APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008517-43.2007.4.03.6106
RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS
APELANTE: MUNICIPIO DE GUARACI, FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S.A.
Advogados do(a) APELANTE: DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE - SP191664-A, MARCUS VINICIUS CAPOBIANCO DOS SANTOS - SP256630-A
Advogados do(a) APELANTE: SERGIO FERRAZ NETO - SP325939-A, WASHINGTON ROCHA DE CARVALHO - SP136272-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: JAIR ARADO, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: EDEVANIR ANTONIO PREVIDELLI - SP129734-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008517-43.2007.4.03.6106 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: MUNICIPIO DE GUARACI, FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S.A. Advogados do(a) APELANTE: SERGIO FERRAZ NETO - SP325939-A, WASHINGTON ROCHA DE CARVALHO - SP136272-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: INTERESSADO: JAIR ARADO, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS ADVOGADO do(a) INTERESSADO: EDEVANIR ANTONIO PREVIDELLI - SP129734-A R E L A T Ó R I O Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Jair Arado, Município de Guaraci, Furnas – Centrais Elétricas S/A e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, requerendo, em síntese, a recuperação total da área de preservação permanente degradada (reflorestamento), o pagamento de indenização, correspondente aos danos ambientais irrecuperáveis, e a rescisão do contrato de concessão entre a concessionária de energia e o infrator, por quebra de cláusula contratual. O pedido de tutela antecipada foi deferido parcialmente para determinar ao réu Jair Arado ou a quem estiver na posse daquele local, que se abstenha de construir ou prosseguir na construção que houver iniciado, permitindo-lhe apenas o uso do imóvel que não agrave ou aumente as modificações ambientais até agora introduzidas, inclusive quanto a animais e plantas, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais). Ao IBAMA determinou-se a fiscalização periódica do local para acompanhar o cumprimento da medida até a prolação da sentença, informando o Juízo (ID 124733484 - Pág. 55-58). Dessa decisão e daquela que indeferiu seu pedido de inclusão no polo ativo da demanda, o IBAMA interpôs agravo de instrumento, cujo recurso foi julgado desprovido (ID 124733488 - Pág. 8-15). O MPF interpôs agravo retido da decisão que indeferiu o seu pedido de produção de prova pericial (ID 124733485 - Pág. 100), bem como interpôs agravo de instrumento da decisão que determinou a suspensão da marcha processual, com fundamento no artigo 59 da Lei 12.651/12, que teria permitido, para casos como o dos autos, a regularização da ocupação em área de preservação permanente – APP, tendo o recurso sido julgado prejudicado diante do prosseguimento do andamento do processo (ID 124733487 - Pág. 21-22). O MM. Juiz a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos e condenou o réu Jair Arado à obrigação de fazer, consistente na completa recuperação da área de preservação permanente descrita nos autos (ID 124733486 - Pág. 67-69), mediante a demolição das edificações existentes, bem como de qualquer área impermeabilizada, retirando, também, entulhos e espécies da flora que não sejam nativas, adotando técnicas de plantio e de manutenção da área aprovadas pelo IBAMA, bem como produtos não lesivos ao meio ambiente, tudo isso mediante supervisão da autarquia federal, a quem deverá submeter projeto específico para tal finalidade, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, com igual prazo para decisão e início dos trabalhos, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais); condenou o IBAMA a promover a análise – no prazo de 30 dias após a sua apresentação, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), bem como a fiscalização e o acompanhamento técnico ambiental do projeto e de sua execução, até a completa recuperação da área de preservação permanente já mencionada; condenou a ré FURNAS a demarcar fisicamente as áreas abrangidas pela desapropriação e pela APP em todo o loteamento a fim de viabilizar a fiscalização das medidas colimadas nesta decisão, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais); d) condenar, solidariamente, FURNAS e o Município de Guaraci, mediante auxílio ao autor, no que for aplicável e por ele, administrativamente, requerido, ao cumprimento do item "a" deste dispositivo, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 após comprovada recalcitrância. Diante do princípio da causalidade, descartou-se a condenação dos réus em honorários advocatícios (ID 124733487 - Pág. 23-52). A ré Furnas Centrais Elétricas S/A apelou, sustentando, em síntese, que: a) a sentença é ultra petita ao exceder os pedidos formulados pelo autor, criando a obrigação de FURNAS realizar a recuperação de área fora das áreas abrangidas pela desapropriação (faixa de segurança do reservatório); b) o artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 procurou, a partir de uma ponderação de princípios constitucionais, preservar o núcleo dos princípios em conflito, e não a supremacia de um deles sobre os outros, de modo que não há que se falar em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal; c) a apelante é parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, pois não possui nenhum contrato de cessão de uso de direito ou qualquer relação jurídica com a propriedade em questão, e que, além disso, foi condenada a fiscalizar e recompor a vegetação em áreas de preservação permanente inseridas em propriedades de terceiros, fora, portanto, da área de segurança do reservatório e onde não possui qualquer ingerência; d) dada a invasão da propriedade concedida a Furnas para a instalação da Usina de Marimbondo, a responsabilidade pelo dano ambiental em toda a área invadida é única e exclusivamente de quem deu a ela causa, no caso, o invasor, por meio de sua ocupação irregular em APP, logo, a apelante não pode ser obrigada a demolir as edificações e proceder ao reflorestamento da área. O Município de Guaraci também apelou, alegando, em suma, que: a) a sentença deve ser anulada em razão de cerceamento de defesa, pois, embora as partes tenham requerido a produção de prova pericial, o que é indispensável ao deslinde da causa, o juízo a quo indeferiu o pedido; b) ao optar pela aplicação da Lei n. 12.651/2012, afronta-se o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, o que não pode ser admitido, sendo de rigor, portanto, a aplicação da Resolução do CONAMA n. 302/2002 e da Lei Estadual n. 18.023/2009, que estabelecem como sendo de 30 (trinta) metros a área de APP para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas; c) a edificação em questão está localizada em área urbana, sendo que a medida a ser observada a título de APP é de 30 (trinta) metros da cota máxima de operação, tal qual determinado no art. 31, inciso I da Resolução n. 302/2002 do CONAMA, de modo que a casa edificada não está inserida em Área de Preservação Permanente; d) o magistrado, apesar de dispor de realização de perícia judicial para analisar o caso de modo concreto, optou por acolher documentação elaborada precipitadamente por Furnas, fato este que denota a total violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois, no croqui juntado aos autos, as edificações que invadem a APP consistem apenas em uma escada e um píer, os quais não afetam, de modo significativo, o meio ambiente, podendo ser retirados, inclusive, sem maiores conflitos; e) o local edificado, além de encontrar-se preservado, com intervenções diminutas, foi adquirido de boa-fé pelo apelado Jair, sendo que a localidade passou a ser considerada área urbana, de tal modo que a decisão ora impugnada fere o bom senso acerca da questão. Vieram os autos a este Tribunal. A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Sandra Akemi Shimada Kishi, opinou pelo provimento da remessa necessária e pelo desprovimento das apelações dos réus (ID 130372215). Os autos foram restituídos à origem para julgamento dos embargos de declaração opostos pelo IBAMA (ID 135686994), os quais foram rejeitados (ID 201612194). O IBAMA peticionou, informando que nenhuma mora pode ser atribuída à autarquia, tendo em vista que, consoante Despacho nº 8251691/2020-UT-SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP/SUPES-SP, o IBAMA, até o momento, não havia recebido o Plano de Recuperação de Área Degradada mencionado na sentença (ID 201612197). Com contrarrazões, retornaram os autos a este Tribunal. É o relatório.
Advogados do(a) APELANTE: MARCUS VINICIUS CAPOBIANCO DOS SANTOS - SP256630-A, DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE - SP191664-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008517-43.2007.4.03.6106 RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS APELANTE: MUNICIPIO DE GUARACI, FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S.A. Advogados do(a) APELANTE: SERGIO FERRAZ NETO - SP325939-A, WASHINGTON ROCHA DE CARVALHO - SP136272-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: INTERESSADO: JAIR ARADO, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS ADVOGADO do(a) INTERESSADO: EDEVANIR ANTONIO PREVIDELLI - SP129734-A V O T O O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Jair Arado, Município de Guaraci, Furnas – Centrais Elétricas S/A e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, requerendo, em síntese, a recuperação total da área de preservação permanente degradada (reflorestamento), o pagamento de indenização, correspondente aos danos ambientais irrecuperáveis, e a rescisão do contrato de concessão entre a concessionária de energia e o infrator, por quebra de cláusula contratual. De início, cabe destacar que a hipótese dos autos trata de construção às margens de reservatório artificial de usina hidrelétrica, não estando abrangida, portanto, pela determinação de sobrestamento do Tema 1.010 do Superior Tribunal de Justiça (extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada). A propósito, submete-se ao duplo grau de jurisdição obrigatório a sentença que reconhecer a carência da ação ou julgar improcedente, no todo ou em parte, o pedido deduzido em sede de ação civil pública, por força da aplicação analógica da regra contida no artigo 19 da Lei n. 4.717/65. Realizo, pois, de ofício, o reexame necessário, nos termos do artigo 496 do Código de Processo Civil. Cumpre asseverar que, ausente o requerimento expresso do Ministério Público Federal, conforme disposto no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, não conheço do agravo retido por ele interposto. Preliminarmente, rejeito a alegação de ilegitimidade passiva arguida por Furnas Centrais Elétricas S/A, porquanto incumbe à concessionária a fiscalização e a recuperação dos danos ambientais ocorridos no entorno dos reservatórios, nos termos do art. 23 da Lei nº 8.171/91. Ademais, não terá que invadir terreno particular para fiscalizar e recompor a vegetação, como aduz, e sim terreno pertencente à União, local cuja preservação ambiental também é de sua responsabilidade. Com efeito, as concessionárias de energia elétrica são responsáveis não somente pelas alterações ambientais por elas causadas, mas também pelos danos causados por terceiros nas áreas de abrangência de suas respectivas bacias hidrográficas, sendo assim, deve permanecer no polo passivo da lide. Constata-se, também, que as obrigações impostas à ré Furnas decorrem logicamente dos pedidos formulados pelo Ministério Público Federal na exordial e enquadram-se nos exatos limites da pretensão, razão pela qual, a meu ver, inexiste julgamento ultra petita. No que diz respeito à alegação de cerceamento de defesa, é de rigor consignar que existem elementos nos autos aptos a comprovar a real situação do imóvel, a distância em que está da margem do reservatório, assim como a metragem da área edificada, sendo desnecessária, portanto, a realização de exame pericial. De fato, quando há relatórios e laudos específicos expedidos por órgãos governamentais com competência legal para dizer sobre questões ambientais, eles se mostram suficientes para demonstrar e comprovar a existência ou não do dano ambiental. Passo à análise do mérito. O réu Jair Arado foi autuado, em 26.12.2000, por impedir a regeneração do meio ambiente em área de preservação permanente, devido à construção de rancho de alvenaria às margens do reservatório de Marimbondo, no Município de Guaraci. De acordo com o boletim de ocorrência lavrado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, a edificação está localizada na zona rural do Município de Guaraci e dista 23 metros do nível máximo de elevação do reservatório. Assim, a questão primordial é constatar se o imóvel está localizado ou não em área de preservação permanente. Em sua primeira redação, o Código Florestal de 1965 já previa como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, contudo, deixou de precisar a faixa de APP a ser observada. O CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente), por sua vez, editou a Resolução n. 04/1985, especificando como reserva ecológica as formações florísticas e as áreas de florestas de preservação permanente, inclusive a vegetação natural ao redor de reservatórios d'água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal com largura mínima de 100 metros para as represas hidrelétricas. Veja-se: "Art. 1º - São consideradas Reservas Ecológicas as formações florísticas e as áreas de florestas de preservação permanente mencionadas no Artigo 18 da Lei nº 6.938/81, bem como as que estabelecidas pelo Poder Público de acordo com o que preceitua o Artigo 1º do Decreto nº 89.336/84. (...) Art. 3º - São Reservas Ecológicas: a) - os pousos das aves de arribação protegidos por Convênio, Acordos ou trajados assinados pelo Brasil com outras nações; b) - as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: I - ao longo dos rios ou de outro qualquer corpo d'água, em faixa marginal além do leito maior sazonal medida horizontalmente, cuja largura mínima será: II - de 5 (cinco) metros para rios com menos de 10 (dez) metros de largura; - igual á metade da largura dos corpos d'água que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos) metros; - de 100 (cem) metros para todos os cursos d'água cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros; II - ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal cuja largura mínima será: - de 30 (trinta) metros para os que estejam situados em áreas urbanas; - de 100 (cem) metros para os que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinqüenta) metros; - de 100 (cem) metros para as represas hidrelétricas". (grifei) O próprio Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que o CONAMA possui "autorização legal para editar resoluções que visem à proteção das reservas ecológicas, entendidas como as áreas de preservação permanentes existentes às margens dos lagos formados por hidrelétricas" (REsp 194.617/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2002, DJ 01/07/2002, p. 278). O CONAMA, posteriormente, publicou a Resolução n. 302/2002, que substituiu a Resolução n. 04/1985, e manteve a proteção no entorno dos reservatórios artificiais como sendo áreas de preservação permanente. Vejam-se, a respeito desta questão, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: "AMBIENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LAGOA ARTIFICIAL. USINA HIDROELÉTRICA DE MIRANDA. OBRA NECESSÁRIA AO USO DA ÁGUA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DETERMINAÇÃO PARA REMOÇÃO DE EDIFICAÇÕES ERGUIDAS NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMAMENTE. POSSIBILIDADE. 1. A questão do proprietário ribeirinho ter direito à realização de obras para uso da água, contida no art. 80 do Código de Águas, conquanto tenha sido objeto dos embargos de declaração opostos ao acórdão, não foi enfrentada pela Corte de origem. Ausente alegação de maltrato ao art. 535 do Estatuto Processual, incide na espécie a súmula 211/STJ. 2. A Corte Estadual, ao decidir pela remoção das edificações levantadas na área de preservação permanente ao redor do reservatório de água artificial da Represa de Miranda (Usina Hidrelétrica de Miranda), não discrepa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que entende que "A área de 100 metros em torno dos lagos formados por hidrelétricas, por força de lei, é considerada de preservação permanente" (REsp 194.617/PR), bem como que "possui o Conama autorização legal para editar resoluções que visem à proteção do meio ambiente e dos recurso naturais, inclusive mediante a fixação de parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente" (REsp 994.881/SC). 3. Agravo regimental não provido". ..EMEN:(AGRESP 201000351159, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:15/05/2013 ..DTPB:.) (grifei) "RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE REGISTRO DE LOTEAMENTO ÀS MARGENS DE HIDRELÉTRICA. AUTORIZAÇÃO DA MUNICIPALIDADE. IMPUGNAÇÃO OFERECIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESOLUÇÃO N. 4/85-CONAMA. INTERESSE NACIONAL. SUPERIORIDADE DAS NORMAS FEDERAIS. No que tange à proteção ao meio ambiente, não se pode dizer que há predominância do interesse do Município. Pelo contrário, é escusado afirmar que o interesse à proteção ao meio ambiente é de todos e de cada um dos habitantes do país e, certamente, de todo o mundo. Possui o CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à proteção das reservas ecológicas, entendidas como as áreas de preservação permanentes existentes às margens dos lagos formados por hidrelétricas. Consistem elas normas de caráter geral, às quais devem estar vinculadas as normas estaduais e municipais, nos termos do artigo 24, inciso VI e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal e do artigo 6º, incisos IV e V, e § § 1º e 2º, da Lei n. 6.938/81. Uma vez concedida a autorização em desobediência às determinações legais, tal ato é passível de anulação pelo Judiciário e pela própria Administração Pública, porque dele não se originam direitos. A área de 100 metros em torno dos lagos formados por hidrelétricas, por força de lei, é considerada de preservação permanente e, como tal, caso não esteja coberta por floresta natural ou qualquer outra forma de vegetação natural, deve ser reflorestada, nos termos do artigo 18, caput, do Código Florestal. Qualquer discussão a respeito do eventual prejuízo sofrido pelos proprietários deve ser travada em ação própria, e jamais para garantir o registro, sob pena de irreversível dano ambiental. Segundo as disposições da Lei 6.766/79, "não será permitido o parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica (...)" (art. 3º, inciso V). Recurso especial provido". (REsp 194.617/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2002, DJ 01/07/2002, p. 278) (grifei) De fato, a área situada ao redor de reservatórios artificiais já era considerada como reserva ecológica por força da Lei 4.771/65 (Código Florestal) e da Resolução CONAMA n. 04/1985. Essa proteção foi incrementada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 225 estabelece a incumbência do Poder Público de definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais especialmente protegidos. E mais, o fato de a área ser urbana ou rural independe para a apuração da APP, uma vez que, se tratando de lago formado por represa hidrelétrica, a metragem a ser observada é de 100 metros contados do nível máximo do reservatório. Registre-se que, ao aplicar de forma retroativa o artigo 62 da Lei nº 12.651/2012, o MM. Juiz a quo divergiu da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio do “tempus regit actum”, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental. Confira-se: “PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. DANOS AMBIENTAIS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. AUSÊNCIA DE INSTITUIÇÃO DE ÁREA DE RESERVA LEGAL. APLICABILIDADE DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. SITUAÇÕES PRETÉRITAS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)" (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 7/6/2016). 2. No caso, ainda que a ação civil pública tenha sido ajuizada posteriormente, as irregularidades encontradas na propriedade precedem a entrada em vigor do atual Código Florestal, pois a demanda decorreu dos inquéritos civis n. 242/10 e 128/11, em que se apurou a supressão de vegetação em áreas de preservação permanente e a ausência de instituição de reserva legal. 3. Desse modo, em obediência ao princípio do tempus regit actum, não é possível a aplicação do permissivo constante do art. 67 da Lei n. 12.651/2012, tampouco é admissível o cômputo das áreas de preservação permanente na contabilização da área de reserva legal. 4. Agravo interno a que se nega provimento”. (AgInt nos EDcl no REsp 1719149/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 24/09/2019) (grifei) “AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO CÁLCULO DA RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO CÓDIGO FLORESTAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO (PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM). PRECEDENTES DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMA DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Trata-se na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando a observância do disposto no antigo Código Florestal, no que diz respeito ao cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal. O Juízo de piso julgou improcedente os pedidos da exordial. Em sede de Apelação, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso do Parquet, a fim de permitir o cômputo de Área de Preservação Permanente (APP) no cálculo do percentual da Reserva Legal do imóvel, desde que cumpridas as condicionantes previstas do Novo Código Florestal. (...) 5. Entretanto, ambas as Turmas da Primeira Seção deste Tribunal Superior firmaram entendimento segundo o qual a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência (PET no REsp. 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012 e REsp. 1.646.193/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. GURGEL DE FARIA, DJe 4.6.2020). 6. Agravo Interno dos Particulares a que se nega provimento”. (AgInt no REsp 1668484/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020) (grifei) De acordo com o Laudo de Constatação nº 003/2012, realizado pelo IBAMA em 30.03.2012, o terreno do rancho possui dimensões de 86,70 metros x 37,50 metros, com uma área de 3.251,25 metros quadrados, na margem do Reservatório Artificial de Marimbondo. A autarquia indicou também que, além das edificações que foram objeto da autuação da Polícia Militar Ambiental – casa e rampa de concreto – verificaram a existência de uma garagem de alvenaria com dimensões de 14,50 metros x 7,00 metros e área de 101,50 metros quadrados, distante 35,70 metros da margem do reservatório de Marimbondo; uma outra edificação de alvenaria com dimensões de 15,80 metros x 5,80 metros e área de 91,64 metros quadrados, distante 22,50 metros da margem do reservatório de Marimbondo; uma garagem/depósito de alvenaria com dimensões de 3,50.metros x 8,50 metros e área de 29,75 metros quadrados, distante 13,30 metros da margem do reservatório de Marimbondo; uma plataforma de concreto sobre o reservatório de Marimbondo com área de 42,43 metros quadrados; uma área não impermeabilizada com cobertura de gramíneas e com espécies de exóticas coco, milho e horta; uma tela de alambrado e muro no perímetro do rancho; uma fossa; e, por fim, material de construção como brita, areia, tijolo, cerâmicas e outros. Apontou, ainda, que após a autuação de Jair Arado pela Polícia Militar Ambiental e o deferimento parcial do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, houve aumento das edificações na área de preservação permanente, agravando o dano ambiental no local (ID 124733485 - Pág. 133-141). O Plano de Proposta de Recuperação Ambiental apresentado pela CEM Empreendimentos Imobiliários Ltda., no Procedimento DITC n. 1.3.015.00033412001-70, revela, da mesma forma, que tanto o lote de Jair Arado, quanto os lotes dos seus vizinhos, estão em situação irregular (ID 124733483 - Pág. 111-120). Então, a responsabilidade do réu Jair Arado decorre justamente do fato de suprimir e impedir a regeneração da vegetação em área de preservação permanente, mediante a construção/manutenção de um rancho às margens do reservatório de Marimbondo. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a obrigação nos casos de reparação de danos ambientais causados em área de preservação permanente é propter rem, aderindo ao título de domínio ou posse do imóvel, independente da efetiva autoria da degradação ambiental, de modo que, sendo proprietário ou comodatário, aquele que estiver na posse do bem deve ser responsabilizado. A propósito, o réu Jair Arado, nas declarações prestadas perante a Procuradoria da República em São José do Rio Preto/SP, afirmou ter adquirido o imóvel em 1998 e que na área já existia uma casa de alvenaria construída há uns 30 anos. Mais abaixo da casa, informa ter construído uma varanda para guardar sua canoa, um cômodo para guardar ferramentas e um banheiro, e que não sabe dizer a distância exata da casa grande até a linha máxima das enchentes do reservatório, mas calcula que seja uns 30 metros. Declarou que o prédio que construiu para guardar a sua canoa dista cerca de uns 2 a 3 metros da linha máxima das enchentes do reservatório, e que os prédios construídos, sem acompanhamento da CETESB, têm fossa séptica, mas não têm divisão de água de sabão e esgotos. Por fim, mencionou que o local é servido por água instalada pela Prefeitura de Guaraci e por energia elétrica da CPFL, não sabendo precisar se a área é urbana ou rural, até mesmo porque não paga IPTU (ID 124733483 - Pág. 39-40). Considerando, assim, o princípio do tempus regit actum, a Resolução nº 04/1985 é a norma aplicável ao caso sub judice, o que demonstra a irregularidade do rancho em questão. A condenação ao pagamento de indenização somente se dará na eventual impossibilidade técnica da recuperação integral da área degradada, o que será objeto de análise na fase de liquidação, cujo valor deverá ser proporcionalmente fixado à área considerada irrecuperável. Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ: “PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. DANO AO MEIO AMBIENTE. RECUPERAÇÃO AMBIENTAL E PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CUMULAÇÃO. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça, apesar de admitir a possibilidade de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar em decorrência de dano ambiental, tal como registra o enunciado de sua Súmula 629, também reconhece que tal acúmulo não é obrigatório e relaciona-se com a impossibilidade de recuperação total da área degradada. Precedentes. 2. In casu, a Corte Regional, além de compartilhar a posição de que "a fixação cumulativa de pena pecuniária como forma de indenização complementar somente é cabível em casos excepcionais, ante a impossibilidade de recuperação da área", manteve sentença em que se afastou o pedido de condenação pecuniária, "diante da possibilidade de total reparação do dano ambiental" - conforme demonstrado no relatório de fiscalização lavrado pelo ICMBio e outros informes técnicos trazidos aos autos - e da ausência de "elemento de prova que indique a existência de danos irreversíveis". 3. O acolher da pretensão recursal relativa à imposição cumulada das sanções pelo dano ambiental não depende de simples análise do critério de valoração da prova, mas do reexame dos elementos de convicção postos no processo, providência incompatível com a via estreita do recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo desprovido”. (AgInt no AREsp 1539863/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 17/02/2021) (grifei) “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU ERRO MATERIAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO. CUMULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. SÚMULA 7 DO STJ. 1. Cuida-se de dois recursos especiais (União e MPF), ambos postulando a cumulação da indenização por dano ambiental com as obrigações de fazer e não fazer prolatadas no aresto recorrido. 2. A União requer a cassação do aresto, em razão de suposta omissão do julgado. Porém, na espécie, não se vislumbra violação do conteúdo do art. 535 do CPC/1973 (art. 1.022 do CPC/2015), porquanto o acórdão recorrido fundamentou claramente o posicionamento por ele assumido, de modo a prestar a jurisdição que lhe foi postulada. 3. No ponto comum aos recursos especiais, cumulação das obrigações com a indenização, esta Corte Superior entende que, em se tratando de dano ambiental, é possível a cumulação da indenização com obrigação de fazer, sendo que tal cumulação não é obrigatória, e relaciona-se com a impossibilidade de recuperação total da área degradada. 4. Contudo, no caso em análise, o Tribunal entendeu que não há indicação de outros prejuízos, além daqueles que já são objeto da condenação consistente na obrigação de fazer, assim, rever o entendimento da instância ordinária, implica o imprescindível reexame das provas constantes dos autos, o que é defeso em recurso especial ante o que preceitua a Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." 5. Recurso especial da União conhecido em parte e improvido. 6. Recurso especial do Ministério Público Federal não conhecido”. (REsp 1785094/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 14/05/2019) (grifei) Já o pedido de rescisão do contrato de concessão entre a concessionária de energia e o infrator, por quebra de cláusula contratual, resta prejudicado, porquanto não há prova nos autos de que Furnas houvesse firmado um contrato de cessão de direito de uso com o proprietário do imóvel. No tocante à responsabilidade do Município de Guaraci, cabe destacar que o rancho foi edificado após a inundação do reservatório, quando a área já deveria ser objeto de proteção pelos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Assim, a responsabilização do Município decorre da omissão ilícita, a exemplo da falta de fiscalização e da adoção de outras medidas preventivas inerentes ao poder de polícia, as quais, ao menos indiretamente, contribuem para provocar o dano. Além disso, ao permitir o parcelamento irregular do solo em APP e declarar o local como perímetro urbano, o Município extrapolou suas atribuições, tornando-se corresponsável pelos danos ambientais. Nesse sentido, a jurisprudência da Corte Superior: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - MEIO-AMBIENTE - TERRENO DE MARINHA E ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE - VEGETAÇÃO DE RESTINGA - OMISSÃO FISCALIZATÓRIA DA UNIÃO - LOCALIZAÇÃO NO PÓLO PASSIVO DA DEMANDA - SÚMULA 7/STJ - PERMISSIVO "C" - SÚMULA 83/STJ. 1. Reconhecida, nas instâncias ordinárias, a omissão da pessoa jurídica de direito público na fiscalização de atos lesivos ao meio-ambiente é de ser admitida sua colocação no pólo passivo de lide civil pública movida pelo Ministério Público Federal. Litisconsórcio passivo entre a União e o Município por leniência no dever de adotar medidas administrativas contra a edificação irregular de prédios em área non aedificandi, caracterizada por ser terreno de marinha e de proteção permanente, com vegetação de restinga, fixadora de dunas. 2. Conclusões soberanas das instâncias ordinárias quanto à omissão da União e de seus órgãos. Impossibilidade de reexame. Matéria de fato. Súmula 7/STJ. 3. Dissídio jurisprudencial superado. Súmula 83/STJ. Recurso especial conhecido em parte e improvido". (REsp 529.027/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 04/05/2009) (grifei) "PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO FIGURAR NO PÓLO PASSIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA. (...) 2. A decisão de primeiro grau, que foi objeto de agravo de instrumento, afastou a preliminar de ilegitimidade passiva porque entendeu que as entidades de direito público (in casu, Município de Juquitiba e Estado de São Paulo) podem ser arrostadas ao polo passivo de ação civil pública, quando da instituição de loteamentos irregulares em áreas ambientalmente protegidas ou de proteção aos mananciais, seja por ação, quando a Prefeitura expede alvará de autorização do loteamento sem antes obter autorização dos órgãos competentes de proteção ambiental, ou, como na espécie, por omissão na fiscalização e vigilância quanto à implantação dos loteamentos. 3. A conclusão exarada pelo Tribunal a quo alinha-se à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, orientada no sentido de reconhecer a legitimidade passiva de pessoa jurídica de direito público para figurar em ação que pretende a responsabilização por danos causados ao meio ambiente em decorrência de sua conduta omissiva quanto ao dever de fiscalizar. Igualmente, coaduna-se com o texto constitucional, que dispõe, em seu art. 23, VI, a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. E, ainda, o art. 225, caput, também da CF, que prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 4. A competência do Município em matéria ambiental, como em tudo mais, fica limitada às atividades e obras de "interesse local" e cujos impactos na biota sejam também estritamente locais. A autoridade municipal que avoca a si o poder de licenciar, com exclusividade, aquilo que, pelo texto constitucional, é obrigação também do Estado e até da União, atrai contra si a responsabilidade civil, penal, bem como por improbidade administrativa pelos excessos que pratica. 5. Incidência da Súmula 83/STJ. 6. Agravo regimental não-provido". (AgRg no Ag 973.577/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 19/12/2008) (grifei) À vista disso, tanto a concessionária de energia, quanto o Município de Guaraci e o possuidor da área são responsáveis pela preservação do meio ambiente e reparação dos danos causados na APP, sendo o caso de reconhecer a solidariedade entre eles. O IBAMA, por seu turno, informa em petição de ID 201612197 que nenhuma mora lhe pode ser atribuída, tendo em vista que, até o momento, não recebeu o Plano de Recuperação de Área Degradada mencionado na sentença. Atentando-se para os termos da sentença, é possível constatar que o projeto em questão deverá ser apresentado por Jair Arado, no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado (ID 124733487 - Pág. 47), o que ainda não ocorreu e, consequentemente, não há se falar em mora da autarquia ambiental. De rigor, portanto, a reforma do decisum para que seja declarada como APP a faixa de 100 metros do nível máximo de elevação do reservatório de Marimbondo, condenando os réus Jair Arado, Município de Guaraci e Furnas Centrais Elétricas S.A, solidariamente, às obrigações fixadas na r. sentença. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do agravo retido, NEGO PROVIMENTO às apelações e DOU PROVIMENTO PARCIAL à remessa necessária, tida por submetida, para reconhecer como área de preservação permanente a faixa de 100 metros do nível máximo de elevação do reservatório de Marimbondo, e condenar os réus (exceto IBAMA), solidariamente, ao pagamento de indenização na eventual impossibilidade técnica da recuperação integral da área degradada, o que será objeto de análise na fase de liquidação. É como voto.
Advogados do(a) APELANTE: MARCUS VINICIUS CAPOBIANCO DOS SANTOS - SP256630-A, DECIO FLAVIO GONCALVES TORRES FREIRE - SP191664-A
E M E N T A
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. CERCEAMENTO DE ATIVIDADE PROBATÓRIA. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LAGO ARTIFICIAL DE USINA HIDRELÉTRICA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 62 DA LEI 12.651/2012.
VEDAÇÃO AO RETROCESSO (PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM). INDENIZAÇÃO. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÕES DESPROVIDAS. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Possui legitimidade passiva a concessionária Furnas Centrais Elétricas S/A, porquanto responsável pela fiscalização e recuperação dos danos ambientais ocorridos no entorno dos reservatórios, nos termos do art. 23 da Lei nº 8.171/91.
2. Existem elementos nos autos aptos a comprovar a real situação do imóvel, a distância em que está da margem do reservatório, assim como a metragem da área edificada, sendo desnecessária, portanto, a realização de exame pericial.
3. O Código Florestal de 1965 já previa como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, contudo, deixou de precisar a faixa de APP a ser observada.
4. O CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) editou a Resolução n. 04/1985, especificando como reserva ecológica as formações florísticas e as áreas de florestas de preservação permanente, inclusive a vegetação natural ao redor de reservatórios d'água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal com largura mínima de 100 metros para as represas hidrelétricas. Posteriormente, publicou a Resolução n. 302/2002, que substituiu a Resolução n. 04/1985, e manteve a proteção no entorno dos reservatórios artificiais como sendo áreas de preservação permanente.
5. Ao aplicar de forma retroativa o artigo 62 da Lei nº 12.651/2012, o MM. Juiz a quo divergiu da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio do “tempus regit actum”, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental. Precedentes.
6. O rancho foi edificado após a inundação do reservatório, quando a área já deveria ser objeto de proteção pelos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88).
7. A condenação ao pagamento de indenização somente se dará na eventual impossibilidade técnica da recuperação integral da área degradada, o que será objeto de análise na fase de liquidação, cujo valor deverá ser proporcionalmente fixado à área considerada irrecuperável.
8. Agravo retido não conhecido. Apelações desprovidas. Remessa necessária parcialmente provida.