Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5021652-94.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

IMPETRANTE: L E F COMERCIO DE ROUPAS E ACESSORIOS LTDA - ME

Advogados do(a) IMPETRANTE: HERCULANO XAVIER DE OLIVEIRA - SP204181-A, LIAMARA DA SILVA CHAVES MARTINS - GO22867-A, LUIZ GUSTAVO BATTAGLIN MACIEL - MS8195-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 3ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5021652-94.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

IMPETRANTE: L E F COMERCIO DE ROUPAS E ACESSORIOS LTDA - ME

Advogado do(a) IMPETRANTE: LIAMARA DA SILVA CHAVES MARTINS - GO22867-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 3ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de mandado de segurança impetrado por L E F Comércio de Roupas e Acessórios Ltda. contra decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS) nos autos da Representação pelo Uso Provisório de Veículo Apreendido n. 5005661-23.2022.4.03.6000. Objetiva a impetrante a declaração de nulidade absoluta do procedimento autorizador do uso do automóvel Land Rover Discovery, ano 2017, placas PRJ-9153, por ausência de citação da empresa requerida, bem como pleiteia a restituição do bem (Id n. 262003455).

Alega-se, em síntese, o quanto segue:

a) o presente mandado de segurança possui matéria semelhante à Apelação Criminal n. 5007096-66.2021.4.03.6000, julgada procedente por esta Corte;

b) o veículo não foi objeto de perdimento na sentença condenatória proferida na ação penal, a qual se encontra em recurso de apelação neste Tribunal;

c) os bens foram apreendidos na fase de inquérito policial, o qual teve a competência declinada em favor da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), para que fossem apurados possíveis crimes de lavagem de dinheiro, porém até o momento nenhuma ação foi instaurada contra as requerentes (sic), de modo que não existe procedimento jurídico que justifique a manutenção do sequestro do bem, que não tem relação alguma com os fatos nem com os acusados da “Operação Cavok”;

d) “a Requerida manifesta-se a sua reiterada irresignação a despeito da habilitação do seu defensor de forma incidental, sem as formalidades exigidas pelo ordenamento processual vigente, à margem das diretrizes basilares do devido processo legal. Pois a Requerente só toma conhecimento das ações que são ajuizadas em relação aos seus bens porque é advogada e ela e seus procuradores verificam semanalmente o sistema do PJE e fazem pesquisas pelos seus nomes, pois nunca recebem intimações formais dos atos, como deveria ocorrer” (sic, Id n. 262003455, pp. 2-3);

e) “o Juízo a quo vem preterindo e relativizando os citados institutos, ao permitir a instauração e transcurso de lides sem sequer intentar a citação dos que nelas são requeridos, concedendo prazos exíguos para respostas, sob a premissa de que inexistem prejuízos pela sistemática adotada” (Id n. 262003455, p. 3);

f) o bem objeto da constrição não foi objeto de prova e não integra qualquer proposição fática relacionada à ação supostamente típica;

g) para deferir o uso do veículo constrito o Juízo a quo baseou-se em decisão proferida nos Embargos de Terceiro n. 5001473-40.2020.4.03.6005, no qual o pedido foi julgado improcedente, considerando-se que os autos principais tratavam da possível ocorrência do delito de lavagem de dinheiro, que, para ocultação da propriedade de veículos, ocorre por meio da transferência dos bens em nome de interpostas pessoas, sendo fundamental a demonstração da onerosidade do negócio e da capacidade financeira para aquisição do bem, o que não teria sido demonstrado pela embargante;

h) diversamente do quanto considerado pelo Juízo a quo, a empresa possuía caixa para aquisição do veículo, e o carro dado como parte do pagamento havia sido adquirido em 2013, 7 (sete) anos antes dos fatos investigados, e os respectivos documentos já não constavam nos arquivos da empresa;

i) os autos principais não tratam da possível ocorrência de lavagem de dinheiro, pois o sequestro do veículo foi decretado em inquérito policial que resultou na Ação Penal n. 5001601-60.2020.4.03.6005, que não versa sobre lavagem de dinheiro e sim sobre prática de tráfico de drogas, associação criminosa e falsidade ideológica, e já foi sentenciado, sem decretação de perdimento do bem discutido neste feito, e as sócias da empresa requerente não são partes no processo principal nem são rés em ação penal que justifique a constrição de seus bens;

j) o veículo foi adquirido pela empresa impetrante em 21.02.17, de forma idônea e transparente, mediante a expedição de nota fiscal, com o escorreito pagamento de tributo, e como parte do pagamento foi dado o veículo de uma das sócias da empresa, o qual fora adquirido em 2013;

k) a empresa impetrante foi concebida em 22.08.08 e se mantém em plena atividade, sendo referência no mercado têxtil da capital goiana;

l) não há contemporaneidade entre a aquisição do bem, em 2017, e a instauração do procedimento inquisitorial que deu origem à mencionada ação penal, em 2020;

m) passados 2 (dois) anos da deflagração da operação policial, não há contra as sócias da impetrante nenhuma ação penal, e não se entende por que os bens dos familiares do acusado permanecem constritos sem que haja qualquer demanda contra eles, o que nem poderia haver, pois possuem ocupação lícita e bens devidamente declarados;

n) “todas as demandas jurídicas derivadas da Ação Penal, da Operação Cavok, tem sido julgadas de forma parciais, pois, não está sendo permitido o contraditório e a ampla defesa as partes, como já foi dito aqui, Embargos de Terceiros sendo julgados antecipadamente, sem permitir a produção de provas, Leilões acontecendo sem as partes sequer tenham sido intimadas, permissão para uso de automóveis sem que a parte tenha sido citada, carros sendo usados de forma arbitrária antes do tramite legal” (sic, Id n. 262003455, p. 12);

o) a Autoridade Policial sustentou na requisição que, para se evitar a depreciação e propiciar a boa conservação do automóvel, exigia-se o uso do bem, e que se tratava de veículo utilizado pelo membro da organização criminosa para atividades relacionadas ao tráfico de drogas, afirmação completamente revestida de má-fé da Autoridade Policial, pois o veículo era de uso completamente familiar;

p) o uso pela força policial não é capaz de evitar a depreciação do bem, pelo contrário, irá causá-la e agravá-la, e a depreciação poderá resultar em indenização que sairá dos cofres públicos;

q) cumpre à Polícia Federal deduzir qual será especificamente o uso do bem, as condições de guarda e manutenção, bem como o descritivo da sua frota, para fins de motivação adequada do pedido, conforme se extrai do art. 133-A do Código de Processo Penal e também dos enunciados normativos estrangeiros que serviram de inspiração à Lei n. 13.964/19;

r) há necessidade de se fazer investimentos públicos e importância de políticas criminais que visam ao aperfeiçoamento do sistema de recuperação de ativos após o trânsito em julgado das ações penais, respeitadas todas as garantias processuais e materiais dos afetados, o que não está condizente com o pedido ora impugnado;

s) requer seja aplicado o art. 120 do Código de Processo Penal, a fim de se garantir estabilidade à proteção de direitos fundamentais da impetrante e do próprio objeto de direito;

t) requereu a concessão de liminar para suspender a decisão que autorizou o uso do veículo automotor pela Autoridade Policial;

u) no mérito, pleiteia a concessão da segurança, para conferir nulidade absoluta do procedimento autorizador do uso do automóvel, por ausência de citação da empresa requerida, mormente na pessoa de sua representante legal, e que o automóvel seja restituído à sua proprietária, ora impetrante, por não existir ação judicial contra as requerentes que autorize a constrição do bem;

v) alternativamente, requer a nomeação da impetrante, por sua representante legal, como depositária do bem em litígio, tomando-lhe o legal compromisso, nos termos do art. 120, § 5º, do Código de Processo Penal (Id n. 262003455).

Foram juntados documentos.

O feito foi inicialmente distribuído no âmbito do Órgão Especial, por iniciativa da impetrante (Id n. 262022140), e posteriormente redistribuído por prevenção à minha relatoria (Id n. 262206227).

A impetrante foi intimada a regularizar as custas processuais (Id n. 262484897) e juntou a guia de recolhimento e respectivo comprovante de pagamento (Id n. 262802896).

O pedido liminar foi indeferido (Id n. 263604595).

A autoridade impetrada prestou informações (Id n. 263925446).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Orlando Martello, manifestou-se pela denegação da segurança (Id n. 264123943).

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 


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Advogado do(a) IMPETRANTE: LIAMARA DA SILVA CHAVES MARTINS - GO22867-A

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 3ª VARA FEDERAL

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V O T O

 

 

Direito líquido e certo. Constatação de plano. Necessidade. O mandado de segurança pressupõe que o direito invocado seja líquido e certo. A segurança somente será concedida quando comprovado de plano o direito líquido e certo, não se admitindo dilação probatória. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EDcl no RMS n. 24137-RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. 06.08.09).

Do caso dos autos. Em resumo, tem-se que, nos autos da Petição Criminal n. 5005661-23.2022.4.03.6000, por meio da qual o Delegado de Polícia Federal representou pelo uso do veículo Land Rover Discovery, apreendido no âmbito da “Operação Cavok” (Autos n. 5000302-48.2020.4.03.6005 e Inquérito Policial n. 2019.0015522 – DPF/PPA/MS), o Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), em 01.08.22, não acolheu manifestação da requerida, ora impetrante, de nulidade absoluta do feito, por ausência de citação. A decisão foi proferida nos seguintes termos:

 

Vistos etc.

Trata-se de representação do Delegado de Polícia Federal (ID 254417906) pelo uso do veículo Land Rover Discovery, placa PRJ-9153, apreendido no âmbito da Operação Cavok (autos nº 5000302.48.2020.403.6005 e IPL 2019.0015522 - DPF/PPA/MS)

Como fundamento do pleito, aduz que diante das investigações em curso, tem-se robustos indícios de que o veículo objeto do presente pedido foi adquirido com o dinheiro oriundo do tráfico de drogas e delitos assemelhados perpetrados por ILMAR DE SOUSA CHAVES, inclusive se tratando de eventual objeto do crime de lavagem e ocultação de patrimônio. Sobre a necessidade de uso do veículo pleiteado, assevera que a CGPRE/DICOR/PF possui em sua estrutura diversas unidades investigativas e operacionais que demandam o emprego constante e contínuo de equipamentos e veículos para consecução de suas atribuições normativas e legais; bem como que a CGPRE/DICOR/PF utilizará o veículo nas diligências em operações de combate ao Tráfico Internacional de Drogas, conforme preconiza a legislação em vigor. Ademais, a urgência na destinação deste veículo visaria evitar sua depreciação, justificando o uso provisório por parte da Polícia Federal, sobretudo levando-se em consideração que o veículo se encontra no pátio da Delegacia da Polícia Federal desde a apreensão, sem a manutenção necessária e sujeitos à exposição ao sol e demais intempéries.

Informa que o automóvel já foi objeto do Laudo Pericial nº 223/2021-SETEC/SR/PF/DF.

Intimada a se manifestar, a empresa L E F COMERCIO DE ROUPAS E ACESSORIOS LTDA - ME, formal proprietária do veículo, pugnou pelo pronunciamento judicial relativo à nulidade absoluta, proveniente da ausência de citação da empresa Requerida, mormente na pessoa da sua representante legal. Subsidiariamente, requereu o indeferimento do pleito deduzido pela polícia judiciária, qual seja, o requerimento de uso provisório do bem, ao argumento de que o veículo foi adquirido pela empresa “LEF” em 21/2/2017, de forma idônea e transparente, mediante a expedição de nota fiscal, com a escorreita arrecadação tributária pelo vendedor/emissor, e que não há contemporaneidade entre a aquisição dos bens à instauração do procedimento inquisitorial que deu origem à mencionada ação penal. Alternativamente, requereu a nomeação da Peticionante, por sua representante legal, como depositária do bem em litígio, tomando-lhe o legal compromisso, nos termos do art. 120, §5º do CPP (ID 255183972).

Não houve manifestação do Ministério Público Federal até o momento.

Eis a síntese do necessário. Decido.

Nulidade processual - ausência de citação da proprietária formal do bem

Inicialmente, anoto que não prospera a alegação de nulidade absoluta, por ausência de citação da empresa requerida, na pessoa de sua representante legal, tendo em vista que se trata de procedimento incidental, distribuído sob a classe de Petição Criminal, a fim de se resolver o pedido de uso provisório do bem apreendido, sem ocasionar tumulto processual nos autos principais. Este procedimento, tem regramento próprio (art. 133-A do CPP e art. 62 da Lei n. 11.343/2006), não sendo aplicáveis os arts. 357 e 360 do Código de Processo Penal, que disciplinam a citação; vale dizer, nem o CPP, nem a Lei Antidrogas prevê a necessidade de citação, tampouco intimação para manifestação dos interessados, nem condiciona a autorização judicial de uso de bens ao contraditório e à prévia dilação probatória. Nesse sentido, decidiu o E. TRF da 3ª Região, em caso análogo, sobre alienação antecipada de bens apreendidos: ApCrim 5001600-75.2020.4.03.6005, TRF3 - 5ª Turma, Intimação via sistema DATA: 18/06/2021.

No mais, a empresa L E F COMERCIO DE ROUPAS E ACESSORIOS LTDA - ME, formal proprietária, pleitou o levantamento da indisponibilidade incidente sobre o veículo no bojo dos autos de Embargos de Terceiros n. 5001473-40.2020.4.03.6005, sendo o pedido foi julgado improcedente, sob os seguintes fundamentos:

"A medida constritiva foi decretada, em 19/06/2020, consignando-se em decisão que “a apreensão de valores, tais como dinheiro, veículos e demais bens em posse dos investigados é medida que poderá garantir futura execução da pena de multa e da própria perda em favor da União dos bens que foram adquiridos com os recursos provenientes de crimes, em tese, cometidos”. Quanto a valores e bens, restou deferida a apreensão dos incompatíveis com a capacidade econômica lícita declarada dos investigados (valores em pecúnia igual ou superior a R$ 3.000,00 (três mil reais), ante indícios de serem produto de crime ou de aquisição com recursos provenientes dos crimes cometidos, eventualmente passíveis de perdimento, com fundamento no art. 60 da Lei n. 11.343/11, ressalvado o direito aos acusados de comprovarem a origem lícita dos produtos na forma dos §§ 1º e 2º do referido artigo (ID 56543392).

O veículo de luxo objeto dos presentes embargos (Range Rover Discovery 2017/2017) é de propriedade formal da pessoa jurídica pertencente à esposa e às filhas de ILMAR e foi apreendido na residência do investigado. Nessa esteira, a licitude da origem do bem e, por conseguinte, a boa-fé da embargante não restou demonstrada.

Conforme apontado pelo Ministério Público Federal, a Polícia Federal levantou fortes indícios de que os bens pertencentes a ILMAR possuem origem ilícita, obtidos com produto do tráfico de drogas, e de que eram ocultados em nome de terceiros, inclusive de sua esposa e de suas filhas. Mais precisamente, a Representação dos autos nº 5000302-48.2020.403.6005 relatou que as investigações demonstraram que ILMAR DE SOUSA CHAVES adquiriu três imóveis rurais localizados no município de Rubiataba/GO (matrículas 12.558, 12.560 e 12.561), pelo valor total declarado de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), em agosto de 2018, que foram registrados em nome de ALIETE DA SILVA CHAVES, ILMARA DA SILVA CHAVES, LIAMARA DA SILVA CHAVES e ARTUR DA COSTA MARTINS, respectivamente esposa, filhas e genro de ILMAR CHAVES. Também foi demonstrado que LIAMARA DA SILVA CHAVES e ILMARA DA SILVA CHAVES são as formais proprietárias, desde 18/10/2006, do imóvel localizado na Alameda das Rosas, 985, ap. 1101, Condomínio Residencial Soledad, Goiânia/GO, adquirido pelo valor de R$ 122.500,00 (ao menos segundo informação na matrícula do imóvel), quando ambas eram estudantes, isto é, não tinham renda para realizar a aquisição, e que ILMAR DE SOUZA CHAVES utilizou as filhas e a esposa como pessoas interpostas para o registro de propriedade de aeronaves (ID 40226048).

Ademais, não restaram suficientemente comprovadas a onerosidade do negócio e a capacidade financeira para aquisição do veículo – o que deveria ser provado mediante prova documental.

A empresa é optante do Simples Nacional e, conforme a Declaração Retificadora referente ao período 01/12/2018 a 31/12/2018 (ID 39601464), a sua receita bruta acumulada no ano-calendário anterior (2017) é de R$ 570.005,03. Não se demonstrou nos autos a receita bruta do ano anterior à aquisição do veículo (2016), porém certo é que o valor do automóvel adquirido pela embargante (R$ 420.000,00) corresponde a mais de 73% de toda a receita bruta acumulada de 2017.

A embargante alega que utilizou valores e bens para aquisição de um primeiro veículo, em fevereiro de 2017, quais sejam: um veículo usado pertencente a ALIETE DA SILVA CHAVES, no valor de R$ 155.000,00; depósito bancário de R$ 240.000,00 e boleto bancário de R$ 25.000,00; e o crédito obtido com a devolução desse carro foi usado para a aquisição do Range Rover objeto do presente feito, apreendido na “Operação Cavok”. Todavia, a embargante deixou de colacionar aos autos documentos que demonstrem a aquisição onerosa do veículo supostamente dado como parte do pagamento na primeira transação (no valor de R$ 155.000,00), além do efetivo desembolso do valor remanescente e a origem desses recursos, mediante, por exemplo, comprovantes bancários que demonstrem o depósito, transferência, pagamento de boleto, ou, ainda, extrato onde conste o saque das quantias eventualmente pagas em espécie, provando a circulação real dos valores.

Considerando que os autos principais, que originaram o pedido de sequestro, tratam da possível ocorrência do delito de lavagem de dinheiro, a qual, para ocultação da propriedade de veículos, ocorre na modalidade de dissimulação por meio da transferência dos bens em nome de "laranjas" (pessoas físicas e jurídicas), é fundamental que a embargante demonstre a onerosidade do negócio e sua capacidade financeira para esclarecer, de forma fidedigna, a sua condição de terceiro de boa-fé.

Assim, impõe-se a improcedência do pedido."

Portanto, o pedido de restituição/liberação da constrição que recai sobre o veículo, ainda que na qualidade de fiel depositária, deve ser apresentado e analisado em autos próprios - o que já ocorreu - restringindo-se, aqui, o provimento jurisdicional somente no que tange ao uso provisório do bem, requerido pela Polícia Federal.

O Código de Processo Penal, com as alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019, passou a prever a possibilidade de utilização de bens sequestrados, apreendidos ou sujeitos a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança pública, para o desempenho de suas atividades, mediante autorização judicial, senão vejamos:

Art. 133-A. O juiz poderá autorizar, constatado o interesse público, a utilização de bem sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal, do sistema prisional, do sistema socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de suas atividades. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 1º O órgão de segurança pública participante das ações de investigação ou repressão da infração penal que ensejou a constrição do bem terá prioridade na sua utilização. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º Fora das hipóteses anteriores, demonstrado o interesse público, o juiz poderá autorizar o uso do bem pelos demais órgãos públicos. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 3º Se o bem a que se refere o caput deste artigo for veículo, embarcação ou aeronave, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento em favor do órgão público beneficiário, o qual estará isento do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores à disponibilização do bem para a sua utilização, que deverão ser cobrados de seu responsável. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 4º Transitada em julgado a sentença penal condenatória com a decretação de perdimento dos bens, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, o juiz poderá determinar a transferência definitiva da propriedade ao órgão público beneficiário ao qual foi custodiado o bem. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Importante ressaltar que, antes mesmo da alteração legislativa supramencionada, já existia entendimento jurisprudencial no sentido de ser possível aplicação por analogia dos preceitos da Lei Antidrogas, no tocante à autorização de uso de bens apreendidos. Segundo tal entendimento, observada, de um lado, a inexistência, no Código de Processo Penal, de norma condizente à utilização de bens apreendidos por órgãos públicos e verificada, de outro lado, a existência, no ordenamento jurídico, de norma neste sentido - art. 61 da Lei n. 11.343/2006 -, é possível o preenchimento da lacuna por meio da analogia, sobretudo se presente o interesse público em evitar a deterioração do bem. Ademais, a existência, no projeto do novo Código de Processo Penal (PL n. 8.045/2010), de seção específica a tratar do tema, sob o título "Da utilização dos bens por órgãos públicos", demonstra a efetiva ocorrência de lacuna no Código atualmente em vigor, bem como a clara intenção de supri-la. (STJ, Resp 1.420.960/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, Sexta Turma, julgado em 24/02/2015, DJe 02/03/2015).

A Lei nº 11.343/2006, em seu art. 62, trata especificamente do uso pela autoridade policial de bens apreendidos, sob sua custódia, com objetivo de conservação, desde que comprovado o interesse público na utilização, in verbis:

Art. 62. Comprovado o interesse público na utilização de quaisquer dos bens de que trata o art. 61, os órgãos de polícia judiciária, militar e rodoviária poderão deles fazer uso, sob sua responsabilidade e com o objetivo de sua conservação, mediante autorização judicial, ouvido o Ministério Público e garantida a prévia avaliação dos respectivos bens. (Redação dada pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 1º (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 1º-A. O juízo deve cientificar o órgão gestor do Funad para que, em 10 (dez) dias, avalie a existência do interesse público mencionado no caput deste artigo e indique o órgão que deve receber o bem. (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 1º-B. Têm prioridade, para os fins do § 1º-A deste artigo, os órgãos de segurança pública que participaram das ações de investigação ou repressão ao crime que deu causa à medida. (Incluído pela Lei nº 13.886, de 2019)

§ 2º A autorização judicial de uso de bens deverá conter a descrição do bem e a respectiva avaliação e indicar o órgão responsável por sua utilização. (Redação dada pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 3º O órgão responsável pela utilização do bem deverá enviar ao juiz periodicamente, ou a qualquer momento quando por este solicitado, informações sobre seu estado de conservação. (Redação dada pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 4º Quando a autorização judicial recair sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade ou ao órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento em favor do órgão ao qual tenha deferido o uso ou custódia, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores à decisão de utilização do bem até o trânsito em julgado da decisão que decretar o seu perdimento em favor da União. (Redação dada pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 5º Na hipótese de levantamento, se houver indicação de que os bens utilizados na forma deste artigo sofreram depreciação superior àquela esperada em razão do transcurso do tempo e do uso, poderá o interessado requerer nova avaliação judicial. (Redação dada pela Lei nº 13.840, de 2019)

§ 6º Constatada a depreciação de que trata o § 5º, o ente federado ou a entidade que utilizou o bem indenizará o detentor ou proprietário dos bens. (Redação dada pela Lei nº 13.840, de 2019)

Assim, entendo ser de estrito e primário interesse público o combate ao crime organizado e ao tráfico internacional de drogas pela Polícia Federal, preenchendo, assim, um dos requisitos legais vindicados. É incontroversa a presença do interesse público, uma vez que a utilização do veículo pela Polícia Federal é a alternativa que melhor atende às finalidades de preservar o automóvel de depreciação, ao mesmo tempo em que concede ao Estado meios de cumprir seu compromisso constitucional e legal de prover segurança pública.

Ademais, é sabido que os veículos apreendidos e acautelados no pátio de Polícia Federal deterioram-se sob a ação do tempo, desvalorizando-se, bem como servindo de criadouro para animais nocivos à saúde (mosquitos, ratos, etc). No caso, ausência de local apropriado para a guarda dos veículos apreendidos acarreta grave redução de seu valor econômico, o que deve ser evitado.

Contudo, antes de se autorizar o uso do bem em favor da Polícia Federal, faz-se necessário a intimação do órgão gestor do FUNAD, na forma do art. 62, §1º-A, da Lei nº 11.343/2006. Além disso, deverá a autoridade policial representante providenciar a juntada aos autos de laudo pericial do veículo. Ante o exposto, (1) intime-se a SENAD/FUNAD na forma do art. 62, §1º-A, da Lei n. nº 11.343/2006, para que, querendo, manifeste-se nos autos no prazo de 10 (dez) dias; (2) comunique-se à autoridade Policial o teor da presente decisão, solicitando-se que apresente o laudo pericial do veículo.

Cumpra-se. Ciência ao MPF. (Id n. 262003462, destacamos)

 

Em síntese, a impetrante aduz a nulidade absoluta do feito originário, por ausência de citação, bem como pleiteia a restituição do bem, ou sua nomeação como fiel depositária (Id n. 262003455).

Não se há constrangimento ilegal a sanar por meio do presente writ.

Tratando-se de procedimento cautelar, sujeito a regramento próprio, não se contata nulidade pela ausência de citação da ora impetrante nos moldes dos arts. 357 e 360 do Código de Processo Penal, pois, conforme devidamente pormenorizado pelo Juízo a quo, o procedimento de autorização judicial para utilização de bem sequestrado, apreendido ou sujeito a medida assecuratória não se submete às mesmas regras da ação penal, nos termos do art. 133-A do Código de Processo Penal e art. 62 da Lei n. 11.343/06, consistindo em incidente “distribuído sob a classe de Petição Criminal, a fim de se resolver o pedido de uso provisório do bem apreendido, sem ocasionar tumulto processual nos autos principais” (Id n. 262003462, p. 3).

No mesmo sentido o parecer ministerial, que destaca “não haver que se falar em necessidade de citação do proprietário do bem para integrar a lide e se defender, porque lide não há. A autorização de uso constitui, outrossim, simples medida incidental a ser conferida judicialmente, tendo sido autuada em apartado apenas para fins de evitar o tumulto nos autos do processo principal que ensejou a apreensão do bem” (Id n. 264123943, p. 3). Outrossim, como consignado na decisão impugnada, a formal proprietária do veículo foi intimada e apresentou manifestação nos autos.

Ademais, em que pesem os argumentos trazidos pela impetrante sobre a origem lícita do bem, ausência de investigação ou ação penal contra as sócias da empresa e falta de contemporaneidade entre a aquisição do veículo e as investigações na “Operação Cavok”, verifica-se que, de acordo com os fundamentos do Juízo a quo na decisão impetrada, “a empresa L E F COMERCIO DE ROUPAS E ACESSORIOS LTDA - ME, formal proprietária, pleitou (sic) o levantamento da indisponibilidade incidente sobre o veículo no bojo dos autos de Embargos de Terceiros n. 5001473-40.2020.4.03.6005, sendo o pedido foi (sic) julgado improcedente” (Id n. 262003462, p. 3). A decisão impugnada, portanto, restringiu-se ao pedido formulado pela Polícia Federal para utilização provisória do bem, e sem propriamente tê-lo decidido, pois, em verdade, limitou-se a determinar a intimação da SENAD/FUNAD e solicitar a apresentação do laudo pericial do veículo.

Além disso, conforme informado pela autoridade impetrada, a medida de utilização pelas forças policiais do bem objeto de sequestro atende ao interesse público e às finalidades da lei penal, além de ter caráter provisório, sendo reversível a qualquer tempo:

 

7. Fixada a sua competência, este Juízo analisou de forma fundamentada o pedido de autorização de uso do bem apreendido (ID 258119640). Afastou-se a alegação de nulidade do feito por ausência de citação e constatou-se a existência de interesse público primário no combate ao crime organizado e ao tráfico internacional de drogas pela Polícia Federal, bem como a necessidade da medida para evitar a deterioração do bem apreendido ou a redução de seu valor econômico, preenchendo, assim, os requisitos legais. Todavia, antes de autorizar o uso do veículo, este Juízo determinou a manifestação prévia da SENAD e a juntada do laudo pericial, nos termos da lei. Encontra-se pendente, no momento, o prazo concedido para manifestação do MPF.

8. Ressalte-se que a medida, a par da alienação antecipada, encontra fundamento lógico, ante a notória inviabilidade da conservação pela Justiça, por trazer sérios transtornos em razão de ausência de espaços adequados para guarda e/ou depósito dos bens em virtude do volume excessivo e por onerar ainda mais os cofres públicos, a dificuldade para fiscalização dos bens cedidos aos fiéis depositários, bem como pela própria polícia, que não dispõe de meios para deles tomar conta ininterruptamente.

9. Ademais, conforme explanado na decisão hostilizada, há estrito e primário interesse público no combate ao crime organizado e ao tráfico internacional de drogas, preenchendo-se, assim, os requisitos legais vindicados (art. 133-A do CPP e art. 62 da Lei nº 11.343/2006). É incontroversa a presença do interesse público, uma vez que a utilização do veículo pela Polícia Federal é a alternativa que melhor atende às finalidades de preservar o automóvel de depreciação, ao mesmo tempo em que concedem-se ao Estado meios de cumprir seu compromisso constitucional e legal de prover segurança pública.10. Convém mencionar que foram julgados improcedentes os embargos de terceiro opostos pela ora impetrante (autos n. 5001473-40.2020.4.03.6005). Não obstante, a decisão que venha autorizar o uso do veículo pela Polícia Federal é provisória e reversível a qualquer tempo. (Id n. 263925446, p. 5)

 

Não constatada a nulidade ora arguida pela impetrante, não se mostra viável a rediscussão a respeito do mérito da constrição do veículo automotor, que não foi objeto de análise na decisão impugnada, mas em procedimento próprio.

Pelas mesmas razões, versando o presente feito sobre impugnação contra a utilização provisória de bem objeto de constrição, concluo que não é aplicável o entendimento desta 5ª Turma no acórdão de julgamento da Apelação Criminal n. 5007096-66.2021.4.03.6000, invocado pela impetrante, e cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos:

 

EMENTA “PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SEQUESTRO DE BENS. MAQUINÁRIO AGRÍCOLA. SUPOSTA PRÁTICA DE TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE OS BENS TENHAM SIDO ADQUIRIDOS COM PROVEITO DO CRIME. APELAÇÃO PROVIDA.

1.Embargos de terceiro. Sequestro de bens. Sentença de improcedência.

2. Em suas razões recursais, os recorrentes sustentam, dentre outras alegações, que a propriedade dos bens foi comprovada nos autos, restando inconteste que os maquinários e componentes agrícolas, objetos do presente feito, precedem de negócios jurídicos perfeitos, com as cadeias dominiais devidamente comprovadas, não sendo de propriedade dos réus na ação penal relacionada e, portanto, verificada a ausência de nexo de instrumentalidade entre os fatos investigados na “Operação Cavok” e os bens de propriedade diversa, de maneira que é inconcebível a manutenção da constrição, porquanto não se trata de bens instrumento de crime.

3. A controvérsia a respeito do maquinário agrícola já havia sido dirimida por esta E. Quinta Turma, por ocasião do julgamento, em 13.12.2021, da Apelação nº 5006099-83.2021.4.03.6000, que, por maioria, conferiu provimento recursal para afastar a alienação antecipada.

4. O aresto afastou a incidência da constrição nos autos da alienação antecipada nº 5001140-88.2020.4.03.6005 e, ainda que a nova decisão de sequestro tenha sido proferida no processo nº 500302-48.2020.4.03.6005, incidental ao Inquérito Policial nº 5000225-39.2020.4.03.6005, que apura a prática dos crimes descritos nos artigos 2º, “caput”, da Lei nº 12.850/13, 2º, §1º, da Lei nº 12.850/13, 33, “caput”, c.c. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 e 299 do Código Penal, tal fato não invalida a decisão colegiada que já havia afastado o decreto de alienação antecipada dos bens em comento, à míngua de demonstração de que os bens tenham sido adquiridos com proveito do crime.

5.Ademais, no caso, de há muito a medida constritiva foi decretada (19.06.2020) e a ação penal sequer foi instaurada, esvaindo-se o requisito cautelar da medida constritiva.

6.Apelação a que se dá provimento para tornar insubsistente o decreto de sequestro.

 

Nesse contexto, não se verifica ofensa a direito líquido e certo da impetrante, tampouco constrangimento ilegal causado pela autoridade impetrada que justifique a anulação da decisão impugnada nem a nomeação da impetrante como depositária do automóvel.

Ante o exposto, DENEGO a segurança.

É o voto.

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONSTATAÇÃO DE PLANO. NECESSIDADE. REPRESENTAÇÃO POLICIAL PELO USO DE AUTOMÓVEL OBJETO DE SEQUESTRO. INTIMAÇÃO. NULIDADE NÃO CONSTATADA. SEGURANÇA DENEGADA.

1. O mandado de segurança pressupõe que o direito invocado seja líquido e certo. A segurança somente será concedida quando comprovado de plano o direito líquido e certo, não se admitindo dilação probatória. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EDcl no RMS n. 24137-RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. 06.08.09).

2.  Nos autos da petição criminal, por meio da qual o Delegado de Polícia Federal representou pelo uso do veículo Land Rover Discovery, apreendido no âmbito da “Operação Cavok”, o Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), em 01.08.22, não acolheu manifestação da requerida, ora impetrante, de nulidade absoluta do feito, por ausência de citação.

3. A impetrante aduz a nulidade absoluta do feito originário, por ausência de citação, bem como pleiteia a restituição do bem, ou sua nomeação como fiel depositária.

4. Tratando-se de procedimento cautelar, sujeito a regramento próprio, não se contata nulidade pela ausência de citação da ora impetrante nos moldes dos arts. 357 e 360 do Código de Processo Penal, pois, conforme devidamente pormenorizado pelo Juízo a quo, o procedimento de autorização judicial para utilização de bem sequestrado, apreendido ou sujeito a medida assecuratória não se submete às mesmas regras da ação penal, nos termos do art. 133-A do Código de Processo Penal e art. 62 da Lei n. 11.343/06, consistindo em incidente “distribuído sob a classe de Petição Criminal, a fim de se resolver o pedido de uso provisório do bem apreendido, sem ocasionar tumulto processual nos autos principais”.

5. No mesmo sentido o parecer ministerial, que destaca “não haver que se falar em necessidade de citação do proprietário do bem para integrar a lide e se defender, porque lide não há. A autorização de uso constitui, outrossim, simples medida incidental a ser conferida judicialmente, tendo sido autuada em apartado apenas para fins de evitar o tumulto nos autos do processo principal que ensejou a apreensão do bem” (Id n. 264123943, p. 3). Outrossim, como consignado na decisão impugnada, a formal proprietária do veículo foi intimada e apresentou manifestação nos autos.

6. Em que pesem os argumentos trazidos pela impetrante sobre a origem lícita do bem, ausência de investigação ou ação penal contra as sócias da empresa e falta de contemporaneidade entre a aquisição do veículo e as investigações na “Operação Cavok”, verifica-se que, de acordo com os fundamentos do Juízo a quo na decisão impetrada, “a empresa L E F COMERCIO DE ROUPAS E ACESSORIOS LTDA - ME, formal proprietária, pleitou (sic) o levantamento da indisponibilidade incidente sobre o veículo no bojo dos autos de Embargos de Terceiros n. 5001473-40.2020.4.03.6005, sendo o pedido foi (sic) julgado improcedente” (Id n. 262003462, p. 3). A decisão impugnada, portanto, restringiu-se ao pedido formulado pela Polícia Federal para utilização provisória do bem, e sem propriamente tê-lo decidido, pois, em verdade, limitou-se a determinar a intimação da SENAD/FUNAD e solicitar a apresentação do laudo pericial do veículo.

7. Conforme informado pela autoridade impetrada, a medida de utilização pelas forças policiais do bem objeto de sequestro atende ao interesse público e às finalidades da lei penal, além de ter caráter provisório, sendo reversível a qualquer tempo.

8. Não constatada a nulidade ora arguida pela impetrante, não se mostra viável a rediscussão a respeito do mérito da constrição do veículo automotor, que não foi objeto de análise na decisão impugnada, mas em procedimento próprio.

9. Pelas mesmas razões, versando o presente feito sobre impugnação contra a utilização provisória de bem objeto de constrição, não é aplicável o entendimento desta 5ª Turma no acórdão de julgamento da Apelação Criminal n. 5007096-66.2021.4.03.6000.

10. Não se verifica ofensa a direito líquido e certo da impetrante e tampouco constrangimento ilegal causado pela autoridade impetrada que justifique a anulação da decisão impugnada ou a nomeação da impetrante como depositária do automóvel.

11. Segurança denegada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu, DENEGAR a segurança, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.