Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000950-84.2014.4.03.6115

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: SIDNEY JOSE CAMPANHA

Advogados do(a) APELANTE: AILTON SABINO - SP165544-A, JAIME DE LUCIA - SP135768-A, JOCIELE DONATO ALVES - SP361088-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: VILMA PEREIRA DA SILVA
ABSOLVIDO: MAURO BEDICKS
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FABIANA SANTOS LOPEZ FERNANDES DA ROCHA - SP217209-A
ADVOGADO do(a) ABSOLVIDO: JOCIELE DONATO ALVES - SP361088-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000950-84.2014.4.03.6115

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: SIDNEY JOSE CAMPANHA

Advogados do(a) APELANTE: AILTON SABINO - SP165544-A, JAIME DE LUCIA - SP135768-A, JOCIELE DONATO ALVES - SP361088-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: VILMA PEREIRA DA SILVA
ABSOLVIDO: MAURO BEDICKS

 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FABIANA SANTOS LOPEZ FERNANDES DA ROCHA - SP217209-A
ADVOGADO do(a) ABSOLVIDO: JOCIELE DONATO ALVES - SP361088-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por SIDNEY JOSÉ CAMPANHA em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de São Carlos (SP) que o condenou à pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 337-A, III, do Código Penal, em continuidade delitiva (CP, art. 71).

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação pecuniária, no valor de R$ 4.180,00 (quatro mil centos e oitenta reais), a ser destinada pelo pelo juízo da execução, e (ii) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, em local a ser indicado pelo juízo da execução.

O corréu MAURO BEDICKS foi absolvido dessa imputação, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

A denúncia (ID 156546005, pp. 147/153), narra:

Consta do incluso inquérito policial que, no período de 28/04 a 26/06/2003, no município de Pirassununga/SP, VILMA PEREIRA DA SILVA obteve, para si, vantagem ilícita consistente na percepção do benefício de seguro-desemprego, em prejuízo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no importe de R$ 870,99 (oitocentos e setenta reais e noventa e nove centavos), induzindo em erro o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mediante o artifício fraudulento de omitir, em sua carteira de trabalho, a existência de novo vínculo empregatício.

Consta também que SIDNEY JOSÉ CAMPANHA e MAURO BEDICKS, na qualidade de sócios e administradores da empresa "Campbed - Administração e Comércio de Diversões Ltda." (CNPJ 0 04.349.625/0001-14, estabelecida em Pirassununga/SP), agindo em comunhão de vontades e unidade de propósitos, suprimiram contribuição social previdenciária, mediante omissão do valor dos salários mensalmente pagos à referida empregada, como fatos geradores da exação fiscal, no período de 02/02 a 31/08/2003.

Conforme apurado, VILMA PEREIRA DA SILVA era empregada da empresa "Aquarius Bingo" (CNPJ n° 04.424.279/000 1- 91), localizada em PirassunungalSP, na qual havia sido admitida em 02/05/2002, tendo ocorrido sua dispensa sem justa causa em 08/01/2003.

Mais tarde, precisamente em 02/02/2003, veio a ser admitida na empresa "Campbed - Administração e Comércio de Diversões Ltda." (CNPJ O 04.349.625/0001-14), onde passou a trabalhar como operadora de caixa sem anotação em carteira de trabalho (CTPS).

Apesar disso, formalizou requerimento (em 29/03/2003), perante o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de concessão de seguro-desemprego, em virtude da primeira rescisão contratual (acima mencionada), tendo informado, na ocasião, que se encontrava desempregada e sem nenhum tipo de atividade remunerada (fl. 30).

Ao final, o benefício do seguro-desemprego lhe foi deferido, vindo a denunciada, nos dias 28/04, 27/05 e 26/06/2003, a efetuar o saque de 03 (três) parcelas, no valor de R$ 290,3 3 (duzentos e noventa reais e trinta e três centavos) cada (fl. 30), num total de R$ 870,99 (oitocentos e setenta reais e noventa e nove centavos).

O elo empregatício com a empresa "Campbed", formalizado em CTPS apenas em 01/09/2003, se estendeu até 27/10/2005, quando veio a ser dispensada imotivadamente (fl. 31).

Posteriormente, a denunciada ingressou com reclamação trabalhista (Processo n° 0019300-42.2007.5.15.0136, Juízo da Vara do Trabalho de PirassunungalSP) em face de sua ex-empregadora ("Carnpbed - Administração e Comércio de Diversões Ltda."), com o propósito de obter o formal reconhecimento do vínculo de emprego, no período de 02/02 a 31/08/2003, e a condenação da empresa-ré ao pagamento de verbas trabalhistas, além de indenização por dano moral em virtude da atribuição da prática de apropriação indébita à (então) reclamante, que, segundo ela, seria infundada.

Ao final do processo, a Juíza do Trabalho sentenciante julgou parcialmente procedentes os pedidos, reconheceu a existência de vínculo empregatício no período de 02/02 a 31/08/2003 e condenou a empresa reclamada a pagar à reclamante as verbas rescisórias e demais direitos (horas extras, intervalo intrajornada, adicional noturno, devolução de valor descontado indevidamente sob a falsa imputação de apropriação), além de indenização/compensação por dano moral, na forma e valores ali estabelecidos (cópia da sentença às fis. 08/18).

Com isso, a fraude veio à tona, redundando na formulação de notitia criminis pela Justiça do Trabalho (fl. 06) e consequente instauração de inquérito policial, no qual, ao ser ouvida pela Autoridade Policial (fi. 53), a denunciada admitiu o recebimento do seguro-desemprego quando, de fato, trabalhava na empresa "Campbed - Administração e Comércio de Diversões Ltda.", embora sem anotação em carteira (CTPS).

Além de ter detectado a fraude, a Justiça do Trabalho determinou que a empregadora efetuasse o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social e correspondentes ao período laborado sem registro em carteira, em ordem a abranger as quotas do empregado e do empregador.

Através de liquidação específica, chegou-se à importância de R$ 4.181,26 (quatro mil, cento e oitenta e um reais e vinte e seis centavos), a título de crédito previdenciário (atualizado em 25/09/2009) (fl. 71 e tela impressa de consulta eletrônica ao histórico do processo, em anexo).

O trânsito em julgado do feito trabalhista adveio em 04/03/2013, depois do julgamento de recurso de revista pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que afastou a competência da Justiça do Trabalho para determinar a averbação do tempo de serviço correspondente ao período reconhecido do vínculo empregatício (fl. 07 e tela impressa de consulta eletrônica ao histórico do processo, em anexo).

A empresa "Campbed - Administração e Comércio de Diversões Ltda." era administrada por SIDNEY JOSÉ CAMPANHA e MAURO BEDICKS, como se verifica da cópia de sua ficha cadastral (fis. 3 3/5) - indicando, entre outras coisas, que a denominação da entidade era composta pelos nomes dos denunciados -, e da palavra de VILMA PEREIRA DA SILVA na órbita policial (fl. 53).

Não há notícia de pagamento do débito em questão.

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia a Vossa Excelência VILMA PEREIRA DA SILVA, como incursa no art. 171, caput e 3°, do Código Penal; e SIDNEY JOSÉ CAMPANHA e MAURO BEDICKS, como incursos I no art. 337-A, III, c/c os arts. 29 e 71, caput, todos do Código Penal. E requer que, recebida e autuada a presente denúncia, sej am os acusados citados/intimados para apresentar resposta/defesa inicial e participar dos atos do processo, adotando-se o rito (ordinário) previsto nos arts. 396 a 405 do Código de Processo Penal (com a redação dada pelo art. 1° da Lei n° 11.719/08), até final condenação. 

Inicialmente, o juízo a quo havia recebido a denúncia em relação a VILMA PEREIRA DA SILVA e, pela aplicação do princípio da insignificância, a rejeitado quantos demais réus (ID 156546005, pp. 154/156) quando ao crime de sonegação de contribuição previdenciária.

A Décima Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal, provendo recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (ID 156545992, pp. 3/22), recebeu a denúncia em 26.09.2017 e determinou ao juízo de origem que desse prosseguimento ao feito (idem, pp. 47/53).

Com relação a VILMA, o juízo, após a prolação de sentença condenatória (ID 156546006, pp. 60/71), reconheceu a prescrição da pretensão punitiva e declarou extinta a sua punibilidade pelo crime tipificado no art. 171, caput e § 3º, do Código Penal (idem, pp. 76/78).

A sentença condenatória (ID 156546147) foi publicada em 12.02.2021 (ID 156546147).

Em seu recurso (ID 156546147), a defesa requer, preliminarmente, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. No mérito, pede a absolvição do réu, invocando o princípio in dubio pro reo, com fundamento nos arts. 386, III, e 397, II e IV, do Código de Processo Penal. Argumenta, em resumo, que a denúncia não informa os valores sonegados e que “o processo trabalhista encontra-se extinto e arquivado, consequentemente, o próprio crédito tido como supostamente sonegado encontra-se abrangido pela prescrição”. Subsidiariamente, pede redução das penas, especialmente quanto à pena de multa e à pena de prestação pecuniária.

Foram apresentadas contrarrazões (ID 156546147).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (ID 160503748).

É o relatório.

À revisão.

 

 


O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Peço vênia ao e. Relator para divergir parcialmente de seu judicioso voto para reconhecer a tipicidade do fato imputado na denúncia como sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, III, do Código Penal) e analisar o mérito da pretensão punitiva quanto a este crime, nos termos a seguir expostos.

 

SÚMULA VINCULANTE Nº 24

A presente ação penal preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, pois a sentença condenatória proferida pela Justiça do Trabalho é título executivo das contribuições previdenciárias dela decorrentes e, portanto, naquela seara é discutido o valor do tributo (com participação da União) e, após a liquidação, considera-se constituído o crédito tributário. Sobre o tema, confira-se o teor da Súmula Vinculante nº 53:

"A competência da Justiça do Trabalho prevista no artigo 114, inciso VIII, da Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados".

 

A propósito, trago à colação precedentes deste E. Tribunal (destaques meus):

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 337-A, INCISO III, COMBINADO COM O ARTIGO 29, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PRESENÇA DA JUSTA CAUSA. SENTENÇA TRABALHISTA TRANSITADA EM JULGADO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA SÚMULA 24 DO STF. DENÚNCIA RECEBIDA.

[...]

4. Os elementos carreados aos autos cumprem os pressupostos necessários para a deflagração da ação penal, uma vez que retratam indícios de quem teria sido o autor do ilícito penal e demonstram a materialidade delitiva do crime imputado, restando cumpridos os requisitos do artigo 41 do CPP. De rigor o recebimento da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal.

5. A sentença trabalhista condenatória é título executivo judicial das contribuições previdenciárias dela decorrentes, sendo capaz de dispensar a instauração de procedimento administrativo, tornando-se suficiente para constituir o crédito tributário após sua liquidação, em atendimento ao disposto na Súmula n.º 24 do STF. Precedentes do STJ e desta E. Corte.

6. Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL provido. Como consequência, recebida a denúncia constante dos autos, empregando, para tanto, o entendimento contido na Súmula 709/STF (Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela).

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ReSe 5002525-93.2019.4.03.6106, Relator(a) Desembargador  Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, Data do Julgamento 29/03/2021, v.u., Data da  Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 30/03/2021);

 

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CRIME DO ART. 337-A, I E III, DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. HOMOLOGAÇÃO DOS CÁLCULOS DA SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO TRABALHISTA. SÚMULAS VINCULANTE 24 E 53. MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVA ORAL E DOCUMENTAL. DOLO GENÉRICO COMPROVADO. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.

1- O réu foi denunciado pela prática de crime material previsto no art. 337-A do Código Penal, motivo pelo qual o prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal se inicia quando da constituição definitiva do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante nº 24, igualmente aplicável ao crime de sonegação de contribuição previdenciária.

1.1- Na hipótese de contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação em reclamação trabalhista, o termo inicial da prescrição é a data em que homologados os cálculos pela Justiça do Trabalho, a quem compete executar tais verbas (Súmulas Vinculantes nº 24 e 53).

1.2- Prescrição não consumada no caso concreto.

[...]

7- Apelo defensivo parcialmente provido.”

(11ª Turma, ApCrim 0000212-57.2018.4.03.6115, minha relatoria, v.u., e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/02/2020);

 

“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. REQUISIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. COMPETÊNCIA. TRANCAMENTO. INQUÉRITO POLICIAL. AÇÃO PENAL. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SENTENÇA TRABALHISTA. SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADMISSIBILIDADE. SONEGAÇÃO FISCAL. CRIMES DE FALSIDADE MATERIAL OU IDEOLÓGICA. ABSORÇÃO. POTENCIALIDADE LESIVA. CASUÍSTICA. ORDEM DENEGADA.

1. A requisição para instauração de inquérito policial por membro do Ministério Público Federal é ato que não se sujeita ao juízo de discricionariedade da autoridade policial, uma vez que retira dela qualquer juízo a respeito da necessidade de instauração do procedimento, devendo atender de pronto a determinação. Compete ao Tribunal Regional Federal conhecer e julgar habeas corpus contra ato praticado por membro do Ministério Público Federal (CR, art. 108, I, a) (TRF da 3ª Região, HC n. 2010.03.00.015193-5, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 14.03.11).

2. Com fundamento no art. 108, I, a, da Constituição da República, compete ao Tribunal o habeas corpus impetrado para o trancamento de inquérito policial instaurado por requisição de Procurador da República (RE n. 377.356, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.10.08, Informativo STF n. 523).

3. O trancamento do inquérito policial ou da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, ausência de provas da materialidade e autoria, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade (STJ, HC n. 292858, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.11.15).

4. A sentença trabalhista constitui título executivo judicial das contribuições sociais a dispensar a instauração de procedimento administrativo para a formação do título extrajudicial (STJ, REsp n. 200902395252, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27.08.13; TRF da 3ª Região, ApReeNec 00016084420104036117, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 21.07.15), de modo que igualmente faz prova da materialidade delitiva em atendimento à Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal (TRF da 3ª Região, ACr n. 2016.61.15.003851-0, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 07.05.18).

[...]

7. Ordem denegada.“

(5ª Turma, HC 5001999-14.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. ANDRE NEKATSCHALOW, julgado em 08/04/2019);

 

"PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGOS 337-A, III, E 297, §4°, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA TRABALHISTA TRANSITADA EM JULGADO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE PROVA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA CONFORME SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU.

1. A sentença trabalhista, transitada em julgado, é capaz de constituir o crédito tributário, a embasar a denúncia na ação penal.

2. Ao Ministério Público cabe o ônus de provar a acusação formulada, juntando os documentos necessários ao convencimento do julgador quanto ao fato criminoso imputado ao réu (art. 156, CPP).

3. Apelação ministerial desprovida."

(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ACR 0001572-47.2006.4.03.6116, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, DJe 31/01/2017).

 

Não há razão para se afirmar que a ausência de apuração das contribuições previdenciárias em sede de procedimento administrativo fiscal instaurado para tal finalidade possa obstar o curso da ação penal, sob pena de permitir que uma conduta (em tese) criminosa seja colocada à margem da persecução penal pelo Estado.

Condicionar a constituição definitiva do crédito tributário exigida na Súmula Vinculante nº 24 a uma única forma é olvidar que existem diversas modalidades de lançamento e, como dito acima, a jurisprudência reconhece o efeito constitutivo do crédito tributário na sentença trabalhista. Assim é que, para servir de título executivo do crédito tributário dela decorrente, a sentença trabalhista deverá expressamente verificar a ocorrência do fato gerador e proceder à quantificação do tributo.

Não há, portanto, que se falar em atipicidade da conduta, sendo suficiente para fins de preenchimento da condição inserta na Súmula Vinculante nº 24 que a constituição do crédito se dê pela via da sentença trabalhista.

Superada a questão, passa-se à análise das matérias deduzidas no recurso defensivo.

 

PRESCRIÇÃO

No caso concreto, o réu foi denunciado pela prática de crime material contra ordem tributária, previsto no art. 337-A, III, do Código Penal, motivo pelo qual o prazo de prescrição da pretensão punitiva estatal se inicia com a constituição definitiva do crédito tributário, nos termos do entendimento cristalizado pelo C. Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante nº 24, igualmente aplicável ao crime de sonegação de contribuição previdenciária (STJ, 5ª Turma, RHC 24876/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe 19/03/2012).

Sobre o tema, confira-se:

“AGRAVO  REGIMENTAL  NO RECURSO ESPECIAL. CRIME TRIBUTÁRIO. SONEGAÇÃO DE  ICMS.  DISSÍDIO  JURISPRUDENCIAL. COMPROVAÇÃO. COTEJO ANALÍTICO. NECESSIDADE.  OFENSA  À  CONSTITUIÇÃO.  VIA  INADEQUADA.  [...] AUTORIA  E  MATERIALIDADE  DELITIVA. REVOLVIMENTO   FÁTICO-PROBATÓRIO.   IMPOSSIBILIDADE.  INCIDÊNCIA  DO ENUNCIADO N.º 7 DA SÚMULA DO STJ. [...] PRESCRIÇÃO  DA  PRETENSÃO  PUNITIVA  DO ESTADO. CRIME TRIBUTÁRIO.   SÚMULA   24   DO   STF.  NÃO  VERIFICAÇÃO  DOS  PRAZOS PRESCRICIONAIS   ENTRE   OS   MARCOS   INTERRUPTIVOS.  JUS  PUNIENDI PRESERVADO.

1.  A  Corte  de  origem decidiu em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior, no sentido de que o artigo 111, inciso I, do Código Penal, prevê como termo inicial da prescrição a data da consumação  do delito, que, no caso de crime material contra a ordem tributária, é a data da constituição definitiva do crédito, conforme o Enunciado n. 24 da Súmula Vinculante do STF.

2.  Considerando-se  que  no  caso  examinado  a  pena  privativa de liberdade  foi  fixada  em  2  anos, implementa-se a prescrição em 4 (quatro)  anos,  por força da previsão contida no artigo 109, inciso V, do CP.

3.  Não  tendo  havido o decurso do referido lapso de tempo entre os marcos  interruptivos,  quais  sejam,  a  constituição definitiva do crédito   tributário   (24.2.2009),   o   recebimento   da  denúncia (14.2.2012),  a  publicação  da sentença condenatória (5.2.2015) e a publicação  do  acórdão  (22.1.2016),  inviável  o reconhecimento da prescrição   da   pretensão   punitiva   estatal  e  a  extinção  da punibilidade do agente.

4. Agravo regimental desprovido.”

(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1635274 / RS, Relator(a) Ministro JORGE MUSSI (1138), DJe 12/09/2018) - grifei

 

Delineadas tais premissas, tem-se que a constituição definitiva do crédito tributário objeto do delito descrito na denúncia ocorreu em 04/03/2013, na data do trânsito em julgado da sentença trabalhista (id. 15656005 -p. 86), já na vigência, portanto, da Lei nº 12.234/2010, que alterou o art. 110, §1º, do Código Penal. Assim, a prescrição, antes do recebimento da denúncia, deve ser calculada com base na pena máxima abstratamente cominada ao delito que, no caso concreto, atrai um prazo prescricional de 12 (doze) anos, nos termos do art. 109, III, do Código Penal.

Referido intervalo não restou superado entre a data da constituição do crédito tributário (04/03/2013) e a do recebimento da denúncia (26/09/2017).

Noutro giro, considerando que não houve interposição de recurso pela acusação, a prescrição no curso da ação penal pode ser calculada com base na pena concretamente aplicada ao réu, na hipótese, 2 (dois) anos de reclusão, excluído o aumento pela continuidade delitiva (art. 119 do Código Penal e Súmula nº 497 do STF).

Assim, o prazo prescricional incidente na hipótese é de 04 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal, que não foi superado entre o recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença condenatória (18/12/2020), tampouco desde este último marco interruptivo até a presente data.

Portanto, não há que se falar, no caso concreto, em ocorrência da extinção de punibilidade pelo esgotamento do prazo prescricional, permanecendo hígida a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia.

 

MATERIALIDADE E AUTORIA

O mérito da condenação não foi objeto de impugnação específica da defesa, que se limitou a requerer a absolvição do acusado por insuficiência de provas (“in dubio pro reo”).

Sem razão, contudo.

A materialidade e autoria delitivas estão perfeitamente delineadas nos autos.

A materialidade objetiva do crime está demonstrada pela prova documental que instruiu a denúncia, da qual se extrai que houve omissão de informação em GFIPs nas competências de fevereiro a agosto de 2003 das remunerações pagas à empregada da pessoa jurídica administrada pelo acusado, o que resultou na supressão das contribuições previdenciárias correspondentes.

Com efeito, consta da sentença trabalhista reproduzida no id. 156546005 - pp. 14/24 que a reclamada "Campbed - Administração e Comércio de Diversões Ltda." (CNPJ 0 04.349.625/0001-14) deixou de registrar como sua empregada a corré originária VILMA PEREIRA DA SILVA no período de fevereiro a agosto de 2003, omitindo também das Guias de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social, as remunerações pagas no período, o que resultou na supressão de contribuições previdenciárias que somavam R$4.181,26 em 25/09/2009.

A autoria, por seu turno, exsurge do contrato social da empresa, dos interrogatórios dos réus e da cópia da sentença trabalhista. A propósito, destaco o seguinte trecho da sentença de primeiro grau:

“A autoria do crime de sonegação previdenciária também restou comprovada, conforme teor dos interrogatórios, da cópia da sentença trabalhista, além do contrato social (ID 27357649, fls. 45/47), mas somente em relação ao réu SIDNEY JOSÉ CAMPANHA.

Com efeito, não há prova suficiente nos autos de que MAURO BEDICKS, a despeito de também ser sócio-administrador da empresa empregadora, participava de fato da administração da contratação dos empregados e do recolhimento de contribuições previdenciárias. Ora, os réus afirmaram em interrogatório que somente SIDNEY JOSÉ CAMPANHA era responsável por tais atos e há nenhuma outra prova nos autos que possa indicar o contrário, o que impõe concluir pela insuficiência de prova da autoria de MAURO BEDICKS, a determinar sua absolvição com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Há, todavia, prova da autoria de SIDNEY JOSÉ CAMPANHA, uma vez que ele admitiu em interrogatório que era o responsável pela contratação de empregados e pelo recolhimento de contribuições previdenciárias da pessoa jurídica “Campbed - Administração e Comércio de Diversões Ltda.”, embora tenha negado a relação de emprego de Vilma Pereira da Silva, que seria contratada apenas esporadicamente. O interrogatório do corréu MAURO BEDICKS corrobora a responsabilidade de SIDNEY JOSÉ CAMPANHA na administração dos empregados da empresa.

Em síntese, o acusado MAURO BEDICKS afirmou que era sócio da empresa, mas não participava da administração financeira e de recolhimento de tributos. Não conhece Vilma Pereira da Silva. Acredita que Sidney também delegava isso a algum gerente. O réu ia à empresa duas ou três vezes por semana assinar o que era necessário. Costumava assinar balanços, que dependiam da assinatura dos dois sócios, e às vezes cheques quando Sidney não estava. Pagamentos de empregados e “coisas de escritório” eram feitas por Sidney.

De seu turno, SIDNEY JOSÉ CAMPANHA, em interrogatório, sustentou, em síntese, que sempre registravam todos os empregados. Não se recorda bem de Vilma Pereira da Silva. Vilma trabalhava esporadicamente para a empresa. Não havia regularidade na frequência de trabalho. Ela trabalhava uma vez por semana ou quinzenalmente, sem dia da semana pré-determinado. Não se recorda qual era a função de Vilma na empresa. O réu controlava os recolhimentos de contribuição previdenciária. Mauro era sócio. Sentavam para decidir juntos, mas a administração ficava mais com o interrogando. Tem interesse de pagar as contribuições previdenciárias.

A relação de emprego, porém, restou demonstrada na reclamação trabalhista, em que também foi apurado o débito previdenciário.”

Mantenho, portanto, a condenação do réu SIDNEY JOSÉ CAMPANHA pela prática do crime do art. 337-A, III, c.c. o art. 71, ambos do Código Penal.

 

DOSIMETRIA

1ª FASE

Na primeira fase, a pena base foi fixada acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, o que fica mantido, pois o réu ostenta maus antecedentes.

 

2ª FASE

Não há agravantes e incide somente a atenuante da confissão (art. 65, III, “d” do Código Penal), conforme reconhecido na origem, razão pela qual a pena intermediária fica fixada em 02 (dois) anos de reclusão.

 

3ª FASE

Não há causas de aumento ou de diminuição.

 

Continuidade delitiva

Por fim, os crimes de sonegação foram praticados em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução entre fevereiro e agosto de 2003, restando configurada a continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, conforme reconhecido na sentença de primeiro grau.

Nos termos da jurisprudência desta E. Corte, igualmente aplicável ao caso dos autos, o aumento pela continuidade delitiva, deve ser aplicado nos seguintes patamares: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento.

Sobre o tema, cito os seguintes precedentes deste Regional: 11ª Turma, ACR 0011528-83.2013.403.6134/SP, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E. 06/11/2018; 11ª Turma, ACR 0002048-83.2009.403.6114/SP, Rel. p/ Acórdão Nino Toldo, D.E. 22/08/2018; 1ª Turma, ACR 0006378-79.2007.4.03.6119, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3 17/11/2015; 2ª Turma, ACR 1105101-64.1998.4.03.6109, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, e-DJF3: 27/06/2013.

Assim, a fração de aumento fica mantida no patamar fixado na sentença (em um sexto), do que resulta uma pena definitiva de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

 

Pena de multa

Rejeito o pedido da defesa de redução da pena de multa porque seu valor unitário já foi fixado no mínimo legal. Além disso, a quantidade de dias-multa foi fixada com observância da devida proporcionalidade com a pena corporal e a aplicação da pena de multa decorre de previsão legal expressa, não havendo discricionariedade ao juízo na imposição da referida reprimenda.

 

Regime inicial

Mantenho o regime aberto para início de cumprimento da pena de reclusão, com fundamento no art. 33, §2º, “c”, do Código Penal, em razão da quantidade de pena aplicada e porque não há recurso acusatório no particular.

 

Substituição da pena privativa de liberdade

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e uma pena de prestação pecuniária.

A pena pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas do condenado, além do dano a ser reparado. Ademais, não se deve olvidar que, nos termos do §1º do art. 45 do Código Penal:

"A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários."

 

No caso dos autos, a pena de prestação pecuniária foi fixada em R$4.180,00 (quatro mil cento e oitenta reais), valor que se mostra adequado à finalidade da pena, considerando os parâmetros acima expostos (capacidade econômica do réu e dano causado).

Importa destacar, como bem salientado no parecer ministerial, que a defesa não fez qualquer prova da situação econômica atual do réu, que pudesse justificar o pedido de redução da pena de prestação pecuniária. Além disso, “o recorrente poderá pleitear perante o Juízo da Execução Penal o parcelamento das penas de multa e de prestação pecuniária, sede na qual, se for o caso, poderá o juiz determinar diligências para se esclarecer a real situação econômica do condenado, aplicando-se por analogia os arts. 168 e 169 da LEP.”

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso defensivo.

É o voto.


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000950-84.2014.4.03.6115

RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO

APELANTE: SIDNEY JOSE CAMPANHA

Advogados do(a) APELANTE: AILTON SABINO - SP165544-A, JAIME DE LUCIA - SP135768-A, JOCIELE DONATO ALVES - SP361088-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: VILMA PEREIRA DA SILVA
ABSOLVIDO: MAURO BEDICKS

 ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FABIANA SANTOS LOPEZ FERNANDES DA ROCHA - SP217209-A
ADVOGADO do(a) ABSOLVIDO: JOCIELE DONATO ALVES - SP361088-A

 

 

 

 

V O T O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta por SIDNEY JOSÉ CAMPANHA em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de São Carlos (SP) que o condenou pela prática do crime de sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A, III).

A denúncia baseia-se na sentença proferida na Reclamação Trabalhista Ordinária nº 0019300-42.2007.5.15.0136 (ID 156546005, pp. 14/24), que transitou em julgado e reconheceu que a empresa administrada pelo apelante deixara de prestar informações à Previdência Social sobre a remuneração da empregada Vilma Pereira da Silva no período de fevereiro a agosto 2003, suprimindo as contribuições previdenciárias devidas.

Examinando os autos, verifico que não houve a constituição do crédito tributário pela autoridade fiscal, o que contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito desse tema. Com efeito, veja-se a seguinte decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski, proferida em 28.09.2022 (RE nº 1.399.716/RS, DJE nº 196, divulgado em 29.09.2022) e transitada em julgado em 08.10.2022:

Trata-se de recurso extraordinário interposto em face de acórdão assim ementado:

“PENAL E PROCESSUAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A DO CÓDIGO PENAL. CRÉDITO CONSTITUÍDO EM SENTENÇA TRABALHISTA. INSUFICIÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. 1. Embora a sentença trabalhista seja apta a reconhecer a existência do crédito tributário, para fins penais a consumação do delito só ocorre após a constituição definitiva do crédito tributário, apurado por meio do competente procedimento administrativo fiscal. 2. Absolvição mantida.” (doc. 15, pg. 1)

O presente recurso foi interposto com fundamento no art. 102, inciso III, a, da Constituição Federal, alega-se a violação ao art. 114, VIII, da mesma carta, respaldada em interpretação da Súmula Vinculante 24 desta Suprema Corte.

É o relatório. Decido.

O recurso não merece prosperar. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que falta justa causa para a ação penal o lançamento de tributo pendente de decisão definitiva de processo administrativo, devendo o curso da prescrição, no entanto, ficar suspenso. Veja-se, a propósito, trecho destacado no que importa da ementa do HC 81.611/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário:

[...]

No mesmo sentido é o teor da Súmula Vinculante 24, in verbis:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Também por ocasião do julgamento do INQ 3.102/MG pelo Plenário, o Ministro Gilmar Mendes, Relator, consignou em seu voto condutor a necessidade da constituição do crédito tributário como condição objetiva de punibilidade, na hipótese de ação penal que tem como objeto o crime de sonegação de contribuição previdenciária, tipificado no art. 337-A do Código Penal, bem como os da Lei 8.137/1990:

[...]

Deste modo, o argumento de que a Justiça do Trabalho tem competência para reconhecer créditos de contribuições sociais, o que demonstraria a prescindibilidade do lançamento definitivo de crédito previdenciário por parte da Administração Pública para configuração típica do delito, não é válido. Isso porque essa competência está restrita à execução das contribuições previdenciárias decorrente das sentenças que proferir, conforme disposto na parte final do art. 114, VIII, da Constituição Federal.

Isto posto, nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1°, do RISTF).

(destaquei)

Assim, apesar de a sentença trabalhista ter reconhecido a existência de crédito tributário, estando a isso legitimada pelo art. 114, VIII, da Constituição Federal, somente depois de constituído o crédito tributário pelo lançamento em procedimento administrativo fiscal é que se caracteriza a justa causa para a ação penal.

No caso, não houve procedimento administrativo fiscal para a constituição definitiva do crédito tributário apontado como devido na reclamação trabalhista.

Inexistindo a constituição definitiva do crédito tributário, a conduta apontada como ilícita é atípica, não tendo a reclamação trabalhista capacidade para preencher tal omissão. Nesse sentido também decidiram o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da Quarta Região:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. SENTENÇA TRABALHISTA QUE RECONHECE O DÉBITO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL. TRANCAMENTO PARCIAL DO INQUÉRITO POLICIAL. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. REVOLVIMENTO PROBATÓRIO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O trancamento do inquérito policial por meio do habeas corpus é medida excepcional, somente passível de adoção quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade.

2. Embora a sentença trabalhista tenha aptidão para reconhecer a existência do crédito tributário, a teor do disposto no art. 114, VIII, da CF/1988, a sua constituição definitiva somente ocorre com o devido lançamento, apurado por meio do competente procedimento administrativo-fiscal. A ausência de constituição definitiva do crédito tributário impede, por ausência de justa causa, a propositura da ação penal (STF, REsp 1090879/MG, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, SEXTA TURMA, julgado em 8/8/2019, DJe 19/8/2019).

3. Não havendo a constituição definitiva do crédito tributário e, portanto, não comprovada a materialidade em relação ao crime do art. 337-A, I, do Código Penal, é o caso de trancamento parcial do inquérito policial em relação ao referido delito, podendo prosseguir quanto ao crime do art. 297, § 4º, do Código Penal.

4. A eventual dependência entre as condutas do paciente a fim de aplicar o princípio da consunção entre os crimes de sonegação de contribuição previdenciária e de falsificação de documento público demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é vedado na via estreita do habeas corpus.

5. Recurso em habeas corpus parcialmente provido para trancamento do inquérito policial em relação ao crime do art. 337-A, I, do Código Penal, podendo prosseguir quanto ao crime do art. 297, § 4º, do Código Penal.

(STJ, HC nº 119527, Sexta Turma, rel. Ministro Nefi Cordeiro, v.u., 30.06.2020, p. DJe 06.08.2020)

PENAL. PROCESSO PENAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 337-A, INCISO III, CÓDIGO PENAL). SENTENÇA TRABALHISTA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO.

A sentença trabalhista que, por presunções do Direito do Trabalho e com base em prova exclusivamente oral, reconhece a existência de verbas sobre as quais incidem contribuições previdenciárias não recolhidas pelo empregador, não é prova suficiente, por si só, para a condenação penal pela prática do crime de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, III, Código Penal). Absolvição que se impõe (artigo 386, VII, Código de Processo Penal).

(TRF4, ApCrim nº 5010551-67.2013.404.7107, Sétima Turma, Rrl. Des. Federal Márcio Rocha, j. 21.02.2017, p. 23.02.2017)

Portanto, ausente a prova da constituição definitiva do crédito tributário relativo às contribuições previdenciárias que teriam sido sonegadas pelo apelante, o fato a ele imputado é atípico, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não há justa causa para a ação penal, impondo-se a absolvição do apelante quanto à imputação de prática do crime previsto no art. 337-A, III, do Código Penal.

Posto isso, DE OFÍCIO, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, ABSOLVO SIDNEY JOSÉ CAMPANHA da imputação de prática do crime previsto no art. 337-A, III, do Código Penal, ficando prejudicado o exame da sua apelação, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.


E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ART. 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA VINCULANTE Nº 24. LANÇAMENTO DEFINITIVO. SENTENÇA TRABALHISTA. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVA SUFICIENTE. DOSIMETRIA. MANUTENÇÃO. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO.

1 – A sentença trabalhista condenatória é título executivo judicial das contribuições previdenciárias dela decorrentes e é suficiente para constituir o crédito tributário, conforme exigido pela Súmula Vinculante nº 24, e embasar a denúncia oferecida na seara penal. Precedentes.

2 – Prescrição inocorrente. O termo inicial da prescrição, nos casos de crimes materiais contra a ordem tributária (art. 1º, Lei nº 8.137/90 e art. 337-A, Código Penal), é a data da constituição definitiva do crédito tributário.

3 - Materialidade e autoria suficientemente comprovadas pelos elementos colhidos nos autos.

4 – Apelo defensivo desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por maioria, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso defensivo, nos termos do voto do Des. Fed. José Lunardelli, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencido o Relator que, DE OFÍCIO, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, ABSOLVIA SIDNEY JOSÉ CAMPANHA da imputação de prática do crime previsto no art. 337-A, III, do Código Penal, ficando prejudicado o exame da sua apelação., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.