APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001518-18.2018.4.03.6000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, THIAGO ALVES PRATES
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, THIAGO ALVES PRATES
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001518-18.2018.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, THIAGO ALVES PRATES APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, THIAGO ALVES PRATES OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela defesa de THIAGO ALVES PRATES, nascido em 15.05.1991 (Id 165830638 – fl. 55), em face da r. sentença (Id 165830638 – fls. 197/220), publicada em 06.08.2019 e proferida pelo Exmo. Juiz Federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Criminal de Campo Grande/MS, que julgou procedente o pedido para condená-lo pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, caput, e 334-A, caput, ambos do Código Penal, por quatro e três vezes, respectivamente, em concurso formal e continuidade delitiva, à pena privativa de liberdade 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 9 (nove) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime ABERTO, porém substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária, no valor de 3 (três) salários mínimos, cujos destinatários serão indicados pelo r. Juízo das Execuções Penais. Consta da denúncia: 1. Consta da inclusa notícia de fato que, entre 30/07/2015 e 03/02/2018, no estado de Mato Grosso do Sul, o denunciado THIAGO ALVES PRATES importou mercadorias estrangeiras desprovidas de documentação comprobatória da regular importação por 6 (seis) vezes, iludindo, assim, os impostos devidos pela entrada dos bens no país no valor de R$ 43.104,16 (quarenta e três mil, cento e quatorze reais e dezesseis centavos). No mesmo período, o denunciado importou mercadorias proibidas por 4 (quatro) vezes, consistentes em produtos para fumo (narguilé) e grande quantidade de agrotóxicos (150 pacotes de Benzoato 10 Agro Plus e 10 pacotes de Metsulfuron Methyl 60% WG Metally), tudo em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente (em anexo). 2. Conforme restou apurado, em 30/07/2015, na BR 463, km 90, no município de Ponta Porã/MS, o Exército Brasileiro flagrou o denunciado transportando, após importar, 350 (trezentos e cinquenta) acessórios para narguilé, consistentes em tabaco, cuja importação é proibida, nos termos da legislação de regência. Tais mercadorias foram avaliadas no montante de R$ 2.366,00 (dois mil, trezentos e sessenta e seis reais). 3. O valor total dos tributos iludidos em relação às mercadorias apreendidas foi de R$ 1.183,00 (mil, cento e oitenta e três reais) (em anexo). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n. 10109.724748/2015-31 (em anexo). 4. Posteriormente, em 14/04/2016, na MS-164, km 14, no município de Maracaju/MS, a Policia Militar deu ordem de parada a um veículo GM/Montana Sport, placas NWO-3986, conduzido pelo denunciado (em anexo). Ao vistoriar o veículo, os policiais encontraram uma grande quantidade de mercadorias de origem estrangeira (CD player e alto-falantes) sem qualquer documentação que pudesse comprovar sua regular importação (em anexo). Na mesma ocasião, os policiais flagraram o denunciado transportando, após importar, 1.576 (mil, quinhentos e setenta e seis) acessórios para narguilé, consistentes em fumo e carvão, cuja importação é proibida, nos termos da legislação de regência. As mercadorias foram avaliadas no montante de R$ 18.853,85 (dezoito mil, oitocentos e cinquenta e três reais e oitenta e cinco centavos). 5. O valor total dos tributos iludidos em relação a todas as mercadorias apreendidas naquela ocasião foi de R$ 9.426,92 (nove mil, quatrocentos e vinte e seis reais e noventa e dois centavos) (em anexo). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n. 10109.721291/2016-94 (em anexo). 6. Transcorridos 4 meses, em 18/08/2016, na BR-060, no município de Sidrolândia/MS, a Policia Rodoviária Federal deu ordem de parada a um veículo GM/Classic Spirit, placas NHJ-9099, conduzido pelo denunciado (em anexo). Ao vistoriar o veículo, os policiais encontraram uma grande quantidade de mercadorias de origem estrangeira (equipamentos eletrônicos) sem qualquer documentação que pudesse comprovar sua regular importação (em anexo). 7. Ainda na ocasião acima, os policiais flagraram o denunciado transportando, após importar, 179 (cento e setenta e nove) acessórios para narguilé, consistentes em tabaco e carvão, cuja importação é proibida, nos termos da legislação de regência. Tais mercadorias foram avaliadas no montante de R$ 33.044,67 (trinta e três mil, quarenta e quatro reais e sessenta e sete centavos). 8. O valor total dos tributos iludidos em relação a todas as mercadorias foi de R$ 16.522,33 (dezesseis mil, quinhentos e vinte e dois reais e trinta e três centavos). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n. 19715.721178/2016-35 (em anexo). 9. Pouco tempo depois, em 11/12/2016, na estrada vicinal que de acesso à rodovia GO-206, no município de Caçu/GO, a Polícia Militar deu ordem de parada a um veículo VW/Saveiro, placas 00E-2439 2, cor prata, conduzido pelo denunciado (em anexo). Ao vistoriar o veículo, os policiais encontraram uma grande quantidade de mercadorias de origem estrangeira (250 câmaras de ar para motocicleta e 8 fogareiros portáteis elétricos) sem qualquer documentação que pudesse comprovar sua regular importação (em anexo). 10. Ainda na ocasião acima, os policiais flagraram o denunciado transportando, após importar, 280 (duzentos e oitenta) acessórios para narguilé, consistentes em carvão, cuja importação é proibida, nos termos da legislação de regência. Tais mercadorias foram avaliadas no montante de RS 13.327,80 (treze mil, trezentos e vinte e sete reais e oitenta centavos). 11. O valor total dos tributos iludidos em relação a todas as mercadorias apreendidas foi de R$ 6.663,90 (seis mil, seiscentos e sessenta e três reais e noventa centavos). Tal fato resultou nas Representações Fiscais para Fins Penais n. 10120.728694/2016-14 e 10120.728704/2016-11 (em anexo). 12. Já em 07/06/2017, na BR 060, no município de Sidrolândia/MS, a Polícia Rodoviária Federal deu ordem de parada a um veículo VW/Gol, placas GZB-26573, conduzido pelo denunciado (em anexo). Ao vistoriar o veículo, os policiais encontraram uma grande quantidade de mercadorias de origem estrangeira (bebidas alcoólicas) sem qualquer documentação que pudesse comprovar sua regular importação (em anexo). 13. O valor dos tributos iludidos foi de R$ 4.953,08 (quatro mil, novecentos e cinquenta e três reais e oito centavos). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n. 19715.720808/2017-35 (em anexo). 14. Posteriormente, em 29/10/2017, no pátio do Hotel Poty, no município de Maracaju/MS, policiais militares receberam a informação de que um veículo Fiat/Uno, placas NWE-1613, continha diversos auto-falantes possivelmente de origem estrangeira. Sendo assim, a equipe policial fez contato com a recepcionista do respectivo hotel que confirmou as informações e comunicou aos policiais que o condutor do veículo estava hospedada no quarto 31. 15. Ato contínuo, os policiais militares se dirigiram ao hotel, onde procederam a fiscalização e constataram que o denunciado era mesmo o condutor do veículo, que estava carregado com diversas mercadorias estrangeiras (alto-falantes) sem documentação comprobatória de sua regular importação (em anexo). As mercadorias foram avaliadas em R$ 7.696,90 (sete mil, seiscentos e noventa e seis reais e noventa centavos). 16. O valor total dos tributos iludidos em relação a todas as mercadorias apreendidas foi de R$ 3.848,45 (três mil, oitocentos e quarenta e oito reais e quarenta e cinco centavos). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n. 10109.720190/2018-68 (em anexo). 17. Por fim, e porque não desiste nunca, em 03/02/2018, na rua Avelino Faria, no município de Rio Verde/GO, policiais militares deram ordem de parada a um veículo Chevrolet/S-10, placas OMR-5923, conduzido pelo denunciado (em anexo). Ao vistoriar o veículo, os policiais encontraram uma grande quantidade de mercadorias de origem estrangeira (alto-falantes) sem qualquer documentação que pudesse comprovar sua regular importação (em anexo). Na mesma ocasião, o denunciado foi flagrado transportando, após importar, grande quantidade de agrotóxicos consistentes em 150 pacotes de Benzoato 10 Agro Plus e 10 pacotes de Metsulfuron Methyl 60% WG Metally, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente (em anexo). 18. O valor total dos tributos iludidos em relação a todas as mercadorias apreendidas foi de R$ 506,48 (quinhentos e seis reais e quarenta e oito centavos). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n. 10120.721484/2018-59 (em anexo). 19. Desta forma, no período de 30/07/2015 a 03/02/2018, o denunciado THIAGO ALVES PRATES importou mercadorias estrangeiras desprovidas de documentação comprobatória da regular importação por 6 vezes, e importou mercadorias proibidas por 4 vezes, iludindo, assim, o montante total de tributos devidos pela entrada dos bens no país no total de R$ 43.104,16, conforme tabela abaixo: Representação fiscal para fins penais Valor dos tributos sonegados Data do fato 10109.724748/2015-31 R$ 1.183,00 30/07/2015 (em anexo) 10109.721291/2016-94 R$ 9.426,92 14/04/2016 (em anexo) 19715.721178/2016-35 R$ 16.522,33 18/08/2016 (em anexo) 10120.728694/2016-14 10120.728704/2016-11 R$ 6.663,90 11/12/2016 (em anexo) 19715.720808/2017-35 R$ 4.953,08 07/06/2017 (em anexo) 10109.720190/2018-68 R$ 3.848,45 29/10/2017 (em anexo) 10120.721484/2018-59 R$ 506,48 03/02/2018 (em anexo) Total de tributos sonegados: RS 43.104,16 20. Expostos os fatos, tem-se a classificação legal. 21. O denunciado THIAGO ALVES PRATES, de forma voluntária e consciente, importou e transportou, por 6 vezes, mercadorias estrangeiras, sem documentação comprobatória de sua regular importação, e por 4 vezes mercadorias proibidas (fumo e acessórios para narguilé), iludindo os tributos devidos pela entrada no pais, no montante total de RS 43.104,16. O denunciado ainda importou e transportou grande quantidade de agrotóxicos (150 pacotes de Benzoato 10 Agro Plus e 10 pacotes de Metsulfuron Methyl 60% WG Metally) de origem estrangeira e de importação proibida em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente (Id 165830638 – fls. 07/11). Tipificação: arts. 334, caput (por seis vezes) e 334-A, caput (por quatro vezes), ambos do Código Penal, e art. 15 da Lei n° 7.802/1989. A denúncia foi recebida em 18.07.2018 (Id 165830638 – fls. 89/91). Posteriormente, a decisão foi reconsiderada no tocante aos fatos praticados em 11.12.2016 e 03.02.2018, com relação aos quais a denúncia foi rejeitada (Id 165830638 – fls. 117/122). Sobreveio a r. sentença, que condenou o réu pela acusação relacionada à prática dos crimes tipificados nos arts. 334, caput (por quatro vezes), e 334-A, caput (por três vezes), ambos do Código Penal, em concurso formal e continuidade delitiva, da seguinte forma: - 30.07.2015: contrabando; - 14.04.2016: descaminho e contrabando, em concurso formal; - 18.08.2016: descaminho e contrabando, em concurso formal; - 07.06.2017: descaminho; - 29.10.2017: descaminho. Os cinco episódios (dois deles resultantes da reunião, em concurso formal, de um crime de descaminho e um de contrabando) foram considerados praticados em continuidade delitiva (art. 71, caput, do Código Penal). Em suas razões de recurso, o Ministério Público Federal postula a exasperação da sanção, ao argumento de que deve ser valorada desfavoravelmente a personalidade do réu, que faz dos crimes de descaminho e contrabando seu meio de vida, bem como em razão da necessidade de afastamento parcial da continuidade delitiva, que somente poderia ser considerada entre os fatos de 30.07.2015 e 14.04.2016 e aqueles de 18.08.2016 e 07.06.2017, obtendo-se, assim, dois crimes continuados e um autônomo, ocorrido em 29.10.2018, que devem ser considerados em concurso material (Id 165830638 – fls. 231/233). A defesa, por sua vez, requer a absolvição, para o que sustenta, com relação aos fatos praticados em 30.07.2015, 14.04.2016 e 18.08.2016, que os elementos de convicção produzidos no curso da persecução penal não autorizam a prolação de um decreto condenatório, e, no tocante àqueles cometidos em 07.06.2017 e 29.10.2017, que deve ser aplicado o princípio da insignificância. Subsidiariamente, requer a desclassificação dos delitos de contrabando para descaminho, a estipulação da pena-base de cada um no mínimo legal e sua substituição por uma restritiva de direitos. Postula, enfim, a concessão dos benefícios da justiça gratuita (Id 165830638 – fls. 236/244). Recebidos os recursos, com contrarrazões (Id 165830638 – fls. 245/251 e 274/277), subiram os autos a esta Egrégia Corte. Oficiando nesta instância, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso interposto pelo órgão de acusação e pelo desprovimento daquele manejado pela defesa (Id 203808817). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001518-18.2018.4.03.6000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, THIAGO ALVES PRATES APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, THIAGO ALVES PRATES OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA: Ratifico o relatório e, em complemento, observo que o órgão de acusação pleiteia também que seja aplicada ao réu a inabilitação para dirigir veículo automotor, assim como sua condenação à obrigação de pagar os tributos devidos e não recolhidos, no valor de R$ 1.579,00 (mil, quinhentos e setenta e nove reais), além da “condenação em danos mínimos (materiais e morais) coletivos, tendo em vista que, havendo um crime, existe um dano para a sociedade. A ideia de dano moral coletivo é intrínseca à existência de um crime, visto se tratar o direito penal de ultima ratio”. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de THIAGO ALVES PRATES pela prática dos crimes previstos nos arts. 334, caput (por seis vezes), 334-A, caput (por quatro vezes), ambos do Código Penal, e art. 15 da Lei n° 7.802/1989, uma vez que, entre 30.07.2015 e 03.02.2018, no Estado do Mato Grosso do Sul, teria importado mercadorias estrangeiras desprovidas de documentação comprobatória da regular importação no país, iludindo os impostos devidos pela entrada dos bens, assim como teria importado mercadorias proibidas, consistentes em produtos para fumo (narguilé) e grande quantidade de agrotóxicos, em um total de sete episódios delitivos, da seguinte forma: 1) Em 30.07.2015, na BR 463, na altura do Município de Ponta Porã/MS, transportava 350 (trezentos e cinquenta) acessórios para narguilé, consistentes em tabaco, encontrados durante fiscalização pelo Exército Brasileiro (crime de contrabando); 2) Em 14.04.2016, na MS-163, no Município de Maracaju/MS, foi surpreendido por policiais militares enquanto transportava grande quantidade de CD players e alto-falantes, assim como 1.576 (mil quinhentos e setenta e seis) acessórios para narguilé, consistentes em fumo e carvão (crimes de descaminho e contrabando). No total, foram iludidos R$ 9.426,92 (nove mil, quatrocentos e vinte e seis reais e noventa e dois centavos) em tributos; 3) Em 18.08.2016, na BR-060, no Município de Sidrolândia-MS, policiais rodoviários federais encontraram, no automóvel que conduzia, grande quantidade de equipamentos eletrônicos, assim como 179 (cento e setenta e nove) acessórios para narguilé, consistente em tabaco e carvão (crimes de descaminho e contrabando). O total de tributos iludidos foi de R$ 16.522,33 (dezesseis mil, quinhentos e vinte e dois reais e trinta e três centavos). 4) Em 11.12.2016, na estrada vicinal que dá acesso à rodovia GO-206, no Município de Caçu/GO, policiais militares flagraram-no transportando 250 (duzentas e cinquenta) câmaras de ar para motocicleta e 8 (oito) fogareiros portáteis elétricos, assim como 280 (duzentos e oitenta) acessórios para narguilé, consistentes em carvão (crimes de descaminho e contrabando). O total de tributos iludidos foi de R$ 6.663,90 (seis mil, seiscentos e sessenta e três reais e noventa centavos). 5) Em 07.06.2017, na BR 060, no Município de Sidrolândia/MS, policiais rodoviários federais encontraram, no automóvel que o réu conduzia, grande quantidade de bebidas alcoólicas (crime de descaminho). O total de tributos iludidos foi de R$ 4.953,08 (quatro mil, novecentos e cinquenta e três reais e oito centavos). 6) Em 29.10.2017, no pátio do Hotel Poty, situado no Município de Maracaju/MS, após o recebimento de comunicação que noticiava a existência de diversos alto-falantes armazenados em um veículo estacionado naquele local, policiais militares deslocaram-se até lá e foram informados pela recepcionista do estabelecimento que o condutor, posteriormente identificado como o réu, estava hospedado no quarto n° 31. Em fiscalização, encontraram, como havia sido noticiado, grande quantidade de alto-falantes no automóvel (crime de descaminho). O total de tributos iludidos foi de R$ 3.848,45 (três mil, oitocentos e quarenta e oito reais e quarenta e cinco centavos). 7) Em 03.02.2018, em uma rua no Município de Rio Verde/GO, policiais militares abordaram o veículo que o réu conduzia e encontraram em seu interior grande quantidade de alto-falantes, assim como agrotóxicos (crimes de descaminho e de contrabando de agrotóxicos). O total de tributos iludidos foi de R$ 506,48 (quinhentos e seis reais e quarenta e oito centavos). Inicialmente recebida em sua integralidade, a denúncia foi posteriormente rejeitada no tocante ao quarto (descaminho e contrabando praticados em 11.12.2016) e sétimo fatos (descaminho e contrabando de agrotóxicos praticados em 03.02.2018), em razão de bis in idem, uma vez que eram objeto de apurações em inquéritos policiais distintos. Importa salientar, em complemento, que consta nos autos cópia das duas denúncias individualmente oferecidas perante o juízo da Subseção Judiciária de Rio Verde/GO, pertencente à Justiça Federal da 1ª Região (Id 165830638 – fls. 174/183). Sobreveio a r. sentença, que condenou o réu pela acusação relacionada à prática dos crimes tipificados nos arts. 334, caput (por quatro vezes), e 334-A, caput (por três vezes), ambos do Código Penal, em concurso formal e continuidade delitiva, da seguinte forma: - 30.07.2015: contrabando; - 14.04.2016: descaminho e contrabando, em concurso formal; - 18.08.2016: descaminho e contrabando, em concurso formal; - 07.06.2017: descaminho; - 29.10.2017: descaminho. Os cinco episódios (dois deles resultantes da reunião, em concurso formal, de um crime de descaminho e um de contrabando) foram considerados praticados em continuidade delitiva (art. 71, caput, do Código Penal). Em suas razões de recurso, o Ministério Público Federal postula a exasperação da sanção, ao argumento de que deve ser valorada desfavoravelmente a personalidade do réu, que faz dos crimes de descaminho e contrabando seu meio de vida, bem como em razão da necessidade de afastamento parcial da continuidade delitiva, que somente poderia ser considerada entre os fatos de 30.07.2015 e 14.04.2016 e aqueles de 18.08.2016 e 07.06.2017, obtendo-se, assim, dois crimes continuados e um autônomo, ocorrido em 29.10.2018, que devem ser considerados em concurso material. A defesa, por sua vez, requer a absolvição, para o que sustenta, com relação aos fatos praticados em 30.07.2015, 14.04.2016 e 18.08.2016, que os elementos de convicção produzidos no curso da persecução penal não autorizam a prolação de um decreto condenatório, e, no tocante àqueles cometidos em 07.06.2017 e 29.10.2017, que deve ser aplicado o princípio da insignificância. Subsidiariamente, requer a desclassificação dos delitos de contrabando para descaminho, a estipulação da pena-base de cada um no mínimo legal e sua substituição por uma restritiva de direitos. Postula, enfim, a concessão dos benefícios da justiça gratuita. MATERIALIDADE DELITIVA A materialidade dos crimes de contrabando e descaminho encontra-se demonstrada pelos seguintes elementos de convicção: 1) Contrabando praticado em 30.07.2015: Termo de Retenção de Mercadorias (Id 165830638 – fl. 16), Relação de Mercadorias (Id 165830638 – fl. 17) e Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias (Id 165830638 – fls. 18/21); 2) Contrabando e descaminho praticados em 14.04.2016: Boletim de Ocorrência (Id 165830638 – fl. 23), Relação de Mercadorias (Id 165830638 – fl. 24) e Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias (Id 165830638 – fls. 25/28); 3) Contrabando e descaminho praticados em 18.08.2016: Auto de Infração e Apreensão de Mercadorias e Veículos (Id 165830638 – fls. 29/33); 4) Descaminho praticado em 07.06.2017: Auto de Infração e Apreensão de Mercadorias e Veículos (Id 165830638 – fls. 57/60); 5) Descaminho praticado em 29.10.2017: Boletim de Ocorrência (Id 165830638 – fls. 62/63) e Relação de Mercadorias (Id 165830638 – fl. 66). DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE DESCAMINHO Em razões de Apelação, o réu requer a aplicação do princípio da insignificância com relação aos fatos ocorridos em 07.06.2017 e 29.10.2017, em que houve a prática apenas do crime de descaminho, pois o valor dos tributos sonegados é inferior ao patamar estabelecido pela legislação em vigor. Como é cediço, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, de modo que sua atuação se torne necessária em casos de relevante violação dos bens jurídicos tutelados pelo Estado. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade. Dentro desse contexto, a insignificância tem o condão de afastar a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, adequação entre fato e lei penal incriminadora. Nesse diapasão, a jurisprudência do Pretório Excelso tem exigido para a aplicação do referido princípio o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Logo, a jurisprudência de nossa Corte maior determina a aplicação do princípio de forma criteriosa e realizada caso a caso. Especificamente no que tange ao crime de descaminho, o bem jurídico tutelado não se restringe aos valores a que tem direito a receber a Fazenda Pública, mas também abarca a própria Administração Pública, sua moralidade, bem como os valores da livre concorrência, motivo pelo qual não seria possível a aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho. Como se vê, não apenas o caráter patrimonial visa a ser resguardado, de modo que, neste ponto, ressalvo meu entendimento pessoal acerca da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância quanto ao crime de descaminho, porquanto ainda que se possa, em princípio, em determinados casos, considerar de pequena expressão o valor do tributo iludido, não há que se falar no reduzido grau de reprovabilidade da conduta típica, tampouco na inexpressividade da lesão jurídica, considerando que o delito em comento atinge igualmente o aspecto do interesse público (caráter dúplice). A despeito disso, no que tange ao delito de descaminho adoto o entendimento preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Representativo da Controvérsia (que adiante será mencionado), de observância obrigatória sob o pálio do disposto no artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil, e que também tem sido adotado por esta Décima Primeira Turma, no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. Feitas tais considerações, tem-se que a Administração Tributária edita normas sobre o valor a ser inscrito em dívida ativa. Assim, tem-se entendido que se a Fazenda não executa uma dívida civilmente em razão do valor, não se justificaria a persecução penal. Adviria desta constatação a aplicação do princípio da insignificância que, analisado em conjunto com os postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção estatal na seara penal, afasta a tipicidade penal em determinadas situações. O “quantum” fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo o parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância, ante o argumento de que se a conduta é considerada irrelevante na seara administrativa, deve de igual modo ser tida na esfera penal. Sob esta ótica, o valor a ser considerado deve ser o aferido no momento da constituição definitiva do crédito tributário, excluído os juros e multa aplicados ao valor do tributo sonegado já no momento da inscrição do crédito em dívida ativa. Antes o valor era de R$ 10.000,00, com fundamento no artigo 20 da Lei nº 10.522, de 19.07.2002, com a redação dada pela Lei nº 11.033, de 21.12.2004, e no artigo 14 da Lei nº 11.941, de 27.05.2009. Este valor foi elevado pela edição da Portaria n° 75, de 22.03.2012, do Ministério da Fazenda, a saber: art. 1º Determinar: I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência foi originalmente firmada no Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.112.748/TO, oportunidade em que se fixou a orientação de que incide o princípio da insignificância aos crimes federais contra a Ordem Tributária e de descaminho, na hipótese de o débito tributário não ultrapassar a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002. Naquela ocasião, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça passaram a adotar a possibilidade de aplicação do princípio com base no parâmetro estatuído no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002. Com o advento da edição das Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça revisou a tese fixada no paradigma mencionado (REsp nº 1.112.748/TO), a fim de adequá-la ao entendimento externado pela Suprema Corte, no sentido de considerar o parâmetro estabelecido nestes atos infralegais, que estabeleceram o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como limite da aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. Eis a ementa do acórdão: RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO, CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF - R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). ADEQUAÇÃO. 1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO - Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF - R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. 3. Recurso especial improvido. Tema 157 modificado nos termos da tese ora fixada. (RESP 201702016211, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR - 3ª Seção, DJE: 04.04.2018) Desta forma, em tese, o crime de descaminho mostra-se compatível com o princípio da insignificância, desde que presentes no caso concreto os requisitos que ensejam o reconhecimento da atipicidade material da conduta. INCOMPATIBILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COM A HIPÓTESE DE CONTUMÁCIA DELITIVA Conforme exposto anteriormente, para a aplicação do princípio da insignificância exige-se a presença dos requisitos da mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica. A ausência de qualquer destes requisitos caracteriza a relevância material do fato formalmente típico. Na hipótese de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se obstinação deliberada de oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas. A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima. Em relação aos crimes tributários federais e descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00, para que determinada conduta seja reputada inofensiva. A lesão constante do Fisco por meio de comedidos delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente, observável pelo conjunto da obra criminosa. A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal enfatiza a relevância penal do descaminho, independentemente do valor iludido, quando presente a reiteração delitiva: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. ARTIGO 334, § 1º, d, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR). HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ARTIGO 20 DA LEI N.º 10.522/2002. PORTARIAS N.º 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. CIGARROS. IMPORTAÇÃO IRREGULAR. CRIME DE CONTRABANDO. REITERAÇÃO DELITIVA. COMPROVAÇÃO. INVIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO PELO JUÍZO DE ORIGEM. NOVO TÍTULO PRISIONAL. PREJUDICIALIDADE. 1. O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que, além do valor material, os bens jurídicos que o ordenamento jurídico busca tutelar são os valores éticos-jurídicos e a saúde pública. Precedentes: HC 120550, Primeira Turma, Relator Min. Roberto Barroso, DJe 13/02/2014; ARE 924.284 AgR, Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 25/11/2015, HC 125847 AgR, Primeira Turma, Relator Min. Rosa Weber, DJe 26/05/2015, HC 119.596, Segunda Turma, Relator: Min. Cármen Lúcia, DJe 26/03/2014. 2. A reiteração delitiva do delito de descaminho e figuras assemelhadas impede o reconhecimento do princípio da insignificância, ainda que o valor apurado esteja dentro dos limites fixados pela jurisprudência pacífica desta Corte para fins de reconhecimento da atipicidade. Precedentes: HC 133.566, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia DJe de 12/05/2016, HC 130.489AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin DJe de 09/05/2016, HC 133.736 AgR, Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 18/05/2016. 3. In casu, o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 334, caput, §1º, alínea d, do Código Penal, por ter sido flagrado ingressando no território nacional com grande quantidade de maços de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados da documentação legal, cujo valor total dos tributos federais não recolhidos aos cofres públicos seria, em tese, de R$ 13.593,48 (treze mil, quinhentos e noventa e três reais e quarenta e oito centavos). 4. A superveniência do julgamento do mérito de ação penal pela instância a quo torna prejudicada a impetração, considerando-se o advento do novo título prisional. Precedentes: HC 125.614, Primeira Turma, Relator Min. Rosa Weber, DJe 18/09/2015, Rcl 21.548 AgR, Segunda Turma, Relator: Min. Dias Toffoli, DJe 11/11/2015. 5. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 6. Agravo regimental desprovido. (HC-AgR 129382, LUIZ FUX, STF, 1ª Turma, DJe. Public. 16.09.2016) Desta forma, a habitualidade delitiva constitui fator idôneo ao afastamento do princípio da insignificância, ainda que a conduta criminosa não supere o referencial de R$ 20.000,00 em matéria de crimes tributários federais e descaminho. NO CASO CONCRETO De acordo com informações fornecidas pela Secretaria da Receita Federal constantes em Auto de Infração e Apreensão de Mercadorias e Veículos (Id 165830638 – fls. 57/60) e Relação de Mercadorias (Id 165830638 – fl. 66), o montante da mercadoria apreendida com o réu somaria R$ 9.906,16 (nove mil, novecentos e seis reais e dezesseis centavos) em 07.06.2017 e R$ 7.696,90 (sete mil, seiscentos e noventa e seis reais e noventa centavos) em 29.10.2017. O caso, contudo, reflete a questão da inaplicabilidade do princípio da insignificância em razão da contumácia delitiva. Com efeito, além dos dois fatos com relação aos quais a defesa pede a absolvição do réu, foi ele denunciado por outros cinco, três dos quais resultaram em condenação nestes autos e dois que motivaram o oferecimento de denúncias próprias perante o juízo da 2ª Subseção Judiciária de Rio Verde/GO, da Justiça Federal da 1ª Região. Portanto, deve ser afastado o pleito da defesa, não havendo que se falar em aplicação do princípio da insignificância ao caso concreto. AUTORIA DELITIVA E DOLO A autoria delitiva, por outro lado, encontra-se demonstrada somente no que diz respeito ao fato praticado em 29.10.2017, ocasião em que policiais militares encontraram, em um veículo estacionado no pátio de um hotel no qual o réu estava hospedado, e que era conduzido por ele, diversos alto-falantes de procedência estrangeira, introduzidos em território nacional sem o correspondente pagamento dos impostos devidos. A condenação do réu pelos cinco fatos foi assim fundamentada pelo magistrado singular: Aduz a defesa que, quanto à denúncia imputada ao réu pelo crime de contrabando nos dias 30/07/2015, 14/04/2016 e 18/08/2016, e de descaminho nas últimas duas datas, não existem provas suficientes à condenação. Expõe que, na fase instrutória, as testemunhas ouvidas versaram apenas sobre fatos diversos dos ora apurados, pelo que se infere que não houve qualquer produção de prova em Juízo. A responsabilidade de produzir elementos de convicção para a condenação do réu, prossegue a defesa, seria da acusação. Neste sentido, negligenciada a incumbência ministerial quanto ao ônus da prova, subsistindo apenas os indícios que, apesar de ensejarem a denúncia, não possuem, em si, o condão de justificar a prolação de sentença condenatória, o caso demandaria absolvição. Não é, porém, o caso. Como arguido pela acusação à f. 130, as Representações Fiscais para Fins Penais n. 10109.724748/2015-31, 101109.721291/2016-94 e 19715.721178/2016-35 são documentos públicos, dignos de plena confiança, presumindo-se a partir deles a veracidade dos fatos, caso estejam em conformidade teórica com os demais depoimentos prestados em Juízo ou elementos de prova. Isso porque, malgrado o Juiz não possa formar sua convicção apenas com base em elementos exclusivamente inquisitoriais, ressalvando-se a prova irrepetível, a cautelar ou a antecipada (art. 155 do CPP), os demais elementos de prova, ainda que não sejam perfeitamente concernentes àqueles fatos individualizados, reforçam a percepção de que o acusado faz de contrabandos e descaminhos autêntico meio de vida, pelo que, comprovando-se fatos relacionados a apreensões outras, ter-se-ia como fidedigno, através da confirmação feita pela prova judicial, o elemento consistente nas Representações Fiscais para fins penais anteriores. A RFFP n. 10109.724748/2015-31 (fls. 14/15), assinada por Marcia Morena Jara, Auditora Fiscal da RFB — Receita Federal do Brasil, o Termo de Guarda n. 41/2016 (f. 18), assinado pelo próprio acusado e por autoridade policial, a Ocorrência n. 121/2016 (E 19), e a Relação de Mercadorias de f. 20, assinada por autoridade policial e servidor público da RFB, não podem ser tidos como inválidos porquanto ausente confirmação oral em juízo. Certamente, a produção de prova em instrução atesta a versão arguida em peça exordial, mas não é requisito essencial ou taxativo. Ante o exposto, assim como a RFFP n. 10109.724748/20-31 as RFFPs 101109.721291/2016-94 (fls. 21/24) e 19715.721178/2016-35 (fls. 25/28), donde constam os elevados valores em tributo iludidos pelo acusado, numa série de infrações reiteradas, fornecem, com razoável grau de confiabilidade (Id 165830638 – fls. 199/201). A despeito das bem lançadas ponderações, um exame atento das provas coligidas ao processo revela que, apesar de demonstrada a existência dos crimes imputados ao réu através dos antes mencionados documentos, a totalidade da prova produzida em juízo consiste em apenas dois depoimentos, um dos quais com duração pouco superior a três minutos e que foi iniciado e encerrado com a ressalva do declarante de que não se recordava do episódio delitivo. Aliás, mesmo na fase inquisitiva da persecução penal não houve produção de prova oral em relação aos fatos objeto deste processo, uma vez que os dois Autos de Prisão em Flagrante que podem ser encontrados nestes autos (Id 165830638 – fls. 49/50 e 71/72), em que foram ouvidos os agentes públicos responsáveis pelas apreensões e interrogado o réu, são relativos justamente aos eventos com relação aos quais a denúncia foi rejeitada, praticados em 11.12.2016 e 03.02.2018. Sob o crivo do contraditório, dois agentes públicos prestaram depoimento, o policial militar Nilson Procedônio Espíndola, que participou da diligência realizada em 29.10.2017, no Hotel Poty, e o policial rodoviário federal Valcir Ferreira Lima, um dos responsáveis pela apreensão realizada em 07.06.2017, no Município de Sidrolândia/MS. As palavras desta testemunha, porém, não possuem qualquer valor probante. Isso porque, logo no início de sua oitiva, indagado pela representante do Ministério Público Federal se participou da ocorrência, respondeu: “eu não tenho lembrança, mas olhando os registros, sim”. Na sequência, aduziu que os produtos apreendidos consistiam em antenas e observou que a região de Sidrolândia/MS é palco de diversas apreensões de mercadorias contrabandeadas e descaminhadas. A defesa do réu, então, indagou-lhe se tinha recordação dos fatos, ao que respondeu: “os registros confirmam que os fatos ocorreram e que eu estava lá, mas eu não tenho lembrança” (Id 201618386). O réu, por sua vez, não foi ouvido em audiência de instrução e julgamento, uma vez que, devidamente intimado, deixou de comparecer ao ato (Id 165830638 – fls. 148/149). Remanesce, por conseguinte, somente o depoimento prestado por Nilson Procedônio Espíndola, policial militar que confirmou ter participado da apreensão realizada em outubro de 2017, no Hotel Poty, situado em Maracaju/MS. Disse que estava em serviço quando receberam informação de que diversos alto-falantes descaminhados estavam armazenados no interior de um veículo estacionado no pátio daquele estabelecimento, motivo pelo qual se deslocaram para o local, onde foram informados pela recepcionista de que o proprietário do automóvel, posteriormente identificado como o réu, estava hospedado no quarto n° 31. Disse, além disso, que ele confessou ser proprietário da mercadoria (Id 201618067). Vê-se, pois, que dos cinco fatos imputados ao réu na denúncia (já desconsiderados aqueles com relação aos quais a peça acusatória não foi recebida) existe prova em contraditório judicial de apenas um, uma vez que, com relação a um outro, as breves declarações do policial rodoviário federal ouvido em audiência de instrução e julgamento não possuem qualquer valor substancial, já que ele próprio sublinhou que não se recordava dos fatos, e, no tocante aos três outros, sequer foram ouvidos os responsáveis pela apreensão das mercadorias. É cediço que nos crimes de contrabando e descaminho, cuja prática muitas vezes é desvelada em regiões de fronteira, não raro os agentes públicos que atuaram em determinada ocorrência não se recordam com precisão de todos os detalhes de alguma determinada apreensão, o que não impede o julgador de conferir valor às declarações por eles prestadas, utilizando-as para fundamentar uma condenação, desde que, na totalidade, os elementos de convicção coligidos ao processo demonstrem com segurança a autoria delitiva. Diferente, entretanto, é o caso em que o único policial ouvido em juízo com relação a um dos fatos imputados ao réu afirma de maneira clara e reiterada não ter qualquer recordação do acontecimento, ou a hipótese em que, como nos outros três episódios, sequer houve oitiva de algum agente público responsável pela apreensão dos bens descaminhados ou contrabandeados. A existência de documentos dotados de fé pública e presunção de veracidade produzidos na etapa inquisitiva da persecução penal é suficiente para demonstrar a materialidade de tais ilícitos e fornecer indícios de que foram praticados pelo réu, mas não serve para suplantar a absoluta ausência de prova produzida em contraditório judicial. Aliás, não é demais lembrar que, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Por conseguinte, a absolvição do réu em relação aos fatos praticados em 30.07.2015, 14.04.2016, 18.08.2016 e 07.06.2017 é medida que se impõe, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal. Fica, assim, prejudicado o pedido de afastamento parcial da continuidade delitiva, formulado pelo órgão de acusação, assim como aquele de desclassificação das condutas de contrabando para descaminho, feito pela defesa. DO PLEITO MINISTERIAL DE FIXAÇÃO DA REPARAÇÃO DO DANO SUPORTADO PELO ERÁRIO Pleiteia o Ministério Público Federal a fixação de indenização para reparação do dano suportado, em conformidade com o disposto no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008 (O juiz, ao proferir sentença condenatória: (...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido). O pleito, entretanto, não merece guarida. Pontuo, inicialmente, que não se desconhece a existência de posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que a aplicação do artigo mencionado exige (a) o cometimento de um crime após a entrada em vigor da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008; (b) a existência de pedido expresso do Ministério Público na denúncia ou nas alegações para fixação do valor mínimo do dano causado pela infração; e (c) a indicação dos valores e a existência de provas suficientes a fundamentar o pedido de condenação na reparação dos danos. Todavia, cumpre consignar que a exigência de indenização do dano causado pelo crime não constitui inovação da Lei nº 11.719/2008, o que poderia respaldar o posicionamento acima referido. Trata-se, na verdade, de efeito da condenação previsto no art. 91, I, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, segundo o qual são efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, efeito este automático da sentença penal condenatória, cuja eficácia prescinde, inclusive, de pronunciamento judicial expresso do magistrado nesse sentido. Ressalte-se, também, a desnecessidade de haver pedido expresso do Órgão Acusatório para a fixação do valor mínimo da reparação do dano causado pelo crime. Conforme já dito acima, a disposição prevista no art. 91, I, do Código Penal, constitui efeito automático da sentença condenatória. Ademais, não há que se falar em violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, pois o valor a ser imposto é extraído da exordial acusatória, bem como da instrução processual, cabendo destacar que, diante da existência de norma expressa no Código Penal, o réu não pode alegar desconhecimento de que, em caso de condenação, restará assentada a certeza da obrigação de indenização pelo dano do crime. Desse modo, a fixação do valor mínimo a título de reparação na sentença condenatória, ainda que não haja pedido expresso da acusação, não implica em desrespeito às garantias do devido processo legal. Por seu turno, a atual redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, conforme consignado pela Lei nº 11.719/2008, apenas visa operacionalizar a regra de direito penal no âmbito processual. Além disso, tratando-se de norma de cunho processual, tem aplicação imediata aos processos em tramitação a teor do disposto no art. 2º do Código de Processo Penal. Nesse sentido: PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA. DESCAMINHO/CONTRABANDO DE CIGARROS. ARTIGO 334 DO CP. CORRUPÇÃO ATIVA. ARTIGO 333 DO CP. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ARTIGO 288 DO CP. CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA TÉCNICA DO RÉU MARCOS EM CONFRONTO COM A RENÚNCIA DO RÉU AO DIREITO DE RECORRER. INTEMPESTIVIDADE DA APELAÇÃO DO RÉU CLAUCIR. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL: INOCORRÊNCIA. RECURSO EM LIBERDADE: NÃO CABIMENTO. NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: NÃO VERIFICADA. INÉPCIA DA DENUNCIA: NÃO CONFIGURADA. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334 E 288 DO CP COMPROVADAS. AUTORIAS COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. NÃO CABIMENTO. PEDIDO DE CONDENAÇÃO DOS RÉUS AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO AO ERÁRIO. (...) 27. Pedido de condenação dos réus ao pagamento de indenização ao erário: nosso ordenamento, antes mesmo da alteração que adveio com a Lei nº 11.719/08, previa que a sentença penal condenatória tornava certa, além da responsabilização criminal, também a responsabilização civil, conforme dispõe o art. 91, inc. I do CP, sendo certo que a novel lei apenas veio a trazer comando no sentido de que a sentença condenatória seja minimamente líquida. Não há necessidade de que o pedido seja expresso na denúncia ou reiterado em memoriais, já que a pretensão acusatória abrange igualmente a condenação de quantia líquida, em seu grau mínimo, em função do ato ilícito praticado. (...) (TRF3, ACR 00014361320114036006; 1ª Turma; Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira; e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/07/2016) - destaque nosso. Feitas tais considerações, constata-se que na hipótese vertente foi aplicada ao réu a pena de perdimento de bens na esfera administrativa, motivo pelo qual não houve constituição definitiva do crédito tributário. A propósito, dispõe o art. 71, III, do Regulamento Aduaneiro (Decreto n° 6.759/2009), que não incide Imposto de Importação sobre “mercadoria estrangeira que tenha sido objeto da pena de perdimento, exceto na hipótese em que não seja localizada, tenha sido consumida ou revendida”. A respeito do tema, este Órgão Fracionário já decidiu: APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, §1º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. HABITUALIDADE DELITIVA. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AGRAVANTE DE PROMESSA DE PAGA. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. CONDENAÇÃO À REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 13. A defesa requer o afastamento da condenação à reparação de danos fixada pelo magistrado a quo, o que merece acolhida. A consequência jurídica da conduta da ré na esfera administrativa foi o perdimento da mercadoria, conforme constou da Representação Fiscal para Fins Penais, e assim não houve constituição do crédito tributário. O artigo 71, inciso III, do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) dispõe que os bens apreendidos pela Administração Fiscal e submetidos a processo administrativo de perdimento não sofrem a incidência do imposto de importação. Assim, denota-se que legislação aduaneira trata o perdimento de bens como uma medida reparatória de dano ao Erário, em que muitas vezes, o valor da mercadoria apreendida é superior ao montante do tributo que seria devido em caso de importação regular. Afasto, portanto, a condenação à reparação de danos estabelecida na sentença. 14. Apelo defensivo parcialmente provido. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0003776-93.2017.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 25/06/2021, Intimação via sistema DATA: 01/07/2021). PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. HABITUALIDADE DELITIVA. DOSIMETRIA DA PENA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. REPARAÇÃO DE DANOS. (...) 6. A consequência jurídica da conduta do acusado na esfera administrativa foi o perdimento das mercadorias e não houve constituição de crédito tributário. A legislação aduaneira trata o perdimento de bens como medida reparatória do dano ao Erário, sendo que muitas vezes, o valor da mercadoria apreendida supera o montante do tributo que seria devido em caso de importação regular. Nesse sentido já decidiu esta Turma. 7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0001423-85.2018.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 11/06/2021, Intimação via sistema DATA: 15/06/2021). Por conseguinte, deve ser rejeitado o pedido de fixação de valor mínimo para reparação de danos. Não merece acolhimento, da mesma maneira, o pleito de fixação de valor mínimo de danos materiais e morais coletivos, para o que se limitou o órgão de acusação a argumentar que, “havendo um crime, existe um dano para a sociedade”, pois tal dano já é, em regra, remediado pela imposição de uma pena privativa de liberdade. DA DOSIMETRIA DA PENA O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena. No presente caso, o r. juízo a quo fixou a sanção do réu nos seguintes termos: CRITÉRIOS — INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA Mirando-se à descrição dos fatos, podemos descrevê-los do seguinte modo, já considerados aqueles excluídos quando da decisão de fls. 100/102v°, reconheceu-se a incidência de bis in idem no que tange a dois fatos, ocorridos em 11/12/2016 (RFFPs 10120.728694/2016-11 e 10120.728694/2016-14) e também 03/02/2018 (RFFP 10120.721484/2018-59): • 30/07/2015 — art. 334-A do CP (contrabando de narguilé); • 14/04/2016 — art. 334 do CP (descaminho de eletrônicos) e art. 334-A do CP (contrabando de narguilé); • 18/08/2016 — art. 334 do CP (descaminho de eletrônicos) e art. 334-A do CP (contrabando de narguilé); • 07/06/2017 — art. 334 do CP (descaminho de bebidas alcoólicas e alto-falantes); • 29/10/2017 – art. 334 do CP (descaminho de alto-falantes); Assim sendo, são quatro descaminhos e três contrabandos a serem devidamente mensurados. Em dois casos, houve o cometimento de ambos os crimes com base numa única ação. É hipótese de reconhecimento do concurso formal (art. 70 do CP), em que se deve aplicar a pena de contrabando, com a majoração de que trata o art. 70 do CP. São estes os fatos de 14/04/2016 e 18/08/2016. (...) Diante da obviedade de que o crime continuado é uma medida de política criminal destinada à humanização da pena, e considerando-se que o caso presente poderá dar ensejo a uma pena altíssima se entre os cinco eventos acima demarcados, independente do concurso formal entre contrabando e descaminho em dois deles, dermos tratamento de concurso material (art. 69 do CP), então é adequado, excepcionalmente, definir neste o concreto o interstício de um ano como máximo intervalo para fins de identificação da continuidade delitiva, porque i) ficou nítido que o acusado faz da comercialização de produtos importados um meio de vida ii) todos foram praticados com a importação de produtos do Paraguai, país vizinho ao Estado do Mato Grosso do Sul; e iii) todos foram praticados com veículos de passeio e sem qualquer indicativo de que o autor pertencesse ou estivesse por servir a uma possível organização criminosa. Assim sendo, haverá o seguinte quadro descritivo: 1) 30/07/2015 — art. 334-A do CP (contrabando de narguilé); 2) 14/04/2016 — art. 334 do CP (descaminho de eletrônicos) e art. 334-A do CP (contrabando de narguilé), em concurso formal interno (art. 70 do CP); 3) 18/08/2016 — art. 334 do CP (descaminho de eletrônicos) e art. 334-A do CP (contrabando de narguilé), em concurso formal interno (art. 70 do CP), 4) 07/06/2017 — art. 334 do CP (descaminho de bebidas alcoólicas e alto-falantes); 5) 29/10/2017 — art. 334 do CP (descaminho de alto-falantes). Considerando-se que as condutas punir-se-ão em continuidade delitiva, aplicar-se-á, sendo cinco eventos em continuidade delitiva, a fração de exasperação sobre a maior pena aplicável 'internamente' a um deles, qual seja, a pena do evento "2" (ou "3"). Sendo dois 'eventos', aumentar-se-ia a pena em 1/6; três, 1/5; quatro, 1/4; cinco, 1/3; seis, 1/2; e sete ou mais, a fração máxima (2/3). Nesse diapasão, a exasperação levará em conta que são cinco eventos, pelo que se utilizará a fração de 1/3 (um terço). 3 — APLICAÇÃO DA PENA: Considere-se que os crimes de contrabando não trazem elementos de especial diferenciação entre uns e outros. O mesmo se pode dizer entre os crimes de descaminhos. Assim sendo, como forma de otimizar a prestação jurisdicional, tal que se evitem repetições desnecessárias, fica explicitamente consignado que o Juízo fará a dosimetria de um contrabando e um descaminho para que se apliquem adiante os critérios acima delineados, já que todo contrabando e todo descaminho merecem a mesma reprovação, à luz dos elementos que informam as condutas de que tratam os autos presentes. Com relação ao crime tipificado no ART. 334-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL, a pena está prevista entre 02 (dois) e 05 (cinco) anos de reclusão. Considere-se que os crimes de contrabando não trazem elementos de especial diferenciação entre uns e outros. Assim sendo, como forma de otimizar a prestação jurisdicional, tal que se evitem repetições desnecessárias, fica explicitamente consi (sic) Na primeira fase da aplicação da pena, ao analisar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, capta, do Código Penal, infere-se que: a) quanto à culpabilidade, nada há que desborde do tipo; b) o acusado não possui maus antecedentes certificados nos autos; c) quanto à conduta social, faço notar que, conforme aduziu a acusação (f. 132), imperioso sopesá-la negativamente. Cabe salientar que tal circunstância não se vincula propriamente à infração, mas à inserção do réu em seu meio social, distinguindo-se do possível modo de vida criminoso. Neste sentido, verifico que o réu possui Medidas Protetiva (sic) de urgência previstas na Lei n. 11.340/2006, concedidas em favor de sua ex companheira. No caso concreto, cita-se trecho do relatório do delegado (f. 138-V): (...) d) quanto à personalidade do réu, em que pesem as alegações ministeriais (f. 131), verifico que ante à existência de reiteradas Representações Fiscais para Fins Penais, assim como da Ação Penal por descaminho movida em desfavor do réu, a Súmula 444 do STJ demonstra que não se justifica pena mais gravosa. e) nada a ponderar sobre os motivos do crime, que não incrementam a reprovabilidade do crime em si; f) as circunstâncias foram as comuns à espécie; g) as consequências do crime não foram consideráveis, tendo em vista que a mercadoria restou apreendida; h) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Com relação ao quantum de majoração, considero razoável que o incremento seja feito, como medida estrita de individualização, não a partir da pena mínima, mas a partir do "salto de pena" a ser representado pelo intervalo entre a pena mínima (dois anos) e a máxima (cinco anos), qual seja, de três anos. Assim sendo, considerando-se que são oito as circunstâncias judiciais, cada circunstância desfavorável provocará o aumento de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias na pena. Considerando-se que houve uma circunstância desfavorável e não havendo previsão legal de pena de multa, fixo a pena-base em 2 (dois) anos 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na segunda fase, verifico não haver atenuante ou agravante a ser consideradas. Na terceira fase, não verifico a incidência de causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, tomo definitiva a pena do réu em 2 (dois) anos 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão para cada contrabando. Com relação ao crime tipificado no ART. 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL, a pena está prevista entre 01 (um) e 04 (quatro) anos de reclusão. Na primeira fase da aplicação da pena, ao analisar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, infere-se que: a) quanto à culpabilidade, o grau de reprovabilidade apresenta se elevado normal para a espécie; b) o acusado não possui maus antecedentes certificados nos autos; c) quanto à conduta social, faço notar que, conforme aduziu a acusação (f. 132), imperioso sopesá-la negativamente. Cabe salientar que tal circunstância não se vincula propriamente à infração, mas à inserção do réu em seu meio social, distinguindo-se do possível modo de vida criminoso. Neste sentido, verifico que o réu possui Medidas Protetiva (sic) de urgência previstas na Lei n. 11.340/2006, concedidas em favor de sua ex companheira. No caso concreto, cita-se trecho do relatório do delegado (f. 138-V): (...) d) quanto à personalidade do réu, em que pesem as alegações ministeriais (f. 131), verifico que ante à existência de reiteradas Representações Fiscais para Fins Penais, assim como da Ação Penal por descaminho movida em desfavor do réu, a Súmula 444 do STJ demonstra que não se justifica pena mais gravosa. e) nada a ponderar sobre os motivos do crime, que não incrementam a reprovabilidade do crime em si; f) as circunstâncias foram as comuns à espécie; g) as consequências do crime não foram consideráveis, tendo em vista que a mercadoria restou apreendida; h) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Com relação ao quantum de majoração, considero razoável que o incremento seja feito, como medida estrita de individualização, não a partir da pena mínima, mas a partir do "salto de pena" a ser representado pelo intervalo entre a pena mínima (um ano) e a máxima (quatro anos), qual seja, de três anos. Assim sendo, considerando-se que são oito as circunstâncias judiciais, cada circunstância desfavorável provocará o aumento de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias na pena. Considerando-se que não houve nenhuma circunstância desfavorável e não havendo previsão legal de pena de multa, fixo a pena-base em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na segunda fase, verifico não haver atenuante ou agravante a ser consideradas. Na terceira fase, não verifico a incidência de causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, torno definitiva a pena do réu em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão para cada descaminho. CONCURSO FORMAL MATERIAL e CONTINUIDADE DELITIVA À luz de quanto esclarecido anteriormente, foram os seguintes fatos devidamente constantes da condenação, consoante a listagem dos eventos: Assim sendo, haverá o seguinte quadro descritivo: 1) 30/07/2015 — art. 334-A do CP (contrabando de narguilé); 2) 14/04/2016 — art. 334 do CP (descaminho de eletrônicos) e art. 334-A do CP (contrabando de narguilé), em concurso formal interno (art. 70 do CP); 3) 18/08/2016 — art. 334 do CP (descaminho de eletrônicos) e art. 334-A do CP (contrabando de narguilé), em concurso formal interno (art. 70 do CP), 4) 07/06/2017 — art. 334 do CP (descaminho de bebidas alcoólicas e alto-falantes); 5) 29/10/2017 — art. 334 do CP (descaminho de alto-falantes). Considerando-se que as condutas punir-se-ão em continuidade delitiva, aplicar-se-á, sendo cinco eventos em continuidade delitiva, a fração de exasperação sobre a maior pena aplicável 'internamente' a um deles, qual seja, a pena do evento “2” (ou "3"). Sendo dois 'eventos', aumentar-se-ia a pena em 1/6; três, 1/5; quatro, 1/4- cinco 1/3, seis, 1/2; e sete ou mais, a fração máxima (2/3). Nesse diapasão, a exasperação levará em conta a pena do "evento dois" ou do "evento três", majorada de 1/3 (um terço). Tanto ao "evento 2" como ao "evento 3", considerando-se que houve contrabando e descaminho em um concurso formal próprio, "aplica-se -lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente unia delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade" (art. 70 do CP). Assim sendo, à pena do contrabando (art. 334-A do CP) aplica-se a menor fração de exasperação (duas condutas apenas), ou seja, 1/6 sobre a pena de 2 (dois) anos 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão: a pena passará a 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 7 (sete) dias de reclusão tanto para o "evento 2", como para o "evento 3”. Assim sendo, aplicando-se a fração de 1/3 sobre a pena de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 7 (sete) dias de reclusão, a pena ficará em 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 9 (nove) dias de reclusão, sendo esta a pena definitiva. DO REGIME DE CUMPRIMENTO E DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA: Para o cumprimento da pena de reclusão, fixada 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 9 (nove) dias, fixo o regime aberto, nos termos do artigo 33, § 2°, "c", do Código Penal. Considerando que o condenado satisfaz as condições estipuladas no art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, quais sejam: a) prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos em benefício de entidade a ser fixada pelo juízo de execução penal; e b) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma a ser definida pelo juízo da execução penal. Prejudicada, com isso, a suspensão da pena do artigo 77 do Código Penal. condições de cumprimento da pena; B) prestação pecuniária (artigo 43, inciso I, do Código Penal), concernente ao pagamento do valor de 3 (três) salários mínimos, para o momento da execução da pena, destinado a entidade de mesmo perfil das anteriores. Impertinente a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP). O réu poderá apelar em liberdade neste feito uma vez que não estão presentes os requisitos do art. 312 do CPP, preponderando o princípio da presunção da inocência (art. 5.º, LVII, da Constituição da República). (...) Nos termos do art. 804 do CPP, condeno o réu ao pagamento das custas. Consigno desde já que o réu foi assistido pela Defensoria Pública da União. Em consequência, presumida a condição de necessitado e concedido o benefício da assistência judiciária gratuita, suspendo a execução das custas processuais em relação ao referido réu, na forma dos arts. 11 e 12 da Lei n. 1.060/50 (Id 165830638 – fls. 211/220). Pena-Base Na primeira etapa do dimensionamento, foi valorado negativamente o vetor da conduta social, para o que pontuou o magistrado singular que foram concedidas, em favor da ex-companheira do réu, medidas protetivas de urgência. Requer a defesa a estipulação da sanção basilar no mínimo legal. O órgão de acusação, em direção oposta, pede que seja avaliada desfavoravelmente também a personalidade do réu. Merece acolhimento somente o pleito defensivo. Isso porque, nos termos da Súmula n° 444 do Superior Tribunal de Justiça, “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. A propósito, tal enunciado coaduna-se com o princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), pois inviabiliza que, antes que haja o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, eventuais procedimentos criminais instaurados e não encerrados em definitivo sejam invocados para a majoração da pena-base, prejudicando o réu. Em suma, apenas se existirem condenações criminais transitadas em julgado, e somente se estas não servirem para a conformação da reincidência, é que se justificaria, no cálculo da primeira fase, considerar desfavoráveis os vetores referentes aos maus antecedentes. Nesse sentido se posicionou o C. Supremo Tribunal Federal: PENA - FIXAÇÃO - ANTECEDENTES CRIMINAIS - INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO - DESINFLUÊNCIA. -Ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais. (STF, RE 591054, MARCO AURÉLIO, Plenário, 17.12.2014.) HABEAS CORPUS. PENAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (LEI 6.368/1976, ART. 14). DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES. INVOCAÇÃO DE INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. INADEQUAÇÃO. PENA-BASE FIXADA NO SEU PATAMAR MÁXIMO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS IDÔNEOS E SUFICIENTES. 1. A dosimetria da pena, além de não admitir soluções arbitrárias e voluntaristas, supõe, como pressuposto de legitimidade, uma adequada fundamentação racional, revestida dos predicados de logicidade, harmonia e proporcionalidade com os dados empíricos em que deve se basear. 2. No particular, a sentença, ao exasperar a pena-base em seu patamar máximo, levando em conta a culpabilidade e a existência de anotações criminais, não atendeu adequadamente aos requisitos de coerência interna, de proporcionalidade e de equilíbrio em suas avaliações fáticas à luz do princípio da individualização da pena. Se não bastasse, o ato judicial está em dissonância com o que decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 591.054, o qual firmou a tese de que a existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado não pode ser considerada como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. 3. Nessas circunstâncias, e considerando a jurisprudência do STF, tem-se situação reveladora de ilegalidade aferível sem necessidade de revolvimento de fatos e provas. 4. Ordem concedida, em parte, para determinar ao juízo da vara de execuções penais que proceda ao novo cálculo da pena-base. (STF, HC 104266, TEORI ZAVASCKI, 2ª Turma, 12.05.2015) Na hipótese vertente, o réu não registra sequer apontamentos criminais sem trânsito em julgado em seu desfavor, mas apenas documentos elaborados pela Receita Federal que indicam (mas não comprovam) a prática reiterada dos crimes de contrabando e descaminho, bem como a sujeição a medidas protetivas de urgência, elementos que, a teor da já citada Súmula n° 444, do Superior Tribunal de Justiça, não possuem o condão de autorizar a exasperação da sanção. Por conseguinte, fica a pena imposta pelo crime de descaminho praticado em 29.10.2017 inicialmente estabelecida no mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano de reclusão. Agravantes e Atenuantes Na etapa intermediária do cálculo, não foram reconhecidas agravantes ou atenuantes, motivo pelo qual fica mantida a sanção no mesmo patamar. Causas de Diminuição e de Aumento Na fase final do dimensionamento, também não incidem causas de diminuição ou de aumento da pena. Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária, no valor de 3 (três) salários mínimos, cujos destinatários serão indicados pelo r. Juízo das Execuções Penais. Em razão, porém, da redução do montante da pena privativa de liberdade imposta, deve ser afastada a pena substitutiva de prestação pecuniária, acolhendo-se o pleito defensivo neste tocante. Regime de Cumprimento das Penas Privativas de Liberdade Mantém-se o regime inicialmente ABERTO para o cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal. DO EFEITO DA CONDENAÇÃO CONSISTENTE NA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR Almeja o órgão acusatório o assentamento do efeito da condenação consistente na inabilitação para dirigir veículo automotor para THIAGO ALVES PRATES, cominando em efetiva perda de tal direito (com a consequente cassação da Carteira Nacional de Habilitação - CNH). Com efeito, prescreve o inciso III do art. 92 do Código Penal ser efeito da condenação a inabilitação para dirigir veículo automotor quando este tiver sido utilizado como mecanismo para a prática de infração penal punida a título doloso - a propósito: Art. 92. São também efeitos da condenação: (...) III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Consigne-se, por oportuno, nos termos do parágrafo único de mencionado preceito legal, que o efeito em tela não é automático, devendo, assim, ser declarado motivadamente no bojo de r. provimento judicial (Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença). Dentro de tal contexto, verifica-se desta relação processual penal que o réu fez uso de automóvel com o fito de transportar carga de equipamentos eletrônicos descaminhados, perpetrando, desta feita, o delito doloso elencado no art. 334, caput, do Código Penal. Do Boletim de Ocorrência acostado aos autos, aliás, extrai-se que “o veículo FIAT UNO de Placa NWE1613 de RIO VERDE GO estava carregado com auto falantes (sic) (...) sendo identificado como condutor do veículo a pessoa de THIAGO ALVES PRATES, que segundo o mesmo havia no veículo 60 pares de auto falantes de 8 polegadas, e 10 pares de auto falantes 6x9 polegadas avaliados aproximadamente em R$ 10.000,00 (dez mil reais)” (Id 165830638 – fl. 62). Assim, mostra-se imperiosa, com o fito de atingir os objetivos de repressão e de prevenção, a decretação a indicado agente, como efeito secundário de sua condenação, da inabilitação para dirigir veículos automotores (de qualquer categoria). A propósito, cumpre trazer à colação os julgados que seguem, da lavra do C. Superior Tribunal de Justiça e deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. CIGARROS. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. EFEITO DA CONDENAÇÃO. MEDIDA APLICADA DE FORMA FUNDAMENTADA. 1. Constatada a prática de crime doloso e que o veículo foi utilizado como instrumento para a realização do crime, é possível a imposição da inabilitação para dirigir veículo (com fundamento no art. 92, III, do Código Penal), desde que fundamentada a necessidade de aplicação da medida no caso concreto. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no REsp 1509078/PR, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015) - destaque nosso. PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. CIGARROS. ART. 334-A, § 1º, INCISOS I E IV, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE INCONTROVERSA. AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA MANTIDA. (...) 9. Assim, em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor pelo acusado, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92, inc. III, do Código Penal, consistente na inabilitação para dirigir veículo (...) (TRF3, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5000871-56.2019.4.03.6111, Rel. Des. Fed. em substituição regimental LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER, julgado em 21/01/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23/01/2020) - destaque nosso. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. USO DE RÁDIO TRANSCEPTOR SEM AUTORIZAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/97. CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXPRESSIVA QUANTIDADE DE CIGARROS. EXECUÇÃO DO CONTRABANDO MEDIANTE PAGA. CRIME DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, 'B' DO CP. EFEITO DA CONDENAÇÃO. ART. 92, III, CP. (...) A inabilitação para dirigir veículo constitui efeito da condenação, apresentando-se como uma reprimenda legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 80004 - 0006463-53.2015.4.03.6000, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/12/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/01/2020) - destaque nosso. PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. CP, ART. 334-A, § 1º, I, C, C. C. OS ARTS. 2º E 3º DO DECRETO-LEI N. 399/68. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE MANTIDA CONFORME A SENTENÇA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO PARA O DELITO DE CONTRABANDO. MULTA. PROPORCIONALIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA INDEFERIDA. APELAÇÃO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDAS. (...) 8. É admissível a declaração do efeito da condenação estabelecido no inciso III do art. 92 do Código Penal na hipótese de contrabando ou descaminho, constituindo a inabilitação para dirigir veículos medida eficaz para desestimular a reiteração delitiva (TRF da 3ª Região, ACR n. 0004776-06.2009.4.03.6112, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 20.08.13; TRF da 4ª Região, 4ª Seção, ENUL n. 50000077020114047210, Rel. Des. Fed. José Paulo Baltazar Junior, j. 04.06.14) (...) (TRF3, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 80230 - 0000061-69.2010.4.03.6116, Rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 02/12/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/12/2019) - destaque nosso. Por outro lado, a inabilitação deve ser fixada pelo mesmo período da pena corporal aplicada para o crime de contrabando. De certo, o artigo 92 do Código Penal não estabelece prazo de duração para o efeito extrapenal ora em comento, porém, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência que se formou nesta E. Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo deverá perdurar por prazo igual ao da pena corporal aplicada ao crime de contrabando. Neste sentido, destaco os julgados: APELAÇÃO CRIMINAL. DEFENSOR DATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CONTRABANDO DE CIGARROS. ART. 334-A, § 1º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. EFEITO EXTRAPENAL. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. DURAÇÃO DA PENAL APLICADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. (...) 5. Quanto ao pedido de atribuição de efeito permanente dirigir veículo automotor, à acusação não assiste razão. 6. Com efeito, acerca dos efeitos condenação, dispõe o artigo 92, inciso III, do Código Penal (in verbis): 'Art. 92 - São também efeitos da condenação: (...) III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso'. 7. In casu, tem-se dos termos da sentença, ora transcrito, que o réu foi condenado pela prática do crime de contrabando e, como efeito específico da sentença, teve decretada a inabilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 02 (dois) anos, tendo em vista a sua utilização para a prática delitiva. 8. Nesse contexto, tendo em vista que a lei nada dispôs sobre o prazo do efeito condenatório ora impugnado, a jurisprudência desta Corte Regional é no sentido de que o tempo de duração da medida deve corresponder ao da pena aplicada. 9. A duração da inabilitação pelo prazo da condenação atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, razão pela qual a atribuição do efeito permanente requerido pela acusação não deve ser acolhido. 10. Recurso da acusação não provido. (g.n.) (TRF3. Processo n.º 0001638-48.2015.4.03.6006 – Relator Desembargador Federal Paulo Fontes, 5ª Turma, julgado em 09.09.2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17.09.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. EFEITO EXTRAPENAL. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. PRAZO. 1. Não há reparo a ser feito quanto à aplicação do efeito extrapenal da condenação (inabilitação para dirigir veículo automotor), pois somente se exige que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como é o caso dos autos, no qual o veículo foi utilizado pelo acusado, de forma dolosa, para a consecução do crime de contrabando. Ademais, a medida mostra-se necessária parar coibir e desestimular novas práticas delituosas relacionadas ao transporte de mercadorias. 2. O efeito previsto no art. 92, III, do Código Penal independe de requerimento do Ministério Público, visto que decorre da condenação do acusado. 3. O Código Penal não prevê expressamente o tempo de duração da supracitada interdição, razão pela qual a jurisprudência que se formou no âmbito desta Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo perdurará por prazo igual ao da pena corporal aplicada. Precedentes. 4. Recursos improvidos. (g.n.)(TRF3. Processo n.º 0001547-21.2016.403.6006, Relator Desembargador Federal Nino Toldo, julgado em 05.02.2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11.02.2019). Dentro de tal contexto, de rigor o provimento do apelo aviado pelo Ministério Público Federal com o fito de aplicar o efeito extrapenal da condenação consistente em inabilitação para dirigir veículo automotor em relação a THIAGO ALVES PRATES, salientando-se, enfim, que tal efeito secundário perdurará pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade aplicada ao delito de descaminho. GRATUIDADE DA JUSTIÇA Em suas razões de Apelação, a defesa requer a concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita. Verifico, entretanto, que o benefício já foi concedido pelo magistrado sentenciante, que suspendeu a execução das custas processuais, motivo pelo qual o pleito não deve ser conhecido, por ausência de interesse processual. Das Penas Definitivas Fica definitivamente estabelecida a pena privativa de liberdade em 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime ABERTO, porém substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, cujo destinatário será definido pelo r. Juízo das Execuções Penais, e inabilitação para dirigir veículo automotor, que perdurará pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade aplicada ao delito de descaminho. CONCLUSÃO Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal e àquele veiculado pela defesa, para absolver THIAGO ALVES PRATES de todas as imputações delitivas, à exceção daquela relativa à prática do crime de descaminho em 29.10.2017, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal, e reduzir a pena privativa de liberdade para o mencionado delito ao patamar de 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime ABERTO, porém substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, cujo destinatário será definido pelo r. Juízo das Execuções Penais, e inabilitação para dirigir veículo automotor, que perdurará pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade aplicada ao delito de descaminho. Oficie-se ao r. Juízo das Execuções Penais.
E M E N T A
PENAL. ARTIGOS 334, CAPUT, E 334-A, CAPUT, NA FORMA DOS ARTS. 70, CAPUT, E 71, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL. CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO DE ACESSÓRIOS PARA NARGUILÉ, O PRIMEIRO PRATICADO DUAS VEZES, ISOLADAMENTE, ASSIM COMO O SEGUNDO, EM OUTRA OPORTUNIDADE, E AMBOS, EM CONCURSO FORMAL, EM MAIS DUAS OCASIÕES, CONSIDERADOS OS CINCO EPISÓDIOS DELITIVOS EM CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. INCONFORMISMO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. PARCIAL ACOLHIMENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE AO CRIME DE DESCAMINHO NA HIPÓTESE DE CONTUMÁCIA DELITIVA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. AUTORIA E DOLO, ENTRETANTO, DEMONSTRADOS SOMENTE COM RELAÇÃO À PRÁTICA ISOLADA DE UM DOS DELITOS DE DESCAMINHO. REQUERIMENTO DE DESCLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES DE CONTRABANDO PARA DESCAMINHO PREJUDICADO. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA AO MÍNIMO LEGAL FORMULADO PELA DEFESA ACOLHIDO. REJEIÇÃO DO PLEITO DE VALORAÇÃO DESFAVORÁVEL DA PERSONALIDADE DO RÉU FEITO PELO ÓRGÃO DE ACUSAÇÃO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N° 444 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TERCEIRA ETAPA. PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO PARCIAL DA CONTINUIDADE DELITIVA FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PREJUDICADO. AFASTAMENTO DA PENA SUBSTITUTIVA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA, EM RAZÃO DA REDUÇÃO DA SANÇÃO IMPOSTA. AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO QUE IMPEDE A FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS TRIBUTOS ILUDIDOS. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. CABIMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. BENEFÍCIO JÁ DEFERIDO NA SENTENÇA. NÃO CONHECIMENTO DO INCONFORMISMO DEFENSIVO NO PONTO. APELAÇÕES INTERPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E PELA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDAS.
- O réu foi condenado pela acusação relacionada à prática dos crimes tipificados nos arts. 334, caput (por quatro vezes), e 334-A, caput (por três vezes), ambos do Código Penal, em um total de cinco episódios delitivos, o primeiro relativo somente ao crime de contrabando, os dois seguintes aos delitos de descaminho e contrabando, em concurso formal, e os dois últimos somente ao ilícito de descaminho, todos os cinco eventos em continuidade delitiva.
- Princípio da Insignificância. Surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade. O quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo o parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância, ante o argumento de que se a conduta é considerada irrelevante na seara administrativa, deve de igual modo ser tida na seara penal. Sob esta ótica, o valor a ser considerado deve ser o aferido no momento da constituição definitiva do crédito tributário, excluídos os juros e multa aplicados ao valor do tributo sonegado já no momento da inscrição do crédito em dívida ativa. Antes o valor era de R$ 10.000,00, com fundamento no artigo 20 da Lei nº 10.522, de 19.07.2002, com a redação dada pela Lei nº 11.033, de 21.12.2004, e no artigo 14 da Lei nº 11.941, de 27.05.2009. Com o advento da edição das Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça revisou a tese anteriormente fixada no paradigma (REsp nº 1.112.748/TO), a fim de adequá-la ao entendimento externado pela Suprema Corte, no sentido de considerar o parâmetro estabelecido nestes atos infralegais, que estabeleceram o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como limite da aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho (RESP n. 1709029/MG).
- Contumácia delitiva. Na hipótese de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se obstinação deliberada de oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas. A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio da insignificância, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima. Em relação aos crimes tributários federais e de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para que determinada conduta seja reputada inofensiva. A lesão constante do Fisco por meio de comedidos delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente, observável pelo conjunto da obra criminosa. Portanto, a habitualidade delitiva constitui fator idôneo ao afastamento do princípio da insignificância, ainda que a conduta criminosa não supere o referencial de R$ 20.000,00 em matéria de crimes tributários federais e de descaminho.
- Além dos dois fatos com relação aos quais a defesa pede a absolvição do réu em razão da aduzida necessidade de incidência do princípio da insignificância, foi ele denunciado por outros cinco fatos, três dos quais resultaram em condenação nestes autos e dois que motivaram o oferecimento de denúncias próprias perante o juízo da 2ª Subseção Judiciária de Rio Verde/GO, da Justiça Federal da 1ª Região, motivo pelo qual deve ser rechaçado o pleito absolutório.
- A materialidade dos crimes de contrabando e descaminho encontra-se demonstrada por Termo de Retenção de Mercadorias, Relações de Mercadorias, Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias, Boletins de Ocorrência e Autos de Infração e Apreensão de Mercadorias e Veículos.
- A autoria delitiva, por outro lado, está comprovada apenas em relação a um dos crimes de descaminho que foram imputados ao réu, aquele praticado em 29.10.2017. Isso porque, além de na fase inquisitiva da persecução penal não ter sido produzida prova oral em relação aos fatos objeto deste processo (os dois Autos de Prisão em Flagrante acostados aos autos dizem respeito aos episódios que foram objeto de denúncias próprias perante a Justiça Federal da 1ª Região), a totalidade da prova judicial consiste em apenas dois depoimentos, um dos quais, porém, não possui qualquer valor probante, uma vez que foi iniciado e encerrado com a ressalva do declarante de que não se recordava do episódio delitivo. Remanescem, portanto, somente as palavras do policial militar responsável por apenas uma do total de cinco apreensões, todas realizadas em datas distintas. O réu, por sua vez, não foi ouvido em audiência de instrução e julgamento, uma vez que, devidamente intimado, deixou de comparecer ao ato. Aliás, não é demais lembrar que, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal, “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Por conseguinte, a absolvição do réu em relação aos fatos praticados em 30.07.2015, 14.04.2016, 18.08.2016 e 07.06.2017 é medida que se impõe, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal.
- Fica, assim, prejudicado o pedido de afastamento parcial da continuidade delitiva, formulado pelo órgão de acusação, assim como aquele de desclassificação das condutas de contrabando para descaminho, feito pela defesa.
- Na primeira fase da dosimetria, deve ser afastada a valoração desfavorável da conduta social do réu, bem como rechaçado o pleito ministerial de avaliação negativa de sua personalidade, em razão do contido na Súmula n° 444 do Superior Tribunal de Justiça.
- Em consequência da redução da sanção, acolhe-se o pedido da defesa de substituição da pena privativa de liberdade por somente uma restritiva de direitos.
- Imposta na esfera administrativa a pena de perdimento dos bens apreendidos, não há constituição definitiva do crédito tributário, motivo pelo qual é descabida a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos.
- O réu fez uso de automóvel com o fito de transportar carga de equipamentos eletrônicos descaminhados, perpetrando, desta feita, o delito doloso elencado no art. 334, caput, do Código Penal. Do Boletim de Ocorrência acostado aos autos, aliás, extrai-se que “o veículo FIAT UNO de Placa NWE1613 de RIO VERDE GO estava carregado com auto falantes (sic) (...) sendo identificado como condutor do veículo a pessoa de THIAGO ALVES PRATES, que segundo o mesmo havia no veículo 60 pares de auto falantes de 8 polegadas, e 10 pares de auto falantes 6x9 polegadas avaliados aproximadamente em R$ 10.000,00 (dez mil reais)” (Id 165830638 – fl. 62). Assim, mostra-se imperiosa, com o fito de atingir os objetivos de repressão e de prevenção, a decretação a indicado agente, como efeito secundário de sua condenação, da inabilitação para dirigir veículos automotores (de qualquer categoria).
- Por outro lado, a inabilitação deve ser fixada pelo mesmo período da pena corporal aplicada para o crime de contrabando. De certo, o artigo 92 do Código Penal não estabelece prazo de duração para o efeito extrapenal ora em comento, porém, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência que se formou nesta E. Corte é no sentido de que a inabilitação para dirigir veículo deverá perdurar por prazo igual ao da pena corporal aplicada ao crime de contrabando.
- Concedido ao réu o benefício da justiça gratuita na sentença, não há interesse recursal no ponto.
- Recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pela defesa parcialmente providos, para absolver THIAGO ALVES PRATES de todas as imputações delitivas, à exceção daquela relativa à prática do crime de descaminho em 29.10.2017, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal, e reduzir a pena privativa de liberdade para o mencionado delito ao patamar de 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime ABERTO, porém substituída por uma restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, cujo destinatário será definido pelo r. Juízo das Execuções Penais, e inabilitação para dirigir veículo automotor, que perdurará pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade aplicada ao delito de descaminho.