APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000887-39.2021.4.03.6111
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: BIG MART CENTRO DE COMPRAS LTDA
Advogado do(a) APELADO: WEVERTON DIAS ALEXANDRINO - GO38355-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000887-39.2021.4.03.6111 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: BIG MART CENTRO DE COMPRAS LTDA Advogado do(a) APELADO: WEVERTON DIAS ALEXANDRINO - GO38355-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de apelação interposta pela União Federal (ID 230932177) e reexame necessário em face do decisum que julgou o feito procedente. No dia 21/05/2021, a empresa BIG MART CENTRO DE COMPRAS LTDA impetrou o presente mandado de segurança contra ato praticado pelo Ilustríssimo Senhor Delegado da Receita Federal do Brasil em Bauru/SP, objetivando, em suma, a exclusão de subvenções concedidas pelo Estado de São Paulo a título de isenção e redução de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, bem como o direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos a tal título. Deu-se à causa o valor de R$ 200.000,00. Com a inicial, acostou documentos. Sobreveio sentença que concedeu a segurança. Em seu dispositivo, a sentença declara indevida a inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, embora em toda sua fundamentação conste expressa a discussão sobre a possibilidade de exclusão dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado de São Paulo nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Reconheceu, ainda, o direito da impetrante compensar os tributos indevidamente recolhidos. Sem condenação em honorários advocatícios. Sentença sujeita ao reexame necessário (ID 230932173). Não resignada, apela a União Federal pleiteando, preliminarmente, a declaração de nulidade da decisão de primeiro grau, em razão da violação ao princípio da adequação entre pedido e sentença. No mérito, deduz que a impetrante pretende ver afastado o valor de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de alíquota, redução de base de cálculo) do campo de incidência do IRPJ e da CSLL apurados pelo lucro real, ao fundamento de que se constituem como autênticas subvenções para investimento. Aponta que essa discussão não seria a mesma do EREsp nº 1.517.492/PR, uma vez que os benefícios de ICMS constituem grandezas negativas, que não representam genuínos ingressos na pessoa jurídica, tal como o crédito presumido. Relata, ainda, a ausência de comprovação pela impetrante dos requisitos insculpidos no art. 30 da Lei nº 12.973/2014 para a caracterização dos benefícios de ICMS como subvenção de investimento. Indica a necessidade de observância do art. 97 da Constituição Federal no caso de afastamento do art. 30 da Lei nº 12.973/14. Deduz, por fim, os limites a serem observados no direito à compensação do indébito. Com contrarrazões, subiram os autos a esta corte (ID 230932181). O Parquet manifesta-se pelo prosseguimento do feito (ID 251445517). É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000887-39.2021.4.03.6111 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: BIG MART CENTRO DE COMPRAS LTDA Advogado do(a) APELADO: WEVERTON DIAS ALEXANDRINO - GO38355-A V O T O - V I S T A Senhores Desembargadores, tendo ouvido atentamente a sustentação oral e o voto do relator, pedi vista dos autos para melhor estudo da matéria. Com efeito, a patrona da ré sustentou haver distinguishing a ser considerado entre o caso dos autos e o precedente da Corte Superior firmado no EREsp 1.517.492. Em síntese, ventilou-se a necessidade de se diferenciar “benefícios negativos” e “benefícios positivos” incidentes sobre o ICMS, para fim de conclusões a respeito dos respectivos impactos na base de cálculo do IRPJ/CSL. A terminologia adotada pela Fazenda Nacional aparenta ser derivada de precedente da 4ª Região sobre a matéria, a saber, ApelRemNec 5000264-80.2020.4.04.7113, Rel. Des. Fed. RÔMULO PIZZOLATTI, intimação em 05/03/2021. Com efeito, consta dos voto vencedor proferido em tal julgamento (grifos e destaques no original): “(...) a construção do Superior Tribunal de Justiça sobre os créditos presumidos de ICMS não pode ser generalizada de forma a abarcar tudo quanto seja beneficio fiscal de ICMS, devendo limitar-se a situações idênticas ao caso analisado pelo Tribunal Superior, o que, como se viu, não é a situação dos autos. De todo modo, é evidente que a construção jurisprudencial do STJ nos EREsp nº 1.517.492/PR - no sentido de que, em face do princípio federativo, não seria lícito à União tributar, como renda ou lucro, créditos presumidos de ICMS concedidos pelos estados federais, por não constituírem tais créditos propriamente "lucro", mas incentivo financeiro -, tal construção jurisprudencial não pode ser transplantada para situações outras, que, diferentemente de créditos, não são positivas, mas sim negativas. Dito de outra forma, enquanto os créditos (v.g, créditos presumidos de ICMS) são grandezas positivas, que em tese configurariam receita, o incentivo fiscal de (a) redução de base de cálculo de ICMS e (b) redução de alíquota de ICMS são grandezas negativas - decorrentes do exercício, pelo ente tributante, do poder de não tributar (a outra face do poder de tributar) - que, como tais, não poderiam logicamente ser tomadas como receita. De fato, uma coisa é dizer o STJ que a União não pode tributar, por não dever constituir renda ou lucro, o incentivo financeiro de crédito presumido de ICMS concedido pelos estados federados; outra bem diferente seria afirmar-se que incentivos fiscais concedidos pelos estados federados devem ser transformados em forma de dedução do IRPJ e da CSLL frente à União. Em última análise, a tese defendida pela parte impetrante não visa a evitar a redução, pelo poder tributante da União, de um incentivo financeiro positivo (como é o caso do crédito presumido de ICMS) - escopo da construção jurisprudencial do STJ nos EREsp nº 1.517.492/PR -, mas, muitíssimo ao contrário, transformar incentivos fiscais negativos em crédito (positivo) oponível contra a União para efeito de dedução do IRPJ e da CSLL. Ou seja, de um benefício (concedido por estado federado) a impetrante quer fazer ainda outro benefício (a ser tirado da União).” Tal entendimento foi mantido pela Corte Superior, por ocasião da apreciação do caso em Recurso Especial, em precedente citado pela ré nestes autos (grifos nossos): REsp 1.968.755, Rel. Min. CAMPBELL MARQUES, DJe de 8/4/2022: “TRIBUTÁRIO EXCLUSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS (A TÍTULO DE ISENÇÃO E REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DE ICMS) DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. LUCRO REAL. INAPLICABILIDADE DOS ERESP. N. 1.517.492/PR QUE SE REFEREM ESPECIFICAMENTE AO BENEFÍCIO DE CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS. ACÓRDÃO EM LINHA COM A RATIO DECIDENDI DE PRESERVAÇÃO DO PACTO FEDERATIVO. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL ATRAVÉS DA CLASSIFICAÇÃO DA ISENÇÃO DE ICMS COMO SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 10, DA LEI COMPLEMENTAR N. 160/2017 E DO ART. 30, DA LEI N. 12.973/2014. 1. No julgamento dos EREsp. n. 1.517.492/PR (Primeira Seção, Rel. Ministro Og Fernandes, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe 01/02/2018) este Superior Tribunal de Justiça entendeu por excluir o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, ao fundamento de violação do Pacto Federativo (art. 150, VI, "a", da CF/88), tornando-se irrelevante a discussão a respeito do enquadramento do referido incentivo / benefício fiscal como "subvenção para custeio", "subvenção para investimento" ou "recomposição de custos" para fins de determinar essa exclusão, já que o referido benefício / incentivo fiscal foi excluído do próprio conceito de Receita Bruta Operacional previsto no art. 44, da Lei n. 4.506/64. 2. Já o caso concreto é completamente diferente do precedente mencionado. Aqui a CONTRIBUINTE pleiteia excluir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL valores que jamais ali estiveram, pois nunca foram contabilizados como receita sua (diferentemente dos créditos presumidos de ICMS), já que são isenções e reduções de base de cálculo do ICMS por si devido em suas saídas. Pela lógica que sustenta, todas as vezes que uma isenção ou redução da base de cálculo de ICMS for concedida pelo Estado, automaticamente a União seria obrigada a reduzir o IRPJ e a CSLL da empresa em verdadeira isenção heterônoma vedada pela Constituição Federal de 1988 e invertendo a lógica do precedente desta Casa julgado nos EREsp. n. 1.517.492/PR (Primeira Seção, Rel. Ministro Og Fernandes, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe 01/02/2018), onde se prestigiou a proteção do Pacto Federativo, ou seja, o exercício independente das competências constitucionais entre os entes federativos. 3. Desta forma, o pedido constitui desdobramento desarrazoado da tese vencedora por ocasião do julgamento dos EREsp. n. 1.517.492/PR, por violar sua ratio decidendi que é a proteção do Pacto Federativo. 4. No entanto, nada impede que o pedido seja acolhido em menor extensão a fim de proporcionar a aplicação do art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017, que classificou tais isenções de ICMS concedidas por legislação estadual publicada até 08.08.2017, mesmo que instituídas em desacordo com o disposto na alínea "g" do inciso XII do § 2º, do art. 155 da Constituição Federal, como subvenções para investimento, as quais podem ser extraídas da base de cálculo do IRPJ e da CSLL nas condições previstas no art. 30, da Lei n. 12.973/2014. 5. Em suma, ao crédito presumido de ICMS se aplica o disposto nos EREsp. n. 1.517.492/PR. Já aos demais benefícios fiscais de ICMS se aplica o disposto no art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e no art. 30, da Lei n. 12.973/2014. 6. Recurso especial parcialmente provido.” Como também apontou a apelante, esta Turma igualmente já teve oportunidade de examinar a questão, em precedente de minha lavra (grifos atuais): ApelRemNec 5028609-86.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, DJEN 19/10/2021: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REITERAÇÃO DE PREOCUPAÇÃO TEÓRICA DISSOCIADA DA LIDE. BENEFÍCIOS FISCAIS DE ICMS. IRPJ E CSL. LUCRO REAL. EXCLUSÃO. FATOS QUE REFEREM APENAS CRÉDITOS PRESUMIDOS. IRRELEVÂNCIA PARA O CASO DE OUTROS TIPOS DE RENÚNCIA FISCAL. VÍCIOS INEXISTENTES. REJEIÇÃO. 1. Em segundos embargos de declaração, reitera-se discussão de natureza teórica que não guarda correspondência com o conteúdo material da lide, evidenciando, de forma manifesta, a improcedência da irresignação. 2. Isenções e reduções de alíquota de ICMS são benefícios de discussão inócua no caso, pois há impossibilidade material de qualquer apropriação federal (IRPJ/CSL) da renúncia fiscal estadual. 3. Num primeiro momento, o imposto estadual ingressa na base de cálculo dos tributos federais, em referência, pelo valor devido antes da aplicação de qualquer crédito (de qualquer natureza) ou desconto em favor do contribuinte – ou seja, o obtido pela incidência e eficácia da norma matriz especificamente definida para cada operação, previamente a modificadores indiretos e a posteriori sobre o quantum obtido a partir desta subsunção inicial. Assim, se não há ICMS devido neste momento (isenção, não incidência, alíquota-zero ou imunidade), inexiste ICMS a ser obviamente incluído em qualquer base tributável: se o valor do tributo resultante do cotejo do fato concreto com a hipótese abstrata de incidência da exação é zero, não há repercussão econômica alguma no IRPJ/CSL. Por derivação lógica, nada há a excluir mediante decisão judicial. Similarmente, se certo Estado modifica, a menor, a alíquota abstratamente aplicável a dada operação econômica que atenda tal ou qual requisito, por evidente o valor do imposto preliminarmente devido é calculado, concretamente, já com a minoração (sequer haveria sentido em utilizar alíquota equivocada e inaplicável ao fato em detrimento daquela especificamente prevista para a situação), de modo que a diferença de valor resultante da redução percentual do multiplicador concedida ao contribuinte jamais ingressa na base de cálculo do IRPJ/CSL, ab initio. Novamente, nada existe a ser excluído judicialmente, portanto. 4. Por consequência necessária, apenas há sentido em debater, nos autos, lançamentos e ajustes contábeis posteriores do imposto estadual que seria, originalmente, pago. Comumente, é a situação em que já existiria um valor inicialmente apurado a partir da incidência da regra-matriz tributária sobre cada operação e agregado como devido, porém o contribuinte faz jus a determinados descontos, abatimentos ou recuperações de tal valor a partir do enquadramento em previsões legais específicas. Fala-se, destacadamente, em “créditos”: presumidos, outorgados, de não-cumulatividade. É apenas neste momento em que exsurge interesse fazendário em, por exemplo, diferenciar imposto faturado e imposto efetivamente pago, ou considerar eventuais créditos remanescentes quaisquer como aumento indireto de lucro líquido como forma de permitir que tais fatores modificadores sejam refletidos na apuração da tributação federal incidente sobre o contribuinte. 5. Sucede que créditos “presumidos” e “outorgados” de ICMS são sinônimos: como admite a própria embargante, trata-se de variação regional de denominação. Abrangem, por oposição a créditos de não-cumulatividade, toda apropriação em escritura contábil de valores que não se originem da aplicação da sistemática regular de não cumulatividade (técnica de compensação “imposto sobre imposto”, no caso do ICMS). O exemplo mais comum é o de créditos aferidos em saídas isentas (que podem, de regra, ser ressarcidos ou usados como desconto em outras operações), mas a referência atinge ingressos contábeis imputáveis ao imposto a pagar que de qualquer forma não guardem correspondência matemática com o que seria obtido pela aplicação da regra padrão de não cumulatividade definida para o tributo. Possuem função extrafiscal, fomentando setores econômicos, produção e circulação de bens específicos, dinamismo e circulação de renda ou, em suma, qualquer objetivo que o Estado avalie pertinente à persecução mediante direcionamento da economia, valendo-se de renúncia de receita. Daí a classificação fazendária em subvenções de custeio e de investimento. 6.Nenhum dos benefícios descritos na inicial foge a tal arcabouço. Logo, dado que esta lide não discute créditos de não cumulatividade, a única hipótese possível de “benefício fiscal” de ICMS a ser excluído da base de cálculo do IRPJ/CSL, na espécie, segundo a narrativa da exordial, é a de créditos presumidos, tal como decidido no mérito (ao referir, genericamente, “créditos”) e já tratados na apreciação dos primeiros embargos de declaração. Saliente-se que a noção de “crédito presumido” adotada no aresto embargado é exatamente a do Superior Tribunal de Justiça, no caso paradigma da matéria (EREsp 1.517.492, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 01/02/2018), cujo fundo fático era estruturalmente muito similar ao da espécie, inclusive, como revela a leitura do voto-condutor. 7.Conquanto teoricamente possível diferenciar "deduções", "restituições" e "devoluções" de imposto de “créditos presumidos”, como espécies de benefício fiscal, nenhuma das hipóteses descritas pela embargante enquadra-se neste tipo de operação, notoriamente menos comum – a inicial sequer fez referência específica a tais modalidades e, tampouco, a própria apelação. Como sabido, não é viável provimento jurisdicional em tese, para abranger cenários para os quais sequer há prova de materialidade, pelo que inexistente omissão ou obscuridade a ser sanada quanto ao ponto, sobretudo em se tratando de matéria veiculada de modo extemporâneo. Frise-se, por outro lado, que o raciocínio acima não implica parcial provimento do pedido meritório formulado. Como dito, a exordial, documento que delimita o escopo da lide, abordou apenas situações de crédito presumido ou sem repercussão na tributação federal (tais como isenções e reduções de alíquota percebidas, a teor do explanado acima). A pretensão foi julgada integralmente procedente porque, interpretado o pedido inicial de acordo com o conjunto da postulação e de boa-fé (artigo 322, § 2º, do CPC), pela genérica expressão “incentivos e benefícios fiscais de ICMS” a serem efetivamente excluídos da tributação de IRPJ/CSL, constante do item 09 da inicial (“DO PEDIDO”) identificou-se, segundo o efetivamente descrito na narrativa das causas de pedir, créditos presumidos. 8. Portanto, e diversamente do insistentemente afirmado, esta Turma, no caso, analisou a integralidade da matéria devolvida pelo recurso. Se a embargante discorda da análise empreendida dos fatos e consequente solução dada à lide, entendendo que tal motivação é equivocada ou insuficiente, fere normas apontadas (artigos 1º a 7º da Lei Complementar 24/1975; 30, caput, I e II, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei 12.973/2014; 3º, 9º e 10 da Lei Complementar 160/2017; 96, 100, I a III,106, I, 111, II, do CTN; 1.013, §§ 2º e 3º do CPC), contraria julgados ou jurisprudência, deve veicular recurso próprio para impugnação do acórdão e não rediscutir matéria em embargos de declaração sucessivos. 9. Por fim, embora tratados todos os pontos invocados nos embargos declaratórios, de relevância e pertinência à demonstração de que não houve qualquer vício no julgamento, é expresso o artigo 1.025 do Código de Processo Civil em enfatizar que se consideram incluídos no acórdão os elementos suscitados pela embargante, ainda que inadmitido ou rejeitado o recurso, para efeito de prequestionamento, pelo que aperfeiçoado, com os apontados destacados, o julgamento cabível no âmbito da Turma. 10. Embargos de declaração rejeitados.” De fato, a teor de toda a jurisprudência reunida, é pertinente diferenciar benefícios de ICMS que ensejam a escrituração contábil de entradas (créditos, que amortizam o valor do imposto estadual devido e calculado paralelamente) daqueles que diretamente reduzem o quantum apurado da exação, ao interferirem nos critérios formativos da hipótese de incidência (isenção, alíquota-zero, não-incidência, etc), usualmente destinados a reduzir o custo de aquisição do adquirente da mercadoria ou serviço. No primeiro caso (“benefício positivo”), lança-se despesa equivalente ao valor do tributo, à qual é imputado o montante do crédito concedido. O adquirente do produto ou serviço é faturado pelo montante integral da exação, porém o cálculo do numerário a ser efetivamente repassado ao Estado é reduzido pela aplicação do crédito previsto. Nesta hipótese, o imposto é escriturado, como despesa, pelo valor integral, pois a hipótese de incidência não é alterada, e posteriormente abatido por entradas computáveis como receita – daí influírem, em princípio, na apuração regular de IRPJ e CSL. No segundo caso (“benefício negativo” ou “redutor”), não há qualquer despesa compensada, de modo que o tributo, se positivo, é lançado ab initio pelo valor derivado da minoração aplicável. O adquirente do produto ou serviço é faturado pelo montante beneficiado do tributo, de modo que o arranjo normativo lhe aproveita, na medida em que importa redução do custo da operação de aquisição. Neste cenário o tributo é escriturado como despesa diretamente pelo resultado da aplicação do benefício, inexistindo despesa a maior amortizável e tampouco entrada paralela a modificar, inicialmente, a apuração do resultado contábil. Na espécie, como se colhe da inicial, o pedido formulado objetiva excluir isenções e reduções de base de cálculo de ICMS da apuração de IRPJ/CSL (ID 230932144, f. 27): “e) Conferida a medida liminar, confirmá-la para que seja julgado procedente o presente mandamus com a concessão da segurança, garantindo a manutenção do direito de excluir as subvenções concedidas pelo Estados a título de isenção e redução de base de cálculo de ICMS das respectivas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL;” Como se observa, trata-se de benefício negativo, pretensão que não se amolda ao entendimento jurisprudencial consolidado, pelo que não comporta provimento, diversamente da apreciação ocorrida na origem. Despiciendo, contudo, aventar sobre nulidade da sentença, sendo o mandado de segurança hipótese modal de aplicação do artigo 1.013, § 3º, do CPC. Registre-se, por fim, que não há possibilidade de acolhimento do pedido inicial em menor extensão (tal como aludido no REsp 1.968.755), para fim de reconhecimento de existência de subvenção para investimento, na medida em que não houve demonstração, a partir de causa de pedir associada à prova documental, de que foram atendidos os requisitos para tanto, previstos na Lei 12.973/2014, verbis (grifos nossos): “Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para: I - absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou II - aumento do capital social. § 1º Na hipótese do inciso I do caput, a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes. § 2º As doações e subvenções de que trata o caput serão tributadas caso não seja observado o disposto no § 1º ou seja dada destinação diversa da que está prevista no caput, inclusive nas hipóteses de: I - capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais para investimentos; II - restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou III - integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios. § 3º Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso, não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput , esta deverá ocorrer à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes. § 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. § 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.” Desta forma, divirjo do relator para dar provimento à apelação e à remessa oficial e denegar a segurança. É como voto.
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
No caso dos autos, discute-se a possibilidade de inclusão de subvenções concedidas a título de isenção e redução de ICMS nas bases de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Por primeiro, afasto a alegação da União referente à necessidade de anulação da sentença, uma vez que toda fundamentação da decisão de primeiro grau trata dos fatos e pedidos formulados pela impetrante. Apenas o dispositivo consta referência ao crédito presumido de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, matéria inclusive análoga à controvérsia dos autos, sendo passível de reforma por esta Corte, não havendo ofensa ao princípio da congruência, nem prejuízo para a Fazenda Nacional apresentar seus argumentos na apelação interposta, em plena observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
No mérito, observo que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 1.517.492/PR, Relatora Ministra Regina Helena Costa, pacificou o entendimento de que os créditos de ICMS, por possuírem natureza de incentivo fiscal, não podem compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, sob pena de interferência da União na política fiscal dos Estados-membros e a consequente ofensa ao princípio Federativo. Por oportuno, confira-se:
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA - IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO - CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.
I - Controverte-se acerca da possibilidade de inclusão de crédito presumido de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
II - O dissenso entre os acórdãos paradigma e o embargado repousa no fato de que o primeiro manifesta o entendimento de que o incentivo fiscal, por implicar redução da carga tributária, acarreta, indiretamente, aumento do lucro da empresa, insígnia essa passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL; já o segundo considera que o estímulo outorgado constitui incentivo fiscal, cujos valores auferidos não podem se expor à incidência do IRPJ e da CSLL, em virtude da vedação aos entes federativos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.
III - Ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.
IV - Tal entendimento leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas.
V - O modelo federativo por nós adotado abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.
VI - Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.
VII - A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS - e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.
VIII - A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo.
Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.
IX - A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
X - O juízo de validade quanto ao exercício da competência tributária há de ser implementado em comunhão com os objetivos da Federação, insculpidos no art. 3º da Constituição da República, dentre os quais se destaca a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), finalidade da desoneração em tela, ao permitir o barateamento de itens alimentícios de primeira necessidade e dos seus ingredientes, reverenciando o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa brasileira (art. 1º, III, C.R.).
XI - Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.
XII - O abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, ainda que sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceito legais, aumentando o preço final dos produtos que especifica, integrantes da cesta básica nacional.
XIII - A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos, é dizer, absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.
XIV - Nos termos do art. 4º da Lei n. 11.945/09, a própria União reconheceu a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores em espécie pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços.
XV - O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento segundo o qual o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.
XVI - Embargos de Divergência desprovidos.”
(EREsp 1517492/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/2017, DJe 01/02/2018)
Evidencia-se com o julgado acima que os valores decorrentes de incentivo fiscal relativo ao ICMS concedido pelo Estado, de forma genérica, - aí incluídos não apenas os créditos presumidos de ICMS, mas também as subvenções concedidas a título de isenção e redução de ICMS nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL – não podem ser considerados como receita ou lucro da empresa e, por tal motivo, não podem ser incluídos nas bases de cálculo dos mencionados tributos federais. Nesse sentido, recente entendimento externado pelo STJ:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. IRPJ. CSLL. BASE DE CÁLCULO. INCENTIVO FISCAL. REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO DO ICMS. PRODEC. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. PACTO FEDERATIVO. IMPOSSIBILIDADE.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 1973.
II - O Tribunal de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão.
III - Configura ilegalidade exigir, das empresas submetidas ao regime especial de pagamento do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense - PRODEC, a integração, à base de cálculo do IRPJ e da CSLL, do montante obtido com o incentivo fiscal outorgado pelo Estado de Santa Catarina, qual seja, o "[...] pagamento diferido do ICMS, relativo a 60% sobre o incremento resultante pelo estabelecimento da empresa naquele Estado-membro, e que será adimplido no 36° mês, sem correção monetária, sendo devidos apenas juros simples anuais de 4% (quatro por cento) [...]".
IV - Ao considerar tal soma como lucro, o entendimento manifestado pelo Fisco (Ato Declaratório Interpretativo SRF n. 22/2003), sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.
V - Tal orientação leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em ato infralegal.
VI - O modelo federativo abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.
VII - Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.
VIII - A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.
IX - A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.
X - A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
XI - Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.
XII - O abalo na credibilidade no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias.
XIII - A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.
XIV - A 1ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp n. 1.443.771/RS, assentou que o crédito presumido de ICMS, a par de não se incorporar ao patrimônio da contribuinte, não constitui lucro, base imponível do IRPJ e da CSLL, sob o entendimento segundo o qual a concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Axiologia da ratio decidendi que afasta, igualmente, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de montante outorgado, de igual forma, no contexto de incentivo fiscal relativo ao ICMS, o qual fora estabelecido, neste caso, no bojo do Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense - PRODEC.
XV - Recurso Especial provido.” - g.m.
(REsp 1222547/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/03/2022, DJe 16/03/2022)
Acrescente-se, ainda, que tal posicionamento não se encontra superado e inexiste qualquer orientação que condicione o reconhecimento do direito da empresa de exclusão dos incentivos fiscais ao cumprimento dos requisitos previstos no art. 30 da Lei nº 12.973/2014 (com redação dada pela LC nº 160/2017). Pelo contrário, em decisões recentes, o c. STJ consignou que o entendimento constante no EREsp 1.517.492/PR permanece incólume, a despeito da superveniência da LC nº 160/2017. Senão vejamos:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. IMPOSSIBILIDADE. ERESP 1.517.492/PR. FATO SUPERVENIENTE. CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS PRESUMIDOS DE ICMS COMO SUBVENÇÕES PARA INVESTIMENTO. LEI COMPLEMENTAR 160/2017. IRRELEVÂNCIA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança objetivando a exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O Juízo de 1º Grau concedeu a segurança, "para declarar o direito da impetrante de excluir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o crédito presumido de ICMS previsto nos Decretos nºs 49.486/12 e 50.234/13 do Estado do Rio Grande do Sul e correlatas alterações, e a compensar, após o trânsito em julgado, os valores indevidamente recolhidos a tal título". O Tribunal de origem, mantendo a sentença, negou provimento à Apelação e à Remessa Oficial. Neste Tribunal, o Recurso Especial foi improvido, o que ensejou a interposição do presente Agravo interno.
III. A Primeira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp 1.517.492/PR (Rel. p/ acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe de 01/02/2018), firmou o entendimento no sentido de que não é possível a inclusão de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, por representar interferência da União na política fiscal adotada por Estado-membro, configurando ofensa ao princípio federativo e à segurança jurídica.
IV. A superveniência da Lei Complementar 160/2017 - cujo art. 9º acrescentou os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014, qualificando o incentivo fiscal estadual como subvenção para investimento - não tem o condão de alterar a conclusão, consagrada no julgamento dos EREsp 1.517.492/PR (Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 01/02/2018), no sentido de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação ao princípio federativo. Nesse sentido: STJ, AgInt nos EREsp 1.462.237/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 21/03/2019; AgInt nos EREsp 1.607.005/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 08/05/2019.
V. Quanto às considerações trazidas no presente Agravo interno, concernentes aos EREsp 1.210.941/RS (Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 01/08/2019), nos quais a Primeira Seção desta Corte reconheceu a possibilidade de inclusão de crédito presumido do IPI na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o entendimento não se aplica à hipótese dos autos, uma vez que o fundamento adotado nos EREsp 1.517.492/SC foi a ofensa ao princípio federativo, em decorrência da incidência de tributo federal sobre o incentivo fiscal de ICMS, circunstância que não se verifica, no caso do IPI. Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1.804.981/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/10/2019; AgInt no REsp 1.788.393/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 12/09/2019.
VI. Agravo interno improvido.” - g.m.
(AgInt no REsp 1813047/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 17/03/2020)
Destarte, não há que se falar em ausência de comprovação pela impetrante dos requisitos insculpidos no art. 30 da Lei nº 12.973/2014.
Reconhecida a existência de valores indevidamente recolhidos, subsiste a discussão envolvendo os parâmetros a serem observados no direito à compensação do indébito.
O c. Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos, consolidou entendimento no sentido de que, em se tratando de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito superveniente, porquanto os novos preceitos normativos, ao mesmo tempo em que ampliaram o rol das espécies tributárias compensáveis, condicionaram a realização da compensação a outros requisitos, cuja existência não constou da causa de pedir e não foi objeto de exame nas instâncias ordinárias, esbarrando no requisito do prequestionamento, viabilizador dos recursos extremos. Ainda assim, o c. STJ ressalva o direito de o contribuinte proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios. Vejamos:
"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. SUCESSIVAS MODIFICAÇÕES LEGISLATIVAS. LEI 8.383/91. LEI 9.430/96. LEI 10.637/02. REGIME JURÍDICO VIGENTE À ÉPOCA DA PROPOSITURA DA DEMANDA. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE. INAPLICABILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. ART. 170-A DO CTN. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. HONORÁRIOS. VALOR DA CAUSA OU DA CONDENAÇÃO. MAJORAÇÃO. SÚMULA 07 DO STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
(...)
9. Entrementes, a Primeira Seção desta Corte consolidou o entendimento de que, em se tratando de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito superveniente, tendo em vista o inarredável requisito do prequestionamento, viabilizador do conhecimento do apelo extremo, ressalvando-se o direito de o contribuinte proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (EREsp 488992/MG).
10. In casu, a empresa recorrente ajuizou a ação ordinária em 19/12/2005, pleiteando a compensação de valores recolhidos indevidamente a título de PIS E COFINS com parcelas vencidas e vincendas de quaisquer tributos e/ou contribuições federais.
11. À época do ajuizamento da demanda, vigia a Lei 9.430/96, com as alterações levadas a efeito pela Lei 10.637/02, sendo admitida a compensação, sponte própria, entre quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, independentemente do destino de suas respectivas arrecadações.
(...)
17. Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido, apenas para reconhecer o direito da recorrente à compensação tributária, nos termos da Lei 9.430/96. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.”
(REsp 1137738/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 01/02/2010)
In casu, por se tratar de julgamento em instância ordinária, não há o óbice atinente ao requisito do prequestionamento, no qual se fundamentou o c. STJ no precedente retro. Contudo, de igual forma, tenho por inviável a apreciação da compensação à luz da legislação superveniente, uma vez que o preenchimento ou não das exigências das normas posteriores não foi objeto da causa de pedir, tampouco de contraditório.
Sendo a compensação forma de extinção do crédito tributário, a teor do art. 156, II, do Código Tributário Nacional, deve ser realizada nos termos da legislação específica do ente federativo (art. 170, caput, do CTN). Ressalte-se, ainda, que, com o advento da Lei nº 13.670/18 e revogação do parágrafo único do art. 26 da Lei nº 11.457/07, não subsiste, em caráter geral, o óbice à possibilidade da compensação ser realizada com as contribuições previdenciárias. Diga-se em caráter geral, pois deve ser obedecido o regramento contido no art. 26-A do diploma referido.
De outro lado, tal qual fez o c. STJ no citado precedente julgado sob o regime dos recursos repetitivos (REsp 1.137.738/SP), ressalvo o direito do contribuinte proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios.
Cumpre destacar, com base em alentada jurisprudência e, considerando a data da impetração do mandamus em testilha, que é necessário o trânsito em julgado da decisão para que se proceda à compensação dos valores recolhidos indevidamente, em consonância com o artigo 170-A do Código Tributário Nacional.
Assim sendo, reconheço o direito à compensação administrativa, nos termos da fundamentação supra, considerando-se prescritos eventuais créditos oriundos dos recolhimentos efetuados em data anterior aos 05 anos, contados retroativamente do ajuizamento da ação mandamental, conforme o disposto no artigo 168 do CTN c/c artigo 3º da Lei Complementar nº 118/2005, tendo em vista que o mandamus foi impetrado em 21/05/2021.
Os créditos da impetrante devem ser atualizados na forma do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 658/2020 do Conselho da Justiça Federal.
Esclareço que a taxa SELIC está prevista tanto na Resolução CJF nº 658/2020, como no Código Civil, tratando-se de índice legal que engloba a correção monetária e os juros de mora. Insta salientar, que o termo inicial para incidência de juros de mora ocorrerá, necessariamente, quando já houver a incidência da taxa SELIC a título de correção monetária.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação e à remessa oficial para determinar que a compensação deverá observar os termos dos artigos 26 e 26-A da Lei nº 11.457/07; e dou parcial provimento à remessa oficial para reformar o dispositivo da sentença e declarar a possibilidade de exclusão de subvenções concedidas pelo Estado de São Paulo a título de isenção e redução de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DE ISENÇÕES E REDUÇÕES DA BASE DE CÁLCULO DE ICMS DA APURAÇÃO DE IRPJ/CSL. BENEFÍCIO NEGATIVO. IMPOSSIBILIDADE. VALIDADE DA TRIBUTAÇÃO.
1. Inicialmente, cumpre destacar que a patrona da ré sustentou haver distinguishing a ser considerado entre o caso dos autos e o precedente da Corte Superior firmado no EREsp 1.517.492. Em síntese, ventilou-se a necessidade de se diferenciar “benefícios negativos” e “benefícios positivos” incidentes sobre o ICMS, para fim de conclusões a respeito dos respectivos impactos na base de cálculo do IRPJ/CSL.
2. A teor de toda a jurisprudência reunida, é pertinente diferenciar benefícios de ICMS que ensejam a escrituração contábil de entradas (créditos, que amortizam o valor do imposto estadual devido e calculado paralelamente) daqueles que diretamente reduzem o quantum apurado da exação, ao interferirem nos critérios formativos da hipótese de incidência (isenção, alíquota-zero, não-incidência, etc), usualmente destinados a reduzir o custo de aquisição do adquirente da mercadoria ou serviço.
3. No primeiro caso (“benefício positivo”), lança-se despesa equivalente ao valor do tributo, à qual é imputado o montante do crédito concedido. O adquirente do produto ou serviço é faturado pelo montante integral da exação, porém o cálculo do numerário a ser efetivamente repassado ao Estado é reduzido pela aplicação do crédito previsto. Nesta hipótese, o imposto é escriturado, como despesa, pelo valor integral, pois a hipótese de incidência não é alterada, e posteriormente abatido por entradas computáveis como receita – daí influírem, em princípio, na apuração regular de IRPJ e CSL.
4. No segundo caso (“benefício negativo” ou “redutor”), não há qualquer despesa compensada, de modo que o tributo, se positivo, é lançado ab initio pelo valor derivado da minoração aplicável. O adquirente do produto ou serviço é faturado pelo montante beneficiado do tributo, de modo que o arranjo normativo lhe aproveita, na medida em que importa redução do custo da operação de aquisição. Neste cenário o tributo é escriturado como despesa diretamente pelo resultado da aplicação do benefício, inexistindo despesa a maior amortizável e tampouco entrada paralela a modificar, inicialmente, a apuração do resultado contábil.
5. Na espécie, como se colhe da inicial, o pedido formulado objetiva excluir isenções e reduções de base de cálculo de ICMS da apuração de IRPJ/CSL Como se observa, trata-se de benefício negativo, pretensão que não se amolda ao entendimento jurisprudencial consolidado, pelo que não comporta provimento, diversamente da apreciação ocorrida na origem. Despiciendo, contudo, aventar sobre nulidade da sentença, sendo o mandado de segurança hipótese modal de aplicação do artigo 1.013, § 3º, do CPC.
6. Por fim, não há possibilidade de acolhimento do pedido inicial em menor extensão (tal como aludido no REsp 1.968.755), para fim de reconhecimento de existência de subvenção para investimento, na medida em que não houve demonstração, a partir de causa de pedir associada à prova documental, de que foram atendidos os requisitos para tanto, previstos na Lei 12.973/2014.
7. Apelação e remessa oficial providas.