EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 5001756-20.2020.4.03.6181
RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO
EMBARGANTE: HARRY SHIBATA
Advogados do(a) EMBARGANTE: JOSE ANTONIO IVO DEL VECCHIO GALLI - SP35479-A, MILTON GUILHERME ROSSI MENDONCA - SP267931-A, RENATA DI PARDI GAYA - SP215190-A
EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 5001756-20.2020.4.03.6181 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO EMBARGANTE: HARRY SHIBATA Advogados do(a) EMBARGANTE: MILTON GUILHERME ROSSI MENDONCA - SP267931-A, RENATA DI PARDI GAYA - SP215190-A, JOSE ANTONIO IVO DEL VECCHIO GALLI - SP35479-A EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos infringentes opostos pela defesa de Harry Shibata em face do acórdão (id. 165378761) proferido pela Décima Primeira Turma desta Corte Regional que, por maioria, deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para afastar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do delito imputado ao ora embargante e, como consequência, determinar o retorno do feito ao 1º grau de jurisdição para que tenha continuidade o juízo de admissibilidade da exordial acusatória então ofertada, nos temos do voto do Desembargador Federal Fausto De Sanctis (id. 160345778), acompanhado pelo voto do Desembargador Federal Paulo Fontes. Vencido o Desembargador Federal Nino Toldo, que negava provimento ao recurso em sentido estrito para manter a decisão que declarou extinta a punibilidade do ora embargante (id. 165265789). O acórdão foi assim ementado: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO NO QUAL SE BUSCA A REFORMA DE R. DECISÃO QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM CONTEXTO EM QUE A IMPUTAÇÃO REFERE-SE A DELITO – FALSIDADE IDEOLÓGICA – PERPETRADO EM CONTEXTO DE UM ATAQUE SISTEMÁTICO E GENERALIZADO À POPULAÇÃO CIVIL PELO APARATO ESTATAL EXISTENTE NO PERÍODO DITATORIAL BRASILEIRO. POSSIBILIDADE DE SE RECONHECER COMO SENDO “CRIME CONTRA A HUMANIDADE” A PERPETRAÇÃO DO DELITO DE “FALSIDADE IDEOLÓGICA” NO CONTEXTO DE ATAQUE DESUMANO. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À HIPÓTESE DE RECONHECIMENTO DE QUE OS DELITOS PERPETRADOS NO CONTEXTO DE UM ATAQUE SISTEMÁTICO E GENERALIZADO À POPULAÇÃO CIVIL PELO APARATO ESTATAL EXISTENTE NO PERÍODO DITATORIAL BRASILEIRO CONFIGURAM “CRIME CONTRA A HUMANIDADE”: AFASTAMENTO DAS CAUSAS EXTINTIVAS DE PUNIBILIDADE DA ANISTIA E DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. - Os fatos imputados ao denunciado guardam relação com o potencial falseamento da verdade que teria sido levado a efeito nos idos de 04 de setembro de 1973 quando, na sede do Instituto Médico Legal (IML) em São Paulo, referida pessoa (ao lado de outro médico legista já falecido), visando assegurar a ocultação e a impunidade de 02 (dois) pretéritos delitos de homicídio (que teriam sido executados pelo Delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, pelo Agente Policial Luiz Martins de Miranda Filho, pelo Coronel Antônio Cúrcio Neto e por Gabriel Antônio Duarte Ribeiro, além de terceiros não identificados, em detrimento de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos), teria omitido em documentos públicos (02 – dois – Laudos de Exames Necroscópicos) declaração que neles deveria constar com o desiderato de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (qual seja, a submissão, por parte daqueles que foram mortos, a sevícias e a torturas que teriam sido perpetradas em contexto de um ataque sistemático e generalizado à população civil pelo aparato estatal existente no período ditatorial brasileiro). - O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL recorre da r. decisão que declarou extinta a punibilidade de denunciado em relação aos crimes do art. 299, caput, do Código Penal, em razão do assentamento da prescrição da pretensão punitiva (nos termos do art. 107, IV, c.c. art. 109, III, ambos do Código Penal). Para tanto, entendeu a autoridade judicante que o crime de “falsidade ideológica” não encontraria respaldo no princípio da legalidade quando incidente na seara internacional na justa medida em que o Direito Internacional não elencaria, dentre o rol dos “crimes contra a humanidade”, a infração penal que o Parquet federal extraiu das condutas descritas neste feito – nessa toada, à luz da ausência da pecha de “crime contra a humanidade” ao delito de “falsidade ideológica”, haveria que incidir, na espécie, as regras de direito interno a permitir o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva ante o transcurso de lapso superior ao previsto na legislação se se levar em conta a data dos fatos e o momento em que potencialmente a denúncia poderia ser recebida. - Os “falsos ideológicos” em tese imputados ao denunciado, segundo visão acusatória, decorreriam exatamente da suposta omissão, em documentos públicos (quais sejam, Laudos de Exame de Corpo de Delito), de declarações que neles deviam constar (vale dizer, as diversas marcas decorrentes das sessões de tortura que Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos teriam suportado) com o especial fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (veiculação de uma “versão oficial” mais palatável acerca daquelas mortes), tudo isso em um cenário subjacente relacionado ao ataque sistemático e generalizado que civis estavam sendo vítimas pela repressão estatal. Em última instância, as supostas declarações falsas, ao que consta dos autos, tinham potencialmente a finalidade de fechar e de encobrir (frise-se novamente: dar a “versão oficial”) os desmandos ditatoriais pretéritos que teriam defenestrado a vida das vítimas Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos (consistentes em supostas violentas e desumanas sessões de tortura), sendo, assim, inconteste o vínculo de conexidade com a plêiade de infrações que teriam acabado ceifando a vida dos indicados dissidentes políticos ao regime então vigente. - Ainda que fosse possível suplantar o raciocínio tecido acima, o posicionamento encampado pelo magistrado federal monocrático também não subsistiria tendo como supedâneo a inferência de que os Tratados e as Convenções Internacionais aplicáveis à matéria também permitiriam enquadrar os delitos de “falso ideológico” (em tese perpetrados pelo denunciado) como “crimes contra a humanidade” de molde a se vislumbrar o implemento do Princípio da Legalidade (tanto internacional – a fim de qualificar a conduta como “crime contra a humanidade” – com internamente – como mecanismo a implementar a tipicidade estrita em matéria penal). - Isso porque o primeiro marco internacional que merece menção sobre o assunto ora em apreciação refere-se à “Carta de Londres” (de 1945), que instituiu o “Tribunal Internacional de Nuremberg” (com o objetivo de processar e de punir os crimes de guerra executados pelos países integrantes do “Eixo Europeu” na 2º Guerra Mundial). Assim, desde o ano de 1945 (portanto, desde antes do período ditatorial brasileiro), a Comunidade Internacional já tinha tipificado condutas que se subsumiriam ao conceito de “crimes contra a humanidade” (destacando-se a execução de assassinatos e de perseguições baseadas em critérios políticos), havendo, ademais, a aposição de uma cláusula de conteúdo aberto (“ou outro ato desumano contra a população”) com o escopo de se buscar ao máximo afastar condutas que, apesar de não expressamente elencadas no diploma internacional, possuiriam nitidamente o condão de transparecer ofensas de lesa-humanidade. Desta feita, mostra-se plenamente crível vislumbrar-se, ainda que não textualmente escrito na “Carta de Londres” (de 1945), que tais “falsos”, por serem o último ato de uma cadeia de condutas, em tese, criminosas e deveras ofensiva aos Direitos Humanos, subsumiriam a rubrica “crimes contra a humanidade” na vertente de “homicídio” (no cenário derradeiro necessário para a sua ocultação) ou, ao menos, sob a expressão “outro ato desumano levado a efeito contra a população civil” (na justa medida em que o falseamento da verdade em questões ligadas ao direito de personalidade das pessoas, especialmente o contexto em que morreram ou, na realidade, foram mortas, já teria o condão de indicar o quão desumano foi o tratamento conferido no período em que o Brasil esteve sob ditadura militar). - A aferição de compatibilidade de uma lei editada pelo Parlamento, nos dias atuais, passa por dois estágios de verificação: (a) o primeiro deles em face da Constituição Federal tendo como base a ideia regente contida no Princípio da Supremacia da Constituição (cabendo ressaltar que, acaso a lei não esteja de acordo com o Texto Magno, padecerá de vício que a tornará inconstitucional, seja sob o aspecto formal, seja sob o aspecto material) e (b) o segundo deles à luz dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos cuja natureza jurídica seja supralegal (como ocorre, por exemplo, com o Pacto de São José da Costa Rica), sendo imperioso destacar que eventual incompatibilidade levará ao reconhecimento da existência de vício de inconvencionalidade. - O C. Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de analisar a Lei de Anistia quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. Todavia, referido precedente não teve o condão de exaurir o exame do alcance e da validade da anistia versada na Lei nº 6.683/1979 na justa medida em que resta pendente de enfretamento embargos de declaração nos quais se questiona a extensão material da anistia aos crimes de homicídio, de estupro e de tortura. Ademais, a C. Corte Suprema ainda deverá apreciar o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 320 na qual se propugna a inaplicabilidade da Lei de Anistia aos crimes de grave violação de direitos humanos cometidos por agentes públicos. - A Constituição de 1967 (então em vigor quando da edição da Lei nº 6.683/1979) trazia, em seu art. 150, um rol de direitos e de garantias fundamentais que serviam para proteger o cidadão da atuação estatal, objetivando a imposição de limites na atuação dos Poderes como cláusula inquebrantável de intangibilidade do ser humano como corolário da dignidade da pessoa humana. Verifica-se, portanto, na senda dos crimes praticados por agentes estatais contra a população civil valendo-se, para tanto, do aparato repressor institucionalizado no escopo de combater subversivos ao regime político-militar, nítida violação a tais garantias fundamentais porquanto os atos estatais levados a efeito mostraram-se como transgressores dos limites insculpidos na Ordem Constitucional vigente, cabendo destacar que era pressuposto que os representantes do Estado se portassem de modo a respeitar o direito posto. - Fazendo um juízo de validade da Lei de Anistia tendo como base os Tratados Internacionais de Direitos Humanos e partindo da premissa de que referidos atos normativos possuem atualmente status de normas supralegais (entendimento sufragado pelo C. Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento dos RE's 466.343 e 349.703), nota-se a ausência de compatibilidade da Lei nº 6.683/1979 com diversas Convenções afetas ao tema de Direitos Humanos, o que chancela sua inconvencionalidade no âmbito de aferição que tem por pressuposto a nova conformação da pirâmide normativa kelseniana. - Portanto, levando em consideração a submissão da Lei de Anistia ao controle de convencionalidade, bem como o reconhecimento de responsabilidade do Estado brasileiro em promover a persecução penal contra os acusados de graves violações de Direitos Humanos durante a ditadura militar brasileira, mostra-se imperativo assentar que o respeito aos Direitos Humanos deve ser considerado como norma cogente e inafastável do Direito Internacional, respeito este do qual o Estado brasileiro não poderia dispor, seja por ato de vontade (anistia), seja por inércia (prescrição), sob pena de subverter sua própria Ordem Constitucional ou os Tratados e as Convenções Internacionais assinados em matéria de Direitos Humanos. - Dado provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (para o desiderato de afastar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva sufragada pelo magistrado monocrático e, como consequência, determinar o retorno do feito ao 1º grau de jurisdição para que tenha continuidade o juízo de admissibilidade da exordial acusatória então ofertada). Nos embargos infringentes, a defesa requer a reforma do acórdão para que prevaleça o voto vencido em sua integralidade, de modo a manter o reconhecimento da extinção da punibilidade, seja pela anistia, com base no artigo 107, inciso II, do Código Penal e na Lei nº 6.683/79, seja pela prescrição, nos termos dos artigos 107, inciso IV, 109, inciso III e 115, todos do Código Penal (id. 167996910). Recebido o recurso (id. 170290341), os autos foram redistribuídos a minha relatoria, nos termos do artigo 266, §2º, do Regimento Interno desta Corte Regional (id. 178846271). Instada a se manifestar (id. 178998456), a Procuradoria Regional da República requereu a rejeição dos embargos infringentes (id. 182577348). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (421) Nº 5001756-20.2020.4.03.6181 RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO EMBARGANTE: HARRY SHIBATA Advogados do(a) EMBARGANTE: MILTON GUILHERME ROSSI MENDONCA - SP267931-A, RENATA DI PARDI GAYA - SP215190-A, JOSE ANTONIO IVO DEL VECCHIO GALLI - SP35479-A EMBARGADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Os embargos infringentes devem ser acolhidos. Inicialmente, observo que, nos termos do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, os embargos infringentes e de nulidade são restritos à matéria objeto de divergência e, no presente caso, a discordância cinge-se à extinção da punibilidade dos atos atribuídos a Harry Shibata, tanto em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, como em razão da aplicabilidade da Lei nº 6.683/1979 (Lei da Anistia) a delitos cometidos durante o período da ditadura militar e mediante graves violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos. Pois bem, ovoto vencedordeu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para afastar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do delito imputado ao ora embargante e, como consequência, determinar o retorno do feito ao 1º grau de jurisdição para que tenha continuidade o juízo de admissibilidade da exordial acusatória então ofertada, considerando que o ilícito em questão deve ser considerado crime de lesa-humanidade e que o julgamento da ADPF nº 153 não exauriu o exame do alcance e da validade da anistia tratada na Lei nº 6.683/1979, já que o Supremo Tribunal Federal ainda apreciará o mérito da ADPF nº 320, conclusões que permitem o reconhecimento da punibilidade de delitos tais, nos seguintes termos: DA POSSIBILIDADE DE SE RECONHECER COMO SENDO “CRIME CONTRA A HUMANIDADE” A PERPETRAÇÃO DO DELITO DE “FALSIDADE IDEOLÓGICA” NO CONTEXTO DE ATAQUE DESUMANO A situação retratada nestes autos virtuais permite a conclusão de que a imputação do crime de “falsidade ideológica”, no contexto de um ataque sistemático e generalizado à população civil pelo aparato estatal existente no período ditatorial brasileiro, pode e deve ser compreendida como “crime contra a humanidade”. Com efeito, tendo como base o teor da denúncia ofertada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (ID 141455060), depreende-se que os delitos de “falsidade ideológica”, em tese, imputados ao investigado HARRY SHIBATA teriam como panorama de fundo o último ato que se fazia necessário para o ideário de “legalizar” (vale dizer, fornecer uma “versão oficial”) o falecimento dos dissidentes do regime político então vigente no Brasil nos idos de 1973, Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos. Dentro de tal contexto, ainda de acordo com a visão ministerial, Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos teriam sido vítimas de diversos tipos de tortura por parte do aparato estatal existente no período ditatorial brasileiro, sendo que, diante das sevícias perpetradas, acabaram não suportando as sessões de tortura e, nessa medida, vieram a óbito. Entretanto, à luz de que não seria possível apresentar como causa mortis as torturas sofridas, teria havido a simulação de que tais dissidentes teriam enfrentado as forças públicas da época (no caso, o Exército Brasileiro), razão pela qual acabaram sendo alvejados por disparos de arma de fogo. Nessa toada, lavraram-se os Laudos de Exame de Corpo de Delito nºs 45.646 (atinente a Emmanuel Bezerra dos Santos) e 45.647 (atinente a Manoel Lisboa de Moura), tendo o investigado HARRY SHIBATA os subscrito, oportunidade em que teria sido sufragada a “versão oficial” de que tais pessoas morreram em decorrência de hemorragia interna causada por ferimentos decorrentes de projéteis de arma de fogo (tendo havido resposta expressa a quesito no sentido de que eles não foram submetidos a qualquer tipo de tortura) – a propósito, vide os documentos ID’s 141455642 – pág. 02, 141455643 – págs. 01/02 e 141455646 – págs. 01/03. Percebe-se, desta feita, que os “falsos ideológicos” em tese imputados a HARRY SHIBATA, segundo visão acusatória, decorreriam exatamente da suposta omissão, em documentos públicos (quais sejam, Laudos de Exame de Corpo de Delito), de declarações que neles deviam constar (vale dizer, as diversas marcas decorrentes das sessões de tortura que Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos teriam suportado) com o especial fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (veiculação de uma “versão oficial” mais palatável acerca daquelas mortes), tudo isso em um cenário subjacente relacionado ao ataque sistemático e generalizado que civis estavam sendo vítimas pela repressão estatal. Em última instância, as supostas declarações falsas, ao que consta dos autos, tinham potencialmente a finalidade de fechar e de encobrir (frise-se novamente: dar a “versão oficial”) os desmandos ditatoriais pretéritos que teriam defenestrado a vida das vítimas Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos (consistentes em supostas violentas e desumanas sessões de tortura), sendo, assim, inconteste o vínculo de conexidade com a plêiade de infrações que teriam acabado, novamente lançando mão dos termos acusatórios, ceifando a vida dos indicados dissidentes políticos ao regime então vigente. Importante ser ressaltado que o Parquet federal trouxe à baila que a persecução penal que pretendia ver instaurada em face de HARRY SHIBATA apenas não estava sendo agregada a imputações relacionadas aos supostos crimes de homicídio que teriam sido perpetrados em detrimento de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos, uma vez que os potenciais agentes perpetradores das mortes já teriam falecido (e, nessa toada, todas as respectivas punibilidades estavam extintas com base no inciso I do art. 107 do Código Penal). De toda forma (e passando-se ao largo de questão relacionada com competência processual penal porque desbordante do âmbito recursal veiculado), o aspecto ora apontado possui o valor de referendar a inferência de que os tais “falsos ideológicos” que teriam sido executados por HARRY SHIBATA estariam umbilicalmente vinculados em suas gêneses com os supostos homicídios e somente teriam sentido de terem sido praticados com o fito de “mascarar” a verdade sobre as causas que teriam ensejado o falecimento de Manoel Lisboa de Moura e de Emmanuel Bezerra dos Santos. Portanto, tendo como base as premissas anteriormente alinhavadas, firma-se convicção no sentido de que os pretensos crimes de “falsidade ideológica” que teriam sido executados, em tese, por HARRY SHIBATA estar-se-iam imbricados com todas aquelas eventuais sevícias, ofensas e dilacerações que potencialmente as sessões de tortura aplicadas aos dissidentes políticos Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos causaram (a culminar, em tese, na morte destes), razão pela qual indissociável o creditamento da pecha de “crime contra a humanidade” as eventuais condutas (contrafações) que, ao que consta dos autos, teriam a finalidade de conferir uma “versão oficial” mais “honrosa” aos desmandos contra os Direitos Humanos que teriam sido executados ao longo dos Anos de Chumbo brasileiros. Sem prejuízo do exposto, ainda que fosse possível suplantar o raciocínio tecido, o posicionamento encampado pelo magistrado federal monocrático também não subsistiria tendo como supedâneo a inferência de que os Tratados e as Convenções Internacionais aplicáveis à matéria também permitiriam enquadrar os delitos de “falso ideológico” (em tese perpetrados por HARRY SHIBATA) como “crimes contra a humanidade” de molde a se vislumbrar o implemento do Princípio da Legalidade (tanto internacional – a fim de qualificar a conduta como “crime contra a humanidade” – com internamente – como mecanismo a implementar a tipicidade estrita em matéria penal). Dentro de tal contexto, o primeiro marco internacional que merece menção sobre o assunto ora em apreciação refere-se à “Carta de Londres” (de 1945), que instituiu o “Tribunal Internacional de Nuremberg” (com o objetivo de processar e de punir os crimes de guerra executados pelos países integrantes do “Eixo Europeu” na 2º Guerra Mundial). A propósito, pertinente trazer à colação os ensinamentos de Valério de Oliveira Mazzuoli (extraídos do artigo “O Tribunal Penal Internacional – Integração ao direito brasileiro e sua importância para a justiça penal internacional”, acessado, em 24 de maio de 2021, por meio do link que segue: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/1013/R164-10.pdf?sequence=4) por meio do qual se nota uma percuciente análise dos crimes tipificados pela “Carta de Londres”: (...) Lançando mão do que se acaba de transcrever, depreende-se que desde o ano de 1945 (portanto, desde antes do período ditatorial brasileiro) a Comunidade Internacional já tinha tipificado condutas que se subsumiriam ao conceito de “crimes contra a humanidade” (destacando-se a execução de assassinatos e de perseguições baseadas em critérios políticos), havendo, ademais, a aposição de uma cláusula de conteúdo aberto (“ou outro ato desumano contra a população”) com o escopo de se buscar ao máximo afastar condutas que, apesar de não expressamente elencadas no diploma internacional, possuiriam nitidamente o condão de transparecer ofensas de lesa-humanidade. Desta feita, retomando a análise do caso concreto, restou assentado anteriormente que os pretensos crimes de “falsidade ideológica” imputados a HERRY SHIBATA tinham como pano de fundo as torturas que teriam sido realizadas nos nacionais Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos e a necessidade de apresentar à sociedade uma “versão oficial” que não escancarasse como a busca de informações ocorria ao tempo da ditadura brasileira, culminando na constatação de que as “contrafações” estavam, em tese, completamente associadas com as mortes pretéritas no sentido de, ao que consta, teriam sido perpetradas exatamente para assegurar a ocultação dos vilipêndios cometidos contra seres humanos. Assim, mostra-se plenamente crível vislumbrar-se, ainda que não textualmente escrito na “Carta de Londres” (de 1945), que tais “falsos”, por serem o último ato de uma cadeia de condutas, em tese, criminosas e deveras ofensivas aos Direitos Humanos, subsumiriam a rubrica “crimes contra a humanidade” na vertente de “homicídio” (no cenário derradeiro necessário para a sua ocultação) ou, ao menos, sob a expressão “outro ato desumano levado a efeito contra a população civil” (na justa medida em que o falseamento da verdade em questões ligadas ao direito de personalidade das pessoas, especialmente o contexto em que morreram ou, na realidade, foram mortas, já teria o condão de indicar o quanto desumano foi o tratamento conferido no período em que o Brasil esteve sob ditadura militar). Portanto, plenamente implementado, ao contrário do sustentado pelo magistrado sentenciante, o Princípio da Legalidade (no plano internacional). Aliás, ainda que indiferente à luz do jus cogens (normas imperativas de Direito Internacional geral aceitas e reconhecidas pela comunidade internacional dos Estados como um todo, não sendo passíveis de revogação ou de derrogação pela sobrevinda de um Tratado ou de uma Convenção internacional que as contrariem – art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 -, haja vista não ser concebível pela comunidade internacional a prática de tortura, de homicídio ou de qualquer tratamento aviltante à dignidade do ser humano independentemente da existência de norma escrita a respeito), até mesmo se verifica dos autos o preenchimento do Princípio da Anterioridade na justa medida em que a “Carta de Londres” data de 1945 ao passo que os fatos, em tese, criminosos cometidos por HARRY SHIBATA, de 1973. Poderiam ser citados, ainda, os seguintes documentos internacionais que também serviriam como norte para a definição de delitos que poderiam ser enxergados como “infrações penais contra a humanidade” e, nessa medida, supedaneariam as conclusões anteriores de que os “falsos ideológicos”, porque cometidos no contexto global dos delitos que teriam sido executados no período ditatorial brasileiro com o fito de especificamente ocultá-los, também deveriam ser classificados como tais (ainda que não expressamente contemplados na dicção literal dos Tratados e das Convenções e sob o pálio de que a compilação em diplomas formais nada mais seria do que a materialização de amplo e consagrado jus cogens aceito de uníssono pela comunidade internacional de Estados): (i) Resolução nº 33, de 1978, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU (atinente à temática dos desaparecimentos forçados); (ii) Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado ou Involuntário, de 1992; e (iii) Estatuto de Roma, de 2002 (instituidor do Tribunal Penal Internacional – TPI). Aliás, especificamente no que tange a este último diploma normativo internacional (Estatuto de Roma), promulgado nacionalmente por meio do Decreto Presidencial nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, cumpre trazer à baila a redação de seu art. 7º (com o objetivo de demonstrar que as disposições que passaram a ser “codificadas” são, na realidade, normas que já eram aceitas pela comunidade internacional a título de jus cogens): (...) Conclusão: tendo como base os argumentos anteriormente expendidos, de rigor o reconhecimento de que os crimes de “falsidade ideológica” atribuídos, em tese, a HARRY SHIBATA devem ser considerados como “delitos contra a humanidade” (porque, a princípio, perpetrados no contexto de um ataque sistemático e generalizado à população civil pelo aparato estatal existente no período ditatorial brasileiro). Cumpre, agora, passar a análise ao regime jurídico aplicável a tal situação. DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À HIPÓTESE DE RECONHECIMENTO DE QUE OS DELITOS PERPETRADOS NO CONTEXTO DE UM ATAQUE SISTEMÁTICO E GENERALIZADO À POPULAÇÃO CIVIL PELO APARATO ESTATAL EXISTENTE NO PERÍODO DITATORIAL BRASILEIRO CONFIGURAM “CRIME CONTRA A HUMANIDADE” O C. Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de apreciar a constitucionalidade da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, declarando-a compatível com a Ordem Constitucional de 1988, quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 em 29 de abril de 2010 - a propósito, segue a ementa de referido julgado: (...) Todavia, o tema ora em comento, de evidente complexidade e de imbricada solução na justa medida em que encontra ressonância tanto no âmbito do ordenamento jurídico interno como na senda dos Tratados e das Convenções Internacionais assinadas e ratificadas pela República Federativa do Brasil, não pode e não deve ficar adstrito exclusivamente à análise de constitucionalidade levada a efeito pelo C. Supremo Tribunal Federal no espectro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, sendo imperiosa a ampliação do debate para matizes outras que, por certo, permeiam e irradiam luzes à efetiva compreensão da questão dos crimes perpetrados por agentes estatais no último período ditatorial vivido pela sociedade brasileira. (a) Dos novos paradigmas incidentes em sede de controle da validade da norma - submissão da norma jurídica a juízo de validade levado a efeito tendo como base tanto a Constituição Federal como Tratados e Convenções Internacionais O Poder Constituinte Originário (também chamado de Inicial ou Inaugural), de titularidade popular (visão democrática) e exercitado por parcela eleita pelo povo (membros que compõem a Assembleia Constituinte), tem por função criar a norma fundamental de uma sociedade, vale dizer, dispor acerca dos elementos que deverão figurar na nova ordem insculpida no texto de uma Constituição Federal, rompendo por completo com a ordem jurídica anterior. Importante ser dito que referido Poder possui como características básicas ser inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado e soberano na tomada de suas decisões. Diz-se inicial na justa medida em que funda novo ordenamento jurídico, não mais devendo respeito ao pretérito; por sua vez, é autônomo por ter a liberdade de estruturar o novel texto constitucional da maneira que aqueles que têm o mister de compor a Assembleia Constituinte bem entender; é ilimitado juridicamente, pois não guarda relação em razão de matéria e de disciplinamento de dado instituto jurídico com o que estabelecido outrora pelo então Poder Constituinte Originário que fixou os ditames da norma constitucional que se quer superar; por fim, é incondicionado e soberano na tomada de suas decisões, uma vez que não deve se submeter a manifestações volitivas anteriores. Tendo como base os aspectos anteriormente indicados (com especial destaque para a autonomia e para a incondicionalidade do Poder Constituinte Originário), espraiando interesse para os meandros do controle de constitucionalidade de uma norma, emerge o Princípio da Supremacia da Constituição, cuja essência se assenta na ideia da pirâmide normativa kelseniana segundo a qual a Carta Magna seria o cume de mencionada pirâmide, irradiando efeitos para todas as demais normas jurídicas (legais e infralegais) constantes dos patamares situados abaixo do texto constitucional. Nesse diapasão, percebe-se o papel fundamental que a Constituição possui dentro do ordenamento jurídico na justa medida em que vincula os atos infraconstitucionais e infralegais a necessariamente satisfazer regras procedimentais e de conteúdo previstas no Texto Supremo, tudo a permitir o desempenho de eventual controle de constitucionalidade. (...) Destaque-se que a imposição de adequação das normas em face do que prevê a Constituição decorre da premissa de que esta foi fruto do Poder Constituinte Originário (que detém as características indicadas anteriormente, em especial ser inicial e incondicionado) e repercute justamente no controle de constitucionalidade, que tem por missão expurgar do sistema jurídico vigente preceitos normativos que estão em desacordo com o que a Carta Magna dispõe, seja porque editados em inobservância a regras procedimentais (tais como competência e forma, gerando inconstitucionalidade formal), seja porque veiculados sem respeitar postulados básicos do Estado de Direito (como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana, levando ao reconhecimento de uma inconstitucionalidade material ou substancial). (...) Saliente-se que o C. Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, decide os casos sob sua apreciação invocando o postulado ora em comento com o desiderato de fazer prevalecer no caso concreto as normas constitucionais, notadamente os direitos e garantias fundamentais - apenas a título ilustrativo, podem ser citados o MS 25.668 (Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-3-06, DJ de 4-8-06) e a ADI 1.480-MC (Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-9-97, DJ de 18-5-01). Vale, ademais, trazer excertos de dois julgados da C. Corte Suprema: (...) Sem prejuízo do exposto e concorrendo com a importância que deve ser creditada ao postulado que reza a supremacia do texto constitucional (nos termos anteriormente vertidos), o controle de validade de uma norma, atualmente, também deve ser executado tendo como supedâneo os tratados e as convenções internacionais assinadas e ratificadas pela República Federativa do Brasil, constatação esta passível de ser inferida da própria jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal a partir do relevante leading case retratado no RE 466.343 no qual apreciada a possibilidade de prisão civil do depositário infiel à luz do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos). Com efeito, até o julgamento do RE 466.343, o C. Supremo Tribunal Federal ostentava posicionamento no sentido de que qualquer tratado internacional (independentemente do tema nele versado) teria força normativa, ao ser introduzido no ordenamento pátrio, de lei ordinária, o que se estenderia, inclusive, aos diplomas internacionais atinentes a direitos humanos (como, por exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica). A propósito, importante ser dito que tal orientação foi originariamente declarada em um julgamento proferido no ano de 1977, no bojo do RE 80004, no qual debatida a força normativa ostentada pela Convenção de Genebra (que previa uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias) em cotejo com o Decreto-Lei nº 427, de 22 de janeiro de 1969, oportunidade em que o então Relator, Min. Xavier de Albuquerque, com ressonância no Tribunal Pleno, sufragou que (...) embora a Convenção de Genebra que previu uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do país (...) - segue a ementa do precedente ora em comento: (...) Todavia, o posicionamento anteriormente indicado restou alterado pelo C. Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento do RE 466.343, no qual deduzida questão constitucional afeta à sapiência se ainda teria cabimento no sistema jurídico pátrio a prisão civil do depositário infiel. A fim de que seja compreensível a controvérsia então debatida, importante ser ressaltado que a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXVII, apenas permite a prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel (Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel), o que motivou a edição de diversas leis materializando o encarceramento do inadimplente no contrato de depósito (ainda que, para tanto, houvesse a transmutação do negócio jurídico originariamente celebrado para contrato de depósito por mera ficção jurídica para fins de ser possível o emprego da prisão como meio coercitivo ao cumprimento da obrigação - cite-se, por exemplo, situação afeta à alienação fiduciária em garantia). Em conflito à norma constitucional, verifica-se que a República Federativa do Brasil é signatária do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que expressamente aduz ser possível tão somente a prisão civil do devedor de alimentos. Diante do conflito normativo relatado, a aplicação da então jurisprudência consolidada na C. Corte Suprema apontaria para solução no sentido de que, tendo o tratado internacional (ainda que de direitos humanos) mera força normativa de legislação ordinária, não haveria qualquer fundamento a permitir a conclusão de que seria defeso no país a prisão do depositário infiel (haja vista que sua possibilidade encontra-se plasmada no Texto Constitucional, que deve ser respeitado a teor do Princípio da Supremacia Constitucional). Entretanto, revisitando o tema, inclusive ante a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que introduziu o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, ao lado das disposições originalmente elencadas nos §§ 1º e 2º de mencionado preceito (§ 1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais), entendeu por bem o C. Supremo Tribunal Federal adotar posicionamento segundo o qual, acaso o tratado internacional de direitos humanos não tenha sido aprovado nos mesmos moldes do que um Projeto de Emenda Constitucional (votação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros), hipótese em que teria força normativa equivalente à norma oriunda do Poder Constituinte Derivado Reformador, a norma de direito internacional com tal conteúdo possuiria status supralegal em decorrência da relevante matéria discutida e debatida no cenário internacional e que objeto de ratificação e de aprovação no país. Tal novel tratamento conferido aos tratados internacionais de direitos humanos (não internacionalizados nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal) restou chancelado exatamente na apreciação da possibilidade de prisão do depositário infiel no contexto conflituoso anteriormente descrito (Texto Magno de 1988 X Pacto de São José da Costa Rica) quando da apreciação dos RE 466.343, restando reafirmado no julgamento do RE 349.703 - a propósito, seguem as ementas dos precedentes mencionados: (...) Portanto, a partir de 03 de dezembro de 2008 (data de realização da sessão de julgamento dos recursos anteriormente transcritos) e ante o reconhecimento pelo C. Supremo Tribunal Federal da supralegalidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos (não aprovados com o quórum qualificado do § 3º do art. 5º da Constituição Federal), a visão tradicional do ordenamento jurídico materializada pela pirâmide normativa kelseniana (Constituição no topo; patamar intermediário das leis; e patamar subalterno dos atos infralegais) restou alterada pela introdução da faixa atinente a Tratados Internacionais de Direitos Humanos (exatamente entre o topo da pirâmide ocupada pela Constituição e o patamar das leis internas). Dentro de tal contexto, a aferição de compatibilidade de uma lei editada pelo Parlamento, nos dias atuais, passa por dois estágios de verificação: (a) o primeiro deles em face da Constituição Federal tendo como base a ideia regente contida no Princípio da Supremacia da Constituição (cabendo ressaltar que, acaso a lei não esteja de acordo com o Texto Magno, padecerá de vício que a tornará inconstitucional, seja sob o aspecto formal, seja sob o aspecto material) e (b) o segundo deles à luz dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos cuja natureza jurídica seja supralegal (como ocorre, por exemplo, com o Pacto de São José da Costa Rica), sendo imperioso destacar que eventual incompatibilidade levará ao reconhecimento da existência de vício de inconvencionalidade. (...) Portanto, atualmente o ato legislativo deve retirar seu fundamento de validade tanto da Constituição Federal (sendo, assim, compatível com ela, sob pena de ser inconstitucional) como dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos não introduzidos ao ordenamento jurídico sob o pálio do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal (porque hierarquicamente superior no contexto elucidativo da Pirâmide de Kelsen sob pena de ser inconvencional). (b) Da submissão da Lei de Anistia (Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979) a juízo de validade levado a efeito tendo como base tanto a Constituição como Tratados Internacionais de Direitos Humanos Firmadas as premissas teóricas anteriormente sustentadas, cumpre submeter a Lei de Anistia (Lei nº 6.683/1979) a juízo de validade tanto em face da Constituição Federal como dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. (b.1) Do juízo de validade da Lei de Anistia à luz da Constituição Federal de 1988. Conforme dito no início desse voto, o C. Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de analisar a Lei de Anistia quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. Todavia, importante ser asseverado que referido precedente não teve o condão de exaurir o exame do alcance e da validade da anistia versada na Lei nº 6.683/1979 na justa medida em que resta pendente de enfretamento embargos de declaração nos quais se questiona a extensão material da anistia aos crimes de homicídio, de estupro e de tortura. Ademais, a C. Corte Suprema ainda deverá apreciar o mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 320 na qual se propugna a inaplicabilidade da Lei de Anistia aos crimes de grave violação de direitos humanos cometidos por agentes públicos. Dentro de tal contexto, depreende-se que o decidido pelo C. Supremo Tribunal Federal, no bojo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário (nos termos do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.882/1999: A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público), não colmatou todas as possibilidades de enfrentamento do tema a permitir novas ponderações a incidir sobre a validade da Lei nº 6.683/1979. Adentrando ao caso retratado nos autos e lançando mão da parte primeira deste voto que concluiu que “falsos ideológicos”, cometidos no contexto de um ataque sistemático e generalizado à população civil pelo aparato estatal existente no período ditatorial brasileiro, devem ser compreendidos como “crimes contra a humanidade”, nota-se que a denúncia ofertada nesta relação processual penal (ID 141455060 c.c. ID 141455059 – cota introdutória à denúncia) sustenta justamente, na linha do pugnado e do ainda pendente de deliberação nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nºs 153 e 320, que os fatos tratar-se-iam de “crimes contra a humanidade”, insuscetíveis, assim, de anistia ou de prescrição, bem como protesta contra a validade da Lei nº 6.683/1979 por caracterizar-se como hipótese de autoanistia (privilegiando aqueles que se encontravam no Poder) sem se descurar da mácula aos princípios da dignidade da pessoa humana e republicano (dentre outros), que possuem densidade normativa tal a permitir que se recaia juízo de valor sobre suas previsões. Desta feita, sob o enfoque ora em comento, qual seja, da validade da Lei de Anistia à luz da Constituição Federal de 1988, nota-se que o tema não restou inteiramente enfrentado pelo C. Supremo Tribunal Federal, de modo que a deliberação que vier a ser tomada neste expediente não possui o condão de ofender ou de desafiar o que restou sufragado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. (b.2) Do juízo de validade da Lei de Anistia à luz da Constituição de 1967 (então vigente quando da edição do ato normativo em exame). A Constituição de 1967 (então em vigor quando da edição da Lei nº 6.683/1979) trazia, em seu art. 150, um rol de direitos e de garantias fundamentais que serviam para proteger o cidadão da atuação estatal, objetivando a imposição de limites na atuação dos Poderes como cláusula inquebrantável de intangibilidade do ser humano como corolário da dignidade da pessoa humana - a propósito, de rigor a transcrição de alguns dos parágrafos do indicado art. 150 (vez que pertinentes ao desvendo do caso ora em julgamento): (...) O § 35 do art. 150 da Constituição de 1967 ainda previa a possibilidade de ampliação do rol de direitos fundamentais por meio da inclusão de outras garantias compatíveis com o regime e os princípios da ordem constitucional, o que tem o condão de denotar a importância da matéria (direitos e garantias fundamentais) e o grau de respeito que todos (inclusive o Estado) deveriam ter com o ser humano - a propósito: § 35 - A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota. Desta feita, verifica-se, na senda dos crimes praticados por agentes estatais contra a população civil valendo-se, para tanto, do aparato repressor institucionalizado no escopo de combater subversivos ao regime político-militar, nítida violação das garantias fundamentais acima transcritas porquanto os atos estatais levados a efeito mostraram-se como transgressores dos limites insculpidos na Ordem Constitucional vigente, cabendo destacar que era pressuposto que os representantes do Estado se portassem de modo a respeitar o direito posto. Nessa ótica, já sob o enfoque da Carta de 1967, a única interpretação viável da Lei nº 6.683/1979, dentro do espírito republicano, da legalidade, do devido processo legal, da moralidade e, notadamente, da dignidade da pessoa humana, passa pela preservação do direito de punir as graves violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos, tornando inadmissíveis a anistia, a prescrição ou qualquer outra medida extintiva da punibilidade que impeça a persecução penal, justamente porque a Constituição então em vigor ao tempo de edição da mencionada lei não se compaginava e nem tolerava a prática estatal de violência que se instaurou no decorrer do regime ditatorial. Ressalte-se, outrossim, tendo como base o ora exposto, que, de fato, a Lei nº 6.683/1979 não garantiu impunidade imoderada, restringindo o alcance da anistia, conforme é possível ser inferido de seu art. 1º: É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado). § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. Como se nota do texto normativo acima transcrito, os crimes atingidos pela anistia deveriam ser aqueles qualificados como políticos, ou conexos com estes, assim entendidos os delitos de qualquer natureza praticados por motivação política. Desta feita, a disposição legal em tela não teve o condão de abranger graves violações de direitos humanos praticadas por agentes estatais (hipótese retratada nos autos), de modo que, até mesmo à luz do art. 1º em comento, possível o afastamento da causa extintiva da punibilidade (prescrição) reconhecida em 1º grau de jurisdição. Vale observar, ademais, que, ao integrar a anistia à nova ordem jurídica que se avizinhava em decorrência do processo de abertura política, o art. 4º da Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, ratificou os limites da anistia mediante o emprego de expressão mais contida, referindo-se apenas a crimes políticos ou conexos - sem mencionar crimes de qualquer natureza - e, ao se reportar aos agentes estatais, vinculou o alcance do expediente apenas a atos de exceção, institucionais ou complementares - a propósito: É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares. § 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais. Frente a tais considerações, agora tecidas tendo como base os preceitos insculpidos na Constituição de 1967 (então vigente ao tempo da edição da Lei nº 6.683/1979), o cometimento dos crimes levados a efeito pelo aparato institucional contra os opositores do regime prevalente naquele momento histórico vai de encontro com os direitos e as garantias deferidas ao cidadão, razão pela qual a anistia (e/ou qualquer outra causa extintiva de punibilidade) não pode ser compreendida a abarcar graves violações de direitos humanos (como, por exemplo, as ocorrentes no bojo do cometimento de crimes de homicídio, de lesão corporal, de tortura, de sequestro etc. praticados por agentes estatais contra dissidentes do regime militar, que acabaram sendo “maquiados” ou “acobertados” por falsas declarações de óbito ou de exames necroscópicos – caso dos autos). (b.3) Do juízo de validade da Lei de Anistia à luz dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos – aplicação do entendimento que confere status supralegal a tais expedientes. Adentrando agora no juízo de validade que deve ser feito à Lei de Anistia tendo como base os Tratados Internacionais de Direitos Humanos e partindo da premissa anteriormente estatuída de que referidos atos normativos possuem atualmente status de normas supralegais (entendimento sufragado pelo C. Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento dos RE's 466.343 e 349.703), nota-se a ausência de compatibilidade da Lei nº 6.683/1979 com diversas Convenções afetas ao tema de Direitos Humanos, o que chancela sua inconvencionalidade no âmbito de aferição que tem por pressuposto a nova conformação da pirâmide normativa kelseniana. Oportuna, para o fim a que ora se sustenta de inconvencionalidade da Lei de Anistia, a transcrição de parte do parecer ofertado pela Procuradoria-Geral da República na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 320, em 28 de agosto de 2014 (in www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=5102145&ipoApp=.pdf acessado em 08 de março de 2018), no qual se veicula minucioso apanhado de enunciações do Direito Internacional costumeiro destinadas à proteção dos Direitos Humanos em matéria de “crimes contra a humanidade”, primeiramente conceituando e estabelecendo competências para o julgamento desses crimes e posteriormente assentando a reprovabilidade de quaisquer obstáculos à punibilidade, inclusive a anistia ou a prescrição, a fim de demonstrar a cabal incompatibilidade do ato anistiador com os parâmetros internacionais incidentes na matéria: (...) Diante destes imperativos éticos e humanitários previstos no Direito Internacional – coerentes, aliás, com as garantias fundamentais da ordem constitucional brasileira então vigente (nos termos do art. 150, § 35, da Constituição de 1967), não prosperam ilações no sentido de que a República Federativa do Brasil somente restou obrigada a observar tais preceitos a partir da subscrição dos respectivos pactos internacionais. Na realidade, o fato de apenas após a redemocratização o Brasil ter aderido a tratados que exigem a punibilidade de crimes de lesa-humanidade (como o Estatuto de Roma, instituidor do Tribunal Penal Internacional, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos) não significa que até então estava o país autorizado a anistiar ou a tolerar a prescrição de crimes atrozes, declinando da dignidade da pessoa humana, que já encontrava previsão como valor constitucional no âmbito da Ordem Econômica e Social da Constituição de 1967 (art. 157, II: A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: (...) II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana (...)). Nesse contexto, cumpre trazer à baila novamente o precedente firmado pelo C. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 349.703 (Rel. Min. CARLOS BRITTO, Rel. p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-04 PP-00675), oportunidade em que restou assentado que a compatibilidade exigida do ordenamento interno com Tratados Internacionais de Direitos Humanos deve ocorrer ainda que a norma interna tenha sido editada quando não existente ou não aprovada a convenção – em outras palavras, (...) o status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão (...) - destaque nosso. Assim, de acordo com o precedente em comento, que analisou, conforme dito anteriormente, a possibilidade de prisão civil do depositário infiel de acordo com o Decreto-Lei nº 911/1969 à luz do Pacto de São José da Costa Rica, depreende-se ser indiferente que a sobrevinda de normativa internacional tenha ocorrido muitos anos após a edição do diploma interno – mesmo diante da questão temporal em comento, ainda assim a lei interna anterior deverá ser analisada com base no Tratado Internacional de Direitos Humanos editado em momento futuro, o que sufraga o juízo de valor que se está a realizar da Lei de Anistia com base no status supralegal de Tratado Internacional de Direitos Humanos que somente veio ao cenário internacional em momento ulterior. E é justamente em razão da incompatibilidade dos preceitos elencados na Lei de Anistia brasileira em face do Pacto de São José da Costa Rica que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso Gomes Lund ("Guerrilha do Araguaia"), fixou a responsabilidade do Estado Brasileiro em promover a persecução penal contra os acusados de graves violações de Direitos Humanos durante a ditadura militar brasileira. Colhe-se do estabelecido pela Corte em tela quando da exaração de sua r. decisão: (...) Em julgamento realizado em 04 de julho de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao apreciar caso em que envolvida a morte do jornalista Vladimir Herzog encontrado falecido nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), novamente asseverou que a República Federativa do Brasil tem o dever, de acordo com as normas internacionais de Direitos Humanos, de identificar e de punir os responsáveis pelo passamento - muito pertinente a transcrição de excerto extraído da r. decisão então proferida: (...) E, nesse contexto, em cumprimento às determinações da Corte Interamericana (que remontam a 2010 - Caso Gomes Lund - "Guerrilha do Araguaia"), o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL promoveu o ajuizamento de Ações Penais referentes aos crimes praticados por agentes estatais no contexto do regime militar, sendo uma delas a que está ora sendo objeto deste voto. Portanto, levando em consideração a submissão da Lei de Anistia ao controle de convencionalidade (a teor do anteriormente exposto), bem como o reconhecimento de responsabilidade do Estado brasileiro em promover a persecução penal contra os acusados de graves violações de Direitos Humanos durante a ditadura militar brasileira, mostra-se imperativo assentar que o respeito aos Direitos Humanos deve ser considerado como norma cogente e inafastável do Direito Internacional, respeito este do qual o Estado brasileiro não poderia dispor, seja por ato de vontade (anistia), seja por inércia (prescrição), sob pena de subverter sua própria Ordem Constitucional ou os Tratados e as Convenções Internacionais assinados em matéria de Direitos Humanos. (c) Algumas outras considerações acerca da Lei de Anistia. Consulta aos apontamentos relativos ao processo legislativo que ensejou a aprovação da Lei nº 6.683/1979 dá conta de que o ato legislativo em tela foi aprovado por 50,61% dos votos então proferidos, vale dizer, 206 parlamentares vinculados ao então partido da situação - ARENA - manifestaram-se favoravelmente à sua aprovação ao passo que 201 membros do MDB externaram posicionamento no sentido do refutamento de seu texto - portanto, a aprovação da Lei de Anistia decorreu de apertadíssima maioria, que se refletia apenas em 05 votos. Cumpre salientar, ademais, que o Congresso Nacional daquele contexto era formado por membros eleitos e por membros não eleitos (estes indicados por um colégio eleitoral no qual a ARENA - partido da situação, frise-se - era o predominante). Desta forma, mostra-se falacioso o argumento propalado segundo o qual a Lei de Anistia teria sido um bem costurado "acordo social" manifestado pela sociedade da época no sentido de apaziguar os ânimos e permitir que o país caminhasse para uma abertura política tranquila. Na realidade, referida Lei decorreu de uma diminuta margem de aprovação em um contexto em que os parlamentares envolvidos no processo legislativo não representavam efetivamente a sociedade brasileira na justa medida em que parcelas daqueles cargos estavam sendo ocupados por pessoas indicadas pelo próprio regime militar, razão pela qual não se pode concluir no sentido de que houve um debate social acerca da necessidade de aprovação de uma Lei de Anistia nem que a Lei em si é fruto da vontade soberanamente manifestada pelo povo brasileiro. Sem prejuízo do exposto, importante ser rememorado que o poder de legislar, de cunho eminentemente constitucional, nunca pode (o que prevalece até os dias atuais) ser exercido de maneira abusiva ou imoderada sob pena de afronta ao devido processo legal legislativo substancial (ou substantive due process of law) manifestado em mácula a postulados inerentes à razoabilidade e à proporcionalidade. Isso porque o exercício de atividade legiferante deve respeitar preceitos fundamentais (razoabilidade e proporcionalidade) que se baseiam em diretrizes que vedam os excessos normativos ou que imponham irrazoáveis consequências aos particulares ou ao Poder Público. Importante ser dito que o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de analisar a aplicação do devido processo legal legislativo substancial em face de ato emanado do Poder Legislativo que impunha restrições destinadas a compelir pessoa jurídica inadimplente a pagar tributo e que culminavam, quase sempre, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício pela empresa devedora de atividade econômica lícita, tendo assentado entendimento no sentido de ser desautorizada a discricionariedade legislativa empregada pois relevadora de um caráter abusivo - a propósito: (...) Ressalte-se que o Eminente Ministro Relator do ARE-AgR 915424 (cuja ementa encontra-se transcrita acima) trouxe à colação, em seu voto, importante paradigma estabelecido pelo próprio Tribunal Pleno da C. Corte Suprema acerca do reconhecimento do abuso do poder de legislar: (...) No contexto ora em comento, vislumbra-se que a Lei da Anistia ofende frontalmente o substantive due process of law pois corporifica abuso do poder de legislar (analisado à luz da proporcionalidade e da razoabilidade) ao tentar "apagar" juridicamente as consequências de “crimes de lesa-humanidade” que violam garantias fundamentais presentes na Constituição de 1967 (vigente ao tempo da edição da Lei nº 6.683/1979), na Constituição de 1988 (com a qual a Lei nº 6.683/1979 deve ser compatível para que ocorra o fenômeno da recepção) e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos aprovados e internalizados pela República Federativa do Brasil (cuja compatibilidade com a Lei nº 6.683/1979 pode ser levada a efeito conforme já decidido pelo C. Supremo Tribunal Federal e mencionado ao longo deste voto). Em outras palavras, as garantias fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana seriam inócuas acaso fosse permitido ao próprio detentor de parcela do Poder popular (referência ao Poder Legislativo) livrar os agentes estatais das consequências decorrentes do seu desrespeito. Por princípio, exige-se sempre que o Estado Constitucional submeta-se ao conjunto de limites estabelecido pelo Poder Constituinte Originário (congregador da vontade soberana popular) dentro dos critérios de legalidade, de razoabilidade e de proporcionalidade, observando, inclusive na edição de leis, o chamado devido processo legal substantivo. (d) CONCLUSÃO: possibilidade de reconhecimento da punibilidade de agentes estatais por “crimes de lesa-humanidade” cometidos durante a vigência do último período de exceção no Brasil. Por todos os argumentos anteriormente tecidos, nota-se que a punibilidade em relação aos “crimes de lesa-humanidade” cometidos por agentes estatais durante a vigência do último período de exceção no Brasil não foi atingida pela anistia proclamada pela Lei nº 6.683/1979, não havendo fundamento, no Estado de Direito, para a legitimação da anistia (quer no passado, quer no presente, quer no futuro), e sequer pela fluência dos anos (inércia estatal manifestada pelo advento da prescrição da pretensão punitiva). Consigne-se, por oportuno, que o entendimento anteriormente declinado não se compagina com ilações de que determinadas vidas seriam mais importantes do que outras – na realidade, a persecução penal estatal deve ter por objeto tanto as graves violações de Direitos Humanos levadas a efeito por agentes do Poder Público quanto àquelas perpetradas por terceiros que se mostravam contrários ideologicamente com o então regime em vigor. (...) Por sua vez, o voto vencido negou provimento ao recurso ministerial para manter a decisão que declarou extinta a punibilidade de Harry Shibata, com os seguintes fundamentos: O tema da anistia para os crimes políticos ou conexos com estes cometidos no período de 02.01.1964 a 15.08.1979, concedida pela Lei nº 6.683/1979, já foi amplamente discutido no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF nº 153, cuja ementa transcrevo: (...) Não vou estender-me em considerações que seriam repetitivas em relação a tudo o que foi exposto no voto do Ministro Eros Grau e nos dos que o acompanharam. O que posso acrescentar é que, por mais que sejam dolorosas as lembranças de tudo o quanto ocorreu em desrespeito aos direitos humanos durante o período de exceção vivido no Brasil, o fato é que houve um concerto político, do qual participaram diversas entidades importantes do cenário nacional, dentre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para que a anistia fosse ampla e o País retomasse o caminho da democracia. O caminho não foi o da batalha, mas o da paz, pela concordância nos termos que vieram a ser estabelecidos na Lei nº 6.683/1979. Isso foi destacado, por exemplo, por José Paulo Cavalcanti Filho, advogado e ex-membro da Comissão Nacional da Verdade, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição do dia 22.05.2018: (...) O STF, ao julgar a ADPF nº 153, determinou os rumos de ações que visassem revolver fatos alcançados pela anistia mencionada. Isto porque essa decisão tem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.982, de 03.12.1999. Assim é que outras ações propostas pelo MPF com o mesmo objetivo não foram acolhidas pelas Turmas Criminais deste Tribunal, inclusive em feito julgado no âmbito da Quarta Seção: (...) O STF também reafirmou a autoridade da decisão proferida na ADPF º 153 ao deferir liminares nas Reclamações nºs 18.686/RJ (Rel. Min. Teori Zavascki) e 19.760/SP (Rel. Min. Rosa Weber), suspendendo as ações penais que tramitavam no primeiro grau de jurisdição. Observo, ainda, que tramita no STF a ADPF nº 320/DF, atualmente sob relatoria do Min. Dias Toffoli, na qual está novamente em debate a aplicação da anistia concedida pela Lei nº 6.683/1979 aos crimes de graves violações de direitos humanos e aos crimes continuados ou permanentes. Nessa ADPF o tema poderá ser revisto pelo STF, mas, enquanto não decidida, os órgãos do Poder Judiciário estão vinculados à decisão proferida na ADPF nº 153/DF. Observo, apenas para registro, que essa impossibilidade de revisão por outros órgãos judiciários que não o próprio STF foi admitida por José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso, ex-integrantes da Comissão Nacional da Verdade, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição de 19.05.2018, no qual defenderam a revisão da lei de anistia após novas revelações sobre a ditadura militar: (...) Não obstante tudo isso, a pretensão punitiva estatal encontra-se prescita. Com efeito, foi imputada ao recorrido a prática de falsidade ideológica em documento público (CP, art. 299, caput), cuja pena máxima é de 5 (cinco) ano de reclusão e, portanto, prescritível em 12 (doze) anos, nos termos do art. 109, III, do Código Penal. Todavia, o recorrido é maior de 70 (setenta) anos, sendo esse prazo prescricional reduzido de metade (CP, art. 115), ou seja, a prescrição ocorre em 6 (seis) anos. A conduta teria ocorrido no dia 4 de setembro de 1973 e a denúncia ainda não foi recebida, tendo decorrido período muito superior a esse prazo, sem qualquer suspensão ou interrupção da prescrição. Portanto, a punibilidade do recorrido encontra-se extinta; seja pela anistia (CP, art. 107, II), seja pela prescrição da pretensão punitiva estatal, tendo por base a pena em abstrato (CP, art. 107, IV, c.c. art. 109, III, e art. 115). Consta dos autos que, durante o regime militar, Harry Shibata teria praticado, por duas vezes, o crime previsto no artigo 299, parágrafo único, c.c. o artigo 61, inciso II, “b”, ambos do Código Penal. A denúncia (id. 141455060) narra que, no contexto do ataque sistemático e generalizado à população brasileira que decorreu da ditadura militar, no dia 04 de setembro de 1973, na sede do Instituto Médico Legal em São Paulo/SP, Harry Shibata, em concurso com Armando Canger Rodrigues, omitiu em documentos públicos - Laudos de Exame Necroscópicos nº 45.647 e 45.646 - declaração que devia constar, com o fim de alterar verdade sobre fato juridicamente relevante e visando a assegurar a ocultação do crime de homicídio praticado por Sérgio Fernando Paranhos Fleury, Luiz Martins de Miranda Filho, Antônio Cúrcio Neto e Gabriel Antônio Duarte Ribeiro, além de outros agentes não identificados. O Ministério Público Federal discorre que Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezzerra dos Santos, integrantes, fundadores e dirigentes do Partido Comunista Revolucionário (PCR), foram presos e submetidos à tortura, o que ocasionou o óbito das vítimas, fato que foi deliberadamente omitido dos respectivos laudos necroscópicos elaborados por Harry Shibata. Conclui o órgão de acusação afirmando que, mesmo devidamente identificados, Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezzerra dos Santos foram enterrados como indigentes, sendo que seus corpos foram localizados e identificados apenas em 1992. Em juízo de admissibilidade, o Magistrado de primeiro grau declarou a extinção da punibilidade do embarganteem razão da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do artigo 107, inciso IV, c.c o artigo 109, inciso III, ambos do Código Penal. Interposto recurso em sentido estrito pelo Ministério Público Federal, o órgão fracionário desta Corte Regional, por maioria de votos, deu provimento ao recurso ministerial para afastar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do delito imputado ao ora embargante e, como consequência, determinar o retorno do feito ao 1º grau de jurisdição para que tenha continuidade o juízo de admissibilidade da exordial acusatória então ofertada. Aqui, deve prevalecer o voto vencido, já que a Lei nº 6.683/79 (Lei da Anistia) se aplica ao caso em análise e fundamenta a extinção da punibilidade de Harry Shibata. A anistia caracteriza-se pelo esquecimento jurídico do ilícito, tem como objeto fatos (e não pessoas) definidos como crime, em regra, políticos, militares ou eleitorais, independe da aceitação do anistiado e, uma vez concedida, é insuscetível de revogação. Trata-se de forma de extinção da punibilidade, que pode ser concedida antes ou depois da condenação. Na hipótese de sentença condenatória, extingue todos os efeitos penais da condenação e o próprio crime, permanecendo, contudo, eventuais obrigações de natureza cível, como a obrigação de indenizar. Com efeito, a Lei nº 6.683/79, resultado de um pacto de conciliação formulado no período de transição que se deu entre o desmantelamento do regime militar e a incipiente democracia brasileira, concedeu anistia aos crimes políticos e conexos praticados durante o período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, conhecido como ditadura militar: Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. § 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º. Importante mencionar que a Lei da Anistia foi expressamente reafirmada no ato convocatório da Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988, nos termos da Emenda Constitucional nº 26, de 27/11/1985: Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembleia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente. Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembleia Nacional Constituinte. Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares. § 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais. § 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos imputáveis previstos no "caput" deste artigo, praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. § 3º Aos servidores civis e militares serão concedidas as promoções, na aposentadoria ou na reserva, ao cargo, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade, previstos nas leis e regulamentos vigentes. § 4º A Administração Pública, à sua exclusiva iniciativa, competência e critério, poderá readmitir ou reverter ao serviço ativo o servidor público anistiado. § 5º O disposto no "caput" deste artigo somente gera efeitos financeiros a partir da promulgação da presente Emenda, vedada a remuneração de qualquer espécie, em caráter retroativo. § 6º Excluem-se das presentes disposições os servidores civis ou militares que já se encontravam aposentados, na reserva ou reformados, quando atingidos pelas medidas constantes do "caput" deste artigo. § 7º Os dependentes dos servidores civis e militares abrangidos pelas disposições deste artigo já falecidos farão jus ás vantagens pecuniárias da pensão correspondente ao cargo, função, emprego, posto ou graduação que teria sido assegurado a cada beneficiário da anistia, até a data de sua morte, observada a legislação específica. § 8º A Administração Pública aplicará as disposições deste artigo, respeitadas as características e peculiaridades próprias das carreiras dos servidores públicos civis e militares, e observados os respectivos regimes jurídicos. Ainda que se considere a amplitude do instituto conferida pela própria Lei da Anistia, sempre houve discussão nos planos doutrinário e jurisprudencial acerca da abrangência do perdão, isto é, se a anistia abrangeria crimes comuns envolvendo graves violações a Direitos Humanos. No ponto, ressalte-se que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153/DF, de relatoria do Ministro Eros Grau, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei de Anistia é compatível com a Constituição Federal de 1988, que a anistia por ela concedida foi ampla e geral, alcançando os crimes de qualquer natureza praticados pelos agentes da repressão no período compreendido entre 02/09/1961 e 15/08/1979 e que, no estado democrático de direito, o Poder Judiciário (incluindo a Corte Suprema) não está autorizado a alterar, a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo. Não se desconhece a existência da ADPF nº 320/DF, ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal. No entanto, é possível concluir que, até o momento, a validade e a extensão da anistia foram definidas em sede de controle de constitucionalidade, não podendo esta Corte Regional contrariar decisão proferida pelo plenário da Suprema Corte. Neste contexto, considerando que a Lei da Anistia veiculou uma decisão política tomada no momento da transição e foi reafirmada pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988, no texto da Emenda Constitucional nº 26/85, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte, pode-se dizer que a anistia de 1979 foi integrada na nova ordem constitucional. Tendo em vista que a anistia aproveita a todos aqueles que tenham participado dos fatos anistiados, os crimes políticos e os conexos supostamente cometidos pelo embargante Harry Shibata deixaram de existir. No particular, os fatos descritos na denúncia ocorreram no dia 04 de setembro de 1973, durante a ditadura militar, motivo pelo qual se deve reconhecer a extinção da punibilidade em razão da concessão da anistia, nos termos do artigo 107, inciso II, do Código Penal. Aqui, destaco que embora a razão para o acolhimento do recurso resida na anistia do delito imputado na exordial acusatória, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, de acordo com o voto vencido, é fundamento paralelo e não fragiliza ou contradiz o primeiro. Deve, pois, ser mantida a decisão que manteve a extinção da punibilidade de Harry Shibata, nos termos do voto minoritário. Ante o exposto, acolho os embargos infringentes opostos pela defesa deHarry Shibata para que prevaleça o voto vencido que negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal emanteve a decisão que reconheceu a extinção da punibilidade do ora embargante. É como voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONSTITUCIONAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. LEI Nº 6.683/79. ANISTIA. COMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. A anistia concedida pela Lei nº 6.683/79 foi ampla e geral, alcançando os crimes políticos e eleitorais praticados pelos agentes da repressão no período do regime militar e referido ato legal foi integrado pela nova ordem constitucional de 1988.
2. Em razão da concessão de anistia em relação aos delitos políticos e os conexos com estes, praticados no período compreendido entre 02/09/1961 a 15/08/1979, não há falar em existência material de crime.
3. Embargos infringentes acolhidos.