Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005490-81.2009.4.03.6106

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL, USINA TANABI LTDA, TEREOS ACUCAR E ENERGIA BRASIL S.A, TEREOS ACUCAR E ENERGIA BRASIL S.A

Advogados do(a) APELANTE: DANIEL LACASA MAYA - SP163223-A, JULIO MARIA DE OLIVEIRA - SP120807-A
Advogado do(a) APELANTE: JULIO MARIA DE OLIVEIRA - SP120807-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, BERTOLO AGROINDUSTRIAL LTDA. - EM RECUPERACAO JUDICIAL

Advogado do(a) APELADO: AIRES VIGO - SP84934-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

(TRANSCRIÇÃO DO RELATÓRIO CONSTANTE DO ID 254175288, p. 285/287)

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de Açúcar Guarani S/A, Bertolo Agroindustrial Ltda. e União Federal, objetivando a condenação das duas primeiras em elaborar e executar, na condição de empresas do ramo sucroalcooleiro, e ao ente público exigir, analisar e fiscalizar, o Plano de Assistência Social em favor dos trabalhadores da indústria canavieira, previsto no art. 36 da Lei n°4.870/65.

Distribuídos os autos nesta Corte, foi proferida decisão monocrática terminativa pela Juíza Federal Convocada Denise Avelar, por meio da qual foram providas parcialmente a remessa necessária e as apelações da União Federal e  Açúcar Guarani S/A, "para reconhecer a carência parcial da ação em vista da ausência de interesse de agir do Ministério Público Federal no que se refere à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do art. 36 da Lei nº 4.870/65, à vista do disposto no art. 38 da Lei n° 12.865/2013, remanescendo, entretanto, a  obrigação de pagamento e fiscalização da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei n°4.870/1965, no que se refere ao período anterior à vigência da Lei n°12.865/2013." (fls. 775/781).

Inconformada, a empresa ré Guarani S/A interpôs embargos de declaração (fls. 783/811), devidamente respondido pelo MPF (fls. 831/833), sob os seguintes fundamentos:

a) "erro de premissa" quanto à aplicação do art. 557, §1°, do CPC/73, considerando que a solução dada pela decisão monocrática não constitui entendimento majoritário deste Tribunal;

b) "erro de premissa" quanto aos efeitos retroativos da revogação do art. 36 da Lei n°4.870/65;

c) contradição da decisão no que tange à manutenção do valor da multa diária arbitrada em caso de descumprimento da condenação, devendo a mesma ser excluída ou ter seu valor reduzido;

d) omissão da decisão quanto à não exclusão da multa aplicada à embargante decorrente da interposição, em primeiro grau, de segundos embargos de declaração;

e) omissão do decisum no que se refere à ausência de pronunciamento acerca da não recepção do art. 36 da Lei tf 4.870/65 pela Constituição Federal, decorrente da inobservância do princípio da legalidade, por não ser possível aferir a base de cálculo para o recolhimento da exação.

Da mesma forma, o Ministério Público Federal ofereceu embargos de declaração (fls. 835/836), em que alega a existência de omissão na decisão monocrática, por não ter se manifestado sobre o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13, por ele arguida em parecer de fls. 749/753.

A seu turno, ingressou a União Federal com agravo legal, sustentando unicamente, em suas razões, o descabimento, na hipótese, de julgamento monocrático, diante da manifesta inexistência de jurisprudência dominante sobre o tema (fls. 822/829).

A insurgência da União Federal fora submetida a julgamento colegiado, oportunidade em que esta 7a Turma, por unanimidade, negou-lhe provimento (fl. 838), ensejando a interposição de embargos de declaração (fls. 854/869), onde se alega, em síntese, a existência de omissão no julgado, por não ter se pronunciado acerca da impossibilidade da atividade fiscalizadora do PAS por parte da União Federal, pela ausência de base de cálculo.

Açúcar Guarani S/A e Ministério Público Federal manifestaram-se nos autos, pugnando pelo julgamento de seus respectivos recursos (fls. 849/852 e fl. 871).

É o relatório.

 


VOTO

(TRANSCRIÇÃO DO VOTO CONSTANTE DO ID 254175288, P. 287/308)

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

Registro, de proêmio que, a despeito de os embargos de declaração opostos pela ré Guarani e pelo Ministério Público Federal não terem sido apreciados com precedência ao agravo legal da União Federal - como recomendaria a boa marcha processual -, a apresentação de tais recursos nesta oportunidade, malgrado interpostos contra decisão monocrática, longe de acarretar qualquer prejuízo às partes, prestigia o princípio da colegialidade, norteador das decisões proferidas em segunda instância.

Dito isso, e para melhor compreensão da controvérsia, trago à colação o inteiro teor do voto proferido por ocasião do julgamento do agravo legal interposto pela União Federal (fls. 839/846).

 

“O presente recurso não merece prosperar. Para otimizar a prestação jurisdicional, o art. 557, do Código de Processo Civil (CPC), permite julgamentos monocráticos em substituição às decisões de Colegiados ou de órgãos jurisdicionais superiores, para casos nos quais o entendimento se apresentar consolidado (ainda que por maioria). Assim, o provimento de agravo interposto em face de decisão monocrática escorada no art. 557 do CPC depende da demonstração de que essa decisão está em desconformidade com a orientação
do Colegiado da Corte ou de Tribunais Superiores ou, ainda, se não se tratava de manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso (TRF/3, AC 2008.61.14.003291-5, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, Quinta Turma, julgado em 03/08/2009; STJ, AgRg no REsp 1109792/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/06/2009; STF, AgR no AI 754086, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009).
In casu, a decisão agravada merece ser mantida porque foi proferida em conformidade com a legislação de regência e com o entendimento dominante nos Tribunais. Já a parte agravante se limitou a manifestar seu inconformismo com a decisão proferida, não trazendo elementos aptos a sua reforma.
A decisão agravada encontra-se devidamente fundamentada, como se verifica a seguir:
"Trata-se de Ação Civil Pública interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da AÇÚCAR GUARANI S/A - UNIDADE TANABI, da AÇÚCAR GUARANI S/A - USINA CRUZ ALTA, da AÇÚCAR GUARANI S/A - UNIDADE SEVERINIA, da BÉRTOLO AGROINDUSTRIAL LTDA. e da UNIÃO FEDERAL, na qual objetiva a condenação das rés na obrigação de fazer, consistente na elaboração e execução do Plano de Assistência Social (PAS), prestando serviços de assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social aos trabalhadores da agroindústria canavieira, aplicando, mensalmente 1% do total do açúcar produzido e comercializado, I% do total da cana de açúcar produzida e comercializada e 2% do total dó álcool produzido e comercializado nos termos do art. 36 da Lei 4.870/65. Requer ainda a condenação da União, por meio do Ministério da Agricultura, à obrigação de fazer consistente na fiscalização da Ré no cumprimento desta obrigação.
A liminar foi indeferida(fl.67).                                                                                                                                   Devidamente citadas, a Guarani S/A (Unidade Cruz Alta, Unidade Tanabi e Unidade Severinia) e a União apresentaram contestação (fls. 86/100 e 151/169).                                                                                                                                                                     Réplica às fls. 191/217.
A ré Bertolo Agroindustrial Ltda. apresentou contestação às fls. 257/288.
Réplica às fls. 519/521.
O MM Juízo "a quo" julgou procedente o pedido, fixando multa, inclusive para a União, de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por dia de atraso na implementação do PAS. Não houve condenação em honorários advocatícios (fls. 579/590).
A sentença foi submetida ao reexame necessário.
A Guarani S/A (por seus três estabelecimentos) opôs embargos de declaração «is. 609/619), os quais foram rejeitados às fls. 620/621.
Inconformada, opôs novos embargos de declaração às fls. 623/630.
O MM Juízo "a quo" rejeitou os novos embargos e aplicou multa de 1% do valor da causa por considerá-los protelatórios (fl. 631).
A Guarani S/A (por seus três estabelecimentos) interpôs, tempestivamente, recurso de apelação, pugnando, preliminarmente, pelo afastamento da multa por embargos protelatórios e, no mérito, pela reforma integral da sentença, sob o argumento de que a Lei n° 12.865/2013 extinguiu as obrigações fundadas nas alíneas do artigo 36 da Lei n° 4.870/65, de modo que não subsiste o interesse de agir do Parquet. Alega, ainda, que caso não seja este o entendimento, que deve ser reconhecida a insubsistência da exação prevista no ali, 36 da Lei 4.870/65, em razão da sua não recepção pela Constituição Federal e da inexistência de base de cálculo para apuração do valor a ser pago. Por fim, requer o afastamento da multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (fls. 633/689).
A União apelou às fls. 716/728, requerendo, preliminarmente, o reconhecimento da perda do objeto em razão do advento da Lei n° 12.865/2013, e, no mérito, a reforma integral da sentença sob a alegação de que não é da sua responsabilidade a fiscalização da aplicação dos recursos do PAS. Pugna, ainda, pelo afastamento ou redução da multa cominatória, fixada em RS 20.000,00 (vinte mil reais) por dia pela r.sentença.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Egrégia Corte (fls. 731/738).
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento dos recursos (fls. 749/753).
É o breve relatório.
Decido.
Nos termos do caput e § 1°-A, do art. 557, do Código de Processo Civil e da Súmula 253/STJ, o Relator está autorizado, por meio de decisão monocrática, a negar seguimento ou dar provimento ao recurso e ao reexame necessário, nas hipóteses de pedido inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a jurisprudência dominante da respectiva Corte ou de Tribunal Superior.
Inicialmente, cumpre consignar que o Ministério Público Federal é parte legítima para propor a presente Ação Civil Pública, sendo o meio
adequado para obtenção do provimento jurisdicional almejado, considerando não se sustentar a assertiva de que o PAS configura contribuição social de natureza tributária.
Sobre o tema, trago à colação trecho da decisão proferida pela Excelentíssima Desembargadora Federal Regina Costa, hoje integrando o Egrégio Superior Tribunal de Justiça que trata da mesma matéria:
"Numa análise preliminar, entendo que o aludido art. 36, da Lei n. 4.870/65 foi recepcionado pela Constituição da República de 1988, pois com ela compatível. Estabelece aplicação direta de recursos em beneficio daqueles trabalhadores, para os serviços apontados, o que não colide com a obrigatoriedade do pagamento de contribuições sociais destinadas ao financiamento da Seguridade Social. Trata-se de um 'plus' de proteção outorgado àqueles • trabalhadores, sabidamente hipossuficientes.
Outrossim, não se vislumbra natureza tributária nesse dever imposto aos produtores de cana, açúcar e álcool, porquanto há imposição de aplicação direta de recursos, não sua arrecadação pelo Fisco ou por ente por ele autorizado.
Trata-se, portanto, de direito social, de que são titulares os empregados do setor sucroalcooleiro, possibilitando a efetivação de outros direitos fundamentais, tais como saúde, educação e assistência médica e social."
(TRF 3ª Região, AG 251519, proc. 2005.03.00.085496-3, em apreciação de efeito suspensivo, publicação: 28.04.06 - Recurso prejudicado em 230.05.10, em razão da superveniência de sentença de procedência pro latada nos autos originários)

No caso vertente, trata-se de ação em que se pleiteia direito relativo à assistência social, cujo objetivo é o de beneficiar determinada categoria de trabalhadores, que mantêm relação jurídica com agentes econômicos que atuam no setor sucroalcooleiro, versando a lide sobre típico interesse coletivo, passível de ser tutelado pelo Ministério Público por meio de Ação Civil Pública, nos exatos termos do art. 129, inc. III da CF/88 e art. 6°, inc. VII, alíneas 'a' e 'd' da Lei Complementar 75/93.
Verifico, ainda, que o bem tutelado é direito relativo à assistência social, defluindo-se daí a competência da Justiça Federal para analisar e julgar o feito.
Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL E ASSISTENCIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PAS (PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL) - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL- LEGITIMIDADE DA UNIÃO FEDERAL PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA PROPOR A AÇÃO - RECURSO PROVIDO.
1. O PAS - Plano de Assistência Social está no âmbito do direito à assistência social, que tem natureza diversa do Direito Trabalhista. A
competência, portanto, não é da Justiça do Trabalho.
2. A União Federal tem legitimidade para figurar no pólo passivo da ação, pois tem interesse em sua solução, em razão dos efeitos que lhe poderão advir.
3. O Ministério Público Federal tem legitimidade para propor a ação, por se tratar da defesa de interesses sociais, na forma do art. 127, da Constituição Federal e por haver interesse da União Federal.
4. Agravo de Instrumento do Ministério Público Federal provido."
(TRF 3ª Região, Judiciário em dia - Turma E, AI 00104567720064030000, Julg. 28.03.2011, Rd Juiz Convocado Marco Aurelio Castrianni, e-DJF3 Judicial 1 Data:07.04.2011 Página: 1505)

Com efeito, o Plano de Assistência Social (PAS) foi instituído pela Lei 4.870/65, que em seu art. 36 prescreve:
"Art. 36. Ficam os produtores de cana, açúcar e álcool obrigados a aplicar, em beneficio dos trabalhadores industriais e agrícolas das
usinas, destilarias e fornecedores, em serviços de assistências médica, hospitalar, farmacêutica e social, importância correspondente no
mínimo, às seguintes porcentagens:                                                                                                                         a) de 1% (um por cento) sobre preço oficial de saco de açúcar de 60 (sessenta) quilos, de qualquer tipo, revogado o disposto no art. 8° do Decreto-lei n° 9.827, de 10 de setembro de 1946;
b) de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer titulo, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria;
c) 2% (dois por cento) sobre o valor oficial do litro de álcool de qualquer tipo produzido nas destilarias.
§1° Os recursos previstos neste artigo serão aplicados diretamente pelas usinas, destilarias e fornecedores de cana, individualmente ou através das respectivas associações de classe, mediante plano de sua iniciativa, submetido à aprovação e fiscalização do I.A.A.
§2° Ficam as usinas obrigadas a descontar e recolher, até o dia 15 do Inês seguinte, a taxa de que trata a alínea "h" deste artigo, depositando seu produto em conta vinculada, em estabelecimento indicado pelo órgão especifico da classe dos fornecedores e à ordem do mesmo.
O descumprimento desta obrigação acarretará a multa de 50% (cinquenta por cento) da importância retida, até o prazo de 30 (trinta) dias, e mais 20% (vinte por cento) sobre aquela importância, por mês excedente.
§ 3° A falta de aplicação total ou parcial, dos recursos previstos neste artigo, sujeita o infrator à multa equivalente ao dobro da importância que tiver deixado de aplicar."

No âmbito constitucional extrai-se ter o artigo acima referido sido plenamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, senão
vejamos:
No caput do art. 7° da CF conclui-se que o rol dos direitos dos trabalhadores é meramente exemplificativo, não excluindo outros de mesma natureza.
Já o art. 194, capta, da Carta Magna, dispõe que: "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".
E, finalmente, o art. 203, caput, também da Lei Maior, impõe o dever de solidariedade, ao disciplinar: "A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social..."
Assim, o artigo 36 da Lei 4.870/65 se harmoniza perfeitamente com as disposições transcritas, bem como com os preceitos fundamentais que consagram o princípio da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde, ao lazer, a condições dignas de trabalho etc., pois tem por objetivo promover assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social à categoria de trabalhadores da agroindústria de cana-de-açúcar.
Frise-se, ainda, que a seguridade social não está unicamente vinculada à atuação do Estado, mas também às ações oriundas da sociedade, com fundamento no princípio da solidariedade que orienta o Sistema da Seguridade Social.
Por outro lado, o fato de não ter o Poder Público estabelecido um preço fixo para a cana, o açúcar e o álcool, não impede a aplicação do PAS, pois, na ausência de fixação governamental de preço para tais produtos, as aliquotas estabelecidas no art. 36 da Lei 4.870/65 recairão sobre os preços praticados.
A propósito transcrevo:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI N° 4.870/65. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - PAS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. NORMA RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO. FISCALIZAÇÃO PELA UNIÃO FEDERAL. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. NATUREZA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO PAS. NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. INAPLICABILIDADE DE PRINCÍPIOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO PROVIMENTO DA APELAÇÃO.

(...)

4. O fato de não ser estabelecido pelo Poder Público, preço para o açúcar, cana e álcool, não significa que o art. 36 da Lei 4.870/65 não
possa ser aplicado. Na época da promulgação da mencionada lei, somente existia o preço fixado, daí, denominado "preço oficial" (referido pelo citado dispositivo legal), contudo, atualmente, na ausência de intervenção governamental sobre este item, a alíquota tratada
legalmente, recairá sobre o preço praticado.
9. Apelação do autor provida".
(TRF3, AC 140475, 2ª Turma, Juiz Convocado Marco Aurelio Castrianni, v.u,j. 16.02.12, e-DJF3 de 15.03.12)

Ocorre, no entanto, que em 09 de outubro de 2013, sobreveio a edição da Lei n° 12.865/2013, em que se converteu a Medida Provisória n° 615/2013 e cujos artigos 38 e 42 assim dispõem:
"Art. 38 - São extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas fisicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei n° 4.870, de I° de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas."
"Art. 42 - Revogam-se:
IV - o art. 36 da Lei n°4.870, dei° de dezembro de 1965."
Desse modo, diante da expressa determinação legal de extinção de todas as obrigações, inclusive daquelas anteriores à data de publicação da lei, exigidas com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei n° 4.870/1965 - preservando-se aquelas já adimplidas - impõe-se o reconhecimento da ocorrência, no presente caso, de carência parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal nos autos desta Ação Civil Pública.
Observe-se que, não obstante a extinção das obrigações exigidas com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei n° 4.870/1965, inclusive aquelas anteriores a data de publicação da Lei, remanesce, o interesse de agir com relação à obrigação exigida com fundamento na alínea "h" do capta do art. 36 da Lei n° 4.870/1965, a qual ainda subsiste no que se refere ao período anterior à edição da Lei n° 12.865/2013.
Deveras, o artigo 42 da Lei 12.865/2013 revogou o artigo 36 da Lei n° 4.870/1965 por inteiro. No entanto, tal disposição é aplicável apenas aos fatos ocorridos a partir da vigência da Lei n° 12.865/2013, eis que, relativamente aos fatos anteriores à data da publicação dessa Lei, o artigo 38 é expresso no sentido de que apenas devem ser extintas aquelas obrigações exigidas com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei n°4.870/1965, a saber:
"Art. 36- Ficam os produtores de cana, açúcar e álcool obrigados a aplicar, em beneficio dos trabalhadores industriais e agrícolas das usinas, destilarias e fornecedores, em serviços de assistências médica,hospitalar, farmacêutica e social, importância correspondente no
mínimo, às seguintes percentagens:
a) revogado.
b) de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer titulo, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria;
c) revogado. (...)"
Permanece, portanto, a obrigação de aplicar em benefício dos trabalhadores o percentual de "I% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer titulo, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria", consoante disposto na alínea "h" do art. 36 da referida Lei.
Neste sentido, é o entendimento desta Turma:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO LEGAL. ARTIGO 557, § 1°, DO CPC. PAS. ART. 36 DA LEI 4870/1965. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECEPÇÃO PELA CF/88. POSSIBIILDADE DE A ALÍQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N° 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº
12.865/2013.
I. O Plano de Assistência Social (PAS) está no âmbito do direito à Assistência Social, que tem natureza diversa do Direito Trabalhista, de modo que não se há de falar em competência da Justiça do Trabalho. In casu, foi o Ministério Público Federal (órgão da União) que ajuizou a presente Ação Civil Pública, do que se conclui que a competência para a análise do feito apenas poderia ser da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I da CF.
2. Os dispositivos dos artigos 35 e 36 da Lei 4.870/1965 foram plenamente recepcionados pela Constituição Federal de 1988, já que seu escopo é atender, nos casos concretos, o princípio da dignidade humana, do direito à saúde, bem como à obrigação de prestar a assistência social a quem dela necessitar, princípios estes garantidos pela Constituição, independentemente de contribuição à seguridade social. A própria Lei n°. 8.212/1991 menciona, em seu art. 28, §9°, alínea "o", as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agro indústria canavieira de que trata o art. 36 da Lei e. 4.870, de 1° de dezembro de 1965, o que contraria a alegação de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
3. O fato de não mais existir preço oficial para açúcar, cana ou álcool também não é suficiente para afastar a procedência do pedido formulado na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, pois, na ausência de fixação de preço pelo governo (preço oficial), nada impede que a alíquota prevista no art. 36 da Lei 4870/65 recaia sobre o preço atualmente praticado.
4. O fato de o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) ter sido extinto não torna o pedido juridicamente impossível. Sendo a União coordenadora do PAS (art. 37 da Lei 2870/1965) e sucessora do IAA, não resta dúvida de que deve ser atribuída à Administração Pública Direta, isto é, à União, a responsabilidade pela fiscalização da implementação do aludido Programa.
5. Em nenhum momento se afrontou o disposto no artigo 204 da Constituição Federal, o qual dispõe que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes. O dispositivo acima mencionado trata apenas das fontes de custeio das ações governamentais na área da assistência social. Todavia, como disciplinado no artigo 194, caput, da Constituição Federal, a seguridade social, que engloba a assistência social, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade. Desse modo, os programas destinados à assistência social não se esgotam nas políticas governamentais, impondo um vínculo obrigacional de solidariedade a toda sociedade.
6. As ações relativas ao Programa de Assistência Social previstas pela Lei n.° 4.870/1965 não se traduzem em simples obrigação tributária, de modo que não estão albergadas pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federal. Referido programa consiste em obrigação de fazer, de responsabilidade da agroindústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade social mediante o recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta de Programa de Assistência Social em favor dos trabalhadores desse segmento econômico.
7. É descabida a inclusão na lide dos produtores rurais que fornecem cana de açúcar à usina na condição de litisconsortes passivos necessários. O art. 36, "b", §2°, da Lei 4.870/1965 é claro ao impor à Usina a obrigatoriedade de descontar/recolher o percentual de 1% (um por cento) sobre o preço da tonelada de cana de açúcar entregue pelos seus produtores. Portanto, mesmo tendo a Usina optado por terceirizar a produção da matéria prima (cana de açúcar), mediante contrato de fornecimento celebrado entre ela e os produtores rurais, continua sendo da Usina (e não dos produtores) a obrigação de recolher/reter os valores relativos à aplicação do PAS, bem como de elaborar/executar o Plano de Assistência Social.
8. A hipótese dos autos é de atuação vinculada da Administração, em que não há margem para análise de conveniência e oportunidade, de modo que o papel do julgador, ao determinar que a União fiscalizasse a aplicação dos recursos do PAS foi, simplesmente, o de restaurar a ordem jurídica, tendo o agido dentro dos limites da legalidade a que se restringe a atuação do Poder Judiciário.
9. Operou-se a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n°. 12.865/2013. Persiste, contudo, a obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "h" do art. 36 da Lei no 4.870/1965, no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013 (inteligência dos artigos 38 e 42 da Lei n°. 12.865/2013).
10. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL alegou que tal interpretação violaria o princípio da isonomia e o direito adquirido dos trabalhadores da indústria canavieira. Afirmou ter havido omissão desta E. Turma julgadora sobre esse argumento. É fato que a Constituição de 1988 consagra a intangibilidade do direito adquirido. Contudo, só os direitos adquiridos provenientes de "situação subjetiva" (aquela materializada pela manifestação de vontade do indivíduo, p. ex.: negócio jurídico) é que devem ser garantidos a qualquer custo, de modo absoluto. Já com relação os direitos provenientes de "situação objetiva" (decorrente de fatos objetivos que independem da vontade do indivíduo, p. ex.: lei), não há óbice a que estes sejam alterados pelo Estado, em razão de interesse público.
11. Na hipótese dos autos, por estarmos diante de obrigação decorrente de ato-regra (situação jurídica objetiva), era perfeitamente possível que a lei nova extinguisse também as obrigações relativas a fatos anteriores à data de sua publicação, não se podendo alegar direito adquirido nesse caso.
12. Agravos Legais aos quais se nega provimento. Prejudicado o pedido formulado às fls. 502/504."
(TRF 3ª Região, AC n° 0013527-51.2005.4.03.6102/SP, 7ª Turma, Des. Fed. Fausto De Sanctis, v. u., j. 26.05.14, e-DJ173 de 05.06.14)

Cumpre ressaltar, ainda, que cabe à União a aprovação e fiscalização da aplicação dos recursos do PAS, porquanto o exercício de tal atividade decorre de lei, hipótese em que sua atuação é vinculada, havendo margem para discricionariedade a justificar o não cumprimento do disposto na Lei 4.870/65.
Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ADEQUAÇÃO - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - LEGITIMIDADE ATIVA - DIREITOS COLETIVOS - LC 75/1993 - LEI 8.078/1990 (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) - UNIÃO FEDERAL - LEGITIMIDADE PASSIVA - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - LEI 4.870/1965 - PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS TRABALHADORES DO SETOR SUCROALCOOLEIRO - ASSISTÊNCIA SOCIAL - RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1.988 - PREÇO OFICIAL E PREÇO DE VENDA - INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL - IAA - SUCESSÃO PELA UNIÃO - RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO NA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA LEI PELAS EMPRESAS DO SETOR - ATIVIDADE ADMINISTRATIVA VINCULADA - AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE - PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - VIIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA.

1. Tratando-se de direito coletivo de uma classe de pessoas, a ação civil pública é a via processual adequada à defesa desses interesses.
2. O Ministério Público Federal tem legitimidade para defender, por meio de Ação Civil Pública, direito social de uma categoria especifica de pessoas, na forma da LC 75/1993 (art. 6°, VII, d) e da Lei 8.078/1990 (art. 81, par. único).
3. Sendo sucessora do extinto Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA, a UNIÃO responde pelas ações por ele respondidas antes da extinção.
4. Pedido juridicamente possível porque que tem respaldo no ordenamento jurídico, tanto no que tange à obrigação de efetivação do PAS, quanto ao poder/dever da União de fiscalizá-la e responder por ação ou omissão no exercício de sua atividade administrativa.
5. O art. 37 da Lei 4.870/1965 não é norma tributária, mas, sim, institui obrigação de fazer, isto é, de elaborar e implantar Plano de Assistência Social destinado aos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, que lhes propicie atendimento médico, hospitalar, farmacêutico e social. Quis o legislador dar especial atenção aos trabalhadores desse setor, cujas inóspitas e peculiares condições de trabalho acarretam prejuízos à saúde e à integridade fisica, além de propiciarem a exploração do trabalho infantil e de mão-de-obra quase escrava.
6 O Plano de Assistência Social que as empresas do setor devem fazer e implantar está em consonância com as normas da Constituição Federal de 1.988 e, longe de ferir o princípio da isonomia, vai ao encontro da seletividade e distributividade: a Lei 4.870/1965 foi recepcionada pela nova ordem com trabalhadores do setor sztcroakooleiro e lhes distribui a proteção social que seus empregadores podem e devem implantar.
7. O sistema de Seguridade Social é solidário. Por ser solidário, é dever do Poder Público e de toda a sociedade, nela incluídas as empresas do setor sucroalcooleiro.
8. O art. 36 da Lei 4.870/1965 apenas indica a quantia mínima a ser aplicada pelos empresários do setor na execução de seus Programas de Assistência Social.
9. A interpretação do texto legal indica que, não havendo mais tabelamento de preços no setor, o preço oficial deve ser considerado como preço de venda. Interpretação literal afastada porque colocaria por terra a existência do Plano de Assistência Social.
10. A prestação da Assistência Social é dever constitucional dos Poderes Públicos e da sociedade, e, existindo previsão legal de implantação de Plano de Assistência Social, a atividade administrativa é vinculada, sem espaço para discricionariedade.
11. A omissão administrativa deve ser analisada judicialmente, sem que reste configurada a violação ao princípio da separação dos poderes.
12. A satisfatória execução do julgado recomenda a manutenção de "contabilidade específica para os recursos do PAS bem como conta
bancária exclusiva para esse fim", como determinado na sentença, indispensáveis para o efetivo controle e fiscalização das atividades da(s) ré(s).
13. Remessa Oficial e Apelações improvidas."
(TRF 3ª Região, Ac 1581194, proc. 0020105-36.2005.4.03.6100, 9ª Turma, Des. Fed. Mansa Santos, TRF3 C.II 24.11.11) - grifo nosso.

"ART. 36 DA LEI 4.870/65. MEDIDAS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA E SOCIAL EM FAVOR DOS TRABALHADORES DO SETOR SUCROALCOOLEIRO. OBRIGAÇÃO DOS EMPREGADORES. VIGÊNCIA DO DISPOSITIVO LEGAL, QUE NÃO RESTOU REVOGADO PELA LEI QUE EXTINGUIU O INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL —,-IAA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITOS SOCIAIS ALBERGADOS PELO ART. 7° DA CARTA MAGNA. NATUREZA NÃO-TRIBUTÁRIA DA PRESTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DA UNIÃO DE FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DO DISPOSTIVO LEGAL. LACUNA LEGISLATIVA, DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E OFENSA À SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO CONFIGURAÇÃO.
- A prestação prevista no art. 36 da Lei 4.870/65 não tem natureza de tributo, mas consiste em direito social dos trabalhadores do setor
sucroalcooleiro, amparado pelo art. 7° da Constituição Federal.
- A desreguamentação daquele setor não logrou afetar ou suprimir a base de cálculo das prestações devidas, que permanece perfeitamente definida, devendo os percentuais legais ser calculados sobre os preços de mercado efetivamente praticados.
- A Lei 8.029/90, que extinguiu o IAA, não revogou a Lei 4.870/65 e seu art. 36, sendo certo que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também chegou a essa conclusão, conforme parecer de n°1941/2001.
- Não há que se falar em "quebra da isonomia" em desfavor do setor sucroalcooleiro, visto que o art. 195, §9° da CF, ao tratar da seguridade social, admite expressamente o tratamento diferenciado.
- Tendo o art. 36 da Lei 4.870/65 sido recepcionado pela Constituição, inexiste o "vazio" legislativo apontado pela União, tampouco a intromissão do Judiciário na esfera de atuação dos outros Poderes.
- Se a lei é explícita ao definir unta obrigação, não se pode falar em discricionariedade administrativa para se furtar ao seu cumprimento.
- Apelações da União e da empresa-ré desprovidas.
(TRF 3ª Região, AC n° 0000419-75.2008.4.03.6125, 8' Turma, Des. Fed. Paulo Fontes, v. u, j. 28.05.12, e-DJF3 de 13.06.12) - grifo nosso.


No que tange ao pedido de redução da multa diária, nos termos do art. 461, §6°, do Código de Processo Civil, somente é possível a modificação do seu valor quando se verificar que se tornou insuficiente ou excessivo.
In casu, contudo, entendo razoável o montante fixado pela r. sentença a fim de que as requeridas implementem o julgado, razão pela qual mantenho a quantia determinada.
Vê-se, ademais, ser idêntico o valor fixado em casos análogos (Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, AI n° 0022865-41.2013.4.03.0000/SP, julgado em 24/10/2013, Rel. Des. Fed. Mansa Santos, AC n° 0013530-06.2005.4.03.6102/SP, julgado em 16/07/2012, Rel. Des. Fed. Souza Ribeiro, AC n° 0013535.28.2005.4.03.6102/SP, julgado em 18/02/2014)
Por fim, quanto ao pedido de afastamento da multa de 1% sobre o valor da causa aplicada pelo MAI. Juizo "a quo" por entender os embargos protelatórios, não assiste razão à apelante Guarani S/A.
Da análise dos autos, verifica-se que os argumentos expostos nos embargos de declaração de fls. 623/630 são os mesmos já rejeitados
quando da oposição dos embargos anteriores (fls. 609/619), não havendo inovação et» suas alegações.
Desta forma, resta evidente o intuito protelatório dos embargos de declaração opostos pela apelante, razão pela qual mantenho a multa de 1% sobre o valor da causa aplicada na r. sentença.
Diante do exposto, nos termos do art. 557, §1°-A, do Código de Processo Civil, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO REEXAME NECESSÁRIO E ÀS APELAÇÕES da Açúcar Guarani SIA (Unidade Cruz Alta, Unidade Tanabi e Unidade Severinia) e da União Federal, para reconhecer a carência parcial da ação em vista da ausência de interesse de agir do Ministério Público Federal no que se refere à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do art. 36 da Lei n°4.870/1965, à vista do disposto no art. 38 da Lei n° 12.865/2013, remanescendo, entretanto, a obrigação de pagamento e fiscalização da quantia referida na alínea "h" do art. 36 da Lei n° 4.870/1965, no que se refere ao período anterior à vigência da Lei n°12.865/2013."
Devendo ser mantida a decisão agravada, ante o exposto, nego provimento ao agravo inominado.
É como voto.”

 

Em argumentos ventilados nos embargos de declaração, Açúcar Guarani S/A e União Federal sustentam o descabimento da resolução da lide por meio de decisão monocrática terminativa.

Com efeito, a declaração, pelo Relator por decisão unipessoal, denegativa de seguimento ou provimento do recurso, pressupõe estar o apelo e a decisão recorrida, respectivamente, em confronto com jurisprudência dominante do Tribunal local ou das Cortes Superiores, nos exatos termos do disposto no então vigente art. 557, caput e §1°-A, do CPC/73.

O tema relativo à legalidade do PAS, de fato, não comporta dissenso nesta Corte. Mas, editada no curso da demanda a Lei tf 12.865/13, a discussão acerca de sua aplicação ganha contornos polêmicos, e é justamente desse comando normativo que cuidam as insurgências, ora submetidas a julgamento, veiculadas por autor e réus.

Desta 7' Turma, destaco precedente, inclusive citado pela decisão ora embargada, no sentido de preservar a exigência contida na alínea "b" do art. 36 da Lei n" 4.870/65 para as obrigações anteriores à sua publicação (AC n° 0013527-51.2005.4.03.6102).

Por outro lado, a E. 8ª Turma declarou a inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13, com a remessa dos autos ao Órgão Especial para deliberação (AC n° 2005.61.22.000663-4)

A seu turno, a E. 9ª Turma entende pela extinção integral das obrigações contidas no art. 36 da Lei n° 4.870/65, inclusive em período anterior à superveniência da norma revogadora (AC n°2005.61.02.013526-8).

O que se vê, portanto, é uma miríade de decisões proferidas pelos órgãos fracionários desta Seção Especializada, de forma a impossibilitar, ao menos por ora, a indispensável estabilização da jurisprudência, a viabilizar a solução da causa por meio de decisão monocrática terminativa. Recomendável,   portanto, a submissão da questão à apreciação colegiada.

Por sua vez, o Ministério Público Federal sustenta omissão na decisão monocrática, por não ter se manifestado expressamente acerca da declaração de inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei tf 12.865/13. E, no ponto, assiste-lhe razão.

Com efeito, o pronunciamento judicial de fls. 775/781 passou ao largo da alegação ministerial, limitando-se a declarar a prejudicialidade da ação civil pública quanto aos itens "a" e "c", pela superveniência da Lei  12.865/13, razão pela qual entendo de rigor suprir-se o vício apontado, conforme fundamentação esposada na continuação deste voto.

Da mesma forma, atribuo efeitos infringentes aos embargos declaratórios opostos por Açúcar Guarani S/A e União Federal, e passo à apreciação do mérito recursal.

Conforme bem exposto na decisão confirmada por esta Turma, ficam superadas as questões relativas à natureza tributária das exigências previstas no art. 36 da Lei n° 4.870/65, bem como à sua não recepção pela CF/88, além da ausência de base de cálculo para fiscalização da exação, com a extinção dos preços oficiais dos produtos comercializados (álcool e açúcar), estes sim, temas pacificados nesta Corte e sobre os quais, efetivamente, não pairam quaisquer omissão, contradição ou obscuridade.

Pois bem.

Com a superveniência da Lei n° 12.865, de 09 de outubro de 2013, extinguiram-se todas as obrigações relativas ao Plano de Assistência Social, previstas no já mencionado art. 36, seja por parte das empresas produtoras de açúcar e álcool (elaboração e execução), seja por parte da União Federal (exigir, analisar e acompanhar a execução).

Eis o teor da norma:

   

"Art. 38: São extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alínas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei n° 4.870, de I° de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas."
"Art. 42: Revogam-se:
IV - o art. 36 da da Lei n°4.870, de I° de dezembro de 1965."

Controvertem as partes tanto no que tange à constitucionalidade, em si, dos dispositivos legais (ao argumento de proibição de retrocesso dos direitos sociais e vulneração ao princípio do direito adquirido), quanto ao alcance dos efeitos da revogação da exigência prevista no art. 36, alínea "b" da Lei n° 4.870/65 (aplicação somente às situações constituídas a partir da edição da Lei n° 12.865/13, ou igualmente as que a precederam).

Em atenção ao quanto arguido pelo Ministério Público Federal, tenho por constitucionais os arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13, diplomas legais que, ao revogar o Plano de Assistência Social - PAS, não malferem o art. 5º, XXXVI, da CF/88.

Isso porque cabe à União Federal, por expressa disposição constitucional, a prestação da Assistência Social a quem dela necessitar (arts. 203 e 204), mediante o financiamento por toda a sociedade, através das fontes de custeio previstas no art. 195, I, dentre elas, contribuições sociais cuja ré Açúcar Guarani também se sujeita. Dessa forma, não entendo que fazer cessar os benefícios decorrentes da aplicação dos recursos previstos no PAS, deixe os trabalhadores do setor canavieiro desamparados da proteção social que, ao fim, é dirigida a todos indistintamente.

Nesse sentido, os arestos:

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTENCIAL SOCIAL. OBRIGAÇÃO DA INDÚSTRIA
CANAVIEIRA INSTITUÍDA PELA LEI N. 4.870/65. EXTINÇÃO DETERMINADA PELA LEI N. 12.865/2013. IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO SUPERVENIENTE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO. INCONSTITUCIONALIDADE DA
LEI IV. 12.865/2013 NÃO CONFIGURADA.
I - Foi publicada no DOU, em 10.10.2013, a Lei n. 12.865, de 09.10.2013, que nos artigos 38 e 42 revoga o artigo 36 da Lei n. 4.870/65, pelo qual se atribuía às usinas, destilarias e fornecedores de cana a obrigação de fazer, consistente na elaboração e execução do PAS, e à União, a sua fiscalização, de modo a configurar, em tese, a superveniente impossibilidade jurídica do pedido, com a conseqüente extinção do feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC.
II - As providências pleiteadas pela parte autora, mesmo em uma análise abstrata, sem se ater aos fatos narrados na inicial, não encontrariam mais previsão em nosso ordenamento jurídico nacional, na medida em que o art. 38 da Lei n. 12.865/2013 proclamou a extinção de todas as obrigações, inclusive as anteriores à sua edição, que seriam derivadas do artigo 36, "a" e "c", da Lei n. 4.870/65, preceito legal este em que se fundou apresente ação civil pública.
III - Cabe destacar que a Turma Julgadora, na apreciação de causa similar (AC. n. 0005477-82.2009.4.03.6106), em sessão de 18.02.2014, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, por reconhecer o autor carecedor da ação, dada a impossibilidade jurídica do pedido.                                                                                                                                                                                          IV - A pretensão deduzida na inicial encontrou vedação explícita estabelecida no direito positivo, daí, então, ser possível reconhecer a superveniente impossibilidade jurídica do pedido.
V - Não há falar-se, igualmente, em ofensa a direito adquirido por parte dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, que pudesse implicar a inconstitucionalidade da Lei n. 12.865/2013, urna vez que as usinas de açúcar e álcool foram desobrigadas de implementar o indízitado Plano de Assistencial Social-PAS, conforme acima explanado. de modo que eventuais ações sociais já implantadas passam a ter caráter de liberalidade, não mais se sujeitando à fiscalização do Poder Público.
VI - Agravo do Ministério Público Federal desprovido (art. 557, §1°, do CPC)."
(AC na 2010.61.25.002562-6/SP, Relator Des. Federal Sérgio Nascimento, 10a Turma, DJe 21/11/2014) - grifos nossos.


"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO LEGAL ARTIGO 557, § 1°, DO CPC. PAS. ART. 36 DA LEI 4870/1965. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL. RECEPÇÃO PELA CF/88. POSSIBIILDADE DE A ALlQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO ARTIGOS 38 E 42 DA LEI
N°. 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI 12.865/2013.CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO  NTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº
12.865/2013.
(...)
10. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL alegou que tal interpretação violaria o princípio da isonomia e o direito adquirido dos trabalhadores da indústria canavieira. Afirmou ter havido omissão desta E. Turma julgadora sobre esse argumento. É fato que a Constituição de 1988 consagra a intangibilidade do direito adquirido. Contudo, só os direitos adquiridos provenientes de "situação subjetiva" (aquela materializada pela manifestação de vontade do indivíduo, p. ex.: negócio jurídico) é que devem ser garantidos a qualquer custo, de modo absoluto. Já com relação os direitos provenientes de "situação objetiva" (decorrente de fatos objetivos que independem da vontade do indivíduo, p. ex.: lei), não há óbice a que estes sejam alterados pelo Estado, em razão de interesse público.
11. Na hipótese dos autos, por estarmos diante de obrigação decorrente de ato-regra (situação jurídica objetiva), era perfeitamente possível que a lei nova extinguisse também as obrigações relativas aflitos anteriores à data de sua publicação, não se podendo alegar direito adquirido nesse caso.
12. Agravos Legais aos quais se nega provimento. Prejudicado o pedido formulado às fls. 502/504."
(AC no 2005.61.02.013527-O/SP, Relator Des. Federal Fausto de Sanctis, 7ª Turma, DJe 05/06/2014).

 

Assentada, portanto, a constitucionalidade da Lei n° 12.865/13, remanesce a discussão acerca de seu alcance em relação ao quanto disposto na alínea "b" do art. 36 da Lei if 4.870/65, a qual previa a aplicação de 1% sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria.

Conforme defendem a União Federal e a Açúcar Guarani S/A em seus respectivos recursos, sobredita exigência também restaria fulminada pela norma revogadora, inclusive referente às obrigações anteriores à data de sua publicação.

O argumento, a meu julgar, prospera.

É certo que o art. 38 da Lei n° 12.865/13 cuida, especificamente, das obrigações constantes das alíneas "a" e "c" do art. 36 da Lei n°4.870/65, para extingui-Ias tanto em relação aos fatos anteriores como posteriores à sua publicação, omitindo-se quanto à exigência contemplada na alínea "b", a qual seria, de todo modo, abrangida pela revogação disciplinada pelo art. 42.

A controvérsia reside, pontualmente, em se atribuir efeitos retroativos também à alínea "b", já que a redação do art. 42 não o faz expressamente, restando caracterizado um conflito aparente de normas.

Para elucidá-la, necessário perscrutar a intenção do legislador em abolir o Plano de Assistência Social, vale dizer, proceder à interpretação teleológica da norma para se buscar a sua finalidade. Em detida análise da tramitação legislativa a que fora submetida a Lei n° 12.865/2013, verifico ter sido a mesma fruto da conversão da Medida Provisória n° 615/2013; na ocasião, foram apresentadas inúmeras emendas parlamentares, sendo oportuno destacar a de n" 00072, de autoria do Deputado Arnaldo Jardim/SP, anexa a este voto, em que S.Exa propõe a revogação integral do art. 36 da Lei rf 4.870/65, inclusive com efeitos retroativos. Em sua justificativa, consta expressamente:


"Por força do referido dispositivo constitucional, as normas infracanstitucionais anteriores a 1988 que regulavam de firma determinante setores próprios à iniciativa privada não firam recepcionadas pelo novo sistema jurídico, inaugurado com a Constituição.
Além disso, o artigo 194 e 195 da Constituição determinam, quanto à seguridade social, a universalidade do atendimento e uniformidade dos benefícios, bem como o seu custeio por toda a sociedade.
Em relação ao setor sucroalcooleiro, o art. 36 da Lei n. 4.870, de 1° de dezembro de 1965, estabelecia uma contribuição específica para o setor sucroalcooleiro que não foi recepcionado pela Constituição de 88, por descumprimento dos artigos 194 e 195.
Posto isso, propomos a revogação expressa do artigo 36 da Lei n. 4.870, de 1965, de forma a garantir maior segurança jurídica ao setor, seus investidores (atuais e futuros) e aos próprios aplicadores da lei. Da mesma forma, as obrigações ex lege não deverão ser impostas aos particulares, uma vez que estão igualmente liberados davas a partir de 1988.
Sala da Comissão, 24 de maio de 2013." (grifos nossos).

 

Como se vê, a iniciativa parlamentar que culminou com a revogação do art. 36 da Lei n° 4.870/65 teve como premissa maior a sua incompatibilidade com a ordem constitucional em vigor.

E, se assim o é, não vislumbro motivo bastante para, a um só  tempo, se expurgar do mundo jurídico, com efeitos ex tunc, as obrigações relativas ao Plano de Assistência Social com recursos financeiros provenientes da venda de açúcar e álcool (alíneas "a" e "c"), e preservá-la em relação à comercialização da matéria prima (cana de açúcar - alínea "b"). Tal conclusão decorre, desta feita, da interpretação sistemática das duas normas legais (arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13), em que o julgador opta pelo significado que seja
coerente com o conjunto.

Isso porque não está em discussão a elegibilidade de um ou outro produto derivado da cana, para fins de aplicação de um percentual em benefício dos trabalhadores, mas sim a extinção do próprio PAS; nessa medida, a se manter a exigência da alínea "b" para as obrigações anteriores, restaria inviabilizada sua execução - porque desobrigada a União Federal de exigir e analisar referido Plano -, além de se contrapor ao próprio fundamento utilizado pelo Congresso Nacional para sua revogação, quer seja ele o da não recepção pela CF/88, quer seja o da impossibilidade de aferição da base de cálculo, considerada a ausência superveniente de regulamentação governamental dos preços cobrados pela comercialização.

Dito isso, entendo que a rade legis da normação revogadora fora, efetivamente, a de retirar o Plano de Assistência Social - PAS da órbita jurídica, desobrigando as empresas produtoras de sua elaboração e execução, bem como a União de sua atividade fiscalizadora. Corolário lógico, a isenção abrange todas as obrigações contempladas no art. 36 (alíneas "a", "b" e "c"), inclusive as anteriores à data da publicação da lei.

Nesse sentido, trago à colação julgado desta Corte:

"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PAS) PARA OS TRABALHADORES INDUSTRIAIS E AGRÍCOLAS DA AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA. ART. 36 DA LEI N° 4.870/65. FUNDAMENTO LEGAL. REVOGAÇÃO. EFEITOS EX TUNC. OBJETO. PREJUDICIALIDADE. EXTINÇÃO. ART. 267 DO CPC.
1 - O diploma no 12.865, de 09 de outubro de 2013, culminou por revogar as disposições do art. 36 da Lei n° 4.870/65, com efeitos ex tunc,como se depreende de seus arts. 38 e 42.
2 - O fundamento legal que embasava o pleito versado nos autos (elaboração e fiscalização do PAS) restou esvaziado, ante a revogação
com efeitos retroativos produzida pela Lei n°12.865/13, sendo de rigor o pronunciamento da perda superveniente do objeto em debate, ex vi dos arts. 462 e 267, VI, ambos do CPC.
3 - Apelações da União Federal e das empresas rés providas."
(AC n° 2009.61.06.005427-3/SP, Relator Juiz Fed. Convocado Fernando Gonçalves, 9ª Turma, ale 12/09/2014).

E, também, do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp no 1.408.189/SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, decisão terminativa, DJe
31/03/2014.

Declarada, portanto, a carência superveniente da presente Ação Civil Pública, tenho por prejudicado o exame da multa fixada em caso de descumprimento da obrigação, agora revogada.

Remanesce, no entanto, a questão relativa ao arbitramento, em desfavor da empresa ré, de multa de 1% sobre o valor da causa, decorrente da interposição, em primeiro grau, de segundos embargos de declaração.

E, também nesse particular, a irresignação merece acolhida.

Observo que, por ocasião da interposição dos primeiros declaratórios (fls. 609/619), a empresa Açúcar Guarani S/A agitou o tema
referente à superveniência da Lei n° 12.865/13, tendo o magistrado a quo deixado de se pronunciar acerca de eventual prejudicialidade; ao reverso, optou por receber "os presentes embargos como petição na fase de cumprimento provisório da sentença", o que ensejou o oferecimento de idêntico recurso (fls. 623/630), em que se pugnou pela manifestação expressa sobre a questão referente à ocorrência (ou não) de perda de objeto da lide.

Em nova rejeição dos embargos (fl. 631), o magistrado de primeiro grau os teve como manifestamente protelatórios, e aplicou a multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC/73.

Todavia, afigura-se legítima a postulação manifestada pela empresa ré, no sentido de ter apreciada a viabilidade do prosseguimento da demanda com a superveniência de legislação que, segundo alega, teria o condão de fulminar a pretensão inicial. A postergação da resolução da questão para a fase de cumprimento provisório da sentença equivale, a meu ver, à negativa de prestação
jurisdicional a ensejar, bem por isso, o cabimento de nova insurgência.

Excluo, portanto, a multa aplicada.

Ante o exposto, dou provimento aos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal, para sanar a omissão apontada e rejeitar a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei nº 12.865/13, nos termos da fundamentação supra. Dou provimento aos embargos de declaração opostos por Açúcar Guarani S/A e pela União Federal para, atribuindo-lhes efeitos infringentes, reconhecer a carência de ação por parte do Ministério Público Federal, em razão da ausência de interesse de agir superveniente e julgar extinto o feito, sem resolução do mérito (art. 485, VI e §3°, do CPC/15), também nos termos da fundamentação esposada, que ora integra o julgado.

É como voto.

 

 


VOTO-VISTA

(TRANSCRIÇÃO DO VOTO-VISTA CONSTANTE DO ID 322/333)

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Foram opostos Embargos de Declaração pela UNIÃO (fls. 854/869), pleiteando sejam supridas pretensas falhas no v. Acórdão (fls. 839/846) em que se negou provimento ao Agravo (fls. 822/829), previsto no artigo 557, § 1.°, do Código de Processo Civil, este interposto em face da Decisão Monocrática (fls. 775/781) por meio da qual se deu parcial provimento à remessa necessária e às apelações da União Federal e Açúcar Guarani S/A, "para reconhecer a carência parcial da ação em vista da ausência de interesse de agir do Ministério Público Federal no que se refere à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do art. 36 da Lei n°4.870/65, à vista do disposto no art. 38 da Lei n° 12.865/2013, remanescendo, entretanto, a obrigação de pagamento e fiscalização da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei n°4.870/1965, no que se refere ao período anterior à vigência da Lei n°12.865/2013" (fl. 781).

A UNIÃO alega, em síntese, a existência de omissão no julgado por não ter se pronunciado acerca da impossibilidade da atividade fiscalizadora do PAS por parte da União Federal, pela ausência de base de cálculo (fls. 854/869).

Pois bem.

A controvérsia travada diz respeito às disposições do artigo 36 da Lei 4.870, de 01.12.1965, cuja finalidade, segundo o Ministério Público Federal, seria a de promover assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social à categoria de trabalhadores da agroindústria de cana-de-açúcar, considerando a precariedade das condições de trabalho a que estes se submetem.

Primeiramente, esclareço que não mereceriam prosperar as alegações no sentido de que era descabido o julgamento monocrático da matéria, pois, para tanto, bastava a existência de jurisprudência dominante, não havendo a necessidade desta ser unânime ou de existir Súmula dos Tribunais Superiores a respeito. Ademais, ainda que assim não fosse, a eventual interposição de Agravo oportunizaria a apreciação da matéria pelo órgão colegiado.

Quanto aos Embargos Declaratórios opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, estes merecem ser acolhidos, porém sem efeitos infringentes, a fim de que seja suprida a omissão apontada, uma vez que, até o presente momento, não houve, de fato, manifestação expressa desta Corte acerca do pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13.

A esse respeito, acompanho a manifestação do Exmo. Relator no sentido de que são "constitucionais os arts. 38 e 42 da Lei 11° 12.865/13, diplomas legais que, ao revogar o Plano de Assistência Social - PAS, não malferem o art. 5°, XXXVI, da CF/88" (ti. 925 v.). Com efeito, a cessação dos benefícios decorrentes da aplicação dos recursos previstos no PAS não significa, necessariamente, deixar desamparados de proteção social os trabalhadores do setor canavieiro, já que Assistência Social é garantida a todos pela Constituição, indistintamente. Além disso, não se há de falar em violação ao princípio da isonomia nem ao direito adquirido desses trabalhadores. De acordo com o art. 6°, § 2°, da LICC, "consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".

Consigno que nosso sistema é, por excelência, o da retroatividade das leis, isto é, de extensão da vigência das leis para fatos acontecidos antes de sua existência, sendo que a irretroatividade é exceção, já que só cabe na presença de três fenômenos: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

Portanto, o que nossa Constituição consagra não é a irretroatividade das leis, mas sim a intangibilidade do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

A respeito do direito adquirido, adoto corrente objetivista, fundada na doutrina de Paul Roubier, de acordo com a qual se deve diferenciar duas situações:

a) a situação jurídica objetiva: decorrente de fatos objetivos que independem da vontade do indivíduo, tais como "ato-condição" e "ato-regra", p. ex.: lei, portaria, convenção coletiva, estatuto de sociedade, etc.

b) a situação jurídica subjetiva: aquela materializada pela manifestação de vontade do indivíduo, tal como "ato-subjetivo", p. ex.: negócio jurídico.

Assim, só os direitos adquiridos provenientes de "situação subjetiva" é que devem ser garantidos a qualquer custo, de modo absoluto. Já com relação aos direitos provenientes de "situação objetiva", não haveria óbice a que estes fossem alterados pelo Estado, em razão de interesse público.

Na hipótese dos autos, por estarmos diante de obrigação decorrente de ato-regra (situação jurídica objetiva), era perfeitamente possível que a lei nova extinguisse também as obrigações relativas a fatos anteriores à data de sua publicação, não se podendo alegar direito adquirido nesse caso. Isto está, inclusive, de acordo com o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que, se houver mudança do "regime jurídico" de uma situação específica, não se haverá de falar em direito adquirido.

Essa linha de raciocínio é a que justifica, p. ex., a aplicação da lei do divórcio aos casamentos ocorridos antes de sua vigência ou, ainda, a aplicação da multa máxima de 2%, prevista no novo CC, a despeito de a convenção de condomínio ter sido firmada na vigência do Código Civil anterior.

Ante o exposto, voto por ACOLHER os Embargos Declaratórios opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, porém sem efeitos infringentes, apenas para sanar a omissão apontada.

Quanto aos Embargos de Declaração opostos pela GUARANI S/A e pela UNIÃO FEDERAL, reputo que estes devem ser rejeitados.

Alegou-se que os julgadores teriam deixado de se pronunciar acerca da não recepção do art. 36 da Lei n° 4.870/65 pela Constituição Federal, decorrente da inobservância do princípio da legalidade, por não ser possível aferir a base de cálculo para o recolhimento da exação (fls. 783/811), bem como existência de omissão no julgado por não ter havido pronunciamento acerca da impossibilidade da atividade fiscalizadora do PAS por parte da União Federal, pela ausência de base de cálculo (fls. 854/869).

Ocorre que o Código de Processo Civil não faz exigências quanto ao estilo de expressão, nem impõe que o julgado se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. A concisão c precisão são qualidades, e não defeitos do provimento jurisdicional.

Da leitura do Decisum ora embargado, é possível extrair que prevaleceu o entendimento de que o dispositivo do art. 36 da Lei 4.870/1965 foi plenamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, já que seu escopo é atender, nos casos concretos, ao princípio da dignidade humana, do direito à saúde, bem como à obrigação de prestar a assistência social a quem dela necessitar, princípios estes garantidos pela Constituição, independentemente de contribuição à seguridade social. A obrigação dos produtores de cana, açúcar e álcool de aplicarem uma porcentagem da receita em benefício dos trabalhadores deriva do principio da solidariedade, o qual orienta o Sistema da Seguridade Social.

Cabe mencionar que a própria Lei n°. 8.212/1991 menciona, em seu art. 28, §9", alínea "o", as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira de que trata o art. 36 da Lei d. 4.870, de 1° de dezembro de 1965, o que contraria a alegação de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Atente-se, ainda, que o fato de não mais existir preço oficial para açúcar, cana ou álcool também não é suficiente para afastar a procedência do pedido formulado na Ação Civil Pública, pois, na ausência de fixação de preço pelo governo (preço oficial), nada impede que a alíquota prevista no art. 36 da Lei 4.870/1965 recaia sobre o preço atualmente praticado.

O fato de o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) ter sido extinto não torna o pedido juridicamente impossível. Sendo a União coordenadora do PAS (vide art. 37 da Lei 2870/1965) e sucessora do IAA, não resta dúvida de que deve ser atribuída à Administração Pública Direta, isto é, à União, a responsabilidade pela fiscalização da implementação do aludido Programa.

Ademais, em nenhum momento se afrontou o disposto no artigo 204 da Constituição Federal, o qual dispõe que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes. O dispositivo acima mencionado trata apenas das fontes de custeio das ações governamentais na área da assistência social.

Todavia, como disciplinado no artigo 194, caput, da Constituição Federal, a seguridade social, que engloba a assistência social, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade.

Desse modo, os programas destinados à assistência social não se esgotam nas políticas governamentais, impondo um vínculo obrigacional de solidariedade a toda sociedade.

Por outro lado, as ações relativas ao Programa de Assistência Social previstas pela Lei n.° 4.870/1965 não se traduzem em simples obrigação tributária, de modo que não estão albergadas pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federal. Referido programa consiste em obrigação de fazer, de responsabilidade da agroindústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade social mediante o recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta de Programa de Assistência Social em favor dos trabalhadores desse segmento econômico.

Sem que sejam adequadamente demonstrados quaisquer dos vícios elencados nos Código de Processo Civil, não devem ser acolhidos os Embargos de Declaração, que não se prestam a veicular simples inconformismo com o julgamento, nem têm, em regra, efeito infringente. Incabível, neste remédio processual, nova discussão de questões já apreciadas pelos julgadores, que exauriram apropriadamente sua função.

Quanto à alegação de que teria havido "erro de premissa" quanto aos efeitos retroativos da revogação do art. 36 da Lei n° 4.870/65, consigno que também esta questão já foi analisada de forma clara e expressa pelo órgão julgador.

É certo que, em de 09 de outubro de 2013, sobreveio a edição da Lei nº 12.865, em que se converteu a Medida Provisória n'. 615/2013 e cujos artigos 38 e 42 dispõem:

"Art. 38. São extintas todas as obrigações inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas "a" e "c" do cuim, do art. 36 da Lei no 4.870, de 1" de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas" (grifo nosso).

"Art. 42. Revogam-se:
IV- o art. 36 da Lei no 4.870, de 1° de dezembro de 1965".

Diante do fato superveniente, vale dizer, diante da expressa determinação legal de extinção de todas as obrigações, inclusive aquelas anteriores à data de publicação da Lei, exigidas com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965 (preservadas aquelas já adimplidas), impõe-se o reconhecimento da ocorrência, no presente caso, de carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal nos autos desta Ação Civil Pública.

Digo parcial porque, tendo havido revogação das obrigações exigidas com fulcro nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, inclusive daquelas anteriores à data de publicação da Lei, só restaria interesse de agir em relação à obrigação exigida com fulcro na alínea "h" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, a qual ainda remanesce no que se refere ao período anterior à edição da Lei r1°. 12.865/2013.

É certo que o art. 42 da Lei n°. 12.865/2013 revoga o art. 36 da Lei no 4.870/1965 por inteiro. Contudo, tal disposição somente é aplicável para fatos ocorridos a partir da vigência da Lei n°. 12.865/2013. Com relação aos fatos anteriores à data de publicação dessa Lei, o art. 38 é claro no sentido de que apenas devem ser extintas aquelas obrigações exigidas com fulcro nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965.

Remanesce, portanto, a obrigação de aplicar em benefício dos trabalhadores a percentagem de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria, no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013.

Não ignoro existir posicionamento jurisprudencial, ora adotado pelo Exmo. Desembargador Relator, no sentido de que a ratio legis da norma revogadora teria sido, efetivamente, a de retirar o Plano de Assistência Social - PAS da órbita jurídica, desobrigando as empresas produtoras de sua elaboração e execução, bem como a União de sua atividade fiscalizadora, de modo que, na realidade, teria havido extinção de todas as obrigações contempladas no art. 36 (alíneas "a", "b" e "c"), inclusive em relação ao período anterior à superveniência da norma revogadora (AC no 2005.61.02.013526-8).

Todavia, reputo mais acertada a corrente jurisprudencial que interpreta de maneira estrita e literal os dispositivos legais em questão (arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13). Ora, se ao redigir o art. 38 da Lei n°. 12.865/13, o qual trata da extinção das obrigações anteriores à data de publicação dessa Lei, o legislador foi expresso ao mencionar, tão-somente, as alíneas "a" e "c" da Lei n°. 4.870/65, pressupõe-se que a ausência de menção à alínea "b" se deu de forma deliberada, não cabendo ao intérprete ampliar o rol de obrigações que a lei extinguiu.

Nesse sentido, já se posicionou esta E. 7' Turma desta Corte nos seguintes julgados:


"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVOS LEGAIS. ARTIGO 557, sç 1", DO CPC. PAS. ART. 36 DA LEI N°. 4870/1965. LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. RECEPÇÃO PELA CF/88. POSSIBI1LDADE DE A ALIQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO. ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N°. 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI N°
12.865/2013. RESPONSABILIDADE DAS USINAS, E NÃO APENAS DOS PRODUTORES DE CANA-DE-AÇUCAR, PELO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
1. Era plenamente cabível a Decisão Monocrática na hipótese dos autos, pois, segundo o art. 557, sÇ I", do Código de Processo Civil, não há necessidade de a jurisprudência ser unânime ou de existir súmula dos Tribunais Superiores a respeito.
2. É de se destacar a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura de Ação Civil Pública concernente à matéria em questão, já que a finalidade do PAS (Programa de Assistência Social) é beneficiar categoria determinada de trabalhadores, os quaá compartilham de relação jurídica travada com os agentes económicos que atuam no setor sucroalcooleiro, de modo que se trata de típico interesse coletivo, nos termos do que prevê o art. 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do Consumidor.
3. Operou-se a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n". 12.865/2013. Persiste, contudo, a obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei no 4.870/1965, no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013 (inteligência dos artigos 38 e 42 da Lei n° 12.865/2013).
4. Os dispositivos dos artigos 35 e 36 da Lei 4.870/1965 foram plenamente recepcionados pela Constituição Federal de 1988, já que seu
escopo é atender, nos casos concretos, o princípio da dignidade humana, do direito à saúde, bem como à obrigação de prestar a assistência social a quem dela necessitar, princípios estes garantidos pela Constituição, independentemente de contribuição à seguridade social. A própria Lei n°. 8.212/1991 menciona, em seu art. 28, §9", alínea "o", as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agro indústria canavieira de que trata o art. 36 da Lei n°. 4.870, de 1° de dezembro de 1965, o que contraria a alegação de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. 5. O fato de não mais existir preço oficial para açúcar, cana ou álcool também não é suficiente para afastar a procedência do pedido formulado na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, pois., na ausência de fixação de preço pelo governo (preço oficial), nada impede que a alíquota prevista no art. 36 da Lei 4.870/65 recaia sobre o preço atualmente praticado.
6. O fato de o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) ter sido extinto não torna o pedido juridicamente impossível. Sendo a União coordenadora do PAS (art. 37 da Lei 2870/1965) e sucessora do IAA, não resta dúvida de que deve ser atribuída à Administração Pública Direta, isto é, à União, a responsabilidade pela fiscalização da implementação do aludido Programa.
7. Em nenhum momento se afrontou o disposto no artigo 204 da Constituição Federal, o qual dispõe que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fintes. O dispositivo acima mencionado trata apenas das fontes de custeio das ações governamentais na área da assistência social. Todavia, como disciplinado no artigo 194, caput, da Constituição Federal, a seguridade social, que engloba a assistência social, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade. Desse modo, os programas destinados à assistência social não se esgotam nas políticas governamentais, impondo um vínculo obrigacional de solidariedade a toda sociedade.
8. As ações relativas ao Programa de Assistência Social previstas pela Lei n." 4.870/1965 não se traduzem em simples obrigação tributária, de modo que não estão albergadas pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federa. Referido programa consiste em obrigação de fazer, de responsabilidade da agro indústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade social mediante o recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta de Programa de Assistência Social em favor dos trabalhadores desse segmento econômico.
9. O art. 36, "b", §2°, da Lei 4.870/1965 é claro ao impor à Usina a obrigatoriedade de descontar/recolher o percentual de 1% (um por cento) sobre o preço da tonelada de cana de açúcar entregue pelos seus produtores. Portanto, mesmo tendo a Usina optado por terceirizar a produção da matéria prima (cana-de-açúcar), mediante contrato de fornecimento celebrado entre ela e os produtores rurais, continua sendo da Usina (e não apenas apenas dos produtores) a obrigação de recolher/reter os valores relativos à aplicação do PAS, bem como de elaborar/executar o Plano de Assistência Social. Todos os integrantes da cadeia produtiva são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação prevista no art. 36 da Lei no 4.870/1965. Assim, o pagamento e a apresentação do Plano de Assistência Social - PAS podem ser exigidos, indistintamente, tanto do fornecedor da cana quanto da Usina, já que ambos integram a cadeia de produção. Quanto a eventual "duplicidade" ou "direito de regresso", esta é questão a ser resolvida entre as partes, por meio das vias adequadas.  A hipótese dos autos é de atuação vinculada da Administração, em que não há margem para análise de conveniência e oportunidade, de modo que o papel do julgador, ao determinar que a União fiscalizasse a aplicação dos recursos do PAS foi, simplesmente, o de restaurar a ordem jurídica, tendo o agido dentro dos limites da legalidade a que se restringe a atuação do Poder Judiciário.
II. É perfeitamente cabível a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer, até mesmo contra a
Fazenda Pública (inteligência do art. 461, §4°, do CPC).
12. Quanto à alegação de que a Decisão agravada seria "extra petita", consigno que a condenação ao pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei n". 4.870/1965 não extrapolou os limites do pedido inicial, já que a petição inicial desta Ação Civil Pública descreve com clareza o pedido de que as Usinas rés depositassem mensalmente os valores referentes a "1% (um por cento) do total da cana-de-açúcar produzida e comercializada" (fl. 123), bem como de que elaborassem Plano de Assistência Social (PAS) e aplicassem as quantias devidas na  forma prevista na legislação 125). Portanto, não merece prosperar a alegação de que o pedido formulado pelo MPF teria se referido apenas às obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do art. 36 da Lei n°. 4.870/1965, até porque, conforme se asseverou, a obrigação referente à alínea "b" do mesmo dispositivo legal deve ser exigida das Usinas, e não apenas dos produtores da cana.
13. Agravos Legais aos quais se nega provimento".
(AC 00019318920094036115, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 ATA:20/07/2015 „FONTE REPUBLICACAO:.)


"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 557, CAPUT e § P-A, DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PAS. ART. 36 DA LEI 4870/1965. POSSIBILIDADE DE A AL1QUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO.
ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N° 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI N" 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI 151° 12.865/2013. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Hipótese em que a decisão impugnada lin proferida em consonância com o disposto no artigo 557, §1 0 - A, do Código de Processo Civil.
2. Agravo legal desprovido".
(AC 00135292120054036102, JUIZA CONVOCADA DENISE AVELAR, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-D.IF3 Judicial I DATA:30/01/2015
..FONTE_REPUBLICACAO:.)

 

Em suma, operou-se a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n". 12.865/2013. Todavia, impõe-se a obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei nº 4.870/1965, a qual persiste no que se refere ao período anterior à edição da Lei nº 12.865/2013.

Quanto à alegação de existência de omissão quanto a não exclusão da multa aplicada à embargante decorrente da interposição, em primeiro grau, de segundos embargos de declaração (fls. 783/811), não vislumbro qualquer omissão a ser suprida, já que a Decisão Monocrática acostada às fls. 775/781 é cristalina no sentido de que não assistia razão à apelante Guarani S/A quanto ao pedido de afastamento da multa de 1% sobre o valor da causa aplicada pelo MM. Juízo a alto, tendo em vista que "os argumentos expostos nos embargos de declaração de fls. 623/630 são os mesmos já rejeitados quando da oposição dos embargos anteriores (fls. 609/619), não havendo inovação em suas alegações" (fl. 780v.), restando evidente "o intuito protelatório dos embargos de declaração" (fl. 781).

Por fim, quanto à alegação de contradição da decisão no que tange à manutenção do valor da multa diária arbitrada em caso de descumprimento da condenação, devendo a mesma ser excluída ou ter seu valor reduzido (fls. 783/811), também não vislumbro qualquer vício a ser sanado, já que é perfeitamente cabível a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer, até mesmo contra a Fazenda Pública (inteligência do art. 461, §4º, do CPC de 1973, correspondente ao art. 497 do CPC de 2015). É certo que, tal como previa o art. 461, § 6°, do Código de Processo Civil de 1973, é possível haver, eventualmente, redução da multa, caso esta se mostre excessiva. Inclusive, o comportamento do destinatário da ordem é algo a ser considerado pelo juiz no dimensionamento do valor da multa, mesmo após a sua instituição.

Contudo, tal como constou da r. Decisão Monocrática acostada às fls. 775/778, é razoável o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) fixado pela r. Sentença, não havendo qualquer razão para modificação do montante lixado (fl. 780 v.).

Com tais considerações, ACOLHO, sem efeitos infringentes, os Embargos de Declaração opostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e REJEITO os Embargos de Declaração opostos pela GUARANI S/A e pela UNIÃO FEDERAL.

É o Voto.


EMENTA

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PAS. ART. 36 DA LEI N°. 4870/1965.  RECEPÇÃO PELA CF/88. POSSIBILIDADE DE A ALÍQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO. ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N°. 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI nº 12.865/2013.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO MPF ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRINGENTES. OMISSÃO SANADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL E DA RÉ REJEITADOS.

- A declaração, pelo Relator por decisão unipessoal, de negativa de seguimento ou provimento do recurso, pressupõe estar o apelo e a decisão recorrida, respectivamente, em confronto com jurisprudência dominante do Tribunal local ou das Cortes Superiores, nos exatos termos do disposto no então vigente art. 557, caput e §1º-A, do CPC/73.

- O tema relativo à legalidade do PAS não comporta dissenso nesta Corte. Mas, editada no curso da demanda a Lei nº 12.865/13, a discussão acerca de sua aplicação ganha contornos polêmicos, e é justamente desse comando normativo que cuidam as insurgências, ora submetidas a julgamento, veiculadas por autor e réus.

Havendo divergência de entendimento entre as Turmas desta Seção Especializada, descabe a solução da lide por meio de decisão monocrática terminativa. Submissão da questão ao órgão colegiado.

- O pronunciamento judicial embargado passou ao largo da alegação ministerial de inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei nº 12.865/13, limitando-se a declarar a prejudicialidade da ação civil pública quanto aos itens "a" e "c", pela superveniência da norma citada, razão pela qual de rigor suprir-se o vício apontado.

- A controvérsia travada diz respeito às disposições do artigo 36 da Lei 4.870, de 01.12.1965, cuja finalidade, segundo o Ministério Público Federal, seria a de promover assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social à categoria de trabalhadores da agroindústria de cana-de-açúcar, considerando a precariedade das condições de trabalho a que estes se submetem.

- São constitucionais os arts. 38 e 42 da Lei 11° 12.865/13, diplomas legais que, ao revogar o Plano de Assistência Social - PAS, não malferem o art. 5°, XXXVI, da CF/88. A cessação dos benefícios decorrentes da aplicação dos recursos previstos no PAS não significa, necessariamente, deixar desamparados de proteção social os trabalhadores do setor canavieiro, já que Assistência Social é garantida a todos pela Constituição, indistintamente.

- Não se há de falar em violação ao princípio da isonomia nem ao direito adquirido desses trabalhadores.

- O sistema pátrio é, por excelência, o da retroatividade das leis, isto é, de extensão da vigência das leis para fatos acontecidos antes de sua existência, sendo que a irretroatividade é exceção, já que só cabe na presença de três fenômenos: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

- A CF/88 consagra não a irretroatividade das leis, mas sim a intangibilidade do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.

- Os direitos adquiridos provenientes de "situação subjetiva" é que devem ser garantidos a qualquer custo, de modo absoluto. Já com relação aos direitos provenientes de "situação objetiva", não haveria óbice a que estes fossem alterados pelo Estado, em razão de interesse público.

- Na hipótese dos autos, por se tratar de obrigação decorrente de ato-regra (situação jurídica objetiva), era perfeitamente possível que a lei nova extinguisse também as obrigações relativas a fatos anteriores à data de sua publicação, não se podendo alegar direito adquirido nesse caso. Isto está, inclusive, de acordo com o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que, se houver mudança do "regime jurídico" de uma situação específica, não se haverá de falar em direito adquirido.

- Não há omissão no r. decisum quanto à não recepção do art. 36 da Lei n° 4.870/65 pela Constituição Federal, decorrente da inobservância do princípio da legalidade, por não ser possível aferir a base de cálculo para o recolhimento da exação, tampouco por não ter havido pronunciamento acerca da impossibilidade da atividade fiscalizadora do PAS por parte da União Federal, pela ausência de base de cálculo.

- O Código de Processo Civil não faz exigências quanto ao estilo de expressão, nem impõe que o julgado se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. A concisão c precisão são qualidades, e não defeitos do provimento jurisdicional.

- O decisum ora embargado adotou o entendimento de que o dispositivo do art. 36 da Lei 4.870/1965 foi plenamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, já que seu escopo é atender, nos casos concretos, ao princípio da dignidade humana, do direito à saúde, bem como à obrigação de prestar a assistência social a quem dela necessitar, princípios estes garantidos pela Constituição, independentemente de contribuição à seguridade social. A obrigação dos produtores de cana, açúcar e álcool de aplicarem uma porcentagem da receita em benefício dos trabalhadores deriva do princípio da solidariedade, o qual orienta o Sistema da Seguridade Social.

- A própria Lei n°. 8.212/1991 menciona, em seu art. 28, §9º, alínea "o", as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira de que trata o art. 36 da Lei nº 4.870, de 1° de dezembro de 1965, o que contraria a alegação de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

-  A inexistência de preço oficial para açúcar, cana ou álcool também não é suficiente para afastar a procedência do pedido formulado na Ação Civil Pública, pois, na ausência de fixação de preço pelo governo (preço oficial), nada impede que a alíquota prevista no art. 36 da Lei 4.870/1965 recaia sobre o preço atualmente praticado.

- O fato de o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) ter sido extinto não torna o pedido juridicamente impossível. Sendo a União coordenadora do PAS (vide art. 37 da Lei 2870/1965) e sucessora do IAA, não resta dúvida de que deve ser atribuída à Administração Pública Direta, isto é, à União, a responsabilidade pela fiscalização da implementação do aludido Programa.

- Em nenhum momento se afrontou o disposto no artigo 204 da Constituição Federal, o qual dispõe que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes. O dispositivo acima mencionado trata apenas das fontes de custeio das ações governamentais na área da assistência social.

- Como disciplinado no artigo 194, caput, da Constituição Federal, a seguridade social engloba a assistência social, compreendendo um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade. Desse modo, os programas destinados à assistência social não se esgotam nas políticas governamentais, impondo um vínculo obrigacional de solidariedade a toda sociedade.

- As ações relativas ao Programa de Assistência Social previstas pela Lei n.° 4.870/1965 não se traduzem em simples obrigação tributária, de modo que não estão albergadas pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federal. Referido programa consiste em obrigação de fazer, de responsabilidade da agroindústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade social mediante o recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta de Programa de Assistência Social em favor dos trabalhadores desse segmento econômico.

- Sem que sejam adequadamente demonstrados quaisquer dos vícios elencados nos Código de Processo Civil, não devem ser acolhidos os Embargos de Declaração opostos pela União e pela parte ré, que não se prestam a veicular simples inconformismo com o julgamento, nem têm, em regra, efeito infringente. Incabível, neste remédio processual, nova discussão de questões já apreciadas pelos julgadores, que exauriram apropriadamente sua função.

- O alegado "erro de premissa" quanto aos efeitos retroativos da revogação do art. 36 da Lei n° 4.870/65 não procede, eis que esta questão já foi analisada de forma clara e expressa pelo órgão julgador. É certo que, em de 09 de outubro de 2013, sobreveio a edição da Lei nº 12.865, em que se converteu a Medida Provisória n'. 615/2013 e cujos artigos 38 e 42 dispõem que são extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870, de 1" de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas" (grifo nosso), revogando-se o artigo 36  da Lei no 4.870, de 1° de dezembro de 1965.

- Diante do fato superveniente, vale dizer, diante da expressa determinação legal de extinção de todas as obrigações, inclusive aquelas anteriores à data de publicação da Lei, exigidas com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870/1965 (preservadas aquelas já adimplidas), impõe-se o reconhecimento da ocorrência, no presente caso, de carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal nos autos desta Ação Civil Pública,  porque só restaria interesse de agir em relação à obrigação exigida com fulcro na alínea "b" do caput do referido dispositivo legal, a qual ainda remanesce no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013.

- Apesar de o art. 42 da Lei n°. 12.865/2013 revogar o art. 36 da Lei nº 4.870/1965 por inteiro, tal disposição somente é aplicável para fatos ocorridos a partir da vigência da Lei n°. 12.865/2013. Com relação aos fatos anteriores à data de publicação dessa Lei, o art. 38 é claro no sentido de que apenas devem ser extintas aquelas obrigações exigidas com fulcro nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965.

Remanesce, portanto, a obrigação de aplicar em benefício dos trabalhadores a percentagem de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria, no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013.

- Ao redigir o art. 38 da Lei n°. 12.865/13, o qual trata da extinção das obrigações anteriores à data de publicação dessa Lei, o legislador foi expresso ao mencionar, tão-somente, as alíneas "a" e "c" da Lei n°. 4.870/65, pressupõe-se que a ausência de menção à alínea "b" se deu de forma deliberada, não cabendo ao intérprete ampliar o rol de obrigações que a lei extinguiu.  Precedentes da E. 7ª Turma desta Corte: AC 00019318920094036115, Des. Federal FAUSTO DE SANCTIS, e-DJF3 Judicial 1 20/07/2015; AC 00135292120054036102, Juíza Federal Convocada DENISE AVELAR, e-DJF3 Judicial 1 30/01/2015.

-Em suma, operou-se a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n". 12.865/2013. Todavia, impõe-se a obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei nº 4.870/1965, a qual persiste no que se refere ao período anterior à edição da Lei n". 12.865/2013.

- Não há que se falar em omissão quanto a não exclusão da multa aplicada à embargante decorrente da interposição, em primeiro grau, de segundos embargos de declaração (fls. 783/811), já que a Decisão Monocrática é cristalina no sentido de que não assistia razão à apelante Guarani S/A quanto ao pedido de afastamento da multa de 1% sobre o valor da causa aplicada pelo MM. Juízo a alto, tendo em vista que "os argumentos expostos nos embargos de declaração de fls. 623/630 são os mesmos já rejeitados quando da oposição dos embargos anteriores (fls. 609/619), não havendo inovação em suas alegações" (fl. 780v.), restando evidente "o intuito protelatório dos embargos de declaração" (fl. 781).

- Não se verifica contradição da decisão no que tange à manutenção do valor da multa diária arbitrada em caso de descumprimento da condenação, devendo a mesma ser excluída ou ter seu valor reduzido, já que é perfeitamente cabível a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer, até mesmo contra a Fazenda Pública (inteligência do art. 461, §4", do CPC de 1973, correspondente ao art. 497 do CPC de 2015). É certo que, tal como previa o art. 461, § 6°, do Código de Processo Civil de 1973, é possível haver, eventualmente, redução da multa, caso esta se mostre excessiva. Inclusive, o comportamento do destinatário da ordem é algo a ser considerado pelo juiz no dimensionamento do valor da multa, mesmo após a sua instituição. Contudo, é razoável o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) fixado pela r. Sentença, não havendo qualquer razão para modificação do montante fixado.

- Embargos de declaração do Ministério Público Federal acolhidos, sem efeitos infringentes. Embargos de declaração da União e da parte ré rejeitados.

 

 



  ACÓRDÃO
 
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma decidiu, por unanimidade, acolher, sem efeitos infringentes, os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal, e, por maioria, rejeitar os embargos de declaração opostos pela União e pela parte ré, nos termos do voto do Des. Federal Fausto De Sanctis, tendo sido acompanhado pelo Des. Federal Toru Yamamoto, vencido o i. Relator, Des. Federal Carlos Delgado, que acolhia, com efeitos infringentes, os embargos de declaração  opostos pela União e pela parte ré, nos termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.