Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002993-50.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO UNIAO DOS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL, TOCANTINS E OESTE DA BAHIA - SICREDI UNIAO MS/TO, COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO DE CAMPO GRANDE E REGIAO - SICREDI CAMPO GRANDE MS, COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO CELEIRO CENTRO OESTE SICREDI CELEIRO CENTRO OESTE

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - RS40881-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002993-50.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO UNIAO DOS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL, TOCANTINS E OESTE DA BAHIA - SICREDI UNIAO MS/TO, COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO DE CAMPO GRANDE E REGIAO - SICREDI CAMPO GRANDE MS, COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO CELEIRO CENTRO OESTE SICREDI CELEIRO CENTRO OESTE

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

 

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R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação em mandado de segurança em face de sentença que denegou a ordem.

Cuida-se de mandado de segurança, impetrado por COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO UNIÃO DOS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL, TOCANTINS E OESTE DA BAHIA – SICREDI UNIÃO MS/TO, COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO DE CAMPO GRANDE E REGIÃO – SICREDI CAMPO GRANDE MS e COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO CELEIRO CENTRO OESTE SICREDI CELEIRO CENTRO OESTE em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM CAMPO GRANDE/MS, visando a declaração da inexigibilidade da Contribuição ao Salário-Educação, após 12 de dezembro de 2001, em virtude do advento da Emenda Constitucional nº 33/2001, que acarretou a revogação dos dispositivos anteriores e a inconstitucionalidade dos posteriores. Consequentemente, requerem que seja declarado o direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente a título de salário-educação, nos 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação, cujos valores deverão ser atualizados pela taxa SELIC. Atribuído à causa o valor de R$ 8.458.128,00 (oito milhões, quatrocentos e cinquenta e oito mil, cento e vinte e oito reais).

A Sentença denegou a segurança, uma vez que entendeu inexistir qualquer inconstitucionalidade na exação do salário-educação, a teor da Súmula 732 e no Recurso Extraordinário nº 603.624/SC, ambos julgados pelo egrégio Supremo Tribunal Federal. Consequentemente, determinou as custas processuais pela impetrante e deixou de condenar em honorários advocatícios (ID 1645223401).

Apelam as impetrantes, pugnando pela reforma da sentença, sustentando a inconstitucionalidade da contribuição ao salário-educação, a partir do advento da Emenda Constitucional 33/2001, que conferiu nova redação ao artigo 149 da Constituição Federal de 1988, uma vez que foi estabelecido um rol taxativo de bases econômicas tributáveis, portanto entende que não cabe mais a incidência das contribuições sociais sobre a folha de salários. Por outro lado, alega que houve a derrogação das normas que instituíram a contribuição em tela. Consequentemente, requerem a declaração do direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente a título de salário-educação, nos últimos 5 anos, cujos valores deverão ser atualizados pela taxa SELIC (ID 164523405).

A União apresentou contrarrazões de apelação, requerendo o não provimento do recurso (ID 16452411).

Vieram os autos a esta Corte.

O ilustre representante do Ministério Público Federal, instado a se manifestar, restituiu os autos sem ofertar parecer sobre o mérito do feito, uma vez que não vislumbrou interesse público primário que autorize ou que torne necessária sua intervenção, requerendo somente o prosseguimento da demanda (ID 165201364).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002993-50.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO UNIAO DOS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL, TOCANTINS E OESTE DA BAHIA - SICREDI UNIAO MS/TO, COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO DE CAMPO GRANDE E REGIAO - SICREDI CAMPO GRANDE MS, COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO CELEIRO CENTRO OESTE SICREDI CELEIRO CENTRO OESTE

Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS EDUARDO DOMINGUES AMORIM - SP256440-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

Cuida-se de apelação em mandado de segurança interposta pela COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO UNIÃO DOS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL, TOCANTINS E OESTE DA BAHIA – SICREDI UNIÃO MS/TO, COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO DE CAMPO GRANDE E REGIÃO – SICREDI CAMPO GRANDE MS e COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO CELEIRO CENTRO OESTE SICREDI CELEIRO CENTRO OESTE.

As apelantes procuram afastar a exação do salário-educação após 12/2001, com o reconhecimento do consequente direto à compensação dos recolhimentos indevidos do salário-educação nos cinco anos anteriores à propositura da ação.

Antes de penetrar no mérito, algumas considerações me parecem pertinentes. A exigência em questão foi instituída em um contexto social alarmante. É registro histórico que no momento da edição dessa contribuição, o Brasil sofria grande influência dos êxodos rurais, ocorridos na década de 1960, com a vinda de grandes levas de trabalhadores rurais para os centros urbanos. A turbulência se intensificou com o golpe militar de 1964 – que alguns costumam denominar de “revolução de 64” - culminando no agravamento da situação.

O alargamento do parque industrial brasileiro forjou muitas oportunidades de trabalho, atraentes aos campesinos, que passaram a abandonar sua terra natal para se estabelecer nas cidades. No que tange ao sistema educacional, as condições tornaram-se sobremaneira insatisfatórias, sendo que o Estado – a exemplo do que ocorre atualmente – já não podia satisfazer a demanda: o número de pessoas em idade de ingressar na escola era muito maior que o número de vagas oferecidas. Deveras, a saída do homem do campo suscitou extrema pioria ao sistema de ensino, deteriorando-o ainda mais.

Uma outra nuança do problema há de ser enfatizada neste escorço histórico. Normalmente, os filhos dos operários, que eram pessoas iletradas – também porque maiormente provenientes das áreas campestres – não tinham sequer acesso às escolas públicas, porque não logravam êxito em nelas ingressar, não obtendo aprovação nos vários testes de seleção que eram à época aplicados. Nesse diapasão, uma das soluções adotadas foi transferir às empresas o ônus de proporcionar aos empregados e aos filhos deles o acesso à educação. Criou-se o chamado Salário-Educação (Lei nº 4.440/64). Sem embargo, se preferisse, a empresa, por si só, através da manutenção de uma escola, poderia ministrar o ensino básico à prole dos funcionários. É o que se depreende da leitura do artigo 168, III, da Constituição Federal de 1946:

art. 168. As empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de 100 pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes.

Para outro fim, foi editada a Lei 4.440, de 27/10/1964, cujo artigo 1º estabeleceu a contribuição social denominada de Salário-Educação:

Art. 1.°. É instituído o salário educação devido pelas empresas vinculadas à Previdência Social, representado pela importância correspondente ao custo do ensino primário dos filhos dos seus empregados em idade de escolarização obrigatória e destinado a suplementar as despesas públicas com a educação elementar.

Os demais elementos da regra-matriz da exação constavam todos do texto da lei, em parágrafos e artigos seguintes, não necessários à presente análise. Mas, é interessante que a Lei n.º 4.440/64 já delineava que a obrigação de manter o ensino poderia ser adimplida com a mantença do ensino ou por meio do recolhimento da contribuição, estabelecendo uma isenção às empresas que prestassem diretamente o ensino. Vejamos:

Art. 5º Ficarão isentas do recolhimento da contribuição de que trata o art. 3.°:

a) as empresas que, com mais de cem (100) empregados, mantiverem serviço próprio de ensino primário (artigo 168, III, da Constituição Federal) ou que instituírem, mediante convênio, sistema de bolsas de estudo no mesmo grau de ensino, um e outro, em termos julgados satisfatórios por ato da administração estadual do ensino, aprovado pelo Conselho Estadual, na forma do regulamento desta lei.

Digno de menção, nessa análise, o art. 7º da referida lei:

Art. 7.°. Com o recolhimento do salário educação, instituído por esta Lei, ou por ato da autoridade competente da administração estadual do ensino, baixado por termos do artigo 5º, considerar-se-á atendido pela empresa em relação aos filhos de seus empregados, o estatuído no artigo 168, II, da Constituição Federal.

O importante –  quero deixar anotado – é que a contribuição intitulada Salário-Educação não foi instituída com o fim de carrear recursos para os cofres do Estado, em sentido genérico – como sói acontecer, aliás, com as contribuições sociais em gênero – mas com a finalidade única e exclusiva de atender a uma necessidade social que é basilar na construção de uma sociedade justa e igualitária:  prestar a educação e conceder  igualdade de oportunidades a todos os cidadãos.

Feitas estas ponderações, imprescindíveis para indicar a direção que iremos seguir, adentremos às questões agitadas neste processo.

O tema da recepção deve ser examinado a partir da divisão de competências, constante na CF/69 e alterações. Mas qual seria, naquela ordem jurídica, a natureza do Salário-Educação? Em termos constitucionais, a previsão era a do art. 178. Assim:

Art. 178. As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter o ensino primário gratuito de seus empregados e o ensino dos filhos destes, entre os 7 e os 14 anos, ou a concorrer para aquele fim, mediante contribuição do salário educação, na forma que a lei estabelecer.

O Decreto-Lei n.º 1.422/75 regulamentou esse dispositivo, interessando-nos o art. 1.º. e o inciso I do art. 3.º.:

Art. 1.º. O salário-educação, previsto no artigo 178 da Constituição, será calculado com base em alíquota incidente sobre a folha do salário de contribuição, como definido no artigo 76 da Lei n.3.807 (*), de 26 de agosto de 1960, com as modificações introduzidas pelo Decreto-lei n. 66 (*), de 21 de novembro de 1966, e pela Lei n. 5.890 (*), de 8 de junho de 1973, não se aplicando ao salário educação o disposto no artigo 14, “in fine”, dessa Lei, relativo à limitação de cálculo da contribuição.

Art. 3.º. Ficam isentas do recolhimento do salário-educação:

I – as empresas que, obedecidas as normas que forem estabelecidas em Regulamento, mantenham diretamente e às suas empresas, instituições de ensino de 1º Grau ou programas de bolsas para seus empregados e os filhos destes

Ora, sob a égide desse diploma normativo, ficou mantido o sistema anterior, - o da CF/64, cuja regulamentação foi efetuada pela Lei n.º 4.440/64 - pelo qual o cumprimento da obrigação de fazer era fato extintivo da obrigação de dar, conclusão que decorre da norma de “isenção”, encartada no inciso I do art. 3.º. Desta feita, uma interpretação possível é a de que somente sob certo prisma é que a contribuição pecuniária ao Salário-Educação poderia ser encarada como de natureza tributária: a de que, uma vez feita a opção pela contribuição pecuniária, esta se tornava compulsória, com as nuanças peculiares à essa natureza.

Por isso, seria também possível afirmar o caráter não tributário, nesta fase histórica, do Salário-Educação. Entretanto, outros elementos poderiam ser indicados como variáveis para compor esta análise, como a de que as duas obrigações - a de dar e a de fazer - deveriam ser ou não analisadas sob regimes jurídicos diversos e não conjuntamente, como componentes de uma só obrigação, de natureza alternativa, o que a desclassificaria como obrigação de natureza tributária. E neste sentido, seria igualmente possível asseverar um caráter híbrido dessa contribuição. Todavia, não é essa a conclusão a que chegamos, como anotarei adiante.

A redação original da CF/67 admitia a edição de decretos-leis apenas quanto à edição de normas de direito financeiro, em seu artigo 58, II. Com o advento da EC 1/69, o art. 55, II, a CF passou a atribuir ao presidente da República competência para utilizar esse expediente para tratar sobre finanças públicas, inclusive normas tributárias. Vejamos:

Art. 55 – O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias:

(...)

II – finanças públicas, inclusive normas tributárias; (...)

Na verdade, pensamos que sob a égide da CF/67 o que se vê é que a obrigação atribuída às empresas era   manter o ensino. A forma de manutenção é que era alternativa:  ou se prestava a educação in labore ou se recolhia a contribuição ao Salário-Educação. Observe-se: a prestação in labore não era o Salário-Educação. A opção era excludente. Nesse sentido, o Salário-Educação era somente a prestação pecuniária, que se tornava compulsória. Portanto, sendo uma contribuição de natureza pecuniária, que assumia feição compulsória, era uma contribuição de natureza tributária.

Por outro lado, se havia autorização constitucional para que o presidente da República editasse decretos-leis para regulamentar matéria tributária, nada existiria de inconstitucional nesse ato. Se refutado o caráter tributário do Salário-Educação, então tratar-se-ia de matéria de direito financeiro, da qual estava também o presidente da República apto a tratar via edição de decretos-leis. Sob qualquer prisma que se veja a questão, habilitado estaria o supremo mandatário para regulamentar a exigência, através da edição de decretos-leis. Não havia qualquer inconstitucionalidade, sob o prisma formal.

Bem, haveria então inconstitucionalidade superveniente? Vamos analisar a feição atual da contribuição denominada de Salário-Educação ao lume da vigente constituição, que assim previu a instituição do tributo em tela:

Art. 212. A União aplicará (...).

§ 5.°. O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário educação, recolhida, na forma da lei, pelas empresas, que dela poderão deduzir a aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e dependentes.

A redação foi alterada pela EC 14/96:

§ 5.°. O ensino fundamental terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação recolhida, pelas empresas, na forma da lei.

A modificação foi somente a retirada da possibilidade de dedução das aplicações realizadas pela empresa no ensino fundamental de seus empregados e dependentes, como revela o texto. No mais, é mister reconhecer que a própria Constituição Federal delegou ao legislador ordinário - desprezando-se a discussão se lei complementar ou lei ordinária – a tarefa de determinar os demais critérios da regra-matriz de incidência. Assim, a Lei n.º 9.424/96 integrou o mandamento constitucional, descrevendo a hipótese em seu artigo 15:

Art. 15. O salário-educação, previsto no artigo 212, § 5.º, da Constituição Federal e devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado com base na alíquota de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, assim definidos no artigo 12, inciso I, da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991,

Portanto, a hipótese, o conceito descrito na norma é “remunerar empregados”. Verificado o fato, impõe-se que o dever a ele imputado tem de ser cumprido. Aqui, dado o caráter compulsório e pecuniário do dever cometido ao sujeito passivo, dúvida não temos em afirmar a natureza tributária do Salário-Educação.

Se, como afirmamos, sob a égide da CF/66,  a contribuição ao Salário-Educação (referimo-nos, como dissemos, à prestação pecuniária e não à prestação in  labore) possuía natureza tributária e com essa natureza foi também prevista pela CF/88, temos que nenhuma inconstitucionalidade há nesse particular, isto é, nenhuma inconstitucionalidade material. Por isso, afirmamos a recepção da contribuição pecuniária denominada de Salário-Educação pela CF/88.

E quanto ao veículo introdutor das normas atinentes à essa contribuição e autoridade competente?

Não há sombra de dúvida sobre a impossibilidade de as espécies tributárias serem criadas por decretos-leis, até porque esse veículo foi banido de nosso sistema. Nada obstante, a inconstitucionalidade formal deve ser aferida levando-se em consideração as normas de estrutura vigentes à época da edição do diploma normativo. E se naquele comenos, tais normas foram obedecidas, como falamos, não há inconstitucionalidade superveniente: o Poder Executivo era competente para editar normas relativas a direito tributário, como asserimos linhas acima. A não-recepção, nesse sentido, se opera única e exclusivamente em relação à norma delegadora de competência e não em relação às normas veiculadas pela autoridade então competente – em razão da delegação - como sustentam alguns, que continuam vigentes até posterior revogação, posto que válidas em sua edição.

O mesmo se diga em relação à possibilidade da delegação de poderes para a fixação das alíquotas. Veja-se: o Decreto-Lei n.º 1.422/75 – que, repetimos, foi recepcionado, exceção feita à norma de delegação já mencionada – estabelecia em seu artigo 1.º, § 2.º que “a alíquota prevista neste artigo será fixada por ato do Poder Executivo, que poderá alterá-la mediante demonstração, pelo Ministério da Educação e Cultura, da efetiva variação do custo real unitário do ensino de 1.º grau”. Diz-se haver inconstitucionalidade nessa delegação, ainda que sob a égide da anterior Constituição, seja porque não poderia haver tal delegação ao Poder Executivo, seja porque não havia limites para o exercício dessa delegação.

“Data maxima venia”, não penso assim. A Lei n.º 4.440/64 já tinha fixado a alíquota da contribuição ao Salário-Educação, em seu artigo 8.º, III, no percentual de 2%. Sobrevieram alterações. Mas o que importa é que a alíquota originária fora fixada em lei, de forma que o Poder Executivo, ao exercitar a delegação, isto é, ao “fixar” a alíquota em função da delegação do art. 1.º, § 2.º do Decreto-Lei 1.422/75, na realidade, procedeu somente à alteração da alíquota então vigente. Aliás, sobre esse assunto, é basilar a lição do prof. Souto Maior Borges. Ouçamos o escólio do insígne lente:

“A EC 1/69 não exigia fosse a alíquota, eventualmente alterável em ato do Executivo, fixada na mesma lei que instituiu a contribuição. Essa é a ressalva de aplicação do Dec.lei 1.422/75 . Mas a alíquota antecedente não era alíquota-tope para a alteração. Servia, entretanto, para caracterizar qualquer modificação dela na legislação subsequente como alteração de alíquota. As condições e limites são atributos da norma de delegação. Não há alteração de alíquota, porém, sem revogação da alíquota que lhe é preexistente. Quando, portanto, o Executivo dispusesse sobre a alíquota, com base no Dec-lei 1.422, poderia, observado o critério do custo atuarial, manter, majorar ou reduzir a alíquota do salário educação, instituída na Lei. 4863/65. (...) Conclusão necessária: era constitucional o Dec.-lei 1422/75, art. 1.º, § 1.º, ao atribuir ao Executivo competência para fixação da contribuição. (...) Qualquer alíquota do salário-educação que viesse a ser ‘fixada’ pelo Executivo, se diferente de 1,4%, a alíquota anterior, o seria em alteração”.(Parecer sobre a constitucionalidade do salário educação. Lei 4.440/64, Dec.lei 1.422/75, Lei 9.424/96 e Legislação Conexa, Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n.º 29,  Ed. RT, p.156 a 185).

A alteração da alíquota dessa contribuição, pelo Dec. n.º 79.923, de 26/12/75, que regulamentou o Decreto-Lei n.º 1.422, portanto, foi exercício legítimo da faculdade constitucional outorgada ao Poder Executivo pelo artigo 21, § 2.º, I, que estendia às contribuições a faculdade prevista no inciso I do mesmo dispositivo, isto é, “nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar-lhe as alíquotas ou as bases de cálculo”. E o limite legal? Era exatamente o custo real unitário do ensino. Essa é a determinação do art. 1.º, § 2.º, do recitado decreto-lei.

O que considero, pois e afinal, é que a superveniência de inconstitucionalidade em função de uma nova ordem constitucional, que impede a ocorrência do fenômeno da recepção, se dá em termos materiais e não em termos formais ou procedimentais. Se válida a norma, em sua edição, a recepção se dá com a roupagem que lhe emprestar a nova ordem constitucional. Reiteramos que ainda que se considere que aquela contribuição possuísse caráter extra-tributário, era uma contribuição pecuniária compulsória. Com essa natureza, foi recepcionada pela vigente constituição como verdadeira prestação tributária. Por isso mesmo, perfilhamos a tese da recepção do Salário-Educação pela carta hodierna, sendo válida a sua criação via decreto-lei, em função da competência atribuída ao Executivo da União para esse mister.

Por esses motivos, não há que se falar em malferimento do princípio da estrita legalidade tributária.

Outrossim, não prospera a alegação de que a contribuição ao Salário-Educação é incompatível com o art. 195, em razão de o produto de sua arrecadação ser destinado à educação e não à seguridade social. O fundamento constitucional do Salário-Educação, como já anotamos, é o art. 212, § 5.º, que determina que “o ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação recolhida, pelas empresas, na forma da lei”. É contribuição social cujo produto de arrecadação possui destinação específica ao ensino fundamental, em nada a ela se aplicando o disposto no art. 195 da Constituição Federal. Por isso mesmo, qualquer incompatibilidade não ocorre, igualmente, entre a legislação anterior – cuja recepção sustentamos – e o art. 212 da Constituição Federal.

Não ignoro que o STF, em determinada época, considerou que a contribuição em comento tinha natureza “especial”, de caráter financeiro. Tal fato em nada afasta as premissas levantadas, diante do que afirmamos. É indispensável ainda relembrarmos que quando das decisões do STF sobre esse assunto, o direito tributário inda não gozava da dignidade científica e autonomia didática que atualmente desfruta, bastando, para sustentar essa assertiva, referirmo-nos às célebres discussões a respeito da natureza não-tributária do empréstimo compulsório, tão combatida por expoentes históricos do estudo tributário no Brasil, como Alfredo Augusto Becker e Geraldo Ataliba.

Por outro lado, observo que a Medida Provisória 1.518/96 não regulamentou a Emenda Constitucional n.º 14/96, uma vez que a citada MP possuí efeito imediato e foi editada em 19 de setembro de 1996, conforme decidiu o Egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. º 1518-4.

Assinalo ainda, que recentemente o egrégio Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 732, sintetizando seu entendimento da constitucionalidade da exação do salário-educação, tanto o cobrado sob a égide das Constituição Federal de 1969 como o exigido sob o advento da Carta Política de 1988, conforme se pode verificar do citado enunciado:

É constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação, seja sob a Carta de 1969, seja sob a Constituição Federal de 1988, e no regime da Lei 9.424/96.

Por fim, após este breve panorama histórico sobre a contribuição do salário- educação, assinalo que a Emenda Constitucional nº 33/2001 trouxe diversas alterações ao sistema tributário nacional, particularmente no que diz respeito a incidência e cobrança das contribuições sociais de intervenção no domínio econômico, tendo o poder constituinte derivado incluindo limitações a competência tributária, consubstanciadas no inciso III do § 2º do artigo 149, abaixo transcrito:

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:

(...)

III - poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;

 b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.

Ocorre que, este dispositivo encontra-se no tempo verbal futuro, portanto tem a função de vincular o vindouro legislador quando da criação de novas exações. Portanto, não se pode falar de revogação expressa ou tácita das contribuições sociais de terceiro, bem como não recepção, posto que não existe antinomia entre as normas ordinárias que cuidam das contribuições sociais e o texto constitucional.

Nesse giro, assinalo que o egrégio Supremo Tribunal Federal entende ter havido recepção das contribuições de terceiros pela Emenda Constitucional 33/2001, tendo fixado, em 23/09/2020, quando do julgamento do RE 603.624/SC (Tema 325) a tese, segundo a qual "As contribuições devidas ao SEBRAE, à APEX e à ABDI com fundamento na Lei 8.029/1990 foram recepcionadas pela EC 33/2001". Nesse passo, observo que o resultado do julgamento do RE 603.624 transitou em julgado 09/02/2021, portanto tornou-se definitivo e passou a vincular toda a jurisprudência, uma vez que possui Repercussão Geral.

Nesse mesmo sentido, assinalo que a questão da constitucionalidade das contribuições ao INCRA foi apreciada definitivamente pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 630.898, em 08/04/2021, tendo aquela C. Corte decidido que “apreciando o tema 495 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: ‘É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC nº 33/2001’”.

Nos citados julgados o egrégio Supremo Tribunal Federal entendeu que o rol do inciso III do § 2º do artigo 149 da Constituição Federal não é taxativo.

Consequentemente, fica prejudicado o pedido de compensação.

Pelo exposto, nego provimento à apelação, mantendo o julgado contido na Sentença.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2001. CONSTITUCINALIDADE. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. O egrégio Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 732, sintetizando seu entendimento da constitucionalidade da exação do salário-educação, tanto o cobrado sob a égide das Constituição Federal de 1969 como o exigido sob o advento da Carta Política de 1988.

2. A Emenda Constitucional nº 33/2001 trouxe diversas alterações ao sistema tributário nacional, particularmente no que diz respeito a incidência e cobrança das contribuições sociais de intervenção no domínio econômico, tendo o poder constituinte derivado incluindo limitações a competência tributária, consubstanciadas no inciso III do § 2º do artigo 149.

3. O artigo 149, § 2º, III, da Constituição Federal encontra-se no tempo verbal futuro, portanto tem a função de vincular o vindouro legislador quando da criação de novas exações. Portanto, não se pode falar de revogação expressa ou tácita das contribuições sociais de terceiros, bem como não recepção, posto que não existe antinomia entre as normas ordinárias que cuidam das contribuições sociais e o texto constitucional.

4. O egrégio Supremo Tribunal Federal entende ter havido recepção das contribuições de terceiros pela Emenda Constitucional 33/2001, tendo fixado, em 23/09/2020, quando do julgamento do RE 603.624/SC (Tema 325) a tese, segundo a qual "As contribuições devidas ao SEBRAE, à APEX e à ABDI com fundamento na Lei 8.029/1990 foram recepcionadas pela EC 33/2001". Nesse passo, observo que o resultado do julgamento do RE 603.624 transitou em julgado 09/02/2021, portanto tornou-se definitivo e passou a vincular toda a jurisprudência, uma vez que possui Repercussão Geral.

5. A questão da constitucionalidade das contribuições ao INCRA foi apreciada definitivamente pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 630.898, em 08/04/2021, tendo aquela C. Corte decidido que “apreciando o tema 495 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: ‘É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC nº 33/2001’”.

7 O egrégio Supremo Tribunal Federal nos RE 603.624/SC e 630.898 entendeu que o rol do inciso III do § 2º do artigo 149 da Constituição Federal não é taxativo.

8. Apelação não provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, mantendo o julgado contido na Sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.