apelante requer a concessão dos benefícios da justiça gratuita, por ser pobre da acepção jurídica do termo, conforme declaração de hipossuficiência juntada no Id n. 261814171;

b) não há nos autos provas concretas que o réu é o autor do crime, e ficou claramente demonstrado que o réu não cometeu o ilícito e foi inserido na cena do crime;

c) a condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, o que não ocorre no caso em tela;

d) pleiteia o direito de recorrer em liberdade, pois é pessoa íntegra, de bons antecedentes e possui endereço certo;

e) o réu não teve vínculo com a radiodifusão e, por ingenuidade, foi coagido a assinar documento assumindo a propriedade da rádio;

f) a testemunha Kauê não foi clara no seu depoimento, demonstrando que não tinha conhecimento do local, e confundiu a rádio que o réu transmitia via redes sociais com a radiodifusão tradicional;

g) na sentença houve confusão entre a rádio transmitida pelas redes sociais com a rádio tradicional, pois em depoimento Luiz Matheus afirmou conhecer o réu Danilo por intermédio das redes sociais (Id n. 261814170).

Foram apresentadas contrarrazões (Id n. 261814175).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Alvaro Luiz de Mattos Stipp, manifestou-se pelo provimento do recurso da defesa, reformando-se a sentença condenatória para absolver o sentenciado com escopo no art. 386, III, do Código de Processo Penal (Id n. 261928782).

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002580-16.2020.4.03.6104

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: DANILO PEREIRA DA SILVA

Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE ALMEIDA - SP387644-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

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V O T O

 

 

Imputação. Danilo Pereira da Silva e Hiago William Pereira dos Santos foram denunciados pelo cometimento do crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/97, porque teriam desenvolvido clandestinamente atividades de telecomunicação, operando serviço de radiodifusão sonora em FM, autodenominadas “Rádios 88 FM e 89 FM”, por meio de utilização não autorizada de radiofrequência em 88,5 e 89,7 MHz, correspondentes aos canais 203 e 209, com sistemas irradiantes com altura aproximada de 8 (oito) metros, irradiando conteúdo religioso, conforme Auto de Infração n. SP201909201715 (p. 6/17 do Id 30994239).

Narra a denúncia o seguinte:

 

Segundo consta dos autos, os agentes de fiscalização da ANATEL Joaquim de Assis Miranda e Marcos Antônio Rodrigues, atendendo demanda de fiscalização sobre interferência na frequência 109.90 MHz, destinada ao Serviço Móvel Aeronáutico, frequência em que opera o ILS (Instrument Landing System), que é utilizado para auxiliar as aeronaves em procedimento de pouso por precisão em condições meterológicas (sic) adversas, estiveram nos municípios de Santos e São Vicente nos dias 19 e 20 de setembro de 2019 para averiguação (pág. 15 do Id 30994239).

A ação de fiscalização empreendida pelos citados agentes de fiscalização da ANATEL foi registrada no Relatório de Fiscalização nº. 113/2019/GR01FI4/GR01/SFI, no qual é detalhada a diligência em questão:

(…) No dia 19, através de rastreio do sinal da emissora interferente, constatamos que as emissões, aparentemente, vinham do Bairro da Vila Progresso que fica entre Santos e São Vicente; devido a tarde avançada, retomamos ao escritório para continuar no dia seguinte.

No dia 20, contornamos o morro onde fica a Vila Progresso e todas as goniometrias indicava que as transmissões partiam de lá. aproximamos pelo Bairro “Morro Nova Cintra” de onde conseguimos avistar várias antenas características de radio FM na localidade e, na monitoração do espectro apareciam várias portadoras sendo utilizadas clandestinamente no local, devido a localização ser considerada perigosa optamos por pedir apoio policial.

Através de nosso escritório foi negociado apoio da Polícia Militar que prontamente nos atendeu com quatro viaturas Comandadas pelo Tenente Edmilson, permanecendo conosco até o final a viatura E-02294.

Ao aproximar do local deparamos com seis rádios clandestinas instaladas, todas em funcionamento, entre elas as Rádios 88 FM, funcionando em 88,5 MHz e 89 FM, funcionando em 89,7 MHz, instaladas na parte superior de um imóvel que fica na Rua Três, 3856, na Vila Progresso, como o imóvel estava fechado pedimos autorização do proprietário do imóvel vizinho para passar por sua residência e ir a parte superior do imóvel ao lado com o objetivo de interromper as transmissões clandestinas, ele franqueou a nossa entrada e nos conduziu ate a parte superior, onde do muro, foi avistado os dois transmissores em pleno funcionamento na varanda da casa; ele nos emprestou um cavalete que possibilitou a passagem para o outro imóvel e, logo depois, quando estávamos desligando os transmissores, chegou ao imóvel o senhor HIAGO WILIAM PEREIRA DOS SANTOS que prestou todos os esclarecimentos sobre o funcionamento das rádios e assumiu ser o responsável pelos equipamentos. O senhor Hiago franqueou a passagem por dentro do imóvel para retirada dos equipamentos.

No escritório, os equipamentos foram avaliados e as potências dos transmissores foram estimadas, de acordo com os componentes, em 1250 e 2500 Watts.

Todas as emissoras foram interrompidas e tiveram seus relatórios próprios e, para as Radio 88 FM e 89 FM, foi emitido o Auto de Infração nº SP201909201715 e seus anexos, em nome de HIAGO WILIAM PEREIRA DOS SANTOS, CPF 443.984.498-76, pelo uso não autorizado do espectro de radiofrequência e pelo uso de equipamentos que utiliza o espectro sem ser certificado/homologado. (…)

(pp. 15/16 do Id 30994239).

Na fiscalização em tela, os agentes da ANATEL apreenderam os seguintes equipamentos, utilizados pelos denunciados para desenvolver clandestinamente as atividades de telecomunicação: 1 (um) transmissor sem marca/ modelo e número de série aparentes, frequência 88,5 Mhz; 1 (um) transmissor sem marca/ modelo e número de série aparentes, frequência 89,7 Mhz; e 1 (um) Notebook, marca ASUS / X16-96087, conforme Auto de Infração nº. SP201909201715 (pp. 10/11 do Id 30994239) e Termo de Apreensão nº 1274144/2021 (pág. 1 do Id 64187058).

Desse modo, a partir do Auto de Infração nº. SP201909201715 e Relatório de Fiscalização nº. 113/2019/GR01FI4/GR01/SFI, foi instaurado pela ANATEL o Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADO) nº. 53504.010893/2019-13, no qual o denunciado HIAGO WILLIAM PEREIRA DOS SANTOS apresentou defesa administrativa, indicando que o proprietário da rádio clandestina em questão era o denunciado DANILO PEREIRA DA SILVA. Na referida peça defensiva, HIAGO ainda admitiu que arrendou parte da programação e horário da rádio clandestina em comento, que utilizava a radiofrequência 89,7 Mhz, com o titular e proprietário do equipamento apreendido, que era DANILO PEREIRA DA SILVA (cópia da citada defesa administrativa consta nas pp. 14/18 do Id 37527716).

Ainda, com a referida peça de defesa administrativa, HIAGO fez juntar ao processo da ANATEL nº. 53504.010893/2019-13, declaração escrita e assinada de próprio punho pelo denunciado DANILO PEREIRA DA SILVA, e com sua firma reconhecida em Cartório, na qual este admitia que era o proprietário dos equipamentos em comento e responsável pelas rádios clandestinas que operavam nas frequências 88,5 e 89,7 MHz (pág. 28 do Id 37527716).

O denunciado HIAGO WILLIAM PEREIRA DOS SANTOS prestou declarações no presente inquérito policial e relatou que:

(…) QUE já apresentou sua defesa no procedimento junto à ANATEL e ressalta que a rádio do canal 89.7 pertencia a DANILO PEREIRA DA SILVA, sendo que o declarante apenas alugava horários da rádio para a divulgação das datas e horários dos cultos que a Igreja Profética Missões de Avivamento, onde o declarante era e continua sendo pastor presidente; QUE tal igreja fica localizada na Av. Visconde de São Leopoldo, 284 – Centro – Santos-SP; QUE já faz 3 anos que o declarante é pastor em tal igreja; QUE no dia da Operação dos fiscais, em razão de estar sendo divulgada a programação da Igreja, o declarante foi localizado e foi chamado pelo dono da casa Sr. Carlos “de tal”, no Morro Vila Progresso, para acompanhar a fiscalização; QUE o declarante explicou aos fiscais que apenas era o programador de divulgação da rádio, sendo que o dono dos equipamento e quem alugava o espaço onde estava a antena e o equipamento vinculado a ela, era DANILO; QUE DANILO não foi localizado naquele dia; QUE DANILO pertencia à Igreja, era um dos obreiros e morava num apartamento ao lado da igreja; QUE como contraprestação pela utilização da rádio, o declarante dava a moradia a DANILO e R$300,00 mensais como ajuda de custo; QUE não pegava recibo e nem tinham contrato de aluguel; QUE em razão de DANILO ter vindo do Norte do país e aparentava ser bem leigo em muitas coisas, acreditava que DANILO desconhecia que era ilegal tal rádio; (…) QUE sabe dizer que DANILO é trabalhador autônomo, fazendo obras, pinturas em residências; QUE melhor esclarecendo o declarante apenas fazia a programação, como radioweb, em sua própria casa e então DANILO captava a transmissão da web e a jogava para o equipamento que por sua vez retransmitia via antena; QUE a antena e os equipamentos foram retirados no mesmo dia da fiscalização; QUE atualmente sua programação é realizada pelo facebook live; QUE se recorda que foram mais de 13 equipamentos que os fiscais retiraram do Morro tendo então várias sintonias mencionadas, mas a que o declarante fazia uso era apenas a 89.7; QUE ao que se recorda, a antena estava a cerca de 8 metros do chão da casa onde foi instalada e a residência em si fica a cerca de 180 metros do pé do Morro (…)

(pág. 22 do Id 37527717, grifos nossos).

O denunciado DANILO PEREIRA DA SILVA também prestou declarações no presente apuratório e narrou que:

(…) QUE com relação à apreensão dos equipamentos de rádio, o declarante relata que acabou pegando tais equipamentos apreendidos como forma de pagamento de serviço de pintura e que tal pessoa lhe disse que o declarante poderia criar uma rádio comunitária para sua igreja e assim divulgar os cultos e orações; QUE o nome da rádio era ÊXODO FM 89.7, sendo que o declarante recebia pela divulgação apenas uma pequena ajuda de custo do pastor YAGO, que era para pagar a internet e energia; QUE nem YAGO nem o declarante sabiam que era ilegal tal funcionamento da rádio; QUE o declarante também é pastor evangélico, junto com YAGO, na igreja chamada PROFÉTICA MISSÕES DE AVIVAMENTO, localizada na Av. Visconde de São Leopoldo, 284, Santos-SP (…)

(pág. 3 do Id 41903697, grifos nossos).

Desse modo, tem-se que a materialidade e autoria em relação ao crime tipificado no art. 183 da Lei nº. 9.472/97 são inequívocas.

A materialidade delitiva restou comprovada pela fiscalização realizada pelos agentes da ANATEL em 20/09/2019, que resultou na lavratura do Auto de Infração nº. SP201909201715 (pp. 6/11 do Id 30994239), Relatório de Fiscalização nº. 113/2019/GR01FI4/GR01/SFI (pp. 14/17 do Id 30994239) e instauração do Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADO) nº. 53504.010893/2019-13 (pp. 2/52 do Id 37527716 e pp. 1/18 do Id 37527717).

Ainda, a materialidade delitiva restou comprovada pela apreensão dos aparelhos utilizados pelos denunciados para desenvolver clandestinamente as atividades de telecomunicação, conforme Auto de Infração nº. SP201909201715 (pp. 10/11 do Id 30994239) e Termo de Apreensão nº 1274144/2021 (pág. 1 do Id 64187058).

A autoria delitiva, por sua vez, vem cabalmente comprovada pelo teor da defesa administrativa apresentada pelo denunciado HIAGO WILLIAM PEREIRA DOS SANTOS no Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADO) nº. 53504.010893/2019-13 (pp. 14/30 do Id 37527716), inclusive pela declaração de próprio punho subscrita pelo denunciado DANILO PEREIRA DA SILVA (pág. 28 do Id 37527716), bem como pelas declarações prestadas pelos referidos denunciados perante a Autoridade Policial neste feito (pág. 22 do Id 37527717 e pág. 3 do Id 41903697).

Nesse sentido, ainda que HIAGO WILLIAM PEREIRA DOS SANTOS alegue que era apenas um programador da rádio e que apenas arrendava parte da programação e horário da rádio clandestina em comento, é certo que os elementos amealhados nestes autos demonstram que promovia, juntamente com o denunciado DANILO PEREIRA DA SILVA, a operação das rádios clandestinas descobertas pela ANATEL, ou seja, os dois, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, desenvolviam clandestinamente as atividades de telecomunicação.

Ademais, por todo o contexto apurado, emerge inequívoco que as atividades clandestinas de telecomunicação quanto às rádios clandestinas em tela eram desenvolvidas com habitualidade, tanto que envolviam, inclusive, ajuda de custo mensal de HIAGO WILLIAM PEREIRA DOS SANTOS em favor de DANILO PEREIRA DA SILVA.

A alegação dos denunciados de que supostamente desconheciam que a operação de tais rádios era ilegal não tem como ser acolhida, tampouco afasta a prática delitiva em comento, pois todos aqueles que se propõem a desenvolver atividades de telecomunicação tem o dever legal de buscar as autorizações necessárias perante os órgãos públicos competentes e, ainda, possuem o dever de se informar quanto à licitude das atividades desenvolvidas, sendo oportuno recordar que, nos termos do art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Por fim, cabe destacar que o Laudo Pericial nº. 1964/2021 – NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP (pp. 4/7 do Id 64187058), elaborado pelo Núcleo de Criminalística da Polícia Federal, comprovou que os equipamentos operados pelos denunciados (transmissor de FM artesanal, que emitia sinais na frequência aproximada de 88,5 MHz, com potência de saída de 450 Watts e transmissor de FM artesanal que emitia sinais na frequência aproximada de 89,7 MHz, com potência de saída de 600 Watts) eram capazes de causar interferências em serviços de telecomunicações que operassem na mesma frequência ou em frequências próximas, na mesma área de cobertura.

Ante todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia HIAGO WILLIAM PEREIRA DOS SANTOS e DANILO PEREIRA DA SILVA como incursos no art. 183 da Lei nº. 9.472/97. (Id n. 261813995)

 

Do processo. Foi proposto, aceito e homologado em Juízo o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) entre o Ministério Público Federal e Hiago William Pereira dos Santos (Ids ns. 261814111 e 261814132).

Em relação ao corréu Danilo Pereira da Silva não houve a propositura de ANPP.

O feito foi desmembrado, permanecendo neste somente o réu Danilo Pereira da Silva (Id n. 261814178).

Materialidade. A materialidade do delito está satisfatoriamente comprovada em razão dos seguintes elementos de convicção:

a) Notícia de Fato n. 1.34.012.000696/2019-10 contendo representação da Anatel encaminhada ao Ministério Público Federal com cópia do Auto de Infração n. SP201909201715, subscrito pelo fiscalizado Hiago William Pereira dos Santos e pelos Agentes de Fiscalização Joaquim de Assis Miranda e Marcos Antônio Rodrigues, bem como Termos de Fiscalização, Relatório de Fiscalização n. 113/2019/ GR01FI4/GR01/SFI e Relatório Fotográfico (Id n. 261813775);

b) cópia do processo administrativo instaurado pela Anatel – Processo de Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADO) n. 53504.010893/2019-13 (Ids ns. 261813779 e 261813780, até p. 18);

c) Termo de Apreensão n. 1274144/2021 (Id n. 261813993);

d) Laudo n. 1964/2021 – NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP, Laudo de Perícia Criminal Federal (Eletroeletrônicos) referente aos equipamentos apreendidos, 2 (dois) transmissores de FM fabricados artesanalmente, sem marca/modelo e número de série aparentes, e 1 (um) notebook da marca ASUS, modelo X16-6087. Um dos transmissores de FM emitia sinais na frequência aproximada de 88,5 MHz, com potência de saída de 450 Watts, e o outro transmissor de FM emitia sinais na frequência aproximada de 89,7 MHz, com potência de saída de 600 Watts (Id n. 261813993, p. 4/7).

Atividade clandestina de telecomunicações. Art. 70 da Lei n. 4.117/62 e art. 183 da Lei n. 9.472/97. Radiodifusão. Tipicidade. O exercício de atividade de radiodifusão desprovida de adequada autorização, concessão ou permissão constitui ilícito penal.

Revi meu entendimento para acompanhar a jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de que subsiste a vigência tanto do art. 70 da Lei n. 4.117/62 quanto do art. 183 da Lei n. 9.472/97. A tipificação dependerá, quanto ao primeiro, da inexistência do caráter habitual da conduta, enquanto a do segundo, inversamente, quando se caracteriza a habitualidade (STF, HC n. 128.567, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 08.09.15; STF, HC n. 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.12.13; STF, HC n. 93.870, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20.04.10; STJ, AgRg no Agravo em REsp n. 743.364, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19.04.16).

Assim se encontra vazado o art. 70 da Lei n. 4.117/62:

 

Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou a utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.

 

A norma citada na Lei n. 9.472/97 tem a seguinte redação:

 

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicações. Pena - detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.

 

Discute-se sobre a subsistência da sanção penal quanto à radiodifusão porque no tipo há o vocábulo "telecomunicações" e não "radiodifusão". Segundo alguns, a primeira expressão não compreenderia a segunda, daí derivando a atipicidade do fato. O argumento tem a ver com a Emenda Constitucional n. 8, de 15.08.95, a qual, ao dar nova redação ao art. 21, fez com que as telecomunicações fossem objeto do inciso XI e os serviços de radiodifusão objeto do XII, a. Este, em sua redação original, equiparava tais serviços aos de telecomunicações: "a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações". À míngua dessa equivalência normativa, considerada a disciplina jurídica diversa, os serviços de telecomunicações mencionados na norma penal não compreenderiam os de radiodifusão.

O argumento parece alinhar-se com as distinções doutrinárias procedidas com base no texto legal, muito próprio à dogmática jurídica. Mas, sob outro ponto de vista, não guarda correspondência ao significado elementar dos vocábulos empregados na norma. Grosso modo, telecomunicações significa comunicação à distância; radiodifusão seria, assim, tal comunicação procedida mediante ondas eletromagnéticas. Seria difícil sustentar que a comunicação feita por rádio, ainda que o receptor não possa responder, não encerre um serviço de telecomunicação.

Tal interpretação é sancionada pela tradição, dado que desde a vigência da Lei n. 4.177/62 entendia-se que os serviços de telecomunicações compreendiam os de radiodifusão para efeito de tipificação penal. A superveniência da Emenda Constitucional n. 8/95 não teve por objetivo modificar a hermenêutica penal, mas sim alterar a regulamentação dos serviços, de modo que pudesse ser ele exercido em maior extensão por particulares. Sendo essa a matéria concretamente regulada pela Emenda, não há como dela se extrair uma alteração no campo penal, isto é, um pretenso sentido de descriminalização de condutas. Ao contrário, a Lei n. 9.472/97 veio a agravar a sanção penal e, uma vez que dispunha sobre os serviços de telecomunicações, ao revogar, em parte, a Lei n. 4.177/62, teve o cuidado de ressalvar a subsistência de eventuais prescrições penais. A interpretar-se sistematicamente o conjunto normativo, chega-se à conclusão de que, efetivamente, houve um recrudescimento da sanção penal.

É verdade que a política legislativa igualmente favoreceu o estabelecimento de rádios comunitárias. Também quanto a essas rádios, porém, é imprescindível a concessão, a permissão ou a autorização para seu funcionamento, pois tal é exigência da própria Constituição (CR, art. 223), adequadamente regulada em lei (Lei n. 9.612, de 19.02.98, art. 6º). Em outras palavras, possibilitar a instalação de rádios comunitárias não significa isentar os respectivos responsáveis do dever jurídico de obter a autorização estatal, sob pena de cometer o mencionado delito.

A exigibilidade da autorização estatal não é afastada pelas garantias constitucionais de liberdade de expressão (CR, art. 5º, IX) e de manifestação do pensamento (CR, art. 220), nem afeta o regular exercício de direitos culturais (CR, art. 215). Pois é evidente que tais direitos são garantidos a todos, indistintamente, mas não que todos possam utilizar meios de telecomunicação sem nenhum tipo de controle estatal. As garantias constitucionais, claro está, devem ser exercidas segundo as normas que a própria Constituição da República estabelece quanto aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão.

Por essa mesma razão o Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto n. 678, de 06.11.92, não proíbe que o Estado outorgue autorização, concessão ou permissão para os serviços de telecomunicações e de radiodifusão. O art. 13 do referido Pacto assegura o direito de receber e difundir informações e ideias, sem censura prévia, nem indiretamente por abuso no controle oficial, como consta do item n. 3:

 

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

 

É vedado, como se percebe, o abuso no controle, do qual adviria reprovável restrição à veiculação de ideias. Logo, a mera exigibilidade de alguma autorização, em si mesma, não é proibida pelo Pacto de San José, cumprindo apenas averiguar se as exigências seriam, em tese, abusivas. Mas, nesse particular, a autorização para a radiodifusão comunitária é regulamentada pela Lei n. 9.612/98, a qual não contém exigências inviáveis de serem atendidas. Não havendo controle abusivo, força convir que a tipificação da irregular exploração de serviços de telecomunicações ou de radiodifusão não ofende o Pacto de San José da Costa Rica.

Registre-se precedente no sentido da tipicidade do fato:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. ATO QUE DETERMINA A APREENSÃO DE TRANSMISSÃO DE RÁDIO COMUNITÁRIA. LEGALIDADE. CONFLITO ENTRE DIREITOS AMPARADOS IGUALMENTE PELA CONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO PELO PODER CONCEDENTE. WRIT CONHECIDO. ORDEM DENEGADA.

1. Não é de ser adotada a linha de pensamento que advoga a tese de que o Pacto de São José da Costa Rica e as Leis 9.472/97 e 9.612/98 possuem o condão de tornar lícita a conduta desenvolvida pela impetrante, afastando a necessidade de autorização estatal para o desempenho da atividade de radiodifusão.

2. O Pacto de São José da Costa Rica, inserido no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 678/92, tem a natureza de lei ordinária, motivo pelo qual deve se harmonizar ao texto constitucional para ter validade.

3. Mesmo se considerarmos que o Pacto de São José da Costa Rica ingressou em nosso ordenamento jurídico com estatura de norma constitucional, tratar-se-ia de conflito aparente entre direitos igualmente tutelados pela Carta Federal. Direito à liberdade de expressão do indivíduo e direitos igualmente tutelados pela Carta Federal. Direito à liberdade de expressão do indivíduo e direito à exploração dos serviços de radiodifusão pela União. Não há antinomia real dentro da vontade uma do Poder Constituinte Originário, de forma que se deve buscar a interpretação que busque o ponto de equilíbrio entre os direitos supostamente conflitantes, não permitindo que se maximize o alcance de determinada norma constitucional em detrimento de outra norma de mesma estatura, que venha a ter, por esta razão, seu alcance reduzido ou suprimido.

4. No que se refere às Leis 9.472/97 e 9.612/98, tais diplomas legais em nenhum momento afastaram do controle do Estado a atividade de radiodifusão, que só pode ser desenvolvida mediante o preenchimento de determinados requisitos técnicos e sob a imperiosa condição de prévia autorização de funcionamento, a ser expedida pelo órgão competente. É evidente que cabe exclusivamente ao Estado regular e disciplinar a instalação e funcionamento de quaisquer rádios, sejam elas comunitárias ou não, pois a ele cabe zelar pela utilização racional do espaço eletromagnético nacional, a fim de evitar a ocorrência das conhecidas interferências de transmissão, que tanto põem em risco o normal desempenho de diversas atividades essenciais à sociedade, como o controle de aeronaves e as comunicações travadas pelos órgãos de segurança pública, especialmente as viaturas policiais.

5. Não há, portanto, ilegalidade no ato do magistrado de 1º grau que determinou a apreensão de equipamentos da rádio comunitária, que funcionava sem a devida autorização do Estado. Writ conhecido. Ordem denegada.

(TRF da 3ª Região, MS n. 98.03.052209-4, Rel. Des. Federal Ramza Tartuce, j. 19.05.04)

 

Do caso dos autos. Em parecer, o Ministério Público Federal aduz a atipicidade da conduta. Afirma, em síntese, que a radiodifusão sonora não é abrangida pela modalidade telecomunicações stricto sensu e que a ela não se aplica a Lei n. 9.472/97. Sustenta que não há tipo penal correspondente à conduta de radiodifusão sonora com baixa potência e com cobertura restrita ou não (Id n. 261928782).

Sem razão.

Conforme exposto supra, adoto o entendimento de que é típica a conduta de exercer atividade de radiodifusão sem autorização e, ante o caráter habitual da conduta, tem-se a configuração do delito do art. 183 da Lei n. 9.472/97.

Autoria. A autoria delitiva não foi suficientemente comprovada.

Conforme descrito no Relatório de Fiscalização n. 113/2019/ GR01FI4/GR01/SFI, houve denúncia de interferência na frequência 109.9 MHz, destinada ao Serviço Móvel Aeronáutico, frequência em que opera o ILS (Instrument Landing System), o qual é utilizado para auxiliar as aeronaves em procedimento de pouso por precisão em condições meteorológicas adversas.

Em 20.09.19 a equipe da Anatel localizou antenas de transmissão e rádios clandestinas instaladas, entre elas as Rádios 88 FM, funcionando em 88,5 MHz, e 89 FM, funcionando em 89,7 MHz, instaladas na parte superior de um imóvel que fica na Rua Três, 3.856, na Vila Progresso, em Santos (SP). No momento em que os fiscais desligavam os transmissores chegou ao imóvel Hiago Wiliam Pereira dos Santos, “que prestou todos os esclarecimentos sobre o funcionamento das rádios e assumiu ser o responsável pelos equipamentos” (Id n. 261813775, p. 14/16).

No entanto, consta da cópia dos autos do processo administrativo que Hiago William Pereira dos Santos apresentou defesa administrativa na qual afirmou, por meio de seu procurador, que exercia apenas a função de programador de rádio e que Danilo Pereira da Silva era o proprietário da rádio e de todos os equipamentos (Id n. 261813779, p. 14/18).

Danilo Pereira da Silva subscreveu declaração de próprio punho no sentido de que era o verdadeiro proprietário das radiofrequências 88,5 MHz e 89,7 MHz. O réu afirmou que Hiago Pereira dos Santos, o qual seria apenas o programador da rádio, não tinha qualquer envolvimento com referidas frequências e que este compareceu ao local da apreensão dos equipamentos porque o declarante estava viajando no dia dos fatos (Id n. 261813779, p. 28).

Instaurado inquérito policial, Hiago William Pereira dos Santos prestou depoimento reiterando que os equipamentos pertenciam a Danilo Pereira da Silva, o qual era trabalhador autônomo e fazia obras e pinturas em residências:

 

QUE já apresentou sua defesa no procedimento junto à ANATEL e ressalta que a rádio do canal 89.7 pertencia a DANILO PEREIRA DA SILVA, sendo que o declarante apenas alugava horários da rádio para a divulgação das datas e horários dos cultos que a Igreja Profética Missões de Avivamento, onde o declarante era e continua sendo pastor presidente; QUE tal igreja fica localizada na Av. Visconde de São Leopoldo, 284 – Centro – Santos-SP; QUE já faz 3 anos que o declarante é pastor em tal igreja; QUE no dia da Operação dos fiscais, em razão de estar sendo divulgada a programação da Igreja, o declarante foi localizado e foi chamado pelo dono da casa Sr. Carlos “de tal”, no Morro Vila Progresso, para acompanhar a fiscalização; QUE o declarante explicou aos fiscais que apenas era o programador de divulgação da rádio, sendo que o dono dos equipamento (sic) e quem alugava o espaço onde estava a antena e o equipamento vinculado a ela, era DANILO; QUE DANILO não foi localizado naquele dia; QUE DANILO pertencia à Igreja, era um dos obreiros e morava num apartamento ao lado da igreja; QUE como contraprestação pela utilização da rádio, o declarante dava a moradia a DANILO e R$300,00 mensais como ajuda de custo; QUE não pegava recibo e nem tinham contrato de aluguel; QUE em razão de DANILO ter vindo do Norte do país e aparentava ser bem leigo em muitas coisas, acreditava que DANILO desconhecia que era ilegal tal rádio; (...); QUE sabe dizer que DANILO é trabalhador autônomo, fazendo obras, pinturas em residências; QUE melhor esclarecendo o declarante apenas fazia a programação, como radioweb, em sua própria casa e então DANILO captava a transmissão da web e a jogava para o equipamento que por sua vez retransmitia via antena; QUE a antena e os equipamentos foram retirados no mesmo dia da fiscalização; QUE atualmente sua programação é realizada pelo facebook live; QUE se recorda que foram mais de 13 equipamentos que os fiscais retiraram do Morro tendo então várias sintonias mencionadas, mas a que o declarante fazia uso era apenas a 89.7; QUE ao que se recorda, a antena estava a cerca de 8 metros do chão da casa onde foi instalada e a residência em si fica a cerca de 180 metros do pé do Morro; QUE nunca foi processado criminalmente. (Id n. 261813780, p. 22)

 

Danilo Pereira da Silva afirmou à Autoridade Policial que havia recebido os equipamentos de rádio como forma de pagamento por serviço de pintura:

 

QUE com relação à apreensão dos equipamentos de rádio, o declarante relata que acabou pegando tais equipamentos apreendidos como forma de pagamento de serviço de pintura e que tal pessoa lhe disse que o declarante poderia criar uma rádio comunitária para sua igreja e assim divulgar os cultos e orações; QUE o nome da rádio era ÊXODO FM 89.7, sendo que o declarante recebia pela divulgação apenas uma pequena ajuda de custo do pastor YAGO, que era para pagar a internet e energia; QUE nem YAGO nem o declarante sabiam que era ilegal tal funcionamento da rádio; QUE  o declarante também é pastor evangélico, junto com YAGO, na igreja chamada PROFÉTICA MISSÕES DE AVIVAMENTO (...) (Id n. 261813984, p. 3)

 

No Laudo n. 1964/2021 – NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP, Laudo de Perícia Criminal Federal (Eletroeletrônicos) referente aos equipamentos apreendidos, há fotografia indicando que um dos diversos arquivos de áudio encontrados no HD do notebook apreendido apresentava o nome “louvores preferidas do pastor hiago pereira”. Também foi encontrado no HD examinado aplicativo utilizado comumente para a gestão e automação de estações emissoras de radiodifusão denominado RadioBoss (Id n. 261813993, p. 5/6).

Em resposta à acusação, por meio de sua defesa técnica o acusado Danilo Pereira da Silva negou ser proprietário dos equipamentos e alegou ter assumido a responsabilidade pelos fatos imputados a pedido de Hiago William Pereira dos Santos (Id n. 261814014).

A defesa juntou aos autos cópia de cartaz divulgando inauguração em 20.09.18 da Igreja Profética Missões de Avivamento, com fotografias em destaque de três pessoas, o primeiro indivíduo identificado como Pastor Hiago Pereira. Ao final do cartaz há menção à “Rádio êxodo fm 88.5 e 89.7” (Id n. 261814018).

A defesa alegou ainda que Hiago continuava com as transmissões de rádio em 04.10.21, tendo sido apresentada suposta gravação audiovisual de transmissão ao vivo na frequência 88,5 MHz na qual Hiago divulgava a palavra da igreja (Id n. 261814015). Também foi juntada gravação audiovisual com vídeo mostrando um equipamento eletrônico e voz masculina anunciando a venda do objeto. Por meio desta gravação a defesa visa demonstrar que Hiago comercializava equipamentos de transmissões radiofônicas (Id n. 261814016).

Em resposta à acusação, a defesa técnica de Hiago William Pereira dos Santos, a seu turno, contestou a prova trazida aos autos pela defesa de Danilo, asseverando que “sobre o fato do acusado HIAGO ter continuado com as transmissões de rádio, justificando isto, com áudio/vídeo de 04/10/2021 (afirmando que esta transmissão ao vivo seria do HIAGO), não merecem acolhimento, tão mais, credibilidade, o que transparece a má-fé do corréu, pois a voz apresentada não é do acusado HIAGO, como podemos ouvir, se trata de um comunicador de rádio enviando uma saudação para o acusado HIAGO, não devendo prosperar a presente prova (áudio/vídeo) e qualquer acusação de atuação em rádio ao vivo na data citada, pois não há vínculo algum com uma rádio, somente com lives em redes sociais e cultos evangélicos” (Id n. 261814023, p. 4).

A defesa de Hiago William Pereira dos Santos juntou aos autos dois arquivos consistentes em fotografias de tela de celular (capturas de tela) mostrando publicações em rede social com fotografias do acusado, “Bispo Danilo Pereira”, que supostamente teria participado de lives da “rádio êxodo” (Id n. 261814025). Foi juntada cópia da mesma declaração assinada por Danilo Pereira da Silva apresentada na defesa administrativa de Hiago perante a Anatel (Id n. 261814026).

O Agente de Fiscalização da Anatel Joaquim de Assis Miranda declarou em Juízo que a equipe da agência foi até a Baixada Santista para averiguar denúncia de interferência no sistema de aproximação do Aeroporto de Congonhas. Chegando lá constataram que havia a rádio de uma igreja evangélica com programação compatível com a denúncia. Rastrearam o sinal e localizaram de onde vinha. Avistaram várias antenas e constataram que havia várias frequências sendo transmitidas a partir do mesmo local. Com o apoio da Polícia Militar foram ao local e identificaram seis emissoras, dentre elas as duas emissoras constantes da denúncia. No imóvel não havia ninguém, mas um vizinho franqueou a entrada, porque da casa dele dava para avistar o imóvel. Em cima, numa varanda, avistaram dois transmissores. Quando já estavam interrompendo o serviço o senhor Hiago compareceu ao local e assumiu temporariamente a responsabilidade pelos transmissores. Quando a equipe de fiscalização estava saindo Hiago informou que não era o verdadeiro responsável e que foi até lá para que o dono do imóvel não fosse responsabilizado, mas a autuação já havia sido feita em nome de Hiago, o qual não soube declinar os dados do responsável. Depois, na defesa, Hiago enviou confissão assinada por Danilo, que assumiu a responsabilidade pelos dois transmissores que estavam no local. As antenas estavam em local alto, com alcance em toda a Baixada Santista. Sobre a interferência no Aeroporto de Congonhas, a testemunha disse que os transmissores de rádio legalizados, autorizados pela Anatel, são homologados e testados, e possuem filtros que impedem que os aparelhos saiam da frequência que devem irradiar, ao contrário do caso da rádio que estava causando a interferência e impedindo a instalação de novo aparelho em Congonhas, cuja frequência era em torno de 109 MHz. Quando foi fazer a fiscalização e encontrou Hiago, este disse que não sabia que a rádio não possuía autorização, e que havia arrendado apenas um horário na programação, além de fazer a programação da rádio por meio de computador. Havia seis antenas e seis transmissores, mas apenas dois transmissores foram relacionados a Hiago. As demais antenas eram de outros proprietários e transmitiam outras programações. Sobre o que Hiago teria dito a respeito do responsável pela rádio, a testemunha disse que, se Hiago declinou o nome do indivíduo, foi apenas o prenome, mas isso foi dito quando a equipe da Anatel já estava saindo. Hiago disse que não era o verdadeiro responsável, mas que comparecera ao local para que o dono do imóvel não fosse responsabilizado. A testemunha declarou que não chegou a conhecer Danilo. Cada antena relacionava-se a uma emissora e Hiago fazia programação para as duas emissoras (Ids ns. 261814090 e 261814091).

O Agente de Fiscalização da Anatel Marcos Antônio Rodrigues prestou declarações em Juízo no mesmo sentido do quanto relatado por Joaquim de Assis Miranda. A testemunha destacou a gravidade da interferência causada pelas rádios, pois prejudicava o pouso de aeronaves em situações de baixa visibilidade. O depoente relatou que Hiago disse que era locutor e fazia programação da rádio, mas os equipamentos não lhe pertenciam. A testemunha disse não se recordar de detalhes sobre a ciência de Hiago quanto à clandestinidade da rádio. Marcos Antônio afirmou que não se recordava muito bem dos equipamentos, mas salvo engano um deles era de fabricação artesanal, o que impedia qualquer tipo de rastreabilidade da fonte de produção. A testemunha informou que quem tem interesse nas técnicas de telecomunicações tem condições de construir o equipamento, mas a instalação só pode ser feita mediante autorização da Anatel. Viram os equipamentos e entraram no primeiro imóvel, ante a urgência para interromper a interferência. Na vizinhança, no primeiro imóvel havia um transmissor, e, na segunda casa, havia dois transmissores, mas nenhum morador. Posteriormente compareceu Hiago, que atendeu a equipe de fiscalização. Hiago não assumiu ser o proprietário. Afirmou que era outra pessoa, mas a testemunha não se recordava se Hiago teria dito o nome dessa pessoa. A testemunha orientou Hiago a apresentar defesa administrativa a fim de identificar o responsável. Hiago disse que era programador da rádio, operava os equipamentos e mantinha o funcionamento da rádio, que funcionava por sistema remoto. O estúdio não ficava ali junto com os transmissores, mas em outro local, e ali havia apenas um ponto de retransmissão, por conta da geografia, para abranger área maior de cobertura. A testemunha disse que não chegou a conhecer o responsável de fato, mas soube que Hiago apresentou defesa no processo administrativo e houve uma mudança do polo passivo, mas não se inteirou do assunto, pois isso incumbia ao departamento jurídico da Anatel (Ids ns. 261814090 e 261814091).

Kauê Ricardo Correa, testemunha de defesa arrolada por Hiago William Pereira dos Santos, declarou em Juízo que o Bispo Danilo apresentou-lhe a rádio e negou ter acompanhado qualquer tratativa entre Danilo e Hiago a respeito da rádio. Não sabia quem era o proprietário. Indagado sobre quem tomava a frente da rádio de um modo geral, a testemunha respondeu que tudo o que ia fazer era na companhia de Danilo. Hiago nunca o chamou para participar da rádio. Não sabia que a rádio era clandestina, e só foi saber depois de muito tempo a respeito do processo, porque foi informado por Danilo. Kauê disse que de vez quando fazia algumas programações da rádio junto com Danilo e que na página do Facebook da testemunha havia várias publicações dizendo que Danilo estava entrando no ar e estava em um momento de revelação na rádio. A testemunha disse que a programação da rádio era feita pela internet e que não sabia explicar como funcionava a rádio. Kauê afirmou nunca ter ido ao local onde seria a base da rádio, onde estavam os transmissores. A testemunha disse não ser capaz de descrever como é um transmissor de rádio (Id n. 261814094).

Diorlane Vanessa Leite Silva, testemunha de defesa arrolada por Hiago William Pereira dos Santos, afirmou em Juízo que não chegou a conhecer o espaço físico onde funcionava a rádio. A testemunha declarou que compareceu à igreja e passou a participar das atividades da instituição, mas não sabia quem estava à frente da rádio nem sabia que se tratava de rádio clandestina (Id n. 261814095).

Luiz Matheus Guimarães, testemunha de defesa arrolada por Danilo Pereira da Silva, declarou em Juízo que conhecia Hiago William Pereira dos Santos “de ouvir falar” e que frequentou algumas vezes a igreja da qual Hiago era pastor. A testemunha negou conhecer a rádio. Luiz disse conhecer Danilo das lives do Facebook e do Instagram, e não sabia da transmissão de rádio. A testemunha disse que se recordava de uma vez na qual Hiago e Danilo estavam juntos, mas não se recordava se era apenas um vídeo ou uma live. Tomou ciência da rádio porque tinha contato com Danilo e o conheceu pelas lives, e Danilo sempre deixava seu número de WhatsApp para que os telespectadores entrassem em contato e pedissem oração ou palavra. Criaram um vínculo de amizade e posteriormente Danilo contou à testemunha sobre o que havia acontecido com a rádio, que Hiago havia solicitado que Danilo assumisse a responsabilidade pela rádio porque Hiago não poderia assumir-se como dono porque era o líder da igreja e não poderia manchar sua imagem. A testemunha declarou que, pelo seu ponto de vista, Hiago estava à frente da rádio. Indagado se já havia ajudado Danilo com os aparelhos ou formatação da rádio, Luiz respondeu que tinha conhecimento de informática e uma vez Danilo pediu que a testemunha verificasse a sala do escritório, porque estava com problema, e a testemunha foi ajudar, em prol da igreja. Luiz afirmou que o espaço era uma sala normal, com uma mesa, um computador e uma webcam. A testemunha disse que formatou o computador. Sobre sua conclusão de que Hiago era o responsável pela rádio, a testemunha respondeu que Hiago era o líder da igreja e que conhecia Danilo das redes sociais, e nunca viu Danilo manter ligação com rádio (Id n. 261814096).

Interrogado em Juízo, Danilo Pereira da Silva declarou trabalhar como autônomo, atuando como líder religioso. O réu disse que foi obrigado por Hiago a se colocar como responsável pelos fatos. Danilo negou operar a rádio e disse que o responsável pelos aparelhos de radiotransmissão era Hiago. O interrogado disse que não tinha conhecimento de que essas operações configuravam atividade ilícita. Danilo negou receber algum valor para Hiago operar a rádio clandestina. O interrogado disse que, desde quando conheceu Hiago, anos antes dos fatos narrados na denúncia, sabia que Hiago fazia programação de rádio a serviço de sua igreja (de Hiago), e inclusive no canal de YouTube de Hiago havia registro deste se intitulando dono da rádio. Danilo afirmou que sabia da existência das rádios e que tinha conhecimento de apenas uma emissora, conhecida como Rádio Êxodo. O interrogado declarou desconhecer como a rádio teria sido criada, e afirmou que, pelo que sabia, o responsável por adquirir equipamentos e manter tudo era o próprio Hiago. Sobre quando teria sido criada a rádio, Danilo disse que chegou ao Estado de São Paulo em 2016 e que nessa época já existia a emissora, pois foi quando começou a ouvi-la e passou a frequentar a igreja. Conheceu Hiago no final de 2016 e este já era o responsável pela rádio. O interrogado negou ter colaborado ou mantido qualquer relação com a programação da rádio, e disse que sua colaboração restringia-se às reuniões da igreja. Sabia que Hiago fazia transmissões de rádio divulgando os cultos da igreja. O interrogado disse que a rádio se dividia em dois espaços. Em um local ficavam os equipamentos que foram apreendidos, que o interrogado não tinha conhecimento de onde era, nunca teve acesso e nunca lhe foi mostrado, e em outra parte havia a transmissão a partir do escritório da igreja. Em relação ao imóvel na Rua Três, 3.856, Vila Progresso, Santos (SP), onde foram apreendidos os equipamentos, o interrogado disse que não chegou a conhecer o local, e que o único local que conhecia era o do centro da cidade de Santos, onde ficava a sede da igreja e onde inclusive residia de favor. Danilo disse que não sabia especificar a estrutura da rádio nem de que modo ela funcionava, e disse que sabia que Hiago utilizava a rádio para fazer propaganda e divulgação das reuniões da igreja, mas o modo que operava e detalhes não sabia, pois Hiago “sempre foi muito privado sobre esse assunto”. O interrogado afirmou que, pelo que entendeu após Hiago lhe contar sobre o ocorrido, no imóvel da Rua Três ficavam os equipamentos de transmissão. Danilo disse que não sabia a quem pertencia o imóvel. O interrogado afirmou que sabia que Hiago transmitia a programação a partir da igreja para o imóvel da Rua Três, mas declarou que não sabia como isso era feito, pois não tinha esse conhecimento, mas Hiago nunca permitiu ter acesso nem abordou esse assunto abertamente. Danilo afirmou que os dois transmissores e o notebook pertenciam a Hiago. O interrogado negou ter presenciado a fiscalização, pois na data em que a Anatel fiscalizou o local e apreendeu os equipamentos estava na igreja. Era dia de reunião, dia de culto normal, e o réu era um dos dirigentes da igreja. Só teve conhecimento dos fatos à noite, quando Hiago o procurou contando o ocorrido e impondo que o interrogado assumisse os fatos, porque isso prejudicaria a igreja. Danilo afirmou que, pelo seu conhecimento, Hiago trabalhava sozinho na estação da rádio, e teria obrigado o interrogado a assumir a responsabilidade pela rádio por achar que Danilo devia favores a Hiago. Danilo declarou que, no momento em que conheceu Hiago, por intermédio da programação que Hiago transmitia na rádio, Danilo estava em uma fase difícil, pois havia acabado de chegar ao Estado de São Paulo, e Hiago permitiu que o interrogado morasse na igreja em um momento em que já não possuía recursos. Quando teve esse acontecimento, Hiago se aproveitou da situação, tentando manipular e coagir o interrogado, dizendo que seria o mínimo que Danilo poderia fazer pela igreja, e que Hiago era o presidente e isso prejudicaria a igreja, mas “não daria nada” para o acusado. Diante dessa situação toda, se sentiu sem saída, e não tinha o que fazer além de assumir, pois não tinha para onde ir. Assumiu por falta de opção. A Igreja Profética Missões de Avivamento foi fundada por Hiago. Indagado se promovia lives pelas redes sociais, o interrogado respondeu que sempre fez lives. Danilo disse que fazia as lives sozinho, e bem antes de conhecer Hiago já fazia uso das redes sociais para pregação e para divulgar mensagens. Não tinha conhecimento de conexão com a rádio. Períodos após, já devido ao acontecimento, pegar o áudio das lives e retransmitir pela rádio para vincular o acusado à rádio. Danilo disse que depois dos fatos ele e Hiago tiveram vários desentendimentos. Indagado se teria tomado alguma providência judicial em relação à confissão a que teria sido submetido por Hiago, Danilo respondeu que só quando teve conhecimento da gravidade da situação, pois antes não tinha conhecimento da ilegalidade da atividade. O interrogado disse que fazia lives para o Facebook, tratando-se de conteúdo pessoal, que não estava relacionado à igreja nem à rádio ou outro veículo de comunicação. O réu disse que Hiago nem mesmo falava o que faria ou deixaria de fazer a respeito da rádio, que era de total responsabilidade dele, e Hiago fazia tudo da rádio, então só depois o interrogado foi ter conhecimento de que Hiago fazia o download do áudio transmitido pela internet e depois colocava na rádio, pois se tratava de pregação. O interrogado afirmou que foi acolhido pela igreja em um momento difícil e, por falta de opção e por ter amor pela igreja onde residia, elaborou o documento de confissão. Danilo asseverou que foi obrigado por Hiago a assinar a carta, pois ao contrário não teria onde morar. O interrogado declarou que Hiago disse ter falado com seu advogado e que iriam elaborar uma carta ditada, a qual Danilo escreveria, e Hiago levaria o interrogado para reconhecer (firma). Na carta Danilo deveria dizer que não estava presente no ocorrido e por isso Hiago compareceu, mas dali em diante Danilo assumiria tudo (Ids ns. 261814141 a 261814143).

Ao proferir a sentença condenatória, o Juízo a quo concluiu o seguinte, no tocante à autoria delitiva:

 

Pois bem, de todo o analisado, tenho que a autoria de DANILO PEREIRA DA SILVA na hipótese vertente é inconteste, sobretudo em razão das fotos que mostram o acusado atuado em um estúdio de rádio, extraídas de seu próprio facebook, em 17.05.2019, com menções feitas por ele mesmo à rádio êxodo (radiofrequência em 88,5 e 89,7 MHz) (ID 135682351).

Tal constatação também é corroborada pela declaração escrita e assinada pelo acusado, com firma reconhecida em cartório, por meio da qual ele assume ser o verdadeiro proprietário das radiofrequências 88,5 e 89,7 MHz, e declara que o corréu HIAGO seria apenas o programador da rádio (ID 37527716 – pág. 28).

Tal declaração guarda consonância, também, com os depoimentos colhidos pela Autoridade Policial, nos quais HIAGO e DANILO afirmam, em linhas gerais, que este último era o proprietário dos equipamentos de radiodifusão apreendidos, enquanto o primeiro apenas alugava horários da rádio para a divulgação de cultos da “Igreja Profética Missões de Avivamento” onde era pastor-presidente (ID 37527717 – pág. 22 e ID 41903697 – pág. 03)).

No mesmo sentido foram as declarações prestadas em Juízo pelos fiscais da ANVISA, Joaquim de Assis Miranda e Marcos Antônio Rodrigues, em que afirmaram que HIAGO lhes teria dito, ao final da autuação, que ele não era o dono dos equipamentos, mas apenas o programador das rádios. Disseram, contudo, que HIAGO foi arrolado no auto de infração como responsável, porque ele não soube declinar os dados pessoais do real proprietário naquele dia.

Por certo, DANILO alegou em Juízo ter sido coagido por HIAGO a assumir a culpa pelos fatos ocorridos. Não obstante tais alegações, registro que nenhuma prova do aventado foi juntada aos autos pela Defesa, a teor do art. 156 do Código de Processo Penal.

Em outras palavras, as meras alegações do acusado de que teria sido coagido a mentir perante a Autoridade Policial e a assinar documento apresentado por HIAGO no processo administrativo da ANATEL, se mostram insuficientes para afastar as conclusões alcançadas pela apreciação da prova pré-produzida pela acusação (juntada de declaração escrita e assinada com firma reconhecida por DANILO em que confessa a prática delitiva).

Portanto, de rigor a conclusão na senda de que ambos concorreram para a prática do ilícito, DANILO por ser efetivo proprietário dos equipamentos de radiodifusão e HIAGO por ser o programador das rádios. Há que se considerar, inclusive, que HIAGO confessou ter cometido o delito ao se declarar programador das rádios perante a Autoridade Policial, não havendo qualquer motivo aparente para ter supostamente coagido DANILO a assumir, juntamente com ele, a culpa pelos fatos ocorridos.

A solidificar essa inferência, chamo atenção para o testemunho de Kauê Ricardo Corrêa, que declarou em Juízo ter sido apresentado à rádio por DANILO, bem como de que frequentava a rádio em sua companhia.

No mesmo sentido, Luiz Matheus Guimarães afirmou que conheceu DANILO através de lives realizadas pelo facebook e instagram, bem como que se recorda de HIAGO ter participado de alguma dessas lives em redes sociais, tudo estando a apontar para o fato de que ambos exerciam a atividade de radiodifusão em parceria.

Observo, ainda, que milita em desfavor do acusado o fato de ter declarado em interrogatório que, “devido aos acontecimentos” e alguns desentendimentos posteriores entre o declarante e HIAGO, este teria baixado os áudios de algumas de suas lives e retransmitido através de sua rádio, com o intuito aparente de vincular DANILO às atividades de radiodifusão.

Não obstante tais declarações, conforme certificado no auto de infração da ANATEL e relatado em Juízo pelos fiscais, as rádios foram desativadas no dia 20.09.2019, sendo que, conforme relatado pelo próprio denunciado DANILO, em um primeiro momento, ele teria concordado em assumir a culpa pelos fatos, vindo a se desentender posteriormente com HIAGO, após o seu depoimento perante a Autoridade Policial, momento em que a rádio já não mais existia.

Conclui-se, por conseguinte, ser impossível que HIAGO tivesse realmente retransmitido os áudios dessas lives com o desiderato de atribuir culpa a DANILO através da rádio êxodo, a não ser que o tivesse feito por outra rádio clandestina, o que não foi constatado pela ANVISA e tampouco provado nestes autos pela Defesa.

Do exposto, ao meu sentir, a autoria e a materialidade delitiva restaram bem comprovadas nos autos, uma vez que lastreadas em prova oral e material produzida tanto no decorrer do inquérito policial como em contraditório judicial, se mostrando de rigor, portanto, o acolhimento integral da denúncia. (Id n. 261814163, p. 5/8)

 

Em sede recursal, a defesa alega, em síntese, a insuficiência de provas. Afirma que não há nos autos provas concretas de que o réu é o autor do delito, e que ficou claramente demonstrado que o réu não cometeu o ilícito, tendo sido inserido na cena do crime. Sustenta que o réu não teve vínculo com a radiodifusão e, por ingenuidade, foi coagido a assinar documento assumindo a propriedade da rádio. Alega que a testemunha Kauê não foi clara no seu depoimento, demonstrando que não tinha conhecimento do local, e confundiu a rádio que o réu transmitia via redes sociais com a radiodifusão tradicional. Por fim, aduz que na sentença houve confusão entre a rádio transmitida pelas redes sociais com a rádio tradicional, pois em depoimento Luiz Matheus afirmou conhecer o réu Danilo por intermédio das redes sociais.

Assiste razão à defesa ao aduzir a insuficiência de provas a respeito da autoria do crime do art. 183 da Lei n. 9.472/98.

Conforme relatado pelos funcionários da Anatel em sede administrativa e por eles confirmado em Juízo, Hiago inicialmente se apresentou como responsável pelos transmissores de rádio, e no momento da fiscalização e apreensão dos equipamentos não chegou a atribuir a propriedade dos equipamentos a Danilo. Apenas posteriormente, em defesa administrativa, Hiago imputou a responsabilidade a Danilo e apresentou a confissão assinada pelo acusado.

Ocorre que, em Juízo, assistido por sua defesa técnica, Danilo não confirmou a confissão extrajudicial. O réu negou a propriedade dos equipamentos apreendidos e alegou que teria sido forçado a assumir a responsabilidade pela rádio clandestina.

Ainda que careçam os autos de elementos de prova que permitam concluir sobre a alegada coação moral, as circunstâncias do caso concreto põem em dúvida a confissão extrajudicial de Danilo, sendo pouco crível que fosse proprietário dos equipamentos de transmissão de rádio e ainda assim morasse na igreja por não ter condições financeiras de residir em outro lugar.

 Registre-se que não há nos autos informações precisas sobre o proprietário ou locatário do imóvel onde foram apreendidos os equipamentos de rádio, nem sobre quem seria responsável pelo pagamento das contas de luz do imóvel, por exemplo.

Além disso, as testemunhas de defesa não esclareceram se o acusado Danilo Pereira da Silva tinha ciência a respeito do funcionamento da rádio clandestina, pois prestaram informações confusas sobre o suposto escritório onde funcionaria a rádio, não sendo possível concluir, a partir do quanto declarado pelas testemunhas de defesa, se elas efetivamente sabiam do funcionamento de uma emissora de rádio clandestina ou se apenas tinham conhecimento das lives de Danilo. Também não foi comprovado que o local de gravação das lives coincidia com o local onde foram apreendidos os transmissores.

Quanto às fotografias que supostamente demonstrariam Danilo atuando na Rádio Êxodo (Id n. 261814025), não obstante sua valoração pelo MM. Juízo sentenciante, entendo que não guardam relação direta com o crime de desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, pois as imagens referem-se a capturas de tela que indicam que Danilo realizara, por meio de rede social da internet, transmissões ao vivo de programação da Rádio Êxodo, sem que haja nos autos comprovação de que tais lives estavam vinculadas à programação da emissora de rádio ou que Danilo fosse responsável pela transmissão por radiofrequência. As lives em rede social certamente não se confundem com radiodifusão clandestina.

Malgrado a comprovação nos autos de que Danilo tinha conhecimento a respeito da denominada Rádio Êxodo, tanto que declarou ter conhecido Hiago por ter sido ouvinte da rádio, não há elementos que permitam concluir acerca de sua participação nas atividades de radiodifusão clandestina ou mesmo de sua ciência quanto à ilegalidade da transmissão.

Há nos autos, portanto, quadro de incerteza probatória que enseja a absolvição de Danilo Pereira da Silva, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação de Danilo Pereira da Silva, para absolvê-lo com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

É o voto.

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. RADIODIFUSÃO. FALTA DE AUTORIZAÇÃO, PERMISSÃO OU CONCESSÃO. TIPICIDADE. MATERIALIDADE. AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO.

1. Os serviços de telecomunicações caracterizam-se pela comunicação à distância, compreendendo os serviços de radiodifusão, que se resolve na comunicação à distância por intermédio de ondas eletromagnéticas. O exercício de serviços de radiodifusão configura tipo penal, seja o art. 70 da Lei n. 4.117, de 27.08.62, seja o art. 183 da Lei n. 9.472, de 16.07.97, a qual revogou a legislação anterior por força do seu art. 215, I.

2. A Emenda Constitucional n. 8, de 15.08.95, deu nova redação ao art. 21 da Constituição da República, de modo que os serviços de telecomunicações encontram-se regulados no seu inciso XI, ao passo que os serviços de radiodifusão no seu inciso XII, a. A alteração da norma constitucional, porém, tende a possibilitar a exploração daqueles serviços por particulares, sem, contudo, alterar a natureza mesma desses serviços, de maneira que os serviços de radiodifusão, na esteira da hermenêutica anterior, continuam compreendidos pelos serviços de telecomunicações.

3. A necessidade de autorização, permissão ou concessão para os serviços de radiodifusão é imposta pela própria Constituição da República (CR, art. 21, XII, a), inclusive para as rádios comunitárias (CR, art. 223). A Lei n. 9.612, de 19.02.98, art. 6º, igualmente exige autorização estatal para a exploração dos serviços de radiodifusão comunitária. Os requisitos legais não são abusivos, razão pela qual a norma não conflita com o Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto n. 678, de 06.11.92, em especial seu art. 13, n. 1 a 3.

4. A Constituição da República garante a liberdade de expressão (CR, art. 5º, IX) e de manifestação do pensamento (CR, art. 220), assegurando também o exercício de direitos culturais. Mas não é incompatível com tais garantias a exigibilidade de autorização estatal para os serviços de radiodifusão, pois esta é estabelecida pela própria Constituição da República, em cujos termos devem ser desfrutadas as faculdades por ela asseguradas.

5. É típica a conduta de exercer atividade de radiodifusão sem autorização e, ante o caráter habitual da conduta, tem-se a configuração do delito do art. 183 da Lei n. 9.472/97.

6. Malgrado a comprovação nos autos de que o réu tinha conhecimento a respeito da denominada Rádio Êxodo, tanto que declarou ter conhecido o codenunciado por ter sido ouvinte da rádio, não há elementos que permitam concluir acerca de sua participação nas atividades de radiodifusão clandestina ou mesmo de sua ciência quanto à ilegalidade da transmissão.

7. Há nos autos, portanto, quadro de incerteza probatória que enseja a absolvição do apelante, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.

8. Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação de Danilo Pereira da Silva, para absolvê-lo com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.