APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009335-46.2017.4.03.6105
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: MARCELO CORREA NEVES, LILIAN DE PAULA ARANTES
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE TORTORELLA MANDL - SP248010-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009335-46.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: MARCELO CORREA NEVES, LILIAN DE PAULA ARANTES Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE TORTORELLA MANDL - SP248010-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI Trata-se de apelações criminais interpostas por MARCELO CORREA NEVES e LILIAN DE PAULA ARANTES em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas, que os condenou pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97. Narra a denúncia (ID 263249846 – pag. 3/6): “MARCELO CORREA NEVES e LILIAN DE PAULA ARANTES desenvolveram clandestinamente, no município de Campinas/SP, atividade de telecomunicação. Segundo consta no Inquérito Policial em epígrafe, os DENUNCIADOS, em período incerto, porém pelo menos até o dia 14 de outubro de 2014, fizeram funcionar, - sem a devida autorização da ANATEL, na Rua Ruth Fonseca de oliveira, nº 306, bairro Jardim Maracanã, município de Campinas/SP, estação de transmissão de radiodifusão denominada Rádio Espaço Gospel FM. A mencionada rádio tinha estúdio de radiodifusão localizado no citado imóvel, de propriedade de MARCELO, e tinha sinal irradiado com a frequência de 93,7 MHz, por meio de uso de aparelho com potência de transmissão de 195 Watts. Conforme apurado no Inquérito MARCELO, ciente da irregularidade no funcionamento da rádio e mediante contraprestação no valor de R$ 150,00, cedeu o imóvel de sua propriedade a LILIAN, que com o auxílio do ‘Pastor Edson Isidoro’, ainda não devidamente individualizado, lá instalou e fez funcionar a Rádio Espaço Gospel FM. A atividade clandestina cessou em 14 de outubro de 2014, quando de vistoria técnica realizada por agentes da ANATEL, em conjunto com o Oficial de Justiça para cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão referente ao processo nº 003128-36.2014.403.6105, da 3ª Vara Federal de Campinas/SP. Nesta ocasião, atendidos por MARCELO, os fiscais constataram o funcionamento irregular da emissora, a clandestinidade do empreendimento, além de apreenderem um transmissor de rádio FM preto, sem marca, sem modelo e sem número de série. [...] Diante do exposto, o Ministério Público Federal denuncia MARCELO CORREA NEVES e LILIAN DE PAULA ARANTES como incursos nas penas do art. 183 da Lei nº 9.472/97”. A denúncia foi rejeitada com fundamento no art. 395, III do CPP (ID 263249846 – pag. 8/13). Em sessão realizada no dia 21/08/2018, a E. Décima Primeira Turma deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para receber a denúncia (ID 263249846 – pag. 69/80). O Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente ao oferecimento de proposta de ANPP (art. 28-A do CPP). As defesas, contudo, não manifestaram interesse na celebração de acordo de não persecução penal (ID 263249855, 263249860 e 263249876). Após regular instrução, o Juízo da 1ª Vara Federal de Campinas/SP proferiu a sentença ID 263250165, publicada em 27/05/2022, por meio da qual: i) condenou MARCELO CORREA NEVES pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97, à pena de 2 anos e 4 meses de detenção, em regime inicial aberto, além de 11 dias multa no valor unitário de 1/10 do salário mínimo vigente à época do fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos em favor da União; ii) condenou LILIAN DE PAULA ARANTES pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97, à pena de 2 anos de detenção, em regime inicial aberto, além de 10 dias multa no valor unitário equivalente a 1/10 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo em favor da União. A defesa de Marcelo Correa Neves interpôs apelação. Sustenta a inconstitucionalidade da criminalização das rádios comunitárias e pede a absolvição por atipicidade da conduta. Alega que os artigos que tipificam a conduta de radiodifusão clandestina (art. 70 da Lei 4.117/62 e art. 183 da Lei 9.472/97) foram derrogados pela Lei 9.612/98 (Lei das Rádios Comunitárias), que descriminalizou as infrações relativas ao Serviço de Radiodifusão Comunitária, e que deve ser aplicada ao caso concreto por ser mais específica e benéfica aos réus. Pleiteia a aplicação do princípio da insignificância. Pede a absolvição por insuficiência de provas quanto à autoria e aponta nulidade processual em razão do indeferimento de oitiva de testemunha (pastor Edson Isidoro). Pugna pela desclassificação para a conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62. Por fim, pleiteia a redução da pena para o patamar mínimo legal (ID 263250170). A defesa de Lilian de Paula Arantes interpôs apelação pleiteando a absolvição por ausência de dolo, uma vez que a ré não tinha ciência de que a rádio era clandestina. Alega a ocorrência de erro de proibição, por desconhecimento quanto à necessidade de autorização da ANATEL para funcionamento da atividade de radiodifusão. Pede a desclassificação para a conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62. Sustenta a ausência de ofensividade da conduta e o reconhecimento da atipicidade material. Subsidiariamente, pede a incidência da atenuante da confissão espontânea e a redução da pena aquém do patamar mínimo legal (IDs 263250171 e 263250183). Contrarrazões pelo desprovimento dos recursos (ID 263250187). Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento das apelações (ID 265420971). É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0009335-46.2017.4.03.6105 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: MARCELO CORREA NEVES, LILIAN DE PAULA ARANTES Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE TORTORELLA MANDL - SP248010-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço das apelações interpostas por MARCELO CORREA ALVES e LILIAN DE PAULA ARANTES. Dos fatos De acordo com a denúncia, no dia 14/10/2014 agentes da ANATEL acompanhados de oficial de justiça em cumprimento de mandado de busca e apreensão referente ao processo nº 003128-36.2014.403.6105, constataram no endereço situado na Rua Ruth Fonseca de Oliveira, 306, Bairro Jardim Maracanã, Campinas/SP, o funcionamento clandestino de emissora de radiodifusão denominada Radio Espaço Gospel FM, na frequência 93,7 MHz, por meio de uso de aparelho com potência de transmissão de 195 Watts. Os réus MARCELO CORREA NEVES e LILIAN DE PAULA ARANTES foram condenados pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Da tipicidade da conduta A defesa de MARCELO sustenta que o exercício de rádio comunitária de baixa potência e de cobertura restrita sem a devida autorização dos órgãos competentes não configura crime, mas mero ilícito administrativo e pede a absolvição por atipicidade da conduta. A defesa de ambos os réus pleiteia a aplicação do princípio da insignificância, em razão da mínima ofensividade da conduta. Vejamos. O crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 possui natureza formal, de perigo abstrato, que tutela a segurança e higidez das telecomunicações no Brasil, bem como o controle e fiscalização estatal sobre tais atividades, bastando, pois, a prática da conduta para que se configure em concreto a conduta típica em questão. Assim, não se há de falar em necessidade de lesão significativa aos serviços de telecomunicação nacional para que se torne típica a conduta (o que, de resto, tornaria crime apenas condutas clandestinas de imenso impacto, em absoluto desacordo seja com a dicção do tipo, seja com a finalidade e o bem jurídico tutelado pelo enunciado normativo). Diante de tais considerações, ressalte-se que este é também o fundamento que afasta a aplicação do princípio da insignificância ao caso dos autos, conforme entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido, colaciono recentes julgados: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO DA CORTE DE ORIGEM. TRANSMISSÃO DE SINAL DE INTERNET VIA CABO SEM AUTORIZAÇÃO. CONFIGURAÇÃO DO DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. IRRELEVÂNCIA DO DANO CAUSADO. CRIME FORMAL DE PERIGO ABSTRATO. ABSOLVIÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 2. O entendimento proferido pelo TRF da 5ª Região encontra-se no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça de que o serviço de transmissão de sinal de internet caracteriza atividade de telecomunicação, ainda que se trate de serviço de valor adicionado nos termos do art. 61, § 1º, da Lei n. 9.472/1997, motivo pelo qual, quando operado de modo clandestino, amolda-se, em tese, ao delito descrito no art. 183 da referida norma (EDcl no REsp n. 1.837.102/ES, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 12/12/2019).3. O delito do art. 183 da Lei n. 9.472/1997, por se tratar de crime formal, de perigo abstrato, dispensa a prova do prejuízo. 4. Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997 (Súmula n. 606, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 17/4/2018). 5. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergem elementos suficientemente idôneos de prova a enaltecer a clandestinidade da conduta, uma vez que restou esclarecido, através da ação fiscalizadora, aliada aos depoimentos das testemunhas e à documentação trazida aos autos pela ANATEL, que a entidade ELIZANDRO RODRIGUES DE JESUS DANTAS ME foi encontrada explorando serviço de comunicação multimídia (SCM) sem a devida autorização, com a colaboração da entidade ULISSES COSTA DE ALMEIDA ME, real detentora da outorga. Conduta que, à evidência, subsume-se no tipo do art. 183 da Lei n° 9.472/97 (e-STJ fls. 832). Dessa forma, rever os fundamentos utilizados pelo TRF, para decidir pela absolvição, tendo em vista a ausência de clandestinidade, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula 7/STJ. [...] 7. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no REsp 1997078 / SE. Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Quinta Turma. DJe 20/06/2022) – grifei. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. RECONSIDERAÇÃO. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES (LEI N. 9.472/1997). PRINCÍPIO DA BAGATELA. INAPLICABILIDADE. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83 DO STJ. 1. Não se aplica o princípio da insignificância ao delito tipificado no art. 183 da Lei n. 9.472/1997 (exploração irregular ou clandestina de atividade de radiodifusão), por se tratar de crime formal de perigo abstrato. 2. É inadmissível recurso especial quando a fundamentação do acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83 do STJ). 3. Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no AREsp 1737275 / MT. Relator Ministro João Otávio de Noronha. Quinta Turma. DJe 08/02/2021) – grifei. PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Este Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento consolidado no sentido de ser inaplicável o princípio da insignificância ao delito previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997, nas hipóteses de exploração irregular ou clandestina de rádio comunitária, inobstante ser de baixa potência, uma vez que se trata de delito formal de perigo abstrato, que dispensa a comprovação de qualquer dano (resultado) ou do perigo, presumindo-se este absolutamente pela lei. 2. A instalação e a utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, ou de forma clandestina, sem a observância dos padrões técnicos estabelecidos em normas nacionais, por si só, inviabilizam o controle do espectro radioelétrico e podem causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (polícia, ambulâncias, bombeiros, navegação aérea, embarcações, bem como receptores domésticos - TVs e rádios - adjacentes à emissora), pelo aparecimento de frequências espúrias. Por conseguinte, além de presumida a ofensividade da conduta por lei, inquestionável a alta periculosidade social da ação. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. AgRg no AREsp 1691564 / SP. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Quinta Turma. DJe 25/08/2020) – grifei. É neste sentido também o entendimento deste E. Tribunal: ACR 00047444120084036110, DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/04/2016; ACR 00025047020134036121, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2016. A respeito do tema, destaco que crimes de perigo abstrato estão em consonância com a Constituição Federal. A tipificação da conduta que gera perigo em abstrato constitui medida necessária para a proteção de bens jurídicos de caráter coletivo, como é o caso da segurança das telecomunicações. Inexistindo qualquer inobservância ao princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, é cabível não só a tipificação como a aplicação da devida reprimenda penal, em detrimento de mera aplicação de sanção administrativa. Importante salientar que a comprovação de efetivos danos a terceiros não implicaria na mera tipificação da conduta, mas na aplicação de causa de aumento de pena prevista na segunda parte do preceito secundário do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Sendo assim, afasto a alegação de atipicidade da conduta. Da constitucionalidade do artigo 183 da Lei nº 9.472 /97 Não se sustenta a alegação de inconstitucionalidade da Lei nº 9.472/97. O tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97 é constitucional e não representa restrição indevida da liberdade de expressão (art. 5º, inciso IX, CF), da manifestação de pensamento (art. 220, CF), ou do regular exercício de direitos culturais (art. 215, CF). A necessidade de outorga de concessão, permissão ou autorização do Estado para a exploração de serviços de radiodifusão, exigida pela própria Constituição Federal em seu art. 223, não representa afronta aos mencionados direitos, sendo os dispositivos compatíveis entre si. Referida necessidade de regulamentação e controle de radiodifusão se legitima pelo fato de que o espectro de radiofrequências constitui bem público, não ilimitado, que ao Estado cabe a disciplina para seu uso racional. Ressalto que o Pacto de San José da Costa Rica, em seu art. 13, item 3, ao coibir a restrição do direito de expressão por meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões, vedando o abuso no controle, não proíbe que o Estado outorgue autorização, concessão ou permissão para os serviços de telecomunicações e de radiodifusão. As exigências constitucionais e legais (Lei nº 9.612/98) para a exploração do serviço de radiodifusão comunitária não representam qualquer controle abusivo e, dessa forma, não viola o Pacto de San José da Costa Rica. A respeito, confira-se o julgado deste E. Tribunal sobre a constitucionalidade dos tipos penais que preveem o crime de desenvolvimento da aludida atividade de forma clandestina: PENAL. SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO. FALTA DE AUTORIZAÇÃO, PERMISSÃO OU CONCESSÃO. TIPICIDADE. LEI N. 4.117/62, ART. 70. LEI N. 9.472/97, ART. 183. CRIME FORMAL. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA RECHAÇADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. READEQUAÇÃO DA SEGUNDA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS FIXADA. PENA DE MULTA. PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 183 DA LEI DE TELECOMUNICAÇÕES. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO ÓRGÃO ESPECIAL DESTA CORTE. PROVIDOS PARCIALMENTE OS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA DEFESA. 1. Os serviços de telecomunicações caracterizam-se pela comunicação à distância, compreendendo os serviços de radiodifusão, que se resolve na comunicação à distância por intermédio de ondas eletromagnéticas. O exercício de serviços de radiodifusão configura tipo penal, seja o art. 70 da Lei n. 4.117, de 27.08.62, seja o art. 183 da Lei n. 9.472, de 16.07.97, a qual revogou a legislação anterior por força do seu art. 215, I. 2. A Emenda Constitucional n. 8, de 15.08.95, deu nova redação ao art. 21 da Constituição da República, de modo que os serviços de telecomunicações encontram-se regulados no seu inciso XI, ao passo que os serviços de radiodifusão no seu inciso XII, a. A alteração da norma constitucional, porém, tende a possibilitar a exploração daqueles serviços por particulares, sem contudo alterar a natureza mesma desses serviços, de maneira que os serviços de radiodifusão, na esteira da hermenêutica anterior, continuam compreendidos pelos serviços de telecomunicações. 3. A necessidade de autorização, permissão ou concessão para os serviços de radiodifusão é imposta pela própria Constituição da República (CR, art. 21, XII, a), inclusive para as rádios comunitárias (CR, art. 223). A Lei n. 9.612, de 19.02.98, art. 6º, igualmente exige autorização estatal para a exploração dos serviços de radiodifusão comunitária. Os requisitos legais não são abusivos, razão pela qual a norma não conflita com o Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto n. 678, de 06.11.92, em especial seu art. 13, n. 1 a 3. 4. A Constituição da República garante a liberdade de expressão (CR, art. 5º, IX) e de manifestação do pensamento (CR, art. 220), assegurando também o exercício de direitos culturais. Mas não é incompatível com tais garantias a exigibilidade de autorização estatal para os serviços de radiodifusão, pois esta é estabelecida pela própria Constituição da República, em cujos termos devem ser desfrutadas as faculdades por ela asseguradas. (...). 8. Providos parcialmente os recursos do Ministério Público Federal e da defesa. (ACR 00115807920064036181, JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/07/2011 PÁGINA: 144). Preliminar rejeitada. Da não revogação da Lei nº 9.472/97 pela Lei nº 9.612/98 Argumenta a defesa que o crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97 foi derrogado pelo advento da Lei nº 9.612/98, que institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária, e por seu decreto regulamentador (Decreto nº 3.541/00), por consistir em lei nova de caráter especial em relação à lei anterior que é geral. Assim, por se tratar de legislação que apenas prevê sanções administrativas, a lei das rádios comunitárias (especial e posterior), por ser mais benéfica, prevalece e descriminaliza a aludida conduta, limitando-se a tratá-la como mera infração administrativa. Sem razão, contudo. A Lei nº 9.612/98 não revogou a Lei nº 9.472/97. Isso porque as citadas leis tratam de assuntos diversos, de modo que, enquanto a primeira possui caráter administrativo, estabelecendo o regramento para a instituição e legitimação das rádios comunitárias, a segunda possui disposições penais, prevendo o crime do art. 183. Destarte, ambas encontram-se vigentes e convivem harmonicamente no ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido, confira-se o julgado do Supremo Tribunal Federal: "EMENTA: Recurso ordinário em "habeas corpus". Radiodifusão comunitária. Imputação do crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97. Inexistência de revogação desse dispositivo pela Lei 9.612/98 e de violação do Pacto de São José da Costa Rica. Denúncia que não é inepta. A existência, ou não, de dolo deverá ser apurada na fase instrutória da ação penal. Recurso ordinário a que se nega provimento (RHC 81473, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 11/12/2001, DJ 08-03-2002 PP-00070 EMENT VOL-02060-02 PP-00211)." Ainda sobre o tema: "A radiodifusão representa um ponto de tensão entre a liberdade de manifestação do pensamento e da informação e a necessidade de autorização para tal atividade, problema que se apresentou de forma bastante aguda no caso das chamadas rádios comunitárias, de baixa potência e sem fins comerciais, a tal ponto que veio a ser publicada a Lei 9.612/98, tratando especificamente da matéria, mas sem descriminar tal conduta." (BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes federais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 590). Ademais, o ponto relevante da hipótese não é o caráter comunitário da rádio em análise, mas sim a clandestinidade que lhe é peculiar, tendo em vista a ausência de autorização do Poder Concedente para que a atividade de radiodifusão seja desenvolvida, o que configura o crime do art. 183 da Lei nº 9.472/97. Dessa forma, afasto a preliminar defensiva. Da alegação de nulidade por cerceamento de defesa A defesa aponta nulidade processual em razão do indeferimento do pedido de expedição de ofício para localização da testemunha Edson Isidoro, que, segundo a defesa, seria o verdadeiro proprietário da rádio. Na sentença, a preliminar foi assim rechaçada: “Não assiste razão à defesa quanto à alegação de cerceamento de defesa em função do indeferimento de expedição de ofícios tendentes a localizar a suposta pessoa de Edson Isidoro. Note-se que a incumbência de arrolar e identificar suas testemunhas é da defesa. Também a ela cabe a prova das alegações que fizer. Ao imputar a terceiro a responsabilidade pela infração, cabe a demonstração, ainda que mínima, a fim de incutir dúvida ao Juízo sobre a autoria delitiva. Note-se que, conforme se verá adiante, já durante a fase inquisitorial foram realizadas diversas diligências a fim de identificar e localizar o ‘Pastor Edson Isidoro’, sem sucesso. A providência se revela, deste modo, meramente protelatória”. Na fase do art. 402 do CPP, a defesa de MARCELO apresentou requerimento para oitiva da testemunha “pastor Edson Isidoro”, mencionada no interrogatório do réu, comprometendo-se a apresentar o endereço no prazo de 03 dias, o que foi deferido pelo magistrado (ID 263250088). A defesa apresentou endereço para intimação da testemunha e requereu a expedição de ofício ao “Facebook” para apresentação dos dados da mencionada testemunha, bem como expedição de ofícios a fim de obter bloqueios e restrições, “dentre as quais destacam-se as possibilidades junto aos sistemas BACENJUD, INFOJUD, RENAJUD, SERASAJUD, SREI e SIEL, com a finalidade única de resguardar o cumprimento da prestação jurisdicional”. Os pedidos de expedição de ofício ao Facebook e de imposição de bloqueios e restrições foram indeferidos pelos seguintes fundamentos: “Além de a defesa não fundamentar seu requerimento, já foi salientado anteriormente que a testemunha poderia ter sido arrolada no momento oportuno. Ressalte-se, ainda, que cabe à defesa diligenciar para a obtenção do endereço da testemunha que pretende seja ouvida, bem como para a produção de qualquer prova que pretenda, nos termos do artigo 156 do CPP” – ID 263250101. A testemunha não foi localizada no endereço indicado e a defesa reiterou o pedido de bloqueios e restrições (ID 263250126). Mais uma vez, o pedido foi indeferido (ID 263250129). Pois bem. Importante esclarecer, de início, que a necessidade da prova pretendida (oitiva do pastor Edson Isidoro) não se originou de circunstâncias ou fatos apurados durante a instrução, nos termos do que dispõe o artigo 402 do Código de Processo Penal. Portanto, caberia à defesa arrolar a testemunha no momento processual oportuno. Na fase do art. 402 do CPP, o Juízo a quo deferiu o pedido formulado pela defesa de MARCELO, em homenagem à ampla defesa, mas a testemunha não foi localizada no endereço indicado. Não há cerceamento de defesa considerando que a realização de diligências visando à localização da testemunha incumbe à parte que a arrolou, e não ao Juízo. O artigo 396-A, do Código de Processo Penal é expresso ao afirmar que na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interessa à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. Cabe, portanto, à defesa a correta qualificação das testemunhas, incluindo-se nesse ônus, a indicação dos endereços em que poderão ser encontradas. Desse modo, não compete ao Poder Judiciário a expedição de ofícios visando à localização de testemunha, uma vez que, repito, esse ônus incumbe à defesa. Sobre o assunto: QUESTÃO DE ORDEM. INTERROGATÓRIO. POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DAS DEFESAS INTERESSADAS. AUSENTE A NULIDADE ARGUIDA. PEDIDO DE ADIAMENTO DE UMA DAS AUDIÊNCIAS PREJUDICADO, CONFORME JULGAMENTO DO PLENÁRIO. VÍCIO NA DIGITALIZAÇÃO. AUSÊNCIA. FRANCO ACESSO DA DEFESA AOS AUTOS FÍSICOS. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PEDIDO DE ACAREAÇÃO. MOMENTO INADEQUADO. CONTRADIÇÃO INEXISTENTE. PLEITO INDEFERIDO. OMISSÃO DA INICIAL ACUSATÓRIA. PEDIDO DE REMESSA DE CÓPIAS AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, PARA DENUNCIAR O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PEDIDO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL E IMPROCEDENTE. INÍCIO DA INSTRUÇÃO SEM JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO. DEMORA NA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. AUSENTE ILEGALIDADE. ALEGADA DISSINTONIA ENTRE OS ATOS PRATICADOS E SUA PUBLICAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRAZO PARA ENVIO DE PERGUNTAS A TESTEMUNHA. INOBSERVÂNCIA. PERDA DA FACULDADE PROCESSUAL. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DO PRAZO. INDEFERIMENTO. TESTEMUNHAS NÃO LOCALIZADAS. ENDEREÇOS NÃO FORNECIDOS PELA DEFESA. INDEFERIMENTO DE NOVAS TENTATIVAS DE LOCALIZAÇÃO. PREVISÃO LEGAL. CUSTAS DA EXPEDIÇÃO DE CARTA ROGATÓRIA. NECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DOS VALORES PELO REQUERENTE. ARTIGO 222-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CALENDÁRIO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS ESTABELECIDO PELO RELATOR. IRRAZOABILIDADE. AUSÊNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. QUESTÃO DE ORDEM RESOLVIDA PARA INDEFERIR TODOS OS PEDIDOS FORMULADOS. INTIMAÇÃO DA DEFESA DO RÉU ROBERTO JEFFERSON PARA ESCLARECER SUA CONDUTA NOS AUTOS. 1. Todas as defesas tiveram a possibilidade de participar dos interrogatórios realizados nesta ação penal, tendo em vista a fixação de prazos razoáveis entre as audiências designadas em diferentes unidades da federação. Ausência de qualquer motivo concreto que impossibilitasse a participação das defesas. [...] 11. O indeferimento das testemunhas cujos endereços não foram fornecidos, na oportunidade da defesa prévia, nem atualizados posteriormente pela defesa, tem previsão legal e não se deu sem antes dar ao réu a faculdade de informar os endereços faltantes. O ônus da atualização dos endereços é da defesa, e não do Poder Judiciário. 12. ... (grifei) (STF - AP 470 QO5, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2010, publicado no DJe-164 de 03/09/2010, p. 00062) Preliminar afastada. Do pedido de desclassificação para o crime do art. 70 da Lei nº 4.117/62 Ao contrário do alegado pelas defesas, a conduta perpetrada nos autos subsome-se ao tipo penal do art. 183, caput, da Lei nº 9.472/97. Não se olvida que a conduta típica descrita no art. 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. Consiste na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 01 (um) a 02 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro. De sua vez, o delito do aludido art. 183, caput, da Lei nº 9.472/97 consiste em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao que é cominada a pena de detenção de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro. Desse modo, qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc. Conforme previsão constitucional, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (art. 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda n.º 8, de 15/08/95, e art. 223, ambos da Constituição Federal). Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento. O tipo penal definido no art. 183, caput, da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no art. 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos. Desse modo, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, inclusive de rádio comunitária, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no art. 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento estação de radiodifusão sonora, sem autorização da ANATEL. O mesmo diploma legal define o que seria a atividade clandestina: "Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar. Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofrequência e de exploração de satélite." (grifei). Os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça corroboram este entendimento: "PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. (1) NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 70 DA LEI 4.117/62. RÁDIO COMUNITÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO OU UTILIZAÇÃO CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. (2) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTE DO PRETÓRIO EXCELSO. APLICABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO. 1. Encontra-se vigente o artigo 70 da Lei 4.117/62, contudo o fato narrado na inicial, responsabilidade pelo funcionamento clandestino de uma emissora, denominada rádio comunitária Fortes, não se subsume a este primeiro artigo, mas sim ao artigo 183 da Lei 9.472/97, haja vista a clandestinidade e a habitualidade da conduta. 2. Não há falar em incidência do princípio da insignificância, tendo em vista a ausência de demonstração de ínfima lesão ao bem jurídico, não se aplicando precedente o Pretório Excelso que contemplo hipótese flagrantemente distinta. 3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 1113795/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 02/08/2012, DJe 13/08/2012 - grifei); "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997 PARA O ART. 70 DA LEI N. 4.117/1962. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE QUE EXPLORAVA ATIVIDADE DE RADIODIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO. UTILIZAÇÃO CLANDESTINA. TIPIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O art. 183 da Lei n. 9.472/97 não revogou o art. 70 da Lei n. 4.117/62, haja vista a distinção dos tipos penais. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a prática habitual de atividade de telecomunicação sem a prévia autorização do órgão público competente subsume-se ao tipo descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97, enquanto a conduta daquele que, previamente autorizado, exerce atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e regulamentares encontra enquadramento típico-normativo no art. 70 da Lei n. 4.117/62. 2. No caso, correto o acórdão proferido pelo Tribunal de origem que, verificando a conduta do agente em explorar e exercer, de forma habitual, os serviços de telecomunicação de radiodifusão sem a autorização do órgão competente, o condena pelo crime descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97. 3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AGRESP 201300943890, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/11/2013 - grifei); "PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGENTE COM IDADE INFERIOR A 70 ANOS NA DATA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÃO DE RADIODIFUSÃO SONORA. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. OFENSA AO ART. 619 DO CPP NÃO CONFIGURADA. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. Julgados recentes do Supremo Tribunal Federal entendem que a atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica o delito previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997, e não aquele previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/1962. 5. Agravo regimental improvido." (AGARESP 201501678481, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:03/05/2016). Na hipótese, a condenação refere-se à operação da rádio na faixa de frequência 93,7 MHz que, conforme será melhor esclarecido abaixo, não possuía autorização de uso de radiofrequência. Não há falar-se, portanto, em desclassificação da conduta praticada pelos réus para o tipo penal do art. 70 da Lei nº 4.117/62. Da materialidade A materialidade delitiva restou demonstrada pelo ofício emitido pela ANATEL (ID 263249844 – pag. 9/10); termo de representação (ID 263249844 – pag. 11); relatório fotográfico (ID 263249844 – pag. 12/14); nota técnica (ID 263249844 – pag. 15/16); auto de infração (ID 263249844 – pag. 17); termo de fiscalização (ID 263249844 – pag. 18); auto de busca e apreensão (ID 263249844 – pag. 22) e relatório de fiscalização (ID 263249844 – pag. 23/29). Esses elementos comprovam o desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicação. No dia 14/10/2014, no endereço situado na Rua Ruth Fonseca de Oliveira, 306, bairro Jardim Novo Maracanã, Campinas/SP, agentes da ANATEL constataram o funcionamento clandestino de emissora de radiodifusão sonora na frequência 93,7 MHz. No local foi apreendido um transmissor de FM instalado e em pleno funcionamento, com potência de 195 W, sem homologação da ANATEL. A rádio não possuía autorização para operar. Comprovado está o desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicação, consistente em radiodifusão sonora, ao menos até a data de 24 de outubro de 2014. Da autoria Na fase de inquérito, o réu MARCELO CORREA NEVES (ID 263249844 – pag. 48): “é o proprietário e residente do imóvel situado na Rua Ruth Fonseca de Oliveira, 306, Campinas/SP. No dia 14/10/2014 estava presente quando houve fiscalização pelos agentes da ANATEL. Os agentes da ANATEL levaram o transmissor que estava instalado no imóvel. O declarante cedeu espaço para que LILIAN DE PAULA ARANTES, responsável pela Rádio Espaço Gospel FM instalasse a rádio no local. A rádio já estava instalada no local há 8 meses. A rádio contribuía com a quantia de 100 a 150 reais por mês, conforme o gasto com água e energia. Não sabia que a rádio em questão não estava regularizada pela ANATEL”. Por sua vez, LILIAN DE PAULA ARANTES prestou as seguintes declarações perante a autoridade policial (ID 263249844 – pag. 50): “no momento não estuda e pretende fazer curso técnico. Foi a responsável pela instalação da Rádio Espaço Gospel FM; quando se batizou evangélica, o pastor Edson Isidoro (da Igreja Avivamento Mundial da Fé, situada no Pq. Valença, atrás do terminal Campo Grande, Campinas/SP) auxiliou a declarante para adquirir uma rádio e instalar no endereço do proprietário Marcelo Correa Neves; deseja esclarecer que a ideia da instalação da Rádio foi exclusiva da declarante; o pastor Edson Isidoro apenas auxiliou como poderia ser feita a instalação; gastou em torno de dois mil reais para instalar o transmissor (dinheiro pago pela declarante); que ganhou um computador do pastor e também pagava em torno de 150 reais para o proprietário; quando não tinha dinheiro, na medida do possível, o pastor Edson Isidoro ajudava a declarante no pagamento dessa conta; a radio passava para os ouvintes gravações feitas por outros pastores; a declarante fazia propaganda da igreja do pastor Edson Isidoro nas programações da rádio; essa foi a primeira vez que montou uma rádio; não sabia que a rádio precisava Anatel para poder funcionar; o pastor Edson não falou sobre essa necessidade de autorização à declarante”. De acordo com o Ofício nº 11072/2015, encaminhado pela ANATEL, no período de 2011 a 2015, houve 8 fiscalizações no endereço do apelante MARCELO (Rua Ruth Fonseca de Oliveira, 306, Campinas/SP), sendo que em duas ocasiões houve interrupção do serviço de radiodifusão clandestina com autuação de MARCELO CORREA NEVES (ID 263249844 – pag. 63). Durante a fiscalização realizada pela ANATEL no dia 14/10/2014, MARCELO e LILIAN estavam presentes no local onde funcionava a emissora de radiodifusão clandestina. Em juízo, a testemunha Roberto Carlos Soares Campos, servidor da ANATEL, confirmou a ocorrência da fiscalização que culminou com a interrupção da emissora de radiodifusão e apreensão do transmissor. A testemunha confirmou que o local já havia sido alvo de fiscalizações anteriores por parte da ANATEL. Declarou que a radio funcionava em frequência superior a 25W e, portanto, não pode ser classificada como rádio comunitária. Esclareceu o procedimento para autorização de funcionamento. Durante a fiscalização, não foi apresentada documentação comprobatória de autorização para funcionamento. Na fase judicial, a testemunha Jerry Alexandre de Oliveira declarou que foi representante da Associação de Rádios Comunitárias por mais de 20 anos. Afirmou que rádios comunitárias não precisam de autorização de funcionamento. Os pastores Edson e Saulo lhe pediram para auxiliar na constituição de uma rádio comunitária. No dia da fiscalização, entrou em contato com Edson, para que ele assumisse a responsabilidade pela rádio que estava instalada na casa de Marcelo. O pastor Edson sumiu. Marcelo e Lilian não sabiam da irregularidade da radio, que era de responsabilidade de Edson. Os réus foram interrogados em juízo. MARCELO declarou que o pastor Edson Isidoro era o proprietário da rádio que funcionava em sua residência. Em uma ocasião anterior, um pastor chamado Danilo Machado alugou seu imóvel para desenvolver uma rádio e, em razão de fiscalização realizada na época, ele foi embora para Portugal deixando os equipamentos. Vendeu esses equipamentos ao pastor Edson. Além disso cedeu o espaço por R$150,00, para cobrir as despesas de água e energia. Quando Lilian mudou-se para sua casa, a rádio já estava em operação. A rádio pertence ao pastor Edson. Sua casa é separada do estúdio. O aluguel compreendia o espaço e a torre. Não sabia que a rádio era irregular porque não entende do assunto. O pastor Edson lhe disse que a igreja tinha direito de desenvolver a atividade (radiodifusão). Não se informou sobre a regularidade da rádio. Na época, acredita que recebeu R$ 500,00 e um veículo em nome do pastor, como pagamento pelos equipamentos e torre. Fez a instalação da torre, que serve para transmitir e distribuir internet. Alugava a torre para empresa de internet. Na época alugou para a Virtnet e hoje está alugada para a WDnet. LILIAN declarou que a acusação é verdadeira e que ela e Marcelo faziam funcionar em sua residência rádio pertencente ao pastor Edson Isidoro. Teve ciência sobre o funcionamento da rádio quando foi morar com Marcelo em Campinas. A rádio já funcionava na casa de Marcelo. Mudou-se para Campinas em março de 2014. Que não demorou muito, o pastor [Edson] Isidoro pediu para comprar a rádio. Marcelo vendeu a rádio para o pastor Edson Isidoro. O pastor Edson pretendia mudar a rádio para a Igreja “Avivamento Mundial da Fé”. Estava na reunião em que o pastor Edson pediu para deixar a rádio na casa de Marcelo até que encontrasse outro local e foi nesse meio de tempo que houve a apreensão. Vários pastores operavam a rádio. Os equipamentos eram de Marcelo. A pedido do pastor Edson Isidoro, assumiu a propriedade da rádio. Depois da fiscalização, o pastor sumiu. Estava no local no dia da fiscalização. Não tinha conhecimento de que a rádio era clandestina. Marcelo controlava as programações, horários, colocava músicas nos horários em que não havia pastores ou missionários. Não tinha qualquer função na rádio, apenas cuidava da casa. Não sabe se Marcelo teve outros problemas com a rádio. O pastor deu um carro a Marcelo como pagamento pela rádio. O conjunto probatório demonstra que MARCELO e LILIAN desenvolveram atividade clandestina de telecomunicação. Os réus mantiveram em funcionamento, na própria residência, uma emissora clandestina de radiodifusão, pelo menos até 14/10/2014, mediante a utilização de um transmissor, sem homologação pela ANATEL, com potência de 195 W na frequência 93,7 MHz. MARCELO e LILIAN tinham plena ciência da clandestinidade da atividade desenvolvida. No endereço residencial de MARCELO já funcionaram outras rádios clandestinas, sendo que em duas ocasiões distintas houve apreensões de transmissores com interrupção das atividades. Portanto, reputo suficientemente demonstrado o dolo, uma vez que os denunciados sabiam que o desenvolvimento da atividade de radiodifusão dependia de autorização dos órgãos competentes. Eventual participação de terceiro na constituição da emissora de rádio clandestina não afasta a autoria em relação aos apelantes, uma vez que a atividade de telecomunicação vinha sendo realizada na residência dos réus, que efetivamente operavam a emissora de radiodifusão, como ficou demonstrado no momento em que os agentes da ANATEL realizaram a fiscalização. Por esses fundamentos, afasto a alegação de erro de proibição. Os elementos coligidos aos autos atestam a responsabilidade penal dos apelantes, que, dolosamente, desenvolveram clandestinamente atividade de telecomunicação, consistente na operação da estação de radiodifusão sem a devida e prévia autorização da ANATEL. Mantida a condenação pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/9. Da dosimetria I – MARCELO CORREA NEVES 1ª fase A pena-base foi fixada em 2 anos e 4 meses de detenção, pelos seguintes fundamentos: "No tocante às circunstâncias judiciais, a culpabilidade foi normal para o tipo. À míngua de elementos quanto à conduta social e aos motivos deixo de valorá-las. O mesmo não se pode dizer em relação à personalidade do réu: os elementos colhidos nos autos apontam que o acusado mantinha a atividade ilícita ao longo dos anos e de forma reiterada em seu endereço. Os arquivos da ANATEL, acima citados, demonstram que este fazia da atividade ilícita uma atividade regular. Note-se, ainda, que já fora agraciado por transação penal por fatos semelhantes. Deste modo, demonstra total desprezo pela ordem jurídica e pelas normas vigentes. Assente-se, ainda, que admitiu vender a terceiro equipamento que afirma não ser de sua propriedade e que também teria vendido a “torre” por ele instalada, a qual continua a alugar e usufruir. Nada a ponderar sobre o comportamento da vítima, comum para o tipo. Normais as circunstâncias e as consequências delitivas. Não ostenta antecedentes criminais. Em razão disso, fixo a pena-base acima do mínimo legal, ou seja, em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção". O registro de transação penal não constitui fundamento idôneo para exasperação da pena-base, em consonância com a Súmula 444 do STJ. Além disso, o réu não ostenta condenações criminais definitivas. Nesse sentido: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. FALTA DE CABIMENTO. RESISTÊNCIA E DESACATO. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. [...] 2. No cálculo da pena-base, as circunstâncias judiciais não podem ser consideradas de forma genérica, sendo indispensável a demonstração de elementos concretos que desbordam do próprio tipo penal. 3. Ações penais em andamento ou sem certificação do trânsito em julgado (Súmula 444/STJ), registro decorrente da aceitação de transação penal proposta pelo Ministério Público, bem como ações penais em que houve a extinção da punibilidade e inquéritos arquivados, não podem ser utilizados como maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desajustada para fins de elevação da pena-base. Precedentes. 4. No caso, em razão da invalidade da motivação apresentada na origem, foi redimensionada a pena-base - ante o reconhecimento da existência de apenas uma circunstância judicial desfavorável para o crime de resistência e de nenhuma quanto ao delito de desacato - para 10 meses e 22 dias de detenção e, consequentemente, alterado o regime inicial para o aberto, consoante o previsto no art. 33, § 2º, c, e § 3º, do Código Penal. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem expedida de ofício. (HC 242.125/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 27/08/2014) - grifei PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FURTO. PENA-BASE. SÚMULA N. 444/STJ. VIOLAÇÃO. REDUÇÃO DA REPRIMENDA. AÇÃO DELITIVA. MONITORAMENTO. INFRAÇÃO CONSUMADA. RECONHECIMENTO. 1. O decisum agravado passou ao largo do exame do pedido de redução da pena-base imposta ao paciente, fazendo-o tão somente quanto ao pleito subsidiário de violação ao princípio da non reformatio in pejus, ali considerado inexistente. 2. Na esteira da Súmula 444 do STJ, ações penais em curso ou sem certificação do trânsito em julgado, registro da aceitação de transação penal proposta pelo Ministério Público, além de ações penais em que houve a extinção da punibilidade e inquéritos arquivados "não podem ser utilizados como maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desajustada para fins de elevação da pena-base." (HC 242.125/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/08/2014, DJe 27/08/2014). 3. Afasta-se a exasperação da pena-base imposta ao condenado pelo crime de furto (1 ano e 6 meses de reclusão) quando, em flagrante descompasso com aquele enunciado sumular, for considerado como antecedentes criminais ações não definitivamente julgadas e feitos já baixados, em que houve transação penal e suspensão condicional do processo. 4. Decidir de modo diverso da fundamentação emprestada pelo Tribunal de origem para a valoração negativa das demais circunstâncias (motivo e personalidade), bem como avaliar o quantum a elas aplicado na dosagem da pena acima do mínimo legal, implica necessário revolvimento do acervo fático-probatório, providência incabível na via estreita do habeas corpus. Precedentes. 5. O monitoramento da ação delituosa não desnatura o caráter consumado do delito, na linha externada pela Terceira Seção desta Corte (HC 266.409/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 28/05/2013 e HC 238.714/SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 27/08/2012). 6. Agravo regimental parcialmente provido para conceder ordem de habeas corpus, de ofício, a fim de reduzir a pena-base do paciente para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão. (AgRg no HC 272.522/MG, j. 10/03/2015) - grifei A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos. À míngua de elementos concretos, deixo de valorar as circunstâncias judiciais relativas à personalidade do apelante MARCELO e reduzo a pena-base para o patamar mínimo legal. 2ª fase Não incidiram circunstâncias agravantes nem atenuantes. 3ª fase Sem causas de aumento e de diminuição. Pena definitivamente fixada em 2 anos de detenção, em regime inicial aberto, e 10 dias multa no valor unitário de 1/10 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos da sentença. II – LILIAN DE PAULA ARANTES 1ª fase Pena-base fixada no mínimo legal, a saber, 2 anos de detenção. 2ª fase Não incidiram circunstâncias agravantes nem atenuantes. A defesa postula a incidência da atenuante referente à confissão espontânea, com a redução da pena aquém do patamar mínimo legal. Realmente, a apelante faz jus à atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, em razão da confissão judicial. Por outro lado, a pena deve ser mantida no patamar mínimo legal, haja vista que as circunstâncias atenuantes não são aptas a reduzir a pena em patamar inferior ao abstratamente cominado no tipo penal, uma vez que não integram a estrutura típica do crime. Assim, a pena não pode ser reduzida aquém do mínimo legal na segunda fase da dosimetria, em consonância com o entendimento jurisprudencial cristalizado no enunciado nº 231 da Súmula do STJ, que, aliás, consolidou entendimento que já vinha sendo adotado. A propósito, destaco a ementa do Recurso Especial, julgado em sede de recurso repetitivo (RESP 1.117.068-PR), de relatoria da Ministra Laurita Vaz: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PENAL. VIOLAÇÃO AOS ART. 59, INCISO II, C.C. ARTS. 65 E 68, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. MENORIDADE E CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. CRIME PREVISTO NO ART. 12, CAPUT, DA LEI N.º 6.368/76. COMBINAÇÃO DE LEIS. OFENSA AO ART. 2.º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL E AO ART. 33, § 4.º, DO ART. 11.343/06. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. É firme o entendimento que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo estabelecido em lei, conforme disposto na Súmula n.º 231 desta Corte Superior. 2. O critério trifásico de individualização da pena, trazido pelo art. 68 do Código Penal, não permite ao Magistrado extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a aplicação da sanção penal. 3. Cabe ao Juiz sentenciante oferecer seu arbitrium iudices dentro dos limites estabelecidos, observado o preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, sob pena do seu poder discricionário se tornar arbitrário, tendo em vista que o Código Penal não estabelece valores determinados para a aplicação de atenuantes e agravantes, o que permitiria a fixação da reprimenda corporal em qualquer patamar. 4. Desde que favorável ao réu, é de rigor a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/06, quando evidenciado o preenchimento dos requisitos legais. É vedado ao Juiz, diante de conflito aparente de normas, apenas aplicar os aspectos benéficos de uma e de outra lei, utilizando-se a pena mínima prevista na Lei n.º 6.368/76 com a minorante prevista na nova Lei de Drogas, sob pena de transmudar-se em legislador ordinário, criando lei nova. 5. No caso, com os parâmetros lançados no acórdão recorrido, que aplicou a causa de diminuição no mínimo legal de 1/6 (um sexto), a penalidade obtida com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, ao caput do mesmo artigo, não é mais benéfica à Recorrida. 6. Recurso especial conhecido e provido para, reformando o acórdão recorrido, i) afastar a fixação da pena abaixo do mínimo legal e ii) reconhecer a indevida cisão de normas e retirar da condenação a causa de diminuição de pena prevista art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, que no caso é prejudicial à Recorrida, que resta condenada à pena de 03 anos de reclusão. Acórdão sujeito ao que dispõe o art. 543-C do Código de Processo Civil e da Resolução STJ n.º 08, de 07 de agosto de 2008 (REsp 1117068 / PR. Ministra Laurita Vaz. Terceira Seção. DJe 08/06/2012). Extrai-se do referido julgado: "[...] a jurisprudência desta Corte Superior é sedimentada no sentido de que individualizar a pena é função do julgador consistente em aplicar, depois de examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, a reprimenda que seja, proporcionalmente, necessária e suficiente para reprovação do crime. Como parâmetro inicial, o Juiz sentenciante deverá obedecer e sopesar as circunstâncias judiciais do art. 59, as agravantes e atenuantes e, por fim, as causas de aumento e diminuição de pena, em estrita obediência ao sistema trifásico de individualização da pena estabelecido no art. 68 do Código Penal. Evidentemente, o Magistrado pode majorar ou reduzir o montante da pena dentro dos limites legais, para, ao final, impor ao condenado, de forma justa e fundamentada, a quantidade de pena que o fato está a merecer. Contudo, deve fazê-lo em estrita obediência ao regramento estabelecido no art. 68 do Código Penal, devendo cada etapa ser pormenorizadamente motivada com dados concretos. Não ignoro os judiciosos fundamentos no sentido de que o sistema trifásico exige obediência ao disposto no art. 65 do Código Penal, o qual determina que as circunstâncias nele previstas sempre atenuam a pena. Entretanto, com a devida vênia do posicionamento contrário, tal interpretação literal era rechaçada mesmo antes da reorganização sistemática da parte geral do Código Penal, dada pela Lei n.º 7.209/84. De fato, nunca predominou o entendimento de que as agravantes e atenuantes poderiam levar à fixação da pena fora dos limites mínimo e máximo abstratamente comidas ao crime [...]". Forte no entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, afasto a alegação de afronta ao postulado da individualização da pena. Assim, em que pese a confissão espontânea da apelante, sua pena não pode ser reduzida aquém do mínimo legal na segunda fase da dosimetria. Havendo jurisprudência pacífica sobre o tema e sendo entendimento já firmado também no âmbito desta Turma, não vejo como sustentar a tese de não incidência da Súmula 231 do STJ. Ademais, destaco que o Pleno do Supremo Tribunal Federal igualmente impediu a fixação da pena provisória aquém do mínimo legal pela incidência de circunstância atenuante quando do julgamento do RE nº 597.270/RS, da relatoria do Min. Cezar Peluso, com reconhecimento da existência de repercussão geral. Pena intermediária mantida em 2 anos de detenção. 3ª fase Sem causas de aumento e de diminuição. Pena definitivamente fixada em 2 anos de detenção, em regime inicial aberto, e 10 dias multa no valor unitário de 1/10 do salário mínimo vigente na data do fato. Dispositivo Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação de MARCOS CORREA NEVES para reduzir a pena-base e fixar a pena definitiva em 2 anos de detenção, em regime inicial aberto, e 10 dias multa mantido o valor unitário fixado na sentença e dou parcial provimento à apelação de LILIAN DE PAULA ARANTES para reconhecer a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, todavia, sem reflexos na dosimetria. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 183 DA LEI 9.472/97. RADIODIFUSÃO SONORA CLANDESTINA. TIPICIDADE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE REVOGAÇÃO PELA LEI 9.612/98. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AFASTADO O PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 70 DA LEI 4.117/62. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 231 DO STJ.
O crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 possui natureza formal, de perigo abstrato, que tutela a segurança e higidez das telecomunicações no Brasil, bem como o controle e fiscalização estatal sobre tais atividades. Inaplicável o princípio da insignificância.
O tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97 é constitucional e não representa restrição indevida da liberdade de expressão (art. 5º, inciso IX, CF), da manifestação de pensamento (art. 220, CF), ou do regular exercício de direitos culturais (art. 215, CF). A necessidade de regulamentação e controle de radiodifusão se legitima pelo fato de que o espectro de radiofrequências constitui bem público, não ilimitado, que ao Estado cabe a disciplina para seu uso racional.
A Lei nº 9.612/98 não revogou a Lei nº 9.472/97. Isso porque as citadas leis tratam de assuntos diversos, de modo que, enquanto a primeira possui caráter administrativo, estabelecendo o regramento para a instituição e legitimação das rádios comunitárias, a segunda possui disposições penais, prevendo o crime do art. 183.
O artigo 396-A, do Código de Processo Penal é expresso ao afirmar que na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interessa à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. Cabe, portanto, à defesa a correta qualificação das testemunhas, incluindo-se nesse ônus, a indicação dos endereços em que poderão ser encontradas. Desse modo, não compete ao Poder Judiciário a expedição de ofícios visando à localização de testemunha, uma vez que esse ônus incumbe à defesa.
Enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, inclusive de rádio comunitária, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no art. 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento estação de radiodifusão sonora, sem autorização da ANATEL.
No dia 14/10/2014, no endereço situado na Rua Ruth Fonseca de Oliveira, 306, bairro Jardim Novo Maracanã, Campinas/SP, agentes da ANATEL constataram o funcionamento clandestino de emissora de radiodifusão sonora na frequência 93,7 MHz. No local foi apreendido um transmissor de FM instalado e em pleno funcionamento, com potência de 195 W, sem homologação da ANATEL. A rádio não possuía autorização para operar.
Diante das fiscalizações anteriores, conclui-se que os apelantes sabiam que o desenvolvimento da atividade de radiodifusão dependia de autorização dos órgãos competentes. Condenação mantida.
Dosimetria. O registro de transação penal não constitui fundamento idôneo para exasperação da pena-base, em consonância com a Súmula 444 do STJ. Redução da pena-base do apelante.
A apelante faz jus à atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, diante da confissão judicial. Por outro lado, a pena deve ser mantida no patamar mínimo legal em consonância com o entendimento jurisprudencial cristalizado no enunciado nº 231 da Súmula do STJ, que, aliás, consolidou entendimento que já vinha sendo adotado.
Apelação de M.C.N parcialmente para reduzir a pena-base e fixar a pena definitiva em 2 anos de detenção, em regime inicial aberto, e 10 dias multa mantido o valor unitário fixado na sentença. Parcial provimento à apelação de L.P.A para reconhecer a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, todavia, sem reflexos na dosimetria.