Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002778-55.2017.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: FERNANDO LUIS RAMOS

Advogados do(a) APELANTE: FABIANO MOREIRA - SP206784, MARCELO DE CAMARGO ANDRADE - SP133185-A

APELADO: MUNICIPIO DE CAMPINAS, AEROPORTOS BRASIL - VIRACOPOS S.A., UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: ADELMO DA SILVA EMERENCIANO - SP91916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002778-55.2017.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: FERNANDO LUIS RAMOS

Advogados do(a) APELANTE: FABIANO MOREIRA - SP206784, MARCELO DE CAMARGO ANDRADE - SP133185-A
APELADO: MUNICIPIO DE CAMPINAS, AEROPORTOS BRASIL - VIRACOPOS S.A., UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: ADELMO DA SILVA EMERENCIANO - SP91916-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, à sentença de improcedência em ação popular, em face de Município de Campinas, Aeroportos Brasil - Viracopos S.A. e União, ajuizada para "declarar e decretar a nulidade integral dos atos administrativos ocorridos no protocolado n° 20859/1982 (e em qualquer outros que porventura tramite ou tenha tramitado na Prefeitura Municipal de Campinas) que reconheceram e concederam a imunidade do IPTU e de suas respectivas taxas à área do Aeroporto de Viracopos, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a constitucionalidade de cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU de imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido à pessoa jurídica de economia mista, determinando que a Prefeitura Municipal de Campinas lance o tributo devido neste ano de 2017 e emita imediatamente a(s) notificação(ções) de lançamento do IPTU do exercício de 2017 dos imóveis onde está localizado o Aeroporto de Viracopos".

Alegou-se que: (1) a concessionária ré administra o Aeroporto de Viracopos desde 2012 e, apesar dos planos “extremamente audaciosos” – pretende “criar o conceito de “aeroporto cidade” e sua expansão prevê ainda hotéis, shopping center e centro de convenções, tendo como objetivo alcançar o número de 25 milhões de passageiros por ano” – nunca pagou nem lhe foi cobrado qualquer valor de IPTU; (2) no julgamento dos RE's 594.015 e 601.720, com repercussão geral, foi reconhecida a constitucionalidade do IPTU devido pela Petrobrás sobre terreno arrendado no porto de Santos e por concessionária de veículos no Rio de Janeiro, que ocupa terreno em contrato de concessão com a Infraero, afastando imunidade tributária em favor de empresa privada ou de economia mista, pois tal benefício não atinge imóveis públicos ocupados por empresas que exerçam atividade econômica com fins lucrativos; (3) os imóveis ocupados pela Aeroportos Brasil - Viracopos S.A. sujeitam-se ao precedente da Suprema Corte, sendo, pois, constitucional e devida a cobrança de IPTU; e (4) a manutenção da imunidade após o julgamento dos paradigmas vinculantes ofende os princípios da autotutela administrativa, eficiência e interesse público, além do pacto federativo e do princípio da concorrência econômica, implicando prejuízo à receita municipal e à consecução de políticas públicas. 

Houve contrarrazões, pugnando a concessionária pelo não conhecimento do recurso, por ofensa à dialeticidade recursal.

O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002778-55.2017.4.03.6105

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: FERNANDO LUIS RAMOS

Advogados do(a) APELANTE: FABIANO MOREIRA - SP206784, MARCELO DE CAMARGO ANDRADE - SP133185-A
APELADO: MUNICIPIO DE CAMPINAS, AEROPORTOS BRASIL - VIRACOPOS S.A., UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: ADELMO DA SILVA EMERENCIANO - SP91916-A

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, rejeita-se a preliminar de não conhecimento do recurso, pois as razões deduzidas são suficientes à impugnação específica da sentença, cumprindo o requisito da dialeticidade. Ademais, o reexame integral do pedido inicial restou devolvido pela remessa oficial, tida por submetida, nada obstando, portanto, a apreciação do mérito da controvérsia.

No exame da lide, a sentença observou que (ID 159725225, grifamos):

 

“[...] o IPTU é tributo de competência dos municípios que possui como base econômica a propriedade imobiliária.

Por outro lado, a Constituição Federal estabelece expressamente a competência administrativa exclusiva da União Federal na exploração direta, ou mediante autorização, concessão ou permissão, da infra-estrutura aeroportuária, assim como a competência legislativa privativa para dispor sobre a navegação aérea e aeroespacial:

 

Art. 21. Compete à União:

(...).

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

(...).

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária;

 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...).

X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;

 

A INFRAERO é pessoa jurídica de direito privado, constituída na forma de empresa pública, cuja constituição foi autorizada pela Lei 5.862/72, com a “finalidade implantar, administrar, operar e explorar industrial e comercialmente a infraestrutura aeroportuária que lhe for atribuída pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República.” (art. 2º).

O Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) (Lei 7.565/86) dispõe, em seu art. 38, que os aeroportos constituem universalidade de direito, equiparadas a bens públicos federais.

Por ocasião do julgamento do ARE-RG 638.315, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, DJe 31.08.2011, restou assentada a extensão da imunidade tributária recíproca à INFRAERO, na qualidade de prestadora de serviço público.

Veja-se a ementa do julgado:

 

RECURSO. Extraordinário. Imunidade tributária recíproca. Extensão. Empresas públicas prestadoras de serviços públicos. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É compatível com a Constituição a extensão de imunidade tributária recíproca à Empresa Brasileira de Infraestrututa Aeroportuária – INFRAERO, na qualidade de empresa pública prestadora de serviço público.

 

Para melhor contextualizar o cerne da controvérsia, trago à colação as teses firmadas pelo STF nos precedentes que o autor popular apresenta como fundamento para a pretensão exercida:

 

RE 594.015:

A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município.

 

RE 601.720:

Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo.

 

No primeiro caso (RE 594.015), o STF afastou a imunidade tributária de imóvel arrendado à Petrobrás, decidindo pela incidência do IPTU. Já no segundo precedente mencionado (RE 601.720), o Supremo admitiu a cobrança do IPTU da concessionária Barrafor Veículos, que ocupava um terreno de propriedade da União cedido pela INFRAERO em contrato de concessão de uso.

Em ambos os casos o STF fundamentou sua decisão, mormente, no princípio da livre concorrência e na vinculação da imunidade tributária recíproca ao princípio do pacto federativo.

Ao julgar os Recursos Extraordinários em comento uma das preocupações centrais da Corte Suprema estava em não beneficiar, com o instituto da imunidade tributária, pessoa jurídica exploradora de atividade comercial com fins lucrativos e desprovida de interesse público em detrimento de outras que, por não ocuparem imóvel público, não gozariam de tal benefício, sofrendo com a inclusão do débito tributário de IPTU em seus custos operacionais.

Essa ratio decidendi fica evidente do teor do seguinte excerto do voto do Ministro Relator Marco Aurélio (RE 594.015):

 

“Reconhecer a imunidade recíproca significa verdadeira afronta ao princípio da livre concorrência versado no artigo 170 da Constituição Federal, por estar-se conferindo a pessoa jurídica de direito privado vantagem indevida, não existente para os concorrentes. O Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU representa relevante custo operacional. afastar tal ônus de empresa que atua no setor econômico, ombreando com outras, a partir de extensão indevida da imunidade recíproca, implica desrespeito aos ditames da Constituição Federal. Esse entendimento vem expresso no § 2º do artigo 173 da Lei Básica da República:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.”.

 

O Ministro Roberto Barroso, em seu voto vista, ainda destacou:

 

“Não merece retoque o voto do Relator. Ainda que o bem imóvel esteja cedido à empresa a qual foi estendida a imunidade recíproca – CODESP - a exploração econômica do bem é feita por empresa privada que não pode dispor da imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição, criada pelo constituinte para proteção do pacto federativo. Incide, portanto, o comando do art. 150, §3º, que excepciona a imunidade quando o patrimônio é utilizado para exploração de atividade econômica.

Em outras palavras, entender que os particulares, que utilizam os imóveis públicos para exploração econômica lucrativa, não devem pagar IPTU significa colocá-los em vantagem concorrencial em relação a outras empresas que, para seu infortúnio, não firmaram contratos de utilização de bem público. Isso porque a finalidade do bem é a geração de lucro à recorrente, que, portanto, possui capacidade contributiva para sofrer a tributação. Excluir a tributação não é a vontade do constituinte que se pode extrair da interpretação conjunta dos art. 150, VI, a e §3º, e do art. 170, IV, da Constituição.”

 

No RE 601.720, de forma semelhante se posicionou o Ministro Marco Aurélio em seu voto-vista:

 

“Uma vez verificada atividade econômica, nem mesmo as pessoas jurídicas de direito público gozam da imunidade, o que dizer quanto às de direito privado.

Mostra-se inequívoco ser o imóvel da União empregado, por particular, em atividade de fins exclusivamente privados e com intuito lucrativo. Não há base a justificar o gozo de imunidade nos termos assentados pelo Tribunal de origem.

O ente público, ainda que não seja o responsável pela exploração direta da atividade econômica, ao ceder o imóvel ao particular, permite que o bem seja afetado a empreendimento privado. Observem que, no próprio contrato de concessão do uso, há cláusula prevendo que a concessionária arcaria com os tributos, sendo repassado inclusive o ônus do tributo municipal que se disse fundiário.

Tem-se afronta ao princípio da livre concorrência versado no artigo 170 da Constituição Federal, por estar-se conferindo ao particular uma vantagem indevida, não existente para os concorrentes.”.

 

Em seu voto-vogal (RE 594.015), o Ministro Alexandre de Moraes evidenciou a necessária vinculação da imunidade tributária recíproca com as finalidades públicas dos entes da Federação, indispensável à manutenção da sua autonomia política:

 

“Assim sendo, também no Brasil, a imunidade recíproca é uma prerrogativa que decorre diretamente da autonomia das unidades federativas (art. 18), e pressupõe mútua autocontenção, no que diz respeito ao exercício das competências tributárias. É por isso que se diz que a imunidade recíproca é uma norma implícita às federações, que a rigor nem necessitaria de previsão expressa.

Imunidade recíproca corresponde, portanto, a um parâmetro oclusivo do poder tributante, por meio do qual o texto constitucional (a) busca afirmar a igualdade dos diferentes entes políticos; (b) preserva a execução federativamente equilibrada das atribuições dos diferentes níveis de governo, sem que possa existir interferência na autonomia de cada um deles; e (c) reconhece que a arrecadação obtida por cada um deles é vertida em prol de finalidades públicas igualmente importantes para a realização dos projetos constitucionais.

Em última análise, é a vinculação às finalidades públicas que legitima a norma imunizante, e é também ela que incompatibiliza o conceito de capacidade contributiva com as receitas públicas. Dada a essencialidade do elemento teleológico, a imunidade recíproca tende a encontrar limitação nas hipóteses em que o patrimônio pertencente aos entes federados perca sua pertinência com vertentes do interesse público. Eis a razão porque as normas do art. 150, §§ 2º e 3º, da CF, atrelam a incidência da imunidade ao cumprimento de finalidades públicas (...).”. (Grifou-se).

 

Contudo, o caso dos autos difere dos dois precedentes invocados pelo demandante, e aqui se faz necessária a realização do distinguishing.

A Aeroportos Brasil Viracopos S.A. é concessionária de serviço público, qual seja, a atividade aeroportuária, sendo incumbida, neste mister, do estabelecimento, desenvolvimento, administração e manutenção da infraestrutura a ela correspondente.

Dentre essas atribuições, a concessionária responde pela conservação do bem imóvel público que lhe fora concedido e de que passa a ser possuidora, e isso se dá fora do mercado concorrencial, já que se trata de serviço público privativo do Estado. O bem público, no caso, destina-se à prestação do serviço público objeto da concessão.

Em outras palavras, o referido bem imóvel integra a infraestrutura aeroportuária e está empregado no serviço a ela subjacente, cuja exploração é atribuída com exclusividade à União pela Constituição Federal.

Neste contexto, não há como comparar a situação da Aeroportos Brasil com a de concessionárias de bem público que exploram atividade privada (RE 601.720) e com a de sociedades de economia mista arrendatárias de bem público (RE 594.015), situações estas em que o bem público foi cedido ou arrendado para finalidades estranhas ao interesse público ou, melhor dizendo, para atender aos desideratos da iniciativa privada.

Nessas condições, entender pela não incidência da norma jurídica tributária implica colocar as pessoas jurídicas de direito privado que se utilizam de bem público em situação de evidente vantagem com relação às demais empresas do mesmo segmento econômico que possuem imóvel próprio. Tal não ocorre no caso dos autos, já que não há empresas privadas que exerçam a atividade aeroportuária, senão aquelas que passaram pelo mesmo processo licitatório para tornarem-se concessionárias de serviço público.

Pertinente trazer à colação o voto proferido pelo Min. JOAQUIM BARBOSA na relatoria do RE 434.251, e mencionado em ambos os precedentes invocados, que apresenta três estágios para a aplicabilidade da imunidade tributária:

 

“(…) a aplicabilidade da imunidade recíproca depende da superação ou aprovação em teste de três estágios, presente a Constituição como parâmetro de controle, quais sejam:

1) A imunidade é subjetiva, isto é, ela se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em consequência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em condições mais vantajosas, independentemente do contexto; 2) Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. Em decorrência, a circunstância de a atividade ser desenvolvida em regime de monopólio, por concessão ou por delegação, é de todo irrelevante; 3) A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante.”. (Grifou-se).

 

No caso dos autos, a União Federal é titular da universalidade de direito (aeroporto) de que é parte integrante o imóvel que o demandante pretende seja tributado mediante incidência de IPTU (1).

A atividade explorada, para além de configurar atividade econômica lucrativa, é um serviço público cuja exploração dá-se, no caso, indiretamente pela União Federal mediante concessão (2).

A incidência da norma imunizante não representa prejuízo à livre concorrência ou iniciativa privada, porquanto não se trata de atividade econômica cuja exploração é livre, mas sim de serviço público, como expressamente previsto na Constituição, que pode ser delegado à iniciativa privada por meio de autorização, concessão ou permissão (3).

Pelas razões expostas, entendo que o ato administrativo atacado, que reconheceu a imunidade tributária ao imóvel ocupado pelo Aeroporto Internacional de Viracopos, não viola a moralidade administrativa e o patrimônio público, já que respeita o princípio constitucional da imunidade tributária recíproca e está consonante à interpretação atual do Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria.”

 

A sentença não merece reparo, pois delineou, com precisão, o conteúdo e a finalidade da imunidade recíproca no tocante a concessionárias de serviço público, distinguindo a situação específica dos paradigmas apontados. 

Com efeito, quanto ao RE 594.015, vinculado ao Tema 385, a tese jurídica aprovada foi a de que “A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município”.

Por sua vez, em relação ao RE 601.720, atinente ao Tema 437, o entendimento consolidado foi o de que “Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo”. 

No primeiro caso tratou-se de imóvel público ocupado por sociedade de economia mista, a PETROBRÁS, e no segundo por BARRAFOR VEÍCULOS LTDA., empresa dedicada ao comércio de veículos, que ocupava imóvel da INFRAERO.

Evidente que o exercício, em caráter principal, de atividade comercial, ainda que em imóvel da INFRAERO, não guarda qualquer relação com a administração aeroportuária atribuída à empresa pública, de modo que não serviria, pois, de parâmetro para extensão da interpretação, firmada em tal paradigma, ao caso concreto.

Em relação à PETROBRÁS, o imóvel cedido integrava o patrimônio da Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) que, a despeito de ser sociedade de economia mista, tem reconhecida a imunidade tributária por se tratar de “instrumentalidade estatal, por explorar serviços públicos de administração portuária”. A imunidade da CODESP não foi reconhecida, porém, em relação à PETROBRÁS, por exercer atividade econômica, ainda que sob monopólio estatal, em regime, portanto, de direito privado.

A exploração da administração aeroportuária, atribuída à INFRAERO e exercida, por concessão, por empresas privadas, não tem a mesma conotação da atividade exercida nos paradigmas em que foi afastada a imunidade, pois, de fato, o que se concede é a própria administração da unidade aeroportuária à concessionária que, embora possa resultar em atividade lucrativa, não tem típica conotação concorrencial que afete o objeto da atividade e sua natureza pública, ainda que seja, circunstancialmente, exercida por empresa privada.

A INFRAERO, considerando o que foi lhe foi atribuído por força de lei, poderia administrar diretamente o Aeroporto de Viracopos, mas, por certo, não poderia exercer o comércio de veículos como ocorreu no RE 601.720 (Tema 437), envolvendo a BARRAFOR VEÍCULOS LTDA. Por sua vez, não poderia a CODESP, que usufrui imunidade, exercer, dentro do que lhe compete legalmente, atividade de petróleo e derivados, demonstrando, assim, que o serviço público não se confunde com a atividade econômica, ainda que exercida por entes da administração indireta.

É peculiar, portanto, a situação da administração de portos e aeroportos, pois confunde-se a concessão com o próprio objeto que é exercido como serviço público, de modo a exigir a extensão da própria imunidade que o poder concedente possui face à União, Estados e Municípios.

Em se tratando de imóvel, utilizado na própria prestação do serviço aeroportuário, evidencia-se a nítida inserção da utilização com o serviço público, razão pela qual deve ser reconhecida a imunidade, em conformidade com o reconhecido pela sentença.

Ressalte-se que, posteriormente a tais paradigmas em repercussão geral, partindo da distinção das hipóteses tratadas em cada caso, a Suprema Corte decidiu ser cabível o reconhecimento de imunidade a favor de concessionária de serviço de transmissão de energia elétrica (no caso, Light Serviços de Eletricidades S/A) em relação a imóveis nos quais instaladas torres de transmissão de alta tensão, evidenciando a utilização do imóvel na finalidade inerente ao serviço público exercido por concessão.

Neste sentido, confira-se:

 

RE 1.328.250 AgR - ED, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe 10/11/2021: "DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPTU. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE PRESTAÇÃO OBRIGATÓRIA E EXCLUSIVA DO ESTADO. APLICÁVEL A IMUNIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte fixou entendimento no sentido de que as concessionárias de serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF/1988. 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 10% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015."

 

No caso, a Aeroportos Brasil - Viracopos S.A. é concessionária de serviço público que desenvolve atividade aeroportuária, para "ampliação, manutenção e exploração da infraestrutura aeroportuária do Complexo Aeroportuário" de Campinas (ID 159723975, f. 12), atuando, portanto, em razão da concessão, na prestação de serviço público cuja exploração cabe, direta ou indiretamente, exclusivamente à União, a teor do artigo 21, XII, c, da Constituição Federal.

Sendo inequívoco na jurisprudência, inclusive da Turma que a INFRAERO detém imunidade tributária na forma do artigo 150, VI, a, da Carta da República (v.g.: RemNecCiv 0000009-57.2015.4.03.6000), a prestação do serviço público, por pessoa jurídica de direito privado em regime de concessão, não autoriza seja aplicada solução distinta, pois sobre eventual intento lucrativo prevalece, por mais relevante, o interesse no melhor desempenho na prestação do serviço público.

Logo, ainda que a concessionária eventualmente explore parte dos imóveis com alguma atividade econômica acessória, objetivando ampliar a lucratividade da enorme operação que exerce, esta utilização não é a principal e, de fato, colabora para a execução do objeto da concessão, que é a prestação de serviço aeroportuário, de interesse público e monopolizado pela União. 

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. AÇÃO POPULAR. IPTU. AEROPORTO. INFRAERO. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. IMÓVEL DESTINADO AO OBJETO DA CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. IMUNIDADE.

1. Rejeita-se a preliminar de não conhecimento do recurso, pois as razões deduzidas são suficientes à impugnação específica da sentença, cumprindo o requisito da dialeticidade. Ademais, o reexame integral do pedido inicial restou devolvido pela remessa oficial, tida por submetida, nada obstando, portanto, a apreciação do mérito da controvérsia.

2. Improcede o pedido de reforma, baseado nos precedentes da jurisprudência citados na ação popular, tendo a sentença, diante do caso concreto, delineado com precisão, o conteúdo e a finalidade da imunidade recíproca no tocante a concessionárias de serviço público, distinguindo a situação específica dos paradigmas apontados. 

3. Com efeito, quanto ao RE 594.015, vinculado ao Tema 385, a tese jurídica aprovada foi a de que “A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município”. Por sua vez, em relação ao RE 601.720, atinente ao Tema 437, o entendimento consolidado foi o de que “Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo”. 

4. No primeiro caso tratou-se de imóvel público ocupado por sociedade de economia mista, a PETROBRÁS, e no segundo por BARRAFOR VEÍCULOS LTDA., empresa dedicada ao comércio de veículos, que ocupava imóvel da INFRAERO. Por evidente que o exercício, em caráter principal, de atividade comercial, ainda que em imóvel da INFRAERO, não guarda qualquer relação com a administração aeroportuária atribuída à empresa pública, de modo que não serviria, pois, de parâmetro para extensão da interpretação, firmada em tal paradigma, ao caso concreto.

5. Em relação à PETROBRÁS, o imóvel cedido integrava o patrimônio da Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) que, a despeito de ser sociedade de economia mista, tem reconhecida a imunidade tributária por se tratar de “instrumentalidade estatal, por explorar serviços públicos de administração portuária”. A imunidade da CODESP não foi reconhecida, porém, em relação à PETROBRÁS, por exercer atividade econômica, ainda que sob monopólio estatal, em regime, portanto, de direito privado.

6. A exploração da administração aeroportuária, atribuída à INFRAERO e exercida, por concessão, por empresas privadas, não tem a mesma conotação da atividade exercida nos paradigmas em que foi afastada a imunidade, pois, de fato, o que se concede é a própria administração da unidade aeroportuária à concessionária que, embora possa resultar em atividade lucrativa, não tem típica conotação concorrencial que afete o objeto da atividade e sua natureza pública, ainda que seja, circunstancialmente, exercida por empresa privada.

7. A INFRAERO, considerando o que foi lhe foi atribuído por força de lei, poderia administrar diretamente o Aeroporto de Viracopos, mas, por certo, não poderia exercer o comércio de veículos como ocorreu no RE 601.720 (Tema 437), envolvendo a BARRAFOR VEÍCULOS LTDA. Por sua vez, não poderia a CODESP, que usufrui imunidade, exercer, dentro do que lhe compete legalmente, atividade de petróleo e derivados, demonstrando, assim, que o serviço público não se confunde com a atividade econômica, ainda que exercida por entes da administração indireta.

8. É peculiar, portanto, a situação da administração de portos e aeroportos, pois confunde-se a concessão com o próprio objeto que é exercido como serviço público, de modo a exigir a extensão da própria imunidade que o poder concedente possui face à União, Estados e Municípios. Em se tratando de imóvel, utilizado na própria prestação do serviço aeroportuário, evidencia-se a nítida inserção da utilização com o serviço público, razão pela qual deve ser reconhecida a imunidade, em conformidade com o reconhecido pela sentença.

9. Ademais, posteriormente a tais paradigmas em repercussão geral, partindo da distinção das hipóteses tratadas em cada caso, a Suprema Corte decidiu ser cabível o reconhecimento de imunidade a favor de concessionária de serviço de transmissão de energia elétrica (no caso, Light Serviços de Eletricidades S/A) em relação a imóveis nos quais instaladas torres de transmissão de alta tensão, evidenciando a utilização do imóvel na finalidade inerente ao serviço público exercido por concessão.

10. No caso, a Aeroportos Brasil - Viracopos S.A. é concessionária de serviço público que desenvolve atividade aeroportuária, para "ampliação, manutenção e exploração da infraestrutura aeroportuária do Complexo Aeroportuário" de Campinas, atuando, assim, em razão da concessão, na prestação de serviço público cuja exploração cabe, direta ou indiretamente, exclusivamente à União, a teor do artigo 21, XII, c, da Constituição Federal.

11. Sendo inequívoco na jurisprudência, inclusive da Turma que a INFRAERO detém imunidade tributária na forma do artigo 150, VI, a, da Carta da República, a prestação do serviço público, por pessoa jurídica de direito privado em regime de concessão, não autoriza seja aplicada solução distinta, pois sobre eventual intento lucrativo prevalece, por mais relevante, o interesse no melhor desempenho na prestação do serviço público. Ainda que a concessionária eventualmente explore parte dos imóveis com alguma atividade econômica acessória, objetivando ampliar a lucratividade da enorme operação que exerce, esta utilização não é a principal e, de fato, colabora para a execução do objeto da concessão, que é a prestação de serviço aeroportuário, de interesse público e monopolizado pela União. 

12. Apelação e remessa oficial, tida por submetida, desprovidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.