APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5035568-68.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. PEIXOTO JUNIOR
APELANTE: JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SAO PAULO
PROCURADOR: ESTADO DE SAO PAULO
APELADO: RODOBENS ADMINISTRACAO DE ATIVOS IMOBILIARIOS LTDA, GREEN BELEM COMERCIO DE VEICULOS LTDA, BR NEGOCIOS E PARTICIPACOES LTDA
Advogado do(a) APELADO: JEFERSON ALEX SALVIATO - SP236655-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5035568-68.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. PEIXOTO JUNIOR APELANTE: JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SAO PAULO APELADO: RODOBENS ADMINISTRACAO DE ATIVOS IMOBILIARIOS LTDA, GREEN BELEM COMERCIO DE VEICULOS LTDA, BR NEGOCIOS E PARTICIPACOES LTDA Advogado do(a) APELADO: JEFERSON ALEX SALVIATO - SP236655-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) acoimado de violação a direito líquido e certo da impetrante. Proferida sentença de concessão da segurança (id. 258756013), dela recorre a parte impetrada sustentando a legalidade do ato. Com contrarrazões subiram os autos, também por força da remessa oficial, o Ministério Público Federal manifestando-se pelo não provimento do recurso. É o relatório.
PROCURADOR: ESTADO DE SAO PAULO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Peço vênia ao eminente Relator para divergir nos termos do voto que passo a declarar. Destaco, inicialmente, o inteiro teor do ato normativo que ocasionou o conflito de interesses tratado na presente demanda, in verbis: "DELIBERAÇÃO JUCESP N. 02, DE 25 DE MARÇO DE 2015. Dispõe acerca da publicação das demonstrações financeiras de sociedades empresárias e cooperativas de grande porte no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação e do arquivamento das publicações dessas demonstrações e da ata que as aprova. O PLENÁRIO DA JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, com fundamento nas disposições contidas na Lei Complementar Estadual n. 1.187, de 28 de setembro de 2012, na Lei federal n. 8.934, de 18 de novembro de 1.994, e no Decreto Federal n. 1.800, de 30 de janeiro de 1.996, e Considerando que as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração, elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários aplicam-se também às demais sociedades, desde que de grande porte, nos termos da Lei nº 11.638/2007; Considerando que se entende de grande porte a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de Reais) ou receita bruta anual superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de Reais); Considerando a sentença judicial proferida nos autos do processo nº 2008.61.00.030305-7, que determinou o cumprimento da Lei nº 6.404/1976, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638/2007, no tocante à obrigatoriedade de publicação, no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação na sede da empresa, do Balanço Anual e Demonstrações Financeiras das sociedades empresárias e cooperativas de grande porte; Considerando, por fim, a conveniência de se estabelecer orientação aos usuários e parâmetro de uniformização dos critérios de julgamento dos atos sujeitos a arquivamento, DELIBERA: Art. 1º. As sociedades empresárias e cooperativas consideradas de grande porte, nos termos da Lei nº 11.638/2007, deverão publicar o Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado. Art. 2º. Será dispensada a apresentação da publicação acima indicada nos casos em que a sociedade requerer o arquivamento da ata de aprovação do Balanço Anual e das Demonstrações Financeiras, acompanhada de "declaração" de que não se trata de sociedade de grande porte nos termos da Lei n 11.638/2007, firmada pelo Administrador, conjuntamente com contabilista, devidamente habilitado. Art. 3º Esta Deliberação passa a integrar o Ementário dos Enunciados Jucesp, anexo à Deliberação Jucesp nº 13/2012, como Enunciado nº 41, a saber: "41. ARQUIVAMENTO DA ATA DE REUNIÃO OU ASSEMBLEIA QUE APROVA AS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS PREVIAMENTE PUBLICADAS DE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS E COOPERATIVAS DE GRANDE PORTE". "Por força do estabelecido no art. 3º, da Lei nº 11.638/2007, as sociedades empresárias e as cooperativas consideradas de grande porte deverão, anualmente, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deliberar sobre as suas demonstrações financeiras. As demonstrações financeiras e o relatório da administração serão publicados antes da data marcada para a reunião ou assembleia. O arquivamento de ata de reunião ou assembleia de sócios da sociedade de grande porte que aprovar as suas demonstrações financeiras somente poderá ser deferido se comprovada a prévia publicação delas no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação na sede social, ficando a sociedade dispensada de fazer e de apresentar as publicações desde que, em declaração apartada, ou no texto da ata, o administrador afirme, sob as penas da lei, conjuntamente com contabilista, devidamente habilitado, que a sociedade ou cooperativa não é de grande porte. As publicações das demonstrações financeiras deverão instruir o ato apresentado a registro e arquivamento na forma de anexo da ata ou como documentos apartados, em requerimento próprio, concomitante com a apresentação da ata". Art.4º Nos termos do art. 3 §2º da Deliberação Jucesp n. 13/2012, fica aprovada a nova versão dos Enunciados Jucesp. Parágrafo único. Caberá à Secretaria Geral da Jucesp, nos termos do §3º do art. 3º da Deliberação Jucesp nº 13/2012, manter o controle consolidado da ementa ora incluída, com anotação dos respectivos atos de aprovação. Art.5º Esta Deliberação entra em vigor na data de sua publicação. Sala das Sessões, 25 de março de 2015. Jânio Benith Vice-Presidente, respondendo pela Presidência". Feito o destaque, o primeiro ponto a ser analisado diz respeito à aduzida legalidade do ato por se tratar de cumprimento, por parte da Administração Pública, de sentença em que foi reconhecida a obrigatoriedade da exigência da publicação do balanço anual e das demonstrações financeiras no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação, uma vez que, naquele processo de nº. 2008.61.00.030305-7, houve a declaração da nulidade do item 7º, do Ofício Circular DNRC 099/2008, que tratava do assunto de forma diversa. Sobre este aspecto pondero, todavia, que tanto o artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973 quanto o artigo 506 do Código de Processo Civil de 2015 são expressos no sentido de que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros. Assim, a existência de sentença proferida em demanda proposta pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais - ABIO contra a União Federal não afasta a possibilidade do seu questionamento por parte de terceiros. No tocante às mudanças promovidas pela Lei nº 11.638/2007, destaco que o seu artigo 3º dispõe no sentido de que "[ ] aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituída sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários." Trata-se de reforma da legislação empresarial promovida pela União Federal, com fundamento no disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, que implicou na extensão de regras relativas à escrituração de sociedades anônimas para as sociedades classificadas como sendo de grande porte pelo parágrafo único daquele artigo, cuja forma societária possui regramento diverso, pois a obrigatoriedade de publicação do balanço anual e das demonstrações financeiras, em relação às sociedades anônimas, justifica-se pela atuação, quando de capital aberto, no mercado de capitais, o que não ocorre em relação à Impetrante (sociedade empresária limitada), de modo que a extensão das normas não pode ser interpretada de forma ampliativa, sob pena de violação ao princípio da legalidade previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, exorbitando o órgão do seu poder regulamentar. Anoto, enfim, que o presente entendimento tem se consolidado nesta Corte Regional Federal, conforme se verifica dos seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. DELIBERAÇÃO JUCESP Nº 02/2015. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL. DEFERIMENTO. I - A pretensão de antecipação da tutela recursal referente ao afastamento da exigência contida na Deliberação JUCESP nº 02/2015, no sentido da necessidade de prévia publicação em jornais de grande circulação e na imprensa oficial do balanço e das demonstrações financeiras, como requisito para o registro e o arquivamento de qualquer ato societário de sociedade limitada de grande porte, preenche os requisitos da urgência e da probabilidade do direito, sendo que este decorre da plausibilidade da alegação de ilegalidade do ato impugnado. Precedentes da Primeira Turma desta Corte Regional Federal. II - Agravo interno provido. Pedido de antecipação da tutela recursal deferido. (TRF 3ª Região, Segunda Turma, AI nº. 581.895, Registro nº. 00094022720164030000, Relator p/ Acórdão Desembargador Federal Cotrim Guimarães, DJ 24.10.2016) AGRAVO DE INSTRUMENTO. PUBLICAÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. RECURSO PROVIDO. - A Deliberação JUCESP n.º 02/2015, exige a comprovação da prévia publicação do Balanço Anual e Demonstrações Financeiras do último exercício, no Diário Oficial e jornais de grande circulação, como condição para arquivamento dos documentos societários das sociedades limitadas de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, fundamentando a medida a sentença judicial, proferida nos autos do processo 2008.61.00.030305-7, e as disposições da Lei 11.638/07. - Na forma do art. 472, do CPC, o comando da sentença, ainda não transitada em julgado, somente é oposto contra quem participou do processo. Vale dizer, não pode beneficiar, nem prejudicar terceiros. - A correta exegese do art. 3º, da Lei 11.638/07 não imputa às sociedades de grande porte, não constituídas sob a forma de sociedade por ações, a obrigatoriedade da publicação das demonstrações financeiras e do balanço, sendo-lhes imposto, exclusivamente, o cumprimento das disposições da Lei n 6.404/76 quanto à escrituração e à elaboração de demonstrações financeiras. - A escrituração e a elaboração de balanço, na forma da Lei 6.404/76, não implica, necessariamente, na consequente publicação. - Não tendo sido a exigência em questão objeto de lei, a Deliberação JUCESP n.º 02/2015, exorbita os limites do seu poder regulamentar, violando o principio da legalidade. - Agravo de instrumento provido. (TRF 3ª Região, Segunda Turma, AI nº 589.269, Registro nº. 00184605420164030000, Rel. Des. Fed. Souza Ribeiro, DJ 02.02.2017) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMERCIAL. REGISTRO DE COMÉRCIO. EFEITOS SUBJETIVOS DA SENTENÇA. PODER REGULAMENTAR. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. SOCIEDADES DE GRANDE PORTE NÃO CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE S/A. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DELIBERAÇÃO JUCESP N. 02/2015. 1. Apelação de sentença. 2. De acordo com o disposto no art. 472 do CPC, a coisa julgada somente produz efeitos em relação aos integrantes da relação jurídico-processual em curso de maneira que, em regra, terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados. Assim, o simples fato da ação proposta pela "ABIO" ter sido julgada procedente, em primeira instância, não pode caracterizar o único fundamento para a exigência das publicações das demonstrações financeiras, conforme determina a Deliberação n.º 2/2015 da JUCESP. 3. Conforme as disposições do art. 3º da Lei 11.638/2007, não há obrigatoriedade da prévia publicação do Balanço Anual e Demonstrações Financeiras do último exercício, no Diário Oficial e jornais de grande circulação, como condição para registro dos atos societários das empresas de grande porte na JUCESP. 4. Ao administrador público, no exercício do poder regulamentar, não é permitido ampliar esses limites legais, criando obrigações às sociedades de grande porte, as quais não estão previstas na norma jurídica, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. 5. Apelação provida. (TRF 3ª Região, Primeira Turma, AMS nº. 364.901, Registro nº 00170217520154036100, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, DJ 29.11.2016) APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE EMPRESA. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. SOCIEDADES DE GRANDE PORTE NÃO CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE S/A. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. I. O artigo 3º da Lei 11.638/07 limitou-se a estender às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, apenas no que tange à "escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários". II. Deste modo, exorbita da referida legislação (art. 3° da Lei 11.638/07), impor, por meio da Deliberação JUCESP nº 02/2015, às sociedades de grande porte, não sujeitas ao regime da Lei n° 6.404/76, a obrigatoriedade de publicação Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado. III. Dessa forma, não havendo menção no artigo 3º, da Lei nº 11.638/07 quanto à publicação destes, inviável a ampliação da norma por parte da JUCESP. IV. Apelação a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, Primeira Turma, AMS nº. 365.874, Registro nº 00126867620164036100, Rel. Des. Fed. Valdeci dos Santos, DJ 23.02.2017) DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DELIBERAÇÃO JUCESP N. 02/2015. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS NA IMPRENSA OFICIAL E EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DICÇÃO DO ART. 37, CAPUT, DA CF/88. APELAÇÃO IMPROVIDA. - Dispõe o art. 1º da Deliberação JUCESP n. 02/2015 que as sociedades empresárias de grande porte deverão publicar o Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado. - Por sua vez, da leitura do art. 3º da Lei n. 11.638/07 conclui-se que as disposições a serem observadas pelas sociedades de grande porte não constituídas sob a forma de S/A são aquelas relativas à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, e não quanto a sua publicação. - Desse modo, não cabe ao administrador público ampliar, por meio de ato administrativo infralegal de caráter normativo, os termos estipulados pela lei, sob pena de afronta ao princípio da legalidade insculpido no artigo 37, caput, da CF/88. - O princípio em referência, no âmbito do Direito Administrativo, tem conteúdo diverso daquele aplicável na seara do Direito Privado. É que, enquanto no Direito Privado o princípio da legalidade estabelece ser lícito realizar tudo aquilo que não esteja proibido por lei, no campo do Direito Público a legalidade estatui que à Administração Pública só é dado fazer aquilo que esteja previsto em lei. - Recurso de apelação a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, Primeira Turma, AMS nº. 365.266, Registro nº. 00208705520154036100, Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy, DJ 21.02.2017) Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso de apelação e à remessa necessária, mantendo-se a sentença a quo em sua integralidade. É como voto.
O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Com a devida vênia, divirjo do e.Relator.
Em primeiro lugar, a Justiça Federal é competente para processar e julgar mandados de segurança que envolvam ato do Presidente da Junta Comercial, uma vez que está presente interesse público federal no que tange ao interesse administrativo. Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 22, XXV, atribuiu à União a competência para legislar sobre registros públicos, e, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, dispor sobre as Juntas Comerciais (art. 24, III), cabendo-lhe a fixação de normas gerais (art. 24 § 1º), ao passo em que o tema relativo ao registro mercantil, dada a sua relevância, gera efeitos por todo território nacional, repercutindo até mesmo no exterior, o que afirma o interesse e responsabilidade da União Federal na sua execução e operacionalização. Assim sendo, considerando que os atos de registro público de comércio, levados a efeito pelas Juntas Comerciais, decorrem de delegação da União, a competência para julgamento dos mandados de segurança é atraída para a Justiça Federal, consoante determina o art. 109, VIII, da Constituição Federal.
A jurisprudência do E.STJ tem-se inclinado pela competência da Justiça Federal para julgar as ações mandamentais impetradas em face de atos do Presidente da Junta Comercial, como se pode verificar na seguinte decisão proferida em Conflito de Competência: “COMPETÊNCIA. CONFLITO. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS. COMPETÊNCIA RATIONE PERSONAE. PRECEDENTES. CONFLITO PROCEDENTE. I - Em se cuidando de mandado de segurança, a competência se define em razão da qualidade de quem ocupa o polo passivo da relação processual. II - As Juntas Comerciais efetuam o registro do comércio por delegação federal, sendo da competência da Justiça Federal, a teor do artigo 109-VIII, da Constituição, o julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente daquele órgão. III - Consoante o art. 32, I, da Lei 8.934/94, o registro do comércio compreende ‘a matrícula e seu cancelamento: dos leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais, trapicheiros e administradores de armazéns-gerais’.” (CC 31357, DJ Data 26/02/2003, p. 174, Segunda Seção, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Indo adiante, acredito que a exigência de publicações de demonstrações financeiras para empresas de grande porte sequer dependeria de lei em sentido estrito, uma vez que não se trata de matéria sujeita à reserva absoluta de lei (embora também seja forçoso reconhecer que lei poderia impedir atos regulamentares e instruções normativas de fazerem tal exigência).
Reconheço que o art. 3º da Lei nº 11.638/2007 obrigou que sociedades de grande porte (constituídas na forma de sociedade anônima, de sociedade por responsabilidade limitada – LTDA ou outras) obedeçam ao previsto na Lei nº 6.404/1976 no que concerne a “escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários”, deixando de fazer expressa referência à obrigatoriedade de publicação das respectivas demonstrações financeiras. Todavia, particularmente acredito que a exigência de publicação dessas demonstrações (mesmo para sociedades não constituídas na forma de S.A.) é implicitamente exigida pelo art. 3º da Lei nº 11.638/2007, porque vai ao encontro de exigências contemporâneas de transparência e de acesso à informação.
De fato, a publicação de demonstrações financeiras em jornais de circulação expressiva ou em Diários Oficiais é providência coerente com a imperativa transparência decorrente das sociedades de cultura ocidentalizada, claramente complexas, dinâmicas e interdependentes. Há diversos sistemas de interesse público e privado (dentre eles, proteção de crédito e de operações comerciais, nacionais e internacionais) que justificam juridicamente publicações de demonstrações financeiras, especialmente em casos de empresas de grande porte (porque notoriamente nelas há maior impacto socioeconômico).
Portanto, decorre da redação do art. 3º da Lei 11.638/2007 a publicação de demonstrações financeiras de empresas de grande porte (mesmo que não sejam S.A.s), porque essa publicação é inerente à noção de “escrituração e elaboração de demonstrações financeiras”. Em outras palavras, a publicação é parte integrante, complementar e consequente da escrituração e da elaboração de demonstrações financeiras, interpretando o texto desse art. 3º da Lei 11.638/2007 no contexto da sociedade contemporânea e das exigências (nacionais e internacionais) de transparência e de acesso à informação.
Essa conclusão é reforçada pela compreensão de dispositivos da própria Lei nº 6.404/1976 (com alterações), dentre eles o art. 176 que disciplina a escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, impondo que, ao fim de cada exercício social, a diretoria da empresa fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício: I - balanço patrimonial; II - demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; III - demonstração do resultado do exercício; IV – demonstração dos fluxos de caixa; e V – se companhia aberta, demonstração do valor adicionado. O art. 176, § 1º, da Lei nº 6.404/1976 é categórico no sentido de que “As demonstrações de cada exercício serão publicadas com a indicação dos valores correspondentes das demonstrações do exercício anterior.” No tocante aos órgãos de imprensa nos quais deve ser feita a publicação, o art. 289 da Lei nº 6.404/1976 prevê que mesma deve se dar em órgão oficial da União ou do Estado ou do Distrito Federal (conforme o lugar em que esteja situada a sede da companhia) e em outro jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia.
Restaria sem sentido exigir que empresas não constituídas na forma de S/A escriturassem e elaborassem demonstrações financeiras nos moldes da Lei nº 6.404/1976 e, ao mesmo tempo, que estivessem dispensadas da relevante transparência pretendida com a complementar publicação dessas demonstrações financeiras, tal como previsto no art. 176 dessa Lei 6.404/1976 combinado com o art. 3º da Lei 11.638/2007.
Todavia, ainda que meu entendimento seja no sentido da obrigatoriedade de empresas de grande porte publicarem suas demonstrações financeiras por força do contido no do art. 3º da Lei nº 11.638/2007, outra questão diz respeito à possibilidade de Juntas Comerciais se negarem a acolher e realizar registros de atos societários quando empresas não tenham cumprido a obrigação de publicação. O objeto desta ação consiste em verificar se a Junta Comercial pode condicionar o registro de atos societários de sociedade de grande porte à prévia publicação de demonstrações financeiras, consoante estabelecido na Deliberação JUCESP 02, de 25/03/2015:
Art. 1º. As sociedades empresárias e cooperativas consideradas de grande porte, nos termos da Lei nº 11.638/2007, deverão publicar o Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado.
Art. 2º. Será dispensada a apresentação da publicação acima indicada nos casos em que a sociedade requerer o arquivamento da ata de aprovação do Balanço Anual e das Demonstrações Financeiras, acompanhada de “declaração” de que não se trata de sociedade de grande porte nos termos da Lei n 11.638/2007, firmada pelo Administrador, conjuntamente com contabilista, devidamente habilitado.
Art. 3º Esta Deliberação passa a integrar o Ementário dos Enunciados Jucesp, anexo à Deliberação Jucesp nº 13/2012, como Enunciado nº 41, a saber:
“41. ARQUIVAMENTO DA ATA DE REUNIÃO OU ASSEMBLEIA QUE APROVA AS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS PREVIAMENTE PUBLICADAS DE SOCIEDADES EMPRESÁRIAS E COOPERATIVAS DE GRANDE PORTE”.
“Por força do estabelecido no art. 3º, da Lei nº 11.638/2007, as sociedades empresárias e as cooperativas consideradas de grande porte deverão, anualmente, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deliberar sobre as suas demonstrações financeiras. As demonstrações financeiras e o relatório da administração serão publicados antes da data marcada para a reunião ou assembleia. O arquivamento de ata de reunião ou assembleia de sócios da sociedade de grande porte que aprovar as suas demonstrações financeiras somente poderá ser deferido se comprovada a prévia publicação delas no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação na sede social, ficando a sociedade dispensada de fazer e de apresentar as publicações desde que, em declaração apartada, ou no texto da ata, o administrador afirme, sob as penas da lei, conjuntamente com contabilista, devidamente habilitado, que a sociedade ou cooperativa não é de grande porte.
As publicações das demonstrações financeiras deverão instruir o ato apresentado a registro e arquivamento na forma de anexo da ata ou como documentos apartados, em requerimento próprio, concomitante com a apresentação da ata”.
Art.4º Nos termos do art. 3 §2º da Deliberação Jucesp n. 13/2012, fica aprovada a nova versão dos Enunciados Jucesp.
Parágrafo único. Caberá à Secretaria Geral da Jucesp, nos termos do §3º do art. 3º da Deliberação Jucesp nº 13/2012, manter o controle consolidado da ementa ora incluída, com anotação dos respectivos atos de aprovação.
Art.5º Esta Deliberação entra em vigor na data de sua publicação.
Inclino-me pela invalidade da Deliberação JUCESP 02, de 25/03/2015 e demais aplicáveis, primeiro porque impedir registros de atos societários em Juntas Comerciais por ausência de publicação de demonstrações financeiras pode levar empresas à situação irregular (o que acarreta ofensa aos mesmos sistemas de proteção de interesses privados e públicos que impõem o registro desses atos societários, bem como à própria livre iniciativa e demais imperativos da ordem econômica instituídos na Constituição de 1988 e no ordenamento infraconstitucional), e segundo porque potencialmente podem ser viabilizados outros meios jurídicos de impor publicações de demonstrações financeiras ao invés negar registro de atos societários (cabendo às autoridades competentes o desenvolvimento e a implementação dessas outras vias).
Nos termos da Lei nº 8.934/1994 e demais aplicáveis, o registro público de empresas mercantis consiste na matrícula (e respectivo cancelamento) dos leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais, trapicheiros e administradores de armazéns-gerais, bem como no arquivamento de: a) documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas, b) atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a Lei nº 6.404/1976, c) atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil, d) declarações de microempresa e e) atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis e atividades afins ou daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas mercantis, e ainda a autenticação dos instrumentos de escrituração das empresas mercantis registradas e dos agentes auxiliares do comércio. A proteção do nome empresarial decorrerá automaticamente do arquivamento dos atos constitutivos, e suas alterações, da firma individual e da sociedade mercantil, observando-se os princípios da veracidade e da novidade.
No que concerne ao procedimento de arquivamento dos atos societários da pessoa jurídica, o art. 37, incisos I a V, da Lei nº 8.934/1994 (com as alterações da Lei nº 10.194/2001), dispõe que a documentação pertinente deve ser apresentada perante a Junta Comercial, devidamente instruída com o instrumento original de constituição, modificação ou extinção de empresas mercantis, assinado pelo titular, pelos administradores, sócios ou seus procuradores. Devem ainda acompanhar o pedido de arquivamento a declaração do titular ou administrador de não estar impedido de exercer o comércio ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal, a ficha cadastral segundo modelo aprovado pelo DNRC, os comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes e a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil. O parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.934/1994, reza que além dos documentos acima mencionados, exigidos para o arquivamento de atos societários, a Junta Comercial não poderá exigir nenhum outro documento das firmas individuais e sociedades de natureza mercantil, cooperativas, das sociedades de que trata a Lei nº 6.404/1976 e das microempresas.
Além do art. 37, parágrafo único, da Lei nº 8.934/1994, o art. 1.150 e seguintes do Código Civil também conduzem à conclusão no sentido de que anterior publicação das demonstrações financeiras de sociedade de grande porte não pode ser exigida para o arquivamento de atos societários.
Em situações semelhantes ao presente caso, restrições impostas por órgãos públicos de registro têm sido consideradas violadoras da livre iniciativa e a demais mandamentos da ordem econômica constitucional, porque tais bloqueios podem resultar na impossibilidade de empresas continuarem operando na pressuposta e desejada regularidade. A esse respeito, no E.STF, note-se o contido nas Súmulas 70, 323 e 547, nos REs 63.026 e 63.647 e também nas ADIs 394-1 ADI 173-DF.
Neste E.TRF da 3ª Região, ainda que por fundamentos diversos, trago à colação os seguintes julgados que afastaram a exigência de publicação indicada nessa combatida Deliberação da JUCESP:
MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE EMPRESA. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. SOCIEDADES DE GRANDE PORTE NÃO CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE S/A. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. O artigo 3º da Lei n. 11.638/2007 limitou-se a estender às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei n. 6.404, de 15/12/1976, apenas no que tange à "escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários".
2. Deste modo, exorbita da referida legislação (art. 3° da Lei n. 11.638/2007), impor, por meio da Deliberação JUCESP n. 02/2015, às sociedades de grande porte, não sujeitas ao regime da Lei n. 6.404/1976, a obrigatoriedade de publicação Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado.
3. Não havendo menção no artigo 3º da Lei n. 11.638/2007 quanto à publicação destes, inviável a ampliação da norma por parte da JUCESP.
4. De acordo com o disposto no art. 472 do CPC, a coisa julgada somente produz efeitos em relação aos integrantes da relação jurídico-processual em curso de maneira que, em regra, terceiros não podem ser beneficiados ou prejudicados. Assim, o simples fato da ação proposta pela "ABIO" ter sido julgada procedente, em primeira instância, não pode caracterizar o único fundamento para a exigência das publicações das demonstrações financeiras, conforme determina a Deliberação n.º 2/2015 da JUCESP.
5. Remessa oficial e apelação da impetrada não providas.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5001440-95.2016.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 14/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/02/2020)
PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA DE GRANDE PORTE. DELIBERAÇÃO JUCESP Nº 02/2015. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DO BALANÇO ANUAL E DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS EM JORNAL DE GRANDE PORTE E NO DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO. ILEGALIDADE.
I - Tanto o artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973 quanto o artigo 506 do Código de Processo Civil de 2015 são expressos no sentido de que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada. Assim, a existência de sentença proferida em demanda proposta pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais - ABIO contra a União Federal não afasta a possibilidade do seu questionamento por parte de terceiros.
II - É ilegal a exigência contida na Deliberação JUCESP 02/2015 feita em relação às sociedades de grande porte não constituídas sob a forma de sociedade anônima, no sentido da obrigatoriedade da publicação de Balanço Anual e das Demonstrações Financeiras do último exercício em jornal de grande circulação e no Diário Oficial do Estado, uma vez que o artigo 3º da Lei 11.638/2007 limitou-se a estender àquelas sociedades apenas as obrigações de escrituração e de elaboração, tendo o órgão administrativo exorbitado do seu poder regulamentar.
III - Reexame necessário e ao recurso de apelação desprovidos.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO - 5009004-91.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, julgado em 22/10/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/11/2019)
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DELIBERAÇÃO JUCESP N. 02/2015. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS NA IMPRENSA OFICIAL E EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DICÇÃO DO ART. 37, CAPUT, DA CF/88. APELAÇÃO PROVIDA.
1. Dispõe o art. 1º da Deliberação JUCESP n. 02/2015 que as sociedades empresárias de grande porte deverão publicar o Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado.
2. Por sua vez, da leitura do art. 3º da Lei n. 11.638/2007 conclui-se que as disposições a serem observadas pelas sociedades de grande porte não constituídas sob a forma de S/A são aquelas relativas à escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, e não quanto a sua publicação.
3. Desse modo, não cabe ao administrador público ampliar, por meio de ato administrativo infralegal de caráter normativo, os termos estipulados pela lei, sob pena de afronta ao princípio da legalidade insculpido no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988.
4. O princípio em referência, no âmbito do Direito Administrativo, tem conteúdo diverso daquele aplicável na seara do Direito Privado. É que, enquanto no Direito Privado o princípio da legalidade estabelece ser lícito realizar tudo aquilo que não esteja proibido por lei, no campo do Direito Público a legalidade estatui que à Administração Pública só é dado fazer aquilo que esteja previsto em lei.
5. Recurso de apelação a que se dá provimento.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5015883-80.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 17/10/2019, Intimação via sistema DATA: 29/10/2019)
MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE PESSOA JURÍDICA. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. SOCIEDADES DE GRANDE PORTE NÃO CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE S/A. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
I. O artigo 3º da Lei 11.638/07 limitou-se a estender às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, apenas no que tange à "escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários".
II. Deste modo, exorbita da referida legislação (art. 3° da Lei 11.638/07), impor, por meio da Deliberação JUCESP nº 02/2015, às sociedades de grande porte, não sujeitas ao regime da Lei n° 6.404/76, a obrigatoriedade de publicação Balanço Anual e as Demonstrações Financeiras do último exercício, em jornal de grande circulação no local da sede da sociedade e no Diário Oficial do Estado.
III. Dessa forma, não havendo menção no artigo 3º, da Lei nº 11.638/07 quanto à publicação destes, inviável a ampliação da norma por parte da JUCESP.
IV. Reexame necessário a que se nega provimento.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5020738-05.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 28/11/2019, Intimação via sistema DATA: 10/12/2019)
Portanto, cumpre reconhecer a inexigência da publicação de demonstrações financeiras como condição para o arquivamento de atos societários na Junta Comercial, sem prejuízo de serem viabilizados outros meios para afirmar a imposição válida dessas publicações por parte de autoridades competentes.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação e à remessa oficial, mantidos os ônus sucumbenciais.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5035568-68.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. PEIXOTO JUNIOR
APELANTE: JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SAO PAULO
PROCURADOR: ESTADO DE SAO PAULO
APELADO: RODOBENS ADMINISTRACAO DE ATIVOS IMOBILIARIOS LTDA, GREEN BELEM COMERCIO DE VEICULOS LTDA, BR NEGOCIOS E PARTICIPACOES LTDA
Advogado do(a) APELADO: JEFERSON ALEX SALVIATO - SP236655-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Versa o presente mandado de segurança pretensão de que a autoridade impetrada se abstenha de exigir da impetrante a publicação de balanço anual e demonstrações financeiras no diário oficial e em jornal de grande circulação como condição para registro de ato perante a Junta Comercial.
Inicialmente anoto não prosperar a alegação de nulidade da sentença por ausência de litisconsorte passivo necessário.
Com efeito, o fato de a ABIO ter ajuizado ação coletiva veiculando pretensão em sentido contrário ao da impetrante não repercute na solução do caso dos autos, que é de mandado de segurança de natureza individual, no qual se discute a questão dos efeitos da Deliberação JUCESP nº 2 em relação à impetrante, nada havendo a objetar à sentença ao aduzir: “em relação exclusivamente à impetrante, na qualidade de pessoa a qual o ato normativo é direcionado, não há que se falar em necessidade de decisão uniforme com aquela proferida no processo nº 0030305-97.2008.403.6100, haja vista que esta é uma ação individual e aquela, coletiva”.
Quanto à alegação de impetração contra lei em tese com consequência de inadequação da via eleita, anoto que a impetrante descreveu na inicial a situação concreta em relação à qual objetiva o provimento de tutela jurisdicional, de modo que a norma legal invocada consiste em mero fundamento do pedido, não seu objeto, destarte absolutamente não havendo se cogitar no caso vertente da hipótese aventada.
Confira-se, a propósito, precedente do C. STJ de utilidade na questão:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SITUAÇÃO CONCRETA E LEI EM TESE . DISTINÇÕES. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PENSÃO COMPLEMENTAR. LEI ESTADUAL Nº 7.301/73. ADESÃO FACULTATIVA. FONTE DE CUSTEIO PRÓPRIA. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 69/90. CONTRIBUIÇÃO DO BENEFICIÁRIO PARA CUSTEIO DO REGIME. LEGITIMIDADE.
1. O mandado de segurança contra lei em tese é o que tem por objeto o ato normativo abstratamente considerado, ou seja, "...quando a impetração nada indica, em concreto, como representativo de ameaça de lesão à esfera jurídica do impetrante" (STF, RE 99.416/SP, Primeira Turma, Min. Rafael Mayer, DJ de 22.04.1983). No caso, entretanto, a norma impugnada constitui mero fundamento do pedido e não seu objeto, havendo, portanto, indicação de situação individual e concreta a ser tutelada.
2. É legítima a exigência da contribuição previdenciária prevista na Lei Estadual 4.275/2004, do Rio de Janeiro, incidente sobre os valores recebidos a título de pensão especial pagos a viúva de servidor estadual, que aderiu ao regime previsto na Lei Estadual 7.301/73 e legislação superveniente.
3. Recurso ordinário improvido.
(RMS 23.963/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2007, DJ 02/08/2007, p. 330).
Sobre a alegação de decadência, já decidiu o E. STJ que não se aplica o prazo de 120 dias na hipótese de mandado de segurança preventivo, como demonstra o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO NA FORMA PREVENTIVA. DECADÊNCIA AFASTADA. 1. A jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de que, em se tratando de mandado de segurança preventivo, não se aplica o prazo decadencial de 120 dias previsto no art. 18 da Lei 1.533/51 (vigente à época da impetração). 2. Assim, impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal de origem, para que prossiga no exame do mandamus, afastada a premissa de que houve decadência. 3. Recurso ordinário provido".
(ROMS nº 22577, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ªT, j. 05/10/2010, v.un., DJE 21/10/2010).
No mérito, a sentença proferida concluiu pela ilegalidade do ato, entendendo seu prolator que " Assim, não há qualquer referência expressa na norma à necessidade de publicação na imprensa oficial e em jornal de grande circulação no local de sua sede, dos balanços anuais e suas demonstrações financeiras, não sendo cabível qualquer interpretação ampliativa nos moldes realizados pela Junta Comercial do Estado de São Paulo.”.
Assim entendeu-se na sentença, conclusão com a qual, porém, não me ponho de acordo.
O entendimento que adoto na questão é de que além do que se pode concluir em linha de interpretação teleológica avulta em desfavor da tese sustentada pela empresa de grande porte a adequação conceitual entre os elementos envolvidos na questão. Na hora da elaboração das demonstrações financeiras tanta exigência de "clareza" (art. 176, "caput", da Lei 6.404/76), de não utilização de "designações genéricas" (§2º), de "notas explicativas" (§4º) etc e da escrituração minuciosa observância de métodos e critérios contábeis (art. 177) e de normas em consonância com padrões internacionais de contabilidade (§§3º e 5º) etc mas quando se trata do conhecimento ao público não importa o raio de divulgação, esta a "lei" qual interpretada pela parte interessada. Não pode ser. Não faz sentido uma equiparação que não acompanha deixando à distância relevantes interesses protegidos pela divulgação das demonstrações financeiras. Por outro lado, caráter de tergiversação é o que se vislumbra em argumentos baseados em distinções entre elaboração e escrituração, de um lado, e publicação, de outro, ninguém deste lado estando a dizer fossem coisas no mundo físico idênticas mas que o fundamental na questão é considerar o que sejam disposições sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e desse conceito participa a publicação e sua forma determinadas na lei.
A Lei nº 11.638/07 é clara ao dispor sobre a aplicação às empresas de grande porte do regime de escrituração e elaboração de demonstrações financeiras previsto para as sociedades anônimas, nele inserindo-se a publicação ordenada, incluída entre as disposições gerais da seção tratando das demonstrações financeiras, e na linha de interpretação exposta motivos não há para considerar-se excluída do alcance da equiparação legal a determinação da forma de divulgação, pelo teor abrangente do conjunto de publicações nela ordenadas apropriadamente inserida nas disposições gerais da Lei nº 6.404/76.
Observa-se que o legislador optou tratar das demonstrações financeiras em seção homônima com duas divisões, a primeira estabelecendo disposições gerais e ordenando a publicação e a segunda dispondo sobre a escrituração, e subsequentes estatuindo sobre elaboração de cada espécie de demonstrações financeiras e o ora interpretado dispositivo legal compatibiliza-se com a forma de divisão de assuntos escolhida na Lei nº 6.404/76.
Na ótica das empresas de grande porte, a lei imaginária apta a impor a exigência poderia ser esta: "Aplicam-se às sociedades de grande porte, ainda que não constituídas sob a forma de sociedades por ações, as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sobre escrituração, elaboração e publicação de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários", com redação tratando como objetos de disposições diversas a escrituração, a elaboração e a publicação das demonstrações financeiras, mas a publicação ordenada é disposição referente à escrituração e elaboração das demonstrações financeiras, convindo anotar que não só do arbítrio do legislador retira essa condição mas das noções juridicamente e não empiricamente entendidas.
Uma coisa é a materialidade das demonstrações financeiras nas páginas dos jornais depois das pertinentes providências operacionais, fisicamente diversa das ações de especialistas com escrupulosas minúcias produzindo as demonstrações financeiras, outra as demonstrações financeiras elevadas do insignificante plano físico e juridicamente concebidas, e a consequente visão no momento, aliás crucial, do conhecimento ao público, de mesmo dever que se prolonga, e não outro de natureza diversa que com solução de continuidade tomasse lugar.
Em suma, a convicção que formo é de que a questionada exigência não decorre de nenhuma "ampliação" da lei, a tese favorável aos interesses das empresas de grande porte é que indevidamente restringe o comando legal.
Quanto ao processo de nº 0030305-97.2008.403.6100, cabe anotar a possibilidade de a JUCESP, por decisão sua com significado de voluntário cumprimento da lei, deliberar acerca de tal exigência legal, pelo que não se põem questões reportando-se aos atos do referido feito, mas somente a de interpretação da lei que ora se faz.
Reforma-se, destarte, a sentença para julgar improcedente a impetração e denegar a segurança.
Não há condenação em honorários advocatícios (Súmula 105 do E. STJ e art. 25 da Lei nº 12.016/09).
Diante do exposto, dou provimento ao recurso e à remessa oficial, nos termos supra.
É o voto.
Peixoto Junior
Desembargador Federal Relator
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA DE GRANDE PORTE. DELIBERAÇÃO JUCESP Nº 02/2015. EXIGÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DO BALANÇO ANUAL E DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS EM JORNAL DE GRANDE PORTE E NO DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO. ILEGALIDADE.
I - Tanto o artigo 472 do Código de Processo Civil de 1973 quanto o artigo 506 do Código de Processo Civil de 2015 são expressos no sentido de que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada. Assim, a existência de sentença proferida em demanda proposta pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais - ABIO contra a União Federal não afasta a possibilidade do seu questionamento por parte de terceiros.
II - É ilegal a exigência contida na Deliberação JUCESP 02/2015 feita em relação às sociedades de grande porte não constituídas sob a forma de sociedade anônima, no sentido da obrigatoriedade da publicação de Balanço Anual e das Demonstrações Financeiras do último exercício em jornal de grande circulação e no Diário Oficial do Estado, uma vez que o artigo 3º da Lei 11.638/2007 limitou-se a estender àquelas sociedades apenas as obrigações de escrituração e de elaboração, tendo o órgão administrativo exorbitado do seu poder regulamentar.
III - Apelação e Remessa necessária desprovidas.