APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001670-92.2012.4.03.6124
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: DECIO RIBEIRO DE ASSUNCAO JUNIOR
Advogado do(a) APELADO: ARNALDO LUIS CARNEIRO ANDREU - SP124118
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001670-92.2012.4.03.6124 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: DECIO RIBEIRO DE ASSUNCAO JUNIOR Advogado do(a) APELADO: ARNALDO LUIS CARNEIRO ANDREU - SP124118 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Jales/SP, que absolveu Décio Ribeiro de Assunção Junior, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, do cometimento dos crimes descritos nos artigos 316, 171, §3º e 299, parágrafo único, todos do Código Penal e dos artigos 15, parágrafo único, inciso I c.c. o artigo 10 e 16, todos da Lei nº 9.263/96 (fls.487/490). Em suas razões recursais, o Ministério Público Federal postula a condenação do denunciado alegando, em síntese, que há prova suficiente da prática dos crimes de concussão e de estelionato majorado (fls.494/498). Contrarrazões defensiva no sentido de ser negado provimento ao recurso (fls.502/507). Parecer da Procuradoria Regional da República no sentido de ser desprovido o recurso ministerial (fls.514/516). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001670-92.2012.4.03.6124 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: DECIO RIBEIRO DE ASSUNCAO JUNIOR Advogado do(a) APELADO: ARNALDO LUIS CARNEIRO ANDREU - SP124118 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Dos fatos. Décio Ribeiro de Assunção Junior foi denunciado pela prática dos crimes descritos nos artigos 316, 171, §3º e 299, parágrafo único, todos do Código Penal e dos artigos 15, parágrafo único, inciso I c.c. o artigo 10 e 16, todos da Lei nº 9.263/96. Narra a denúncia (fls.31/35) o quanto segue: “O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, após o relato que médicos estariam efetuando cobranças indevidas para a realização de procedimentos custeados pelo Sistema único de Saúde- SUS, instaurou o Procedimento Administrativo nº 1.34.030.000138/2009-64, que por sua vez culminou na requisição de instauração do Inquérito Policial 20-0190/09 (Autos MPF nº 3427.2009.000177-2). O caderno investigatório em questão apurou que diversos médicos da região exigiam pagamento de seus pacientes para a realização de determinados procedimentos e, posteriormente, cobravam o Sistema Único de Saúde – SUS pela realização dos referidos procedimentos, utilizando-se de guia ideologicamente falsas. Tais fatos só eram possíveis de ser realizados pois os médicos em questão eram credenciados junto ao Sistema Único de Saúde – SUS e, nesta qualidade, coagiam os pacientes a efetuar pagamentos pela realização de procedimentos médico-hospitalares cobertos pelo referido sistema. E, mais uma vez, fazendo uso da sua condição de médicos credenciados junto a tal sistema, efetuavam nova cobrança, agora em face deste, acerca dos procedimentos realizados. (...) Consta dos autos que, o denunciado DÉCIO RIBEIRO DE ASSUNÇÃO JÚNIOR, exigiu para si, em razão de sua função pública, o pagamento de valores para a realização de parto cesariano e de laqueadura na gestante, realizados pelo Sistema Único de Saúde- SUS. Conforme foi apurado nas investigações, o denunciado, em 26 de novembro de 2008, exigiu a quantia de R$ 800,00 (oitocentos reais) de SUELI PEREIRA DOS SANTOS DINI para realizar seu parto cesariano, bem como um procedimento de laqueadura, concomitantemente com o parto, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS na Santa Casa de Misericórdia de Jales/SP (fls.08/09)”. O Juízo “a quo” declinou da competência ao Juízo Estadual de uma das Varas Criminais da Comarca de Jales/SP (fls.41/44). Dessa decisão o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito (nº 0000087-38.2013.4.03.6124), que restou provido por esta Corte Regional para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito (fls.121/125). O Juízo da 2ª Vara da Comarca de Jales/SP suscitou conflito negativo de competência, com fulcro no artigo 195, alínea “d”, da Constituição Federal remetendo os autos ao Superior Tribunal de Justiça (fls.61/62), conflito que foi julgado prejudicado (fls.146/147). A denúncia foi recebida em 02 de julho de 2015 (fl.151). Após a regular instrução processual, sobreveio a r. sentença recorrida, que absolveu o acusado, com espeque no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, “in verbis”: “A conduta descrita é típica, constitui-se em crime, e a denúncia não é inepta, pois narra com suficiência a suposta prática criminosa. Todavia, a conduta típica NÃO foi comprovada em Juízo pela acusação. Do relatado na denúncia o que se tem são apenas as declarações da vítima, ouvida em Juízo, que afirmou que pagou para que o parto cesariano e a laqueadura fossem realizados. As testemunhas arroladas pela defesa do réu em nada contribuíram para esclarecimentos dos fatos, por desconhecerem os fatos imputados ao acusado. Não há prova suficiente para embasar um pedido de condenação” (fls.487/490). A sentença recorrida não comporta modificação. Sueli Pereira dos Santos Dini, ouvida na peça indiciária, disse que pagou a quantia de R$ 800,00 (oitocentos reais) para o médico Décio Ribeiro de Assunção Júnior em virtude de procedimento de laqueadura que foi realizado concomitantemente à cesariana, bem como que o valor foi pago diretamente ao referido médico, que não lhe forneceu recibo (fl.10). O denunciado Décio Ribeiro de Assunção Júnior, na fase extrajudicial, disse ser médico desde 1997 tendo findado a sua residência em 2001. Afirmou que desde 2001 atende como clínico geral e obstetra. Atende em seu consultório particulares e sem convênio. Nunca trabalhou pelo SUS em Jales/SP. É plantonista da Santa casa, local onde atende por convênio e pelo SUS e particulares. Não atende no Núcleo Central de Saúde em Jales/SP. Esclarece que a Santa Casa de Jales não é credenciada para a realização da cirurgia de laqueadura de trompas, motivo pelo qual as pacientes devem ser encaminhadas ao Hospital de Base de São José do Rio Preto/SP e, por esse motivo, nunca realizou o procedimento pelo SUS, mas já realizou o procedimento particular ou por convênio na Santa Casa de Jales/SP, cobrando, aproximadamente, de R$ 200,00 a R$ 300,00. Narrou que em algumas situações o procedimento é realizado durante a cesárea, não cobrando valor adicional em tais situações. Alegou não se recordar de Sueli Pereira dos Santos Dini e não ter nenhum comentário acerca das declarações de Sueli sobre a exigência do pagamento da quantia de R$ 800,00 (oitocentos reais) para a realização de cesariana e de procedimento de laqueadura (fls.13/15). Ouvida em Juízo, Sueli Pereira dos Santos Dini afirmou que no ano de 2008, em seu segundo parto, nasceu uma menina. Afirmou que o Doutor Décio fez o pré-natal. Asseverou que não houve qualquer influência do médico acerca do tipo de parto. Disse que perguntou o valor do procedimento (cesárea) e o médico respondeu que depois verificaria. No final do pré-natal o médico mencionou que o valor do parto cesárea seria de R$800,00 (oitocentos reais). Efetuou o pagamento do valor diretamente ao médico, pela realização de cesariana e procedimento de laqueadura na Santa Casa de Misericórdia de Jales/SP. Achou “normal” o pagamento da cesárea realizada no SUS, sendo que outras amigas também pagavam. Tal fato não lhe causou estranheza. Solicitou ao médico que fizesse a laqueadura quando do parto. Considerou “bom” o tratamento dado pelo médico. O valor de R$ 800,00 era relativo ao parto e à laqueadura e foi estipulado de comum acordo (ID’s163361762 e 163361763). A testemunha de defesa Joaquim Severino de Almeida, médico, disse que trabalhou com o denunciado. Afirmou que nunca presenciou o acusado realizar a laqueadura após a cesárea. Quando o procedimento de laqueadura é solicitado pela paciente e desde que preenchidos os requisitos não há óbice para a sua realização, mas a nível de consultório particular e não de SUS. Alegou que não tem conhecimento dos fatos narrados na denúncia (ID 163361764). A testemunha de defesa Carlos Gustavo Rodrigues Campo, ouvida como informante, discorreu sobre o procedimento cirúrgico. Disse que na Santa Casa de Jales/SP as pessoas podem ser atendidas via particular ou via SUS. Se a pessoa começa o tratamento via UPA o parto será realizado via SUS (ID’s 163361765 e 163361766). A testemunha de defesa Paula Andréia Ruiz Meirelles da Silva disse ser secretária do acusado. Afirmou que trabalha com o denunciado há 12 anos. Alegou que no consultório não se atende pacientes do SUS. Faz as cobranças dos pacientes. O Dr. Décio não recebe diretamente os pagamentos. Após o pagamento realizado é emitida a nota fiscal. Disse não conhecer Sueli (ID 163361767). Em seu interrogatório judicial, o acusado alegou que não se recorda a época em que foi realizado o parto, uma vez que faz um número significativo de partos. Afirmou que, realizou o pré-natal e a cesariana de Sueli Pereira dos Santos Dini, de acordo com os registros existentes no seu prontuário. Disse não se recordar especificamente da paciente, bem como que nela não realizou o procedimento de laqueadura e tampouco dela exigiu o recebeu qualquer valor para a realização da cesariana. Esclareceu que pelos procedimentos no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS não poderia receber pagamentos de pacientes (ID 163361768 e 163361770). Do crime de concussão. Dispõe o artigo 316, “caput”, do Código Penal, que, “in verbis”: “Art.316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena- reclusão de dois a oito anos, e multa”. O crime de concussão é formal, de maneira que a consumação ocorre com a exigência indevida em razão da função pública exercida (“metus publicae potestatis”). No caso, não há comprovação de que o denunciado tenha exigido o pagamento do valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) para realizar o procedimento cirúrgico. Ao revés, as declarações de Sueli são no sentido de que a quantia foi acordada entre ela e o médico. Os dados probatórios não são suficientes para demonstrar que o acusado exigiu vantagem indevida em razão da função pública exercida, mediante intimidação derivada do cargo público que ocupava. Do crime de estelionato qualificado descrito no artigo 171, §3º, do Código Penal. Relativamente ao crime de estelionato, os elementos de cognição não atestam que o denunciado foi remunerado, no âmbito do Sistema único de Saúde – SUS pelo procedimento cirúrgico realizado. A tabela reproduzida à fl.09, indicativa de que a cesariana de Sueli Pereira dos Santos Dini teria sido realizada pelo réu, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS , é de origem desconhecida e, desacompanhada de outros elementos que pudessem corroborá-la ( guia relativa ao procedimento cirúrgico, p.ex.) carece de validade para demonstrar a autoria delitiva. O que restou claro é que as circunstâncias do caso não são de molde a afirmar categoricamente a inocência dos acusados, embora, certamente, não se possa de igual modo, permitir afirmar a sua culpabilidade, prevalecendo em direito penal a máxima do in dubio pro reo. Sendo prova entendida como sinônimo de certeza, neste caso em discussão, vejo que as provas coligidas são insuficientes para constituir a certeza, sabendo-se que a condição essencial de toda condenação é a demonstração completa dos fatos arguidos. Por estes argumentos, de rigor a absolvição do acusado, uma vez que não há provas cabais de que praticou os delitos narrados na inicial acusatória. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGOS 316, 171, §3º E 299, TODOS DO CÓDIGO PENAL E ARTIGOS 15, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO I C.C. ARTIGOS 10 E 16, TODOS DA LEI 9.263/96. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ARTIGO 386, INCISO VII, DO CPP. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. AUTORIA NÃO COMPROVADA. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.
1. Denúncia que imputa ao acusado o cometimento dos crimes descritos nos artigos 316, 171, §3º e 299, parágrafo único, todos do Código Penal e dos artigos 15, parágrafo único, inciso I c.c. o artigo 10 e 16, todos da Lei nº 9.263/96.
2. Sentença recorrida que absolveu o réu com fulcro no artigo 386, inciso VII, do CPP.
3. Materialidade demonstrada.
4. Autoria não comprovada.
5. Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento.