Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001199-52.2006.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: ALBERTO DAYAN, PROJECAO PARTICIPACOES LTDA.

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO VIEIRA RIBEIRO - SP206952-A

APELADO: ADOLPHO AMADIO JUNIOR, WALTER ZARZUR DERANI, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: ANTONIO FERNANDO DE MOURA FILHO - SP306584-A, PAULO HENRIQUE ABUJABRA PEIXOTO - SP143514-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO HENRIQUE ABUJABRA PEIXOTO - SP143514-A

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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001199-52.2006.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: ALBERTO DAYAN, PROJECAO PARTICIPACOES LTDA.

Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO VIEIRA RIBEIRO - SP206952-A

APELADO: ADOLPHO AMADIO JUNIOR, WALTER ZARZUR DERANI, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: ANTONIO FERNANDO DE MOURA FILHO - SP306584-A, PAULO HENRIQUE ABUJABRA PEIXOTO - SP143514-A
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R E L A T Ó R I O

 

 

 O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por ALBERTO DAYAN e por PROJEÇÃO PARTICIPAÇÕES LTDA. em face de sentença que, em ação de usucapião, assim decidiu:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, com fundamento no art. 487, I Código de Processo Civil, para declarar a propriedade por usucapião, em favor do autor, sobre "TERRENO ALODIAL - ÁREA = 638,26 M2", com "TERRENO DE MARINHA - ÁREA = 107,53 M2", situados na Av. Deble Luiza Derani nº 392, Praia da Baleia, São Sebastião-SP, conforme parecer discordante da União e informação técnica INF/DIIFI Nº309/2010/SPU/SP, documentos que passam a integrar a presente sentença.Para fins de descerramento da matrícula e registro em nome da parte autora perante o Oficial de Registro de Imóveis, fica desde já determinado que, caso se apresente necessário, pela Secretaria seja intimada a perita judicial para proceder às modificações necessárias no Memorial Descritivo e Levantamento Planimétrico, a título de complementação do laudo pericial e sob as custas já acertadas no feito, tão somente para fins de adequação das metragens aos termos da informação técnica INF/DIIFI Nº309/2010/SPU/SP ("ÁREA TOTAL DO TERRENO = 745,79 M2 - TERRENO ALODIAL - ÁREA = 638,26 M2" - "TERRENO DE MARINHA - ÁREA = 107,53 M2") (fl. 380/396).Tendo em vista a procedência parcial do pedido, fixo honorários advocatícios em 10% do valor atualizado da causa. Diante da sucumbência recíproca, compete à ré pagar à parte autora metade deste valor, e, em contrapartida e nos termos da lei processual civil, compete a parte autora pagar a outra metade do valor dos honorários à parte ré, observados os critérios do art. 85, 3º e 4º, inciso III, do CPC.Apesar de ser a União sucumbente, a presente sentença não está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, nos termos do CPC, art. 496, 3º, inciso I.Com o trânsito em julgado, servirá a presente sentença, bem como os demais documentos técnicos dos autos - informação técnica INF/DIIFI Nº309/2010/SPU/SP ("ÁREA TOTAL DO TERRENO = 745,79 M2 - TERRENO ALODIAL - ÁREA = 638,26 M2" - "TERRENO DE MARINHA - ÁREA = 107,53 M2") (fl. 380/396).. -, para o registro da sentença no competente Cartório de Registro de Imóveis da localidade, na forma prevista na Lei nº 6.015/1973, art. 167, inciso I, número "28", e art. 169, sem prejuízo do direito da União de requerer, havendo interesse seu, a abertura de matrícula para a área de marinha, conforme art. 195-B, da Lei nº 6.015/1973 (alterado pela Lei nº 12.693/2012).Fica a parte autora intimada para, após o devido registro desta sentença declaratória de usucapião no competente Cartório de Registro de Imóveis, promover a juntada aos autos da matrícula atualizada do imóvel, para subsequente arquivamento destes autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais, sustenta a parte apelante, em síntese, a ausência de demarcação de terreno de marinha, de forma que não poderia ter sido acolhida a manifestação discordante apresentada pela União. Aduz, ainda, que “Não cabe ao Poder Judiciário determinar a existência, ou não, de terrenos de marinha” e que os esclarecimentos da Perita Judicial refutaram a integralidade dos critérios adotados pela manifestação discordante da União. Pede a reforma da sentença, a fim de que a ação seja julgada totalmente procedente, ou, alternativamente, a anulação da decisão com a determinação da elaboração de nova perícia.

Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação.

É o breve relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Sem preliminares a enfrentar, passo desde logo ao exame do mérito.

Importa observar, de início, que o instituto da usucapião consiste em um modo originário de aquisição da propriedade, que se perfaz pelo exercício da posse mansa e pacífica por um determinado intervalo de tempo definido em lei. Diferentemente do que ocorre com a aquisição derivada, em que são mantidos os atributos e gravames que recaem sobre o bem, na aquisição originária a propriedade é transmitida sem quaisquer limitações ou ônus existentes antes de sua declaração. A usucapião encontra fundamento na função social da propriedade, conferindo segurança jurídica para situações de fato, consolidadas na sociedade.

Atualmente, a usucapião comporta espécies distintas, conforme o tempo necessário para sua configuração e os requisitos exigidos em cada modalidade. Em síntese, encontram-se previstas em nosso ordenamento as seguintes espécies de usucapião: 1) Especial Individual, que poderá ser Rural (art. 191, da Constituição Federal e art. 1.239, do CC), ou Urbana, dividindo-se, esta última em Comum (art. 183, da Constituição Federal e art. 1.240, do CC) ou Familiar (art. 1.240-A, do CC); 2) Especial Coletivo (art. 10, da Lei nº. 10.257/2001 – Estatuto da Cidade); 3) Ordinário (art. 1.242, do CC); 4) Extraordinário (art. 1.238, CC).

Para que seja declarada a aquisição da propriedade pela usucapião, é necessário o atendimento a requisitos de três ordens: 1) pessoal (quem estará sujeito aos prazos da prescrição aquisitiva), ao que se aplicam os arts. 197 e 198, do CC, segundo os quais não corre a prescrição entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal, entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar, entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela, contra os incapazes, contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios, e contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.; 2) real (quais bens poderão ser usucapidos), merecendo destaque a previsão contida nos arts. 183, §3º e 191, parágrafo único, da Constituição, e art. 102, do CC, que vedam a usucapião de bens públicos, além da Súmula 340, do STF, segundo a qual “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”; 3) formais (requisitos essencialmente vinculados à posse do bem).

No que concerne especificamente aos requisitos formais, existem três deles que são comuns a todas as modalidades de usucapião: 1) tempo, que pode variar conforme a modalidade de usucapião de que se trate; 2) posse mansa e pacífica, ou seja, sem os vícios da violência, clandestinidade, ou precariedade; 3) “animus domini”, correspondente à atuação do possuidor em relação ao bem, como se dono fosse. Outros requisitos são ainda exigidos para modalidades específicas, como o justo título e a boa-fé, para a usucapião ordinária; a posse para fins de moradia, na usucapião urbana (comum ou familiar), ou a posse para fins de trabalho, na usucapião rural.

No caso dos autos, a parte autora propôs ação de usucapião extraordinária, na qual pretende seja declarada a consolidação da propriedade sobre o imóvel descrito na inicial, consistente em uma área de 750 m² situada na Av. Deble LuizaDerani nº 392, Praia da Baleia, São Sebastião -SP, alegando, em síntese, que é legítima possuidora, tendo exercido a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel com as divisas e confrontações mencionadas na petição inicial. 

Por outro lado, a União defende a existência de terrenos de marinha no imóvel, segundo informação técnica prestada pela Superintendência do Patrimônio da União - SPU/SP. Pois bem.

Como se sabe, os terrenos de marinha são definidos pelo art. 2º do Decreto-Lei nº 9.760/1946, assim redigido:

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Trata-se, portanto, das áreas banhadas pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, que se estendam à distância de 33 metros para a terra, contados a partir da linha do preamar médio de 1831. Os terrenos de marinha são bens da União, por expressa determinação constitucional (art. 20, VII, da CF), o que se justifica por razões de defesa e segurança nacional. O uso dos terrenos de marinha pelos particulares, quando admitido, faz-se pelo regime da enfiteuse, no qual a União (senhorio direto) transfere o domínio útil ao particular (enfiteuta), mediante o pagamento anual de uma importância denominada foro, bem como do pagamento do laudêmio, sempre que houver a transferência onerosa do domínio útil ou a cessão de direitos por ato inter vivos.

A demarcação dos terrenos de marinha, por sua vez, é atribuição da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), observando-se o procedimento descrito nos arts. 9º a 14 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, com a notificação pessoal de todos os interessados identificados, devendo ser assegurados o contraditório e a ampla defesa. Enquanto a demarcação específica da área não for efetuada, é possível ao Poder Judiciário declarar a usucapião do imóvel, uma vez que, segundo o Superior Tribunal de Justiça, não é razoável que o jurisdicionado fique à mercê de evento discricionário, futuro e incerto. Confira-se a seguinte ementa de acórdão:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. USUCAPIÃO. MODO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. TERRENO DE MARINHA. BEM PÚBLICO. DEMARCAÇÃO POR MEIO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINADO PELO DECRETO-LEI N. 9.760/1946. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DA USUCAPIÃO, POR ALEGAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO DE QUE, EM FUTURO E INCERTO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO PODERÁ SER CONSTATADO QUE A ÁREA USUCAPIENDA ABRANGE A FAIXA DE MARINHA. DESCABIMENTO.

1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional, ainda que para viabilizar a interposição de recurso extraordinário.

2. A usucapião é modo de aquisição originária da propriedade, portanto é descabido cogitar em violação ao artigo 237 da Lei 6.015/1973, pois o dispositivo limita-se a prescrever que não se fará registro que dependa de apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro. Ademais, a sentença anota que o imóvel usucapiendo não tem matrícula no registro de imóveis.

3. Os terrenos de marinha, conforme disposto nos artigos 1º, alínea a, do Decreto-lei 9.760/46 e 20, VII, da Constituição Federal, são bens imóveis da União, necessários à defesa e à segurança nacional, que se estendem à distância de 33 metros para a área terrestre, contados da linha do preamar médio de 1831. Sua origem remonta aos tempos coloniais, incluem-se entre os bens públicos dominicais de propriedade da União, tendo o Código Civil adotado presunção relativa no que se refere ao registro de propriedade imobiliária, por isso, em regra, o registro de propriedade não é oponível à União

4. A Súmula 340/STF orienta que, desde a vigência do Código Civil de 1916, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião, e a Súmula 496/STJ esclarece que "os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União".

5. No caso, não é possível afirmar que a área usucapienda abrange a faixa de marinha, visto que a apuração demanda complexo procedimento administrativo, realizado no âmbito do Poder Executivo, com notificação pessoal de todos os interessados, sempre que identificados pela União e certo o domicílio, com observância à garantia do contraditório e da ampla defesa. Por um lado, em vista dos inúmeros procedimentos exigidos pela Lei, a exigir juízo de oportunidade e conveniência por parte da Administração Pública para a realização da demarcação da faixa de marinha, e em vista da tripartição dos poderes, não é cabível a imposição, pelo Judiciário, de sua realização; por outro lado, não é também razoável que os jurisdicionados fiquem à mercê de fato futuro, mas, como incontroverso, sem qualquer previsibilidade de sua materialização, para que possam usucapir terreno que já ocupam com ânimo de dono há quase três décadas.

6. Ademais, a eficácia preclusiva da coisa julgada alcança apenas as questões passíveis de alegação e efetivamente decididas pelo Juízo constantes do mérito da causa, e nem sequer se pode considerar deduzível a matéria acerca de tratar-se de terreno de marinha a área usucapienda.

7. Quanto à alegação de que os embargos de declaração não foram protelatórios, fica nítido que não houve imposição de sanção, mas apenas, em caráter de advertência, menção à possibilidade de arbitramento de multa; de modo que é incompreensível a invocação à Súmula 98/STJ e a afirmação de ter sido violado o artigo 538 do CPC - o que atrai a incidência da Súmula 284/STF - a impossibilitar o conhecimento do recurso.

8. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp n. 1.090.847/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/4/2013, DJe de 10/5/2013.)

Feitas essas considerações, e examinando os elementos de prova existentes nos autos, tenho que o laudo pericial (ID 196345960, fls. 67/116), elaborado por perita judicial imparcial e com conhecimento técnico sobre o assunto (art. 156 do CPC), deve prevalecer, na medida em que foi categórico no sentido de que:

8- CONCLUSÕES

A preamar de 1831, definida conforme metodologia detalhada no presente trabalho, para a área de abrangência de São Sebastião/SP, especificamente na Praia da Baleia, a partir da Tábua de Marés da DHN – Linha da Preamar Média e Preamar de Sizígia (máximas marés) alcançam as cotas de 0,33m, e 0,65m acima do nível do mar. A partir dessas cotas foram realizados levantamentos planialtimétricos no local visando à localização das LSTM - Linhas de Terrenos de Marinha.

O posicionamento das Linhas de Terreno de Marinha (LTM) delimitadas tanto peia Linha da Preamar Média (LPM) ou pela Linha Preamar de Sizígia (LPM) conduz à conclusão de que o lote da autora da presente demanda não é por elas afetado, restando um espaço que varia de 17,07m a 30,32m entre o limite do terreno e as Linhas de Terreno de Marinha (LTM), conforme verificado em vistoria e representado na planta topográfica do anexo 2.

E mais, ao responder aos quesitos formulados pela União Federal, mais especificamente sobre a distância mínima entre a área usucapienda e a Linha Limite dos Terrenos de Marinha – LTM, a perita judicial foi categórica:

Considerando a cota 0,65 - Linha da Preamar de Sizígia (Máximas Preamares), ainda assim a área encontra-se à 17,07 (dezessete metros e sete centímetros) da Linha Limite dos Terrenos de Marinha.

Ou seja, ainda que não se leve em consideração a Linha do Preamar Médio (LPM) do ano de 1831 para o Porto de São Sebastião (0,33m), mas sim a Linha do Preamar de Sizígia (máximas mares – 0,65m), ainda assim, a área usucapienda não ocupa terreno de marinha, havendo ainda uma distância de mais de 17m da Linha Limite dos Terrenos de Marinha (LTM).

Vale acrescentar que a Perita judicial também instruiu seu laudo técnico com minucioso estudo visando à determinação da Linha do Preamar Médio de 1831 (LPM), incluindo gráficos mensais da tábua de marés do Porto de São Sebastião para o ano de 1831 (ID 196345960, fls. 104/108), nos termos da ON – GEADE – 002, itens 4.8.1 e 4.8.2, além de diversas fotografias e um levantamento topográfico planimétrico do imóvel. Conclui-se, da prova técnica produzida em juízo, que o imóvel usucapiendo constitui, exclusivamente, terreno alodial.

Outrossim, a fundamentação empregada pela sentença ora apelada, a fim de julgar apenas parcialmente procedente o pedido, com base no parecer discordante elaborado pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), não pode prevalecer. De fato, consta da sentença que (ID 196345962, fls. 75/76):

Através de algumas FOTOS anexas ao laudo Pericial (fl. 3351340) e ao Parecer discordante INF/DIIFI nº 309/2010/SPU/SP (fl. 384/389), faz-se possível aferir a existência dos referidos MUROS DE ARRIMO na localidade à frente do imóvel usucapiendo elevados em pedra e limítrofes à própria faixa de areia, como barreira de contenção e estrutura estabilizadora do Paisagismo local, o que reflete a situação exposta no Parecer discordante da União e SPU.

E a situação exposta no Parecer discordante da União e da SPU é a de que o local onde se encontra o terreno encontra-se bastante alterado pela ação humana e pela urbanização, sendo que os muros de arrimo teriam sido construídos para prevenir e conter a ação do mar.

O argumento, contudo, não pode prevalecer, diante da clareza do trabalho técnico elaborado pela Perita Judicial, que já levou em conta todos esses fatores no momento da elaboração do seu laudo, como se percebe das respostas aos quesitos da autora (ID 196345960, fls. 87), dando conta da existência do referido muro frontal, que teria sido construído há 5 (cinco) ou 6 (seis) anos pelo proprietário anterior do terreno. Nessa linha, não parece correto considerar que a existência de um muro construído há 5 ou 6 anos represente relevante alteração do terreno pela ação humana, a ponto de alterar a identificação da Linha dos Terrenos de Marinha (LTM).

Ademais, nos termos da legislação de regência, a definição dos terrenos de marinha se dá com base na posição da Linha do Preamar Médio de 1831 (art. 2º, caput, do Decreto-Lei 9.760/1946), sendo irrelevante a identificação das marés mais altas. Assim, o simples fato de haver sinais de que a maré alcança o muro frontal construído no imóvel, por si só, não altera a conclusão a que chegou o laudo pericial, na medida em que tais marcas dizem respeito às marés mais altas e não ao preamar médio. Nesse diapasão, confira-se a seguinte resposta dada pela Perita Judicial (ID 196345960, fls. 87):

De acordo com a Tábua dos Mares do porto de São Sebastião aferida pela Marinha, qual é a medição do movimento das marés (mais alta e mais baixa)?

A mais alta é de 1,40 metros e a mais baixa é de -0,20 metros. No entanto essa informação isolada não possui qualquer relevância para a conclusão dos trabalhos.

Corroborando a conclusão acima, tem-se a seguinte passagem da ON-GEADE-002, em seu item 4.8, que estabelece critérios para a determinação da cota básica:

4.8 Determinação da Cota Básica

4.8.1 A cota da preamar média deve ser calculada utilizando-se os dados da estação maregráfica mais próxima constante das Tábuas de Marés, publicadas pela Diretoria de Hidrografia e Navegação do Comando da Marinha (DHN).

4.8.2 A cota da preamar média é a média aritmética das máximas marés mensais, ocorrida no ano de 1831 ou no ano que mais se aproxime de 1831. (negritei)

4.8.3 A cota básica é obtida da cota de preamar média, reduzindo-a a mesma origem altimétrica do levantamento cartográfico (Datum Vertical).

(...)

4.8.8 Em locais abrigados, sem a influência da dinâmica das ondas, o valor da cota básica efetiva é o mesmo da cota básica.

4.8.9 Em locais onde, por ação da dinâmica das ondas, as águas atingirem nível superior ao da cota básica, adotar-se-á esse nível como quantificador da cota básica efetiva.

Dessarte, conclui-se que a dinâmica das ondas (marés mais altas e mais baixas) não influi na determinação da Linha do Preamar Médio, que foi aquela calculada e adotada pela perícia técnica.

Se é certo que a finalidade pública e os interesses da coletividade têm uma importância maior do que os interesses individuais, daí advindo até mesmo poderes especiais para a Administração Pública, não menos certo é que esta última também se encontra absolutamente vinculada à lei, ou seja, está presa aos mandamentos legais e deles não pode se afastar, sob pena de incorrer em atuação ilegal. A invocação da supremacia do interesse público não permite contrariar a prova técnica produzida nos autos, dando conta de que o imóvel usucapiendo não abrange terreno de marinha, sob pena de violação aos conceitos trazidos pela Lei, mais especificamente pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União.

Assim, tem-se que o procedimento adotado pela perita judicial não discrepa das orientações contidas nas normas regulamentadoras da matéria. De outro lado, os elementos de prova trazidos aos autos pela parte ré, produzidos unilateralmente, não têm o condão de infirmar as conclusões a que chegou a perícia produzida em juízo por profissional tecnicamente habilitado e imparcial e devidamente submetida ao contraditório.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para julgar inteiramente procedente o pedido e declarar a aquisição originária da propriedade, por usucapião, em favor da parte autora, do imóvel descrito na inicial (área de 750 M² situada na Av. Deble Luiza Derani nº 392, Praia da Baleia, São Sebastião – SP), ficando mantidas, no mais, as determinações contidas na sentença proferida em 1ª Instância.

Nos termos do art. 85, § 3º, do CPC, condeno a parte sucumbente ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao benefício econômico pretendido).

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL URBANO. TERRENO DE MARINHA. ALEGAÇÃO DE BEM PÚBLICO. PROVA PERICIAL. PRESCRITIBILIDADE. USUCAPIÃO RECONHECIDA.

- O reconhecimento da usucapião extraordinária se dará àquele que detiver a posse de um imóvel, de forma mansa e pacífica, e como se dono fosse, pelo prazo de 20 anos, previsto no art. 550, do CC/2016, ou de 15 anos, conforme o art. 1.238 do CC/2002, a depender da regra de transição estabelecida pelo art. 2.028, do CC/2002.

- Os arts. 183, §3º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal, e o art. 102, do CC, vedam a usucapião de bens públicos. Os terrenos de marinha são áreas banhadas pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, que se estendam à distância de 33 metros para a terra, contados a partir da linha do preamar médio de 1831. Trata-se de bens da União, por expressa determinação constitucional (art. 20, VII, da Constituição).

- Se é certo que a finalidade pública e os interesses da coletividade têm uma importância maior do que os interesses individuais, daí advindo até mesmo poderes especiais para a Administração Pública, não menos certo é que esta última também se encontra absolutamente vinculada à lei, ou seja, está presa aos mandamentos legais e deles não pode se afastar, sob pena de incorrer em atuação ilegal. A invocação da supremacia do interesse público não permite contrariar a prova técnica produzida nos autos, dando conta de que o imóvel usucapiendo não abrange terreno de marinha, sob pena de violação aos conceitos trazidos pela Lei, mais especificamente pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União.

- No caso dos autos, a parte ré não logrou provar que o imóvel usucapiendo constitui bem público (terreno de marinha), insuscetível de aquisição originária por meio da usucapião. Ao contrário, a prova técnica produzida evidencia tratar-se de terreno alodial, prescritível, portanto.

- No curso da ação, a parte autora demonstrou por prova documental e pericial o exercício da posse mansa e pacífica, sem interrupção ou oposição, pelo período legalmente exigido, como se dono fosse, razão pela qual o pedido deve ser julgado integralmente procedente, declarando-se a usucapião extraordinária do bem.

- Recurso da parte autora provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.