APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0006020-73.2017.4.03.6181
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: JOAO DE DEUS DOS SANTOS, IVAN BARBETTO
Advogados do(a) APELADO: JAKSON CLAYTON DE ALMEIDA - SP199005-A, JOSE ANTONIO DE OLIVEIRA CARVALHO - SP132463-A, RAFAEL ALVES DE FIGUEIREDO - SP306117-A, ROGERIO JOSE CAZORLA - SP133319-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0006020-73.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: JOAO DE DEUS DOS SANTOS, IVAN BARBETTO Advogados do(a) APELADO: JAKSON CLAYTON DE ALMEIDA - SP199005-A, JOSE ANTONIO DE OLIVEIRA CARVALHO - SP132463-A, RAFAEL ALVES DE FIGUEIREDO - SP306117-A, ROGERIO JOSE CAZORLA - SP133319-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelação interposta pelo Ministério Público Federal em face da r. sentença (ID n. 262177823) proferida pelo Exmo. Juiz Federal Ali Mazloum (7ª Vara Federal de São Paulo), que julgou IMPROCEDENTE a Ação Penal e ABSOLVEU JOÃO DE DEUS DOS SANTOS (nascido em 13.03.1956) e IVAN BARBETTO (nascido em 16.04.1969) da prática dos delitos imputados na denúncia e no aditamento, com fundamento no artigo 386, VII, do Código Processo Penal. Narra a denúncia (fls. 03/06- ID n. 262177027) que: Consta do inquérito policial em anexo que JOÃO DE DEUS DOS SANTOS adquiriu, guardou e teve em cativeiro ou depósito 1 (uma) ave silvestre em situação irregular, bem como alterou, falsificou e fez uso indevido de 1 (um) símbolo utilizado pelo IBAMA, denominado “anilha”. Convém salientar que a anilha é um documento federal materializador de um sinal público, emitido pelo IBAMA, semelhante a um anel de metal, preso à pata do animal, cujo objetivo é a identificação de passeriformes silvestres para controle do IBAMA nos termos da legislação vigente (IN 10/2011). Toda ave silvestre pertencente a criador passeriforme registrado no IBAMA deve portar referido sinal público fornecido pela autarquia, utilizado para comprovar que o animal que a ostenta está devidamente regularizado perante o referido órgão. Primeiramente, o denunciado incorreu no crime do art. 29, § 1º, III da Lei nº 9.605/98. Isso porque em 19 de outubro de 2016, por volta das 10h37, em procedimento de fiscalização, policiais militares ambientais realizaram diligência na residência do denunciado, localizada à Rua João Fugulin, nº 481 – Jd. Germânia – São Paulo/SP, e, em situação de flagrância, encontraram 1 (uma) ave silvestre, a qual JOÃO DE DEUS DOS SANTOS adquiriu, guardou e manteve em cativeiro em situação irregular, vez que a mesma portava anilha falsa. A procedência irregular da referida ave está comprovada, conforme ficha controle de entrada de animal do CRAS/PET (fls. 4) e boletim de ocorrência ambiental (fls. 15/19) e tal ave apreendida tratava-se de 1 (uma) ave “coleirinha”, nome científico Sporophila caerulescens, que portava anilha de nº IBAMA 02-03 SP 2,2 2036, falsa por alargamento e corte. Assim, o denunciado também cometeu o crime previsto no art. 296, § 1º, III do Código Penal, já que a falsidade da anilha acima descrita foi demonstrada por meio de laudo pericial elaborado pelo Núcleo de Criminalística da Polícia Federal (fls. 24/30). A denúncia foi inicialmente rejeitada pelo i. Juízo a quo (ID 262177027 – pág. 8/9), sendo que, após interposição de Recurso em Sentido Estrito pela acusação (ID 262177027 – pág. 12/15), foi recebida pelo E. TRF da 3ª Região em 04.09.2018 (ID 262177027 – pág. 59/60). Com o retorno dos autos à 1ª instância, após citação do denunciado (ID 262177027 – pág. 100/102) e apresentação de resposta à acusação pela defesa (ID 262177027 – pág. 108/113), o MPF apresentou aditamento à denúncia para acrescentar a JOÃO DE DEUS DOS SANTOS a prática do delito previsto no art. 313- A do Código Penal e incluir o corréu IVAN BARBETTO também como incurso no art. 313-A do Código Penal (ID 262177027 – pág. 126/132), nos seguintes termos: Os crimes apurados no inquérito policial ora anexado (0066/2018-13 – 3000.2018.002531-9) são conexos aos crimes dos art. 296, § 1º, III do Código Penal e art. 29, § 1º, inciso III da Lei nº 9.605/98 pelos quais JOÃO DE DEUS DOS SANTOS já é processado nesta ação penal, por ter adquirido, guardado e tido em cativeiro ou depósito 1 (uma) ave silvestre “coleirinha” em situação irregular, bem como por ter alterado, falsificado e feito uso indevido de 1 (um) símbolo utilizado pelo IBAMA, denominado “anilha”, de identificação “IBAMA 02-03 SP 2,2 2036”. Nos autos do inquérito policial 3000.2018.002531-9, com base no qual oferece-se o presente aditamento à denúncia, apurou-se que o denunciado JOÃO DE DEUS DOS SANTOS cometeu o crime do art. 313-A c.c. art. 30 do Código Penal em concurso de agentes com IVAN BARBETTO, pois ambos inseriram e facilitaram a inserção de dados falsos e alteraram indevidamente dados corretos no sistema informatizado SISPASS do IBAMA, a fim de obterem vantagem indevida para o primeiro corréu mencionado. Dentre os dados falsos inseridos por IVAN BARBETTO e JOÃO DE DEUS DOS SANTOS no referido sistema eletrônico estava a expedição fraudulenta de anilha de identificação única “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, justamente a numeração gravada em anilha falsa apreendida na residência de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, conforme fls. 24/30 do inquérito policial 0029/2017-13. Pelo exposto, os crimes descritos neste aditamento são conexos aos crimes pelos quais JOÃO DE DEUS DOS SANTOS já é processado na presente ação penal. Faz-se necessária uma breve explicação acerca do funcionamento do SISPASS – Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros e da atuação criminosa executada pelos denunciados, para que melhor se possa compreender as condutas criminosas praticadas e a seguir descritas. À época do cometimento dos crimes ora imputados aos denunciados, em período compreendido entre 20/08/2012 e 08/04/2014, IVAN BARBETTO era funcionário de empresa privada contratada para prestar serviços ao IBAMA, em razão da terceirização de parte de suas atividades pela autarquia, e tinha como uma de suas funções a operação do sistema eletrônico “SISPASS”. Já JOÃO DE DEUS DOS SANTOS era criador amador de passeriformes regularmente cadastrado no SISPASS. O SISPASS foi instituído pela Instrução Normativa de nº 01/2003 e consiste em sistema informatizado de banco de dados no qual criadores amadores de passeriformes devem prestar contas ao IBAMA acerca das aves silvestres criadas em seu viveiro. Assim, a título de exemplificação, no referido sistema os criadores amadores devem solicitar licença para criação de aves silvestres, informar nascimento e óbitos de aves de seu plantel, solicitar anilhas para identificação dos animais, etc. (fls. 87/88). O referido sistema informatizado possui dois ambientes: um ambiente interno de produção, acessado por servidores e funcionários do IBAMA e um ambiente externo acessado pelos criadores. Em ambos os ambientes o acesso se faz por meio de digitação de CPF e senha (fls. 99/100). Uma das fraudes executadas pelos denunciados está relacionada à utilização da ferramenta eletrônica “entrega de anilhas”. Inicialmente, necessário pontuar que o nascimento de um filhote de passeriforme deve ser registrado no SISPASS pelo criador amador, o qual também deve solicitar ao IBAMA o envio de uma anilha que estará vinculada àquele animal pela sua numeração única, e deverá ser fisicamente aposta na pata do animal. Até 19 de agosto de 2012, os operadores do módulo interno do IBAMA eram os responsáveis pelo cadastramento de anilhas no sistema para posterior entrega das mesmas aos criadores nas unidades da autarquia ou presencialmente por servidores no endereço do criador. Todavia, a partir de 20 de agosto de 2012, a empresa “Anilhas Capri Indústria e Comércio Ltda”, em razão de terceirização praticada pelo IBAMA, passou a ser responsável pela produção, emissão e entrega de anilhas aos criadores amadores cadastrados no SISPASS. Com o credenciamento da empresa “Anilhas Capri”, a ferramenta “entregar anilha” da plataforma SISPASS perdeu sua utilidade, já que o IBAMA deixou de ser o responsável por emitir e entregar as anilhas aos criadores, conforme exposto acima. Todavia, por uma falha operacional, tal ferramenta não foi desativada após a data de 20 de agosto de 2012, e passou a ser utilizada pelos denunciados para a prática de fraudes, com o fim de dar aparência de legalidade a pássaros cuja origem era ilegal, em uma tentativa de burlar eventual fiscalização. Em outras palavras, embora o IBAMA tenha terceirizado as atividades de emissão e entrega de anilhas aos criadores, por um erro, não desabilitou a ferramenta eletrônica “entregar anilhas” do SISPASS, gerando uma brecha no sistema da qual se aproveitaram os denunciados para a prática de crimes. Isso porque o denunciado IVAN BARBETTO, enquanto funcionário do IBAMA, servindo-se dessa falha, passou a gerar fraudulentamente números de anilhas e vinculá-las ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, cadastrado como criador de aves no SISPASS, tudo com o fim de dar ares de legalidade a aves silvestres de origem ilegal. A fraude era executada da seguinte forma: o denunciado IVAN BARBETTO, enquanto funcionário do IBAMA, se utilizava da ferramenta “entregar anilha” - a qual, por uma falha, estava habilitada – para fraudulentamente gerar um número de anilha e vinculá-lo virtualmente ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, cadastrado no SISPASS como criador amador. Posteriormente, JOÃO DE DEUS DOS SANTOS providenciava a falsificação de uma anilha com a numeração fornecida por IVAN BARBETTO e prendia o documento falsificado na pata da ave ilegal. Assim, conforme relatório elaborado pelo IBAMA a fls. 99/203, IVAN BARBETTO, por meio de seu CPF, e em conluio com JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, operou a ferramenta “entregar anilha”, que não possuía mais utilidade a partir de 20 de agosto de 2012, por ao menos quatro vezes, para inserir os seguintes dados falsos no sistema informatizado SISPASS, vinculados ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, em benefício deste, consistentes em números de anilhas fraudulentamente gerados e que nunca foram fisicamente entregues pelo IBAMA, a fim de dar aparência de legalidade a aves silvestres de origem ilegal. Os dados falsos inseridos pelos denunciados encontram-se a seguir elencados: 1. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2033 entregue”; 2. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2034 entregue”; 3. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2035 entregue”; 4. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2036 entregue”. Ressalte-se que todas as quatro operações acima descritas foram realizadas no mesmo dia e horário. Como aludido alhures, o modus operandi dos denunciados apresentava duas fases. A primeira consistia na geração fraudulenta de um número de anilha e vinculação desta numeração ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS. A segunda consistia na fabricação de uma anilha falsa com a numeração gerada fraudulentamente que deveria ser colocada na pata do animal ao qual os denunciados desejavam dar aparência de legalidade, ou seja, ao animal “esquentado”. Tal cadeia criminosa resta perfeitamente comprovada quando se verifica que a numeração de anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2036, inserida de forma fraudulenta pelos denunciados no cadastro vinculado ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, acima descrita, foi inserida em anilha falsa encontrada na residência do denunciado, aposta a uma ave “coleirinha”, conforme laudo pericial de fls. 24/30 do inquérito policial 0029/2017-13, anexado à presente ação penal. A cadeia criminosa resta também comprovada quando se verifica que as quatro numerações de anilhas, acima mencionadas, fraudulentamente geradas por meio do CPF de IVAN BARBETTO em 06/01/2014, foram vinculadas, em mesma data, por meio do CPF do criador JOÃO DE DEUS DOS SANTOS a filhotes supostamente nascidos na data de 23/12/2013 em cativeiro em seu plantel (conforme relatório do IBAMA, fls. 101-verso e 102-verso). Em outras palavras, JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, em conluio com IVAN BARBETTO, operou ferramenta eletrônica no SISPASS, por ao menos quatro vezes, para inserir dados falsos no sistema, consistentes no nascimento de quatro filhotes em seu plantel, vinculando-os às anilhas fraudulentamente geradas por meio do CPF do então servidor do IBAMA IVAN BARBETTO. Os dados falsos inseridos pelos denunciados encontram-se a seguir elencados: 1. Em 06/01/2014, às 9h11, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2033”; 2. Em 06/01/2014, às 9h12, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2034”; 3. Em 06/01/2014, às 9h12, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2035”; 4. Em 06/01/2014, às 9h13, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036” Além de fraudulentamente cadastrarem aves ilegais no SISPASS, os denunciados também alteravam, por meio de operação fraudulenta, a data de nascimento dos animais cadastrada na plataforma eletrônica. Conforme relatório do IBAMA (fls. 99- verso/100), o criador amador era o responsável pelo cadastro da data de nascimento das aves nascidas em seu plantel em um prazo de 15 (quinze) dias a contar do nascimento (cf. IN IBAMA 10/2011), ou seja, o criador amador só conseguia cadastrar junto ao SISPASS aves ainda filhotes, recém-nascidas. Todavia, os denunciados inseriam dados falsos no sistema para alterar a data de nascimento dessas aves, “envelhecendo-as”, o que possibilitava que a essas aves, agora virtualmente adultas, fossem vinculados novos filhotes, dando continuidade à fraude, portanto. A alteração da data de nascimento das aves também servia para que estas fossem transferidas a outros criadores, já que tal processo de transferência só era autorizado pelo SISPASS se as aves transferidas fossem adultas (fls. 99-verso/100). Assim, conforme relatório de fraudes elaborado pelo IBAMA a fls. 101-verso/102- verso, IVAN BARBETTO, por meio de seu CPF, em conluio e unidade de desígnios com JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, por ao menos quatro vezes, inseriu dados falsos no sistema informatizado SISPASS, vinculados ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, em benefício deste, a fim de dar aparência de legalidade a aves silvestres de origem ilegal, consistentes em alteração de datas de nascimento de aves. Conforme descrito a seguir, os denunciados: 1. Em 06/01/2014, às 10h00, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2033”, de 27/12/2013 para 30/09/2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 2. Em 06/01/2014, às 9h58, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2034”, de 27/12/2013 para 21/12/2012. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 3. Em 06/01/2014, às 9h56, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2035”, de 27/12/2013 para 21/12/2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 4. Em 06/01/2014, às 9h57, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, de 27/12/2013 para 21/12/2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. Ressalte-se que todos os dados falsos acima descritos, referentes a aves que foram fraudulentamente vinculadas às anilhas de nºs IBAMA 02/03 SP 2,2 2033, IBAMA 02/03 SP 2,2 2034, IBAMA 02/03 SP 2,2 2035 e IBAMA 02/03 SP 2,2 2036, foram inseridos no SISPASS do IBAMA, em conluio e unidade de desígnios pelos denunciados JOÃO DE DEUS DOS SANTOS e IVAN BARBETTO, na mesma data, ou seja, 06/01/2014, em um intervalo de menos de duas horas, ora com o CPF de um denunciado, ora com o CPF do outro – tudo conforme descrito acima. Dessa forma, JOÃO DE DEUS foi denunciado como incurso pelos delitos do art. 29, § 1º, III da Lei nº 9.605/1998 e do art. 313-A e 296, § 1º, III, ambos do Código Penal , ao passo que IVAN BARBETTO restou denunciado tão somente pelo delito do art. 313-A do Código Penal. O aditamento da inicial acusatória foi recebido em 03.07.2019 (ID 262177027 – pág. 133/142). Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença, cuja publicação deu-se em 18.07.2022. Em suas razões de Apelação, o Ministério Público Federal (ID n. 262177826) requer seja o presente recurso conhecido e provido, a fim de que a r. sentença recorrida seja totalmente reformada, condenando-se o apelado JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelos crimes previstos nos arts. 29, § 1º, inciso III da Lei nº 9.605/98, 296, § 1º, III do Código Penal e art. 313-A do Código Penal c.c. art. 30 do Código Penal, e IVAN BARBETTO pelo crime previsto no art. 313-A do Código Penal c.c. art. 30 do Código Penal, nos exatos termos da denúncia e aditamento. Contrarrazões da defesa de JOÃO DE DEUS e da Defensoria Pública da União, em favor de IVAN, devidamente apresentadas (ID n. 262177831 e 262177934). A Procuradoria Regional da República, em seu parecer (ID n. 262969501), opina pelo provimento do recurso da acusação, com a condenação dos acusados, nos termos da denúncia e aditamento. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0006020-73.2017.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: JOAO DE DEUS DOS SANTOS, IVAN BARBETTO Advogados do(a) APELADO: JAKSON CLAYTON DE ALMEIDA - SP199005-A, JOSE ANTONIO DE OLIVEIRA CARVALHO - SP132463-A, RAFAEL ALVES DE FIGUEIREDO - SP306117-A, ROGERIO JOSE CAZORLA - SP133319-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA: Confirmo o relatório. DA IMPUTAÇÃO Narra a denúncia (fls. 03/06- ID n. 262177027) que: Consta do inquérito policial em anexo que JOÃO DE DEUS DOS SANTOS adquiriu, guardou e teve em cativeiro ou depósito 1 (uma) ave silvestre em situação irregular, bem como alterou, falsificou e fez uso indevido de 1 (um) símbolo utilizado pelo IBAMA, denominado “anilha”. Convém salientar que a anilha é um documento federal materializador de um sinal público, emitido pelo IBAMA, semelhante a um anel de metal, preso à pata do animal, cujo objetivo é a identificação de passeriformes silvestres para controle do IBAMA nos termos da legislação vigente (IN 10/2011). Toda ave silvestre pertencente a criador passeriforme registrado no IBAMA deve portar referido sinal público fornecido pela autarquia, utilizado para comprovar que o animal que a ostenta está devidamente regularizado perante o referido órgão. Primeiramente, o denunciado incorreu no crime do art. 29, § 1º, III da Lei nº 9.605/98. Isso porque em 19 de outubro de 2016, por volta das 10h37, em procedimento de fiscalização, policiais militares ambientais realizaram diligência na residência do denunciado, localizada à Rua João Fugulin, nº 481 – Jd. Germânia – São Paulo/SP, e, em situação de flagrância, encontraram 1 (uma) ave silvestre, a qual JOÃO DE DEUS DOS SANTOS adquiriu, guardou e manteve em cativeiro em situação irregular, vez que a mesma portava anilha falsa. A procedência irregular da referida ave está comprovada, conforme ficha controle de entrada de animal do CRAS/PET (fls. 4) e boletim de ocorrência ambiental (fls. 15/19) e tal ave apreendida tratava-se de 1 (uma) ave “coleirinha”, nome científico Sporophila caerulescens, que portava anilha de nº IBAMA 02-03 SP 2,2 2036, falsa por alargamento e corte. Assim, o denunciado também cometeu o crime previsto no art. 296, § 1º, III do Código Penal, já que a falsidade da anilha acima descrita foi demonstrada por meio de laudo pericial elaborado pelo Núcleo de Criminalística da Polícia Federal (fls. 24/30). A denúncia foi inicialmente rejeitada pelo i. Juízo a quo (ID 262177027 – pág. 8/9), sendo que, após interposição de Recurso em Sentido Estrito pela acusação (ID 262177027 – pág. 12/15), foi recebida pelo E. TRF da 3ª Região em 04.09.2018 (ID 262177027 – pág. 59/60). Com o retorno dos autos à 1ª instância, após citação do denunciado (ID 262177027 – pág. 100/102) e apresentação de resposta à acusação pela defesa (ID 262177027 – pág. 108/113), o MPF apresentou aditamento à denúncia para acrescentar a JOÃO DE DEUS DOS SANTOS a prática do delito previsto no art. 313- A do Código Penal e incluir o corréu IVAN BARBETTO também como incurso no art. 313-A do Código Penal (ID 262177027 – pág. 126/132), nos seguintes termos: Os crimes apurados no inquérito policial ora anexado (0066/2018-13 – 3000.2018.002531-9) são conexos aos crimes dos art. 296, § 1º, III do Código Penal e art. 29, § 1º, inciso III da Lei nº 9.605/98 pelos quais JOÃO DE DEUS DOS SANTOS já é processado nesta ação penal, por ter adquirido, guardado e tido em cativeiro ou depósito 1 (uma) ave silvestre “coleirinha” em situação irregular, bem como por ter alterado, falsificado e feito uso indevido de 1 (um) símbolo utilizado pelo IBAMA, denominado “anilha”, de identificação “IBAMA 02-03 SP 2,2 2036”. Nos autos do inquérito policial 3000.2018.002531-9, com base no qual oferece-se o presente aditamento à denúncia, apurou-se que o denunciado JOÃO DE DEUS DOS SANTOS cometeu o crime do art. 313-A c.c. art. 30 do Código Penal em concurso de agentes com IVAN BARBETTO, pois ambos inseriram e facilitaram a inserção de dados falsos e alteraram indevidamente dados corretos no sistema informatizado SISPASS do IBAMA, a fim de obterem vantagem indevida para o primeiro corréu mencionado. Dentre os dados falsos inseridos por IVAN BARBETTO e JOÃO DE DEUS DOS SANTOS no referido sistema eletrônico estava a expedição fraudulenta de anilha de identificação única “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, justamente a numeração gravada em anilha falsa apreendida na residência de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, conforme fls. 24/30 do inquérito policial 0029/2017-13. Pelo exposto, os crimes descritos neste aditamento são conexos aos crimes pelos quais JOÃO DE DEUS DOS SANTOS já é processado na presente ação penal. Faz-se necessária uma breve explicação acerca do funcionamento do SISPASS – Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros e da atuação criminosa executada pelos denunciados, para que melhor se possa compreender as condutas criminosas praticadas e a seguir descritas. À época do cometimento dos crimes ora imputados aos denunciados, em período compreendido entre 20/08/2012 e 08/04/2014, IVAN BARBETTO era funcionário de empresa privada contratada para prestar serviços ao IBAMA, em razão da terceirização de parte de suas atividades pela autarquia, e tinha como uma de suas funções a operação do sistema eletrônico “SISPASS”. Já JOÃO DE DEUS DOS SANTOS era criador amador de passeriformes regularmente cadastrado no SISPASS. O SISPASS foi instituído pela Instrução Normativa de nº 01/2003 e consiste em sistema informatizado de banco de dados no qual criadores amadores de passeriformes devem prestar contas ao IBAMA acerca das aves silvestres criadas em seu viveiro. Assim, a título de exemplificação, no referido sistema os criadores amadores devem solicitar licença para criação de aves silvestres, informar nascimento e óbitos de aves de seu plantel, solicitar anilhas para identificação dos animais, etc. (fls. 87/88). O referido sistema informatizado possui dois ambientes: um ambiente interno de produção, acessado por servidores e funcionários do IBAMA e um ambiente externo acessado pelos criadores. Em ambos os ambientes o acesso se faz por meio de digitação de CPF e senha (fls. 99/100). Uma das fraudes executadas pelos denunciados está relacionada à utilização da ferramenta eletrônica “entrega de anilhas”. Inicialmente, necessário pontuar que o nascimento de um filhote de passeriforme deve ser registrado no SISPASS pelo criador amador, o qual também deve solicitar ao IBAMA o envio de uma anilha que estará vinculada àquele animal pela sua numeração única, e deverá ser fisicamente aposta na pata do animal. Até 19 de agosto de 2012, os operadores do módulo interno do IBAMA eram os responsáveis pelo cadastramento de anilhas no sistema para posterior entrega das mesmas aos criadores nas unidades da autarquia ou presencialmente por servidores no endereço do criador. Todavia, a partir de 20 de agosto de 2012, a empresa “Anilhas Capri Indústria e Comércio Ltda”, em razão de terceirização praticada pelo IBAMA, passou a ser responsável pela produção, emissão e entrega de anilhas aos criadores amadores cadastrados no SISPASS. Com o credenciamento da empresa “Anilhas Capri”, a ferramenta “entregar anilha” da plataforma SISPASS perdeu sua utilidade, já que o IBAMA deixou de ser o responsável por emitir e entregar as anilhas aos criadores, conforme exposto acima. Todavia, por uma falha operacional, tal ferramenta não foi desativada após a data de 20 de agosto de 2012, e passou a ser utilizada pelos denunciados para a prática de fraudes, com o fim de dar aparência de legalidade a pássaros cuja origem era ilegal, em uma tentativa de burlar eventual fiscalização. Em outras palavras, embora o IBAMA tenha terceirizado as atividades de emissão e entrega de anilhas aos criadores, por um erro, não desabilitou a ferramenta eletrônica “entregar anilhas” do SISPASS, gerando uma brecha no sistema da qual se aproveitaram os denunciados para a prática de crimes. Isso porque o denunciado IVAN BARBETTO, enquanto funcionário do IBAMA, servindo-se dessa falha, passou a gerar fraudulentamente números de anilhas e vinculá-las ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, cadastrado como criador de aves no SISPASS, tudo com o fim de dar ares de legalidade a aves silvestres de origem ilegal. A fraude era executada da seguinte forma: o denunciado IVAN BARBETTO, enquanto funcionário do IBAMA, se utilizava da ferramenta “entregar anilha” - a qual, por uma falha, estava habilitada – para fraudulentamente gerar um número de anilha e vinculá-lo virtualmente ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, cadastrado no SISPASS como criador amador. Posteriormente, JOÃO DE DEUS DOS SANTOS providenciava a falsificação de uma anilha com a numeração fornecida por IVAN BARBETTO e prendia o documento falsificado na pata da ave ilegal. Assim, conforme relatório elaborado pelo IBAMA a fls. 99/203, IVAN BARBETTO, por meio de seu CPF, e em conluio com JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, operou a ferramenta “entregar anilha”, que não possuía mais utilidade a partir de 20 de agosto de 2012, por ao menos quatro vezes, para inserir os seguintes dados falsos no sistema informatizado SISPASS, vinculados ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, em benefício deste, consistentes em números de anilhas fraudulentamente gerados e que nunca foram fisicamente entregues pelo IBAMA, a fim de dar aparência de legalidade a aves silvestres de origem ilegal. Os dados falsos inseridos pelos denunciados encontram-se a seguir elencados: 1. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2033 entregue”; 2. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2034 entregue”; 3. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2035 entregue”; 4. Em 06/01/2014, às 8h45, inseriram a informação falsa “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2036 entregue”. Ressalte-se que todas as quatro operações acima descritas foram realizadas no mesmo dia e horário. Como aludido alhures, o modus operandi dos denunciados apresentava duas fases. A primeira consistia na geração fraudulenta de um número de anilha e vinculação desta numeração ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS. A segunda consistia na fabricação de uma anilha falsa com a numeração gerada fraudulentamente que deveria ser colocada na pata do animal ao qual os denunciados desejavam dar aparência de legalidade, ou seja, ao animal “esquentado”. Tal cadeia criminosa resta perfeitamente comprovada quando se verifica que a numeração de anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2036, inserida de forma fraudulenta pelos denunciados no cadastro vinculado ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, acima descrita, foi inserida em anilha falsa encontrada na residência do denunciado, aposta a uma ave “coleirinha”, conforme laudo pericial de fls. 24/30 do inquérito policial 0029/2017-13, anexado à presente ação penal. A cadeia criminosa resta também comprovada quando se verifica que as quatro numerações de anilhas, acima mencionadas, fraudulentamente geradas por meio do CPF de IVAN BARBETTO em 06/01/2014, foram vinculadas, em mesma data, por meio do CPF do criador JOÃO DE DEUS DOS SANTOS a filhotes supostamente nascidos na data de 23/12/2013 em cativeiro em seu plantel (conforme relatório do IBAMA, fls. 101-verso e 102-verso). Em outras palavras, JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, em conluio com IVAN BARBETTO, operou ferramenta eletrônica no SISPASS, por ao menos quatro vezes, para inserir dados falsos no sistema, consistentes no nascimento de quatro filhotes em seu plantel, vinculando-os às anilhas fraudulentamente geradas por meio do CPF do então servidor do IBAMA IVAN BARBETTO. Os dados falsos inseridos pelos denunciados encontram-se a seguir elencados: 1. Em 06/01/2014, às 9h11, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2033”; 2. Em 06/01/2014, às 9h12, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2034”; 3. Em 06/01/2014, às 9h12, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2035”; 4. Em 06/01/2014, às 9h13, por meio do IP 186.220.88.249, declararam falsamente o nascimento de uma ave no plantel de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, supostamente ocorrido em 23/12/2013 (fls. 102-verso), e vincularam-na à anilha fraudulentamente gerada pelo CPF de IVAN BARBETTO de nº “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036” Além de fraudulentamente cadastrarem aves ilegais no SISPASS, os denunciados também alteravam, por meio de operação fraudulenta, a data de nascimento dos animais cadastrada na plataforma eletrônica. Conforme relatório do IBAMA (fls. 99- verso/100), o criador amador era o responsável pelo cadastro da data de nascimento das aves nascidas em seu plantel em um prazo de 15 (quinze) dias a contar do nascimento (cf. IN IBAMA 10/2011), ou seja, o criador amador só conseguia cadastrar junto ao SISPASS aves ainda filhotes, recém-nascidas. Todavia, os denunciados inseriam dados falsos no sistema para alterar a data de nascimento dessas aves, “envelhecendo-as”, o que possibilitava que a essas aves, agora virtualmente adultas, fossem vinculados novos filhotes, dando continuidade à fraude, portanto. A alteração da data de nascimento das aves também servia para que estas fossem transferidas a outros criadores, já que tal processo de transferência só era autorizado pelo SISPASS se as aves transferidas fossem adultas (fls. 99-verso/100). Assim, conforme relatório de fraudes elaborado pelo IBAMA a fls. 101-verso/102- verso, IVAN BARBETTO, por meio de seu CPF, em conluio e unidade de desígnios com JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, por ao menos quatro vezes, inseriu dados falsos no sistema informatizado SISPASS, vinculados ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, em benefício deste, a fim de dar aparência de legalidade a aves silvestres de origem ilegal, consistentes em alteração de datas de nascimento de aves. Conforme descrito a seguir, os denunciados: 1. Em 06/01/2014, às 10h00, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2033”, de 27/12/2013 para 30/09/2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 2. Em 06/01/2014, às 9h58, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2034”, de 27/12/2013 para 21/12/2012. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 3. Em 06/01/2014, às 9h56, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2035”, de 27/12/2013 para 21/12/2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 4. Em 06/01/2014, às 9h57, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, de 27/12/2013 para 21/12/2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. Ressalte-se que todos os dados falsos acima descritos, referentes a aves que foram fraudulentamente vinculadas às anilhas de nºs IBAMA 02/03 SP 2,2 2033, IBAMA 02/03 SP 2,2 2034, IBAMA 02/03 SP 2,2 2035 e IBAMA 02/03 SP 2,2 2036, foram inseridos no SISPASS do IBAMA, em conluio e unidade de desígnios pelos denunciados JOÃO DE DEUS DOS SANTOS e IVAN BARBETTO, na mesma data, ou seja, 06/01/2014, em um intervalo de menos de duas horas, ora com o CPF de um denunciado, ora com o CPF do outro – tudo conforme descrito acima. Dessa forma, JOÃO DE DEUS foi denunciado como incurso pelos delitos do art. 29, § 1º, III da Lei nº 9.605/1998 e do art. 313-A e 296, § 1º, III, ambos do Código Penal, ao passo que IVAN BARBETTO restou denunciado tão somente pelo delito do art. 313-A do Código Penal. DA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE DO RÉU JOÃO DE DEUS DOS SANTOS QUANTO AO DELITO DE MANUTENÇÃO IRREGULAR DE AVES (ART. 29, § 1º, III, DA LEI Nº 9.605/1998) É o caso de reconhecer-se a extinção da punibilidade da imputação formulada em face de JOÃO DE DEUS quanto ao delito de manutenção irregular de aves (art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998). Consigne-se, inicialmente, que a prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do artigo 61 do Código de Processo Penal). É certo que o Código Penal prevê duas modalidades de prescrição: Prescrição da Pretensão Punitiva, a qual, de acordo com a doutrina, subdivide-se em: i) abstrata (regula-se pela pena máxima cominada in abstrato), ii) superveniente ou intercorrente (que, em tendo havido trânsito em julgado para a acusação, efetiva-se pela pena in concreto, sempre após a data em que foi publicada a sentença ou acórdão condenatórios) e iii) retroativa (que ocorre pela pena in concreto, mas "para trás", isto é, em relação aos lapsos entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia e entre este e a publicação da sentença condenatória. Atente-se que, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, a qual, por sua vez, somente se aplica a fatos ocorridos a partir de sua vigência, não se há mais de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia ou queixa. Prescrição da Pretensão Executória, a qual se regula pela pena in concreto e, em princípio, após o trânsito em julgado para ambas as partes. Atente-se que, acerca desse tema, é relevante destacar o entendimento recentemente adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o princípio da não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto no art. 283 do Código de Processo Penal, nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no sentido de que não há óbice ao início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado para ambas as partes, desde que esgotados os recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias (primeira e segunda instâncias). Assim, confirmada a condenação e exaurido o segundo grau de jurisdição, passa-se à pretensão executória, pois a execução já se viabiliza e há prazo para o seu início, de modo que, nesse contexto, existe a possibilidade de, excepcionalmente, iniciar-se a contagem do prazo da prescrição da pretensão executória antes de haver trânsito em julgado para ambas as partes (mas nunca antes de existir acórdão exarado em segunda instância). Tecidas estas premissas, o artigo 109, inciso V, do Código Penal estabelece que: Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois (...). Com efeito, verificando-se as balizas estabelecidas pelos citados dispositivos legais, considerada a pena máxima abstrata de 01 (um) ano para o delito do art. 29, a prescrição da pretensão punitiva do réu deve dar-se em 04 (quatro) anos. Nesse diapasão, considerando-se que a sentença absolutória não configura marco interruptivo de prescrição, verifica-se que, entre a data do recebimento da r. denúncia relacionada a tal crime ambiental (04.09.2018) e a presente data, verifica-se ter ocorrido o transcurso de lapso temporal superior a 04 (quatro) anos, de modo que a pretensão da punição estatal está fulminada pela prescrição desde 04.09.2022 Ressalte-se, por fim, que a prescrição ora reconhecida não ocorreu por desídia deste gabinete de trabalho, uma vez que a sentença a quo foi proferida em 18.07.2022 e a distribuição deste feito a este Relator deu-se em 23.08.2022, ainda sem parecer ministerial, apenas 10 (dez) dias antes do marco para a prescrição da pretensão punitiva, sem, portanto, o mínimo tempo hábil para que os presentes autos fossem analisados e pautados, segundo o calendário desta E. 11 ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Ante o exposto, reconheço a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, declarando extinta a punibilidade de JOÃO DE DEUS quanto ao crime descrito no artigo 29, §1º, III, da Lei º 9.605/1998, nos termos da fundamentação. Remanesce, portanto, tão somente a análise da autoria e materialidade referente ao delito de uso de sinal público falsificado ou adulterado (art. 296, § 1º, inciso III, do Código Penal) e do art. 313-A do Código Penal. DA IMPUTAÇÃO EXCLUSIVA AO RÉU JOÃO DE DEUS REFERENTE AO CRIME DE USO DE SELO OU SINAL PÚBLICO FALSIFICADO (ART. 296, § 1º, INC. III, DO CÓDIGO PENAL) O crime de uso de selo ou sinal público falsificado vem assim tipificado no Código Penal: Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os: I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município; II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. § 1º - Incorre nas mesmas penas: I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado; II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio. III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) (...) O delito em questão classifica-se como crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, e consuma-se com o efetivo uso do selo ou sinal público falsificado, independentemente da obtenção de qualquer vantagem. O sujeito passivo do delito é o Estado, podendo eventualmente prejudicar terceiro, de forma secundária. O objeto material é qualquer dos selos ou sinais tipicamente destinados à autenticação de atos do Poder Público ou atribuídos por lei a entidade de direito público, a autoridade ou a tabelião. Vale acrescentar que, para a caracterização do crime do art. 296, §1º, do Código Penal, exige-se como elemento subjetivo do tipo penal a demonstração do dolo genérico, consistente no conhecimento da falsidade do selo ou sinal público, a despeito da vontade livre e consciente de fazer uso, não havendo previsão para a modalidade culposa. Feitas essas breves considerações, passa-se à análise dos fatos descritos na presente ação penal. No caso dos autos, diferentemente do que entendeu o r. juízo sentenciante, os elementos seguros de convicção coletados durante a instrução probatória comprovam, com a desejável segurança, a ocorrência do crime telado em todos os seus contornos, tendo como responsável o apelado JOÃO DE DEUS DOS SANTOS. Em outras palavras, o contexto probatório trazido à colação, de forma harmônica, coerente e convincente, reproduziu integralmente as consentâneas assertivas formuladas no decurso da etapa perquisitiva-antejudicial, viabilizando, pois, com fulcro no artigo 155 do Código de Processo Penal, a comprovação da relação necessária evento-responsabilidade, bem como o elemento subjetivo do dolo. Demonstrou-se, assim, inequivocadamente, que o acusado JOÃO, em 19 de outubro de 2016, de maneira consciente e espontânea, fazia uso indevido de selo público adulterado (anilha passeriforme do IBAMA), no que concerne à identificação de 01 (uma) espécime de ave nativa da fauna silvestre, que era mantida em cativeiro em sua residência, incorrendo, assim, no delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal. A materialidade e autoria do delito em questão restou demonstrada pelo Boletim de Ocorrência, no qual consta, durante a diligência policial na residência do réu, a constatação pelos policiais militares de que a anilha de numeração IBAMA 02-03 SP 2,2 2036 encontrada no pássaro coleirinha “estava em desacordo com a norma vigente (aberta)”, o que resultou na apreensão da ave e encaminhamento ao CRAS-PET – Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê (ID 262177026 – pág. 21/25). A mesma informação foi reiterada pelo Laudo nº 1475/2017 – NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP (ID 262177026 – pág. 31/37), que explicita que a anilha em questão “é falsa por adulteração (alargamento e corte)”, tendo sido alargada “com o uso de alicates e alargadores, de forma a chegar a causar cortes em sua borda”. Por outro lado, a sustentação de tese pelo apelado de que desconhecia a adulteração e irregularidade da anilha colocada no pássaro apreendido em sua residência não merece prosperar, tendo restado amplamente demonstrada o elemento volitivo de cometimento dos delitos. Com efeito, sendo JOÃO DE DEUS DOS SANTOS registrado como criador amador de passeriformes silvestres perante o IBAMA, possui consciência de que a apropriação de aves nativas é condicionada por uma série de regramentos ambientais destinados a assegurar a preservação da fauna silvestre, de forma que, ao optar pela manutenção de pássaros com anilhas adulteradas ou falsificadas sem examinar a adequação e a regularidade de sua procedência, incorre conscientemente na aceitação do risco de obter irregularmente espécimes da fauna nativa. Não há que se falar, portanto, em erro de proibição, mas sim repudiável e ilícita alegação de desconhecimento da lei a fim de escurar-se de seu cumprimento. In casu, o acusado é criador passeriforme registrado no SISPASS desde 2004, conforme afirmado em seu interrogatório judicial, assim sendo, com conhecimento acima do homem médio. E, na condição de criador amador, portanto, sabia que lhe incumbia a verificação da veracidade das anilhas em sua posse, fato revelador da existência do elemento subjetivo consubstanciado no dolo. De fato, da análise de seu cadastro no SISPASS (fls. 262177025- fls. 21/), verifica-se que o acusado já realizou mais de 100 (cem) transferências a outros criadores em seu plantel, o que demonstra a larga experiência do acusado em tais tipos de transações, reforçando que seu conhecimento acerca das exigências e especificidades das anilhas ultrapassava o senso comum, tendo plena consciência de sua responsabilidade enquanto criador amador para a devida regularização das aves perante os órgãos responsáveis. Nestes termos, ao manter o pássaro com anilha adulterada sem examinar a adequação e a regularidade de sua procedência, e tampouco buscar regularizá-la perante a administração ambiental, incorreu conscientemente no uso espúrio do respectivo sinal identificador. Não bastasse, no caso em concreto, o dolo do acusado resta ainda mais evidente, e com ainda maior reprovabilidade, como será analisado de forma pormenorizada na análise do delito do art. 313-A do Código Penal, uma vez que restou comprovado que, não só a anilha ora em comento era adulterada, como também que houve fraude e conluio na atuação do acusado JOÃO DE DEUS, juntamente com o corréu funcionário terceirizado do IBAMA IVAN BARBETTO, no cadastro de tal numeração de anilha no sistema SISPASS, tudo com o fim de conferir legalidade à obviamente ilegal manutenção em cativeiro da ave em questão. Como bem apontado pelo parecer do Ministério Público Federal, a numeração da anilha em questão foi gerada fraudulentamente pelo corréu IVAN e vinculada, desde o princípio, ao cadastro de JOÃO DE DEUS no SISPASS, sendo atribuída à ave supostamente nascida em cativeiro, o que também demonstra a falsidade da alegação do réu no sentido de que havia recebido a ave já anilhada de um amigo. Nesse sentido, vale transcrever as observações do órgão acusatório em suas razões recursais. In verbis: “A tese de que JOÃO DE DEUS não possuía dolo na manutenção de ave silvestre em situação irregular em cativeiro e nem na utilização de anilha falsa poderia até se mostrar minimamente crível caso o apelado tivesse recebido essa ave por doação de outro criador amador, já com a anilha presa em sua pata, por transferência através do SISPASS. Mas não foi o caso: a numeração falsa foi inserida diretamente no cadastro do apelado junto ao SISPASS e o apelado foi flagrado em sua residência com anilha falsa, manufaturada com numeração de anilha gerada por IVAN BARBETTO. Ou seja, caso a ave tivesse sido recebida por JOÃO DE DEUS por doação de outro criador amador, tal numeração de anilha necessariamente teria sido anteriormente vinculada ao plantel de outro criador amador no SISPASS (que não o apelado), o que nunca aconteceu, segundo o IBAMA”. Ainda que assim não fosse, a alegação do apelado de que obteve a ave, já anilhada, de outro criador, em forma de doação, além de ser visivelmente contrária ao constante no cadastro SISPASS do acusado, não foi sequer minimamente ventilada por outros meios de prova. De fato, em seu interrogatório judicial, JOÃO DE DEUS não apresentou qualquer explicação sobre a identidade da pessoa com a qual teria adquirido a ave, apenas alegando não ter conhecimento de que a anilha encontrada em seu poder fosse adulterada. Não trouxe a defesa, assim, qualquer comprovação da forma de aquisição da ave com anilha adulterada, sequer trazendo aos autos elementos de prova capazes de identificar o proprietário anterior e as circunstâncias da doação ou venda a ele, razão pela qual não se desincumbiu do ônus que lhe cabia, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região relativos à condenações em casos semelhantes: PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 296, § 1º, I, DO CÓDIGO PENAL. ART. 29, § 1º, III, DA LEI N. 9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. Materialidade e autoria comprovadas mediante prova documental. O dolo da conduta exsurge da própria condição de criador do réu, a quem é dado o conhecimento da obrigação de registrar os pássaros em seu plantel e de tê-los anilhados para controle do IBAMA. Anoto que a defesa não fez prova em sentido contrário. Reformada a dosimetria da pena para afastar os antecedentes penais e substituir a pena de prestação pecuniária. (TRF3, ACR 00084674120124036106/SP, Rel. Desembargador Federal André Nekatschalow, QUINTA TURMA julgado em 11/04/2016) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ADULTERAÇÃO DE SELO OU SINAL PÚBLICO. CRIME AMBIENTAL. FAUNA SILVESTRE. PRESCRIÇÃO. CONSUNÇÃO INOCORRENTE. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. 1. Considerando-se que a prescrição da pretensão punitiva incide sobre cada crime isoladamente (CP, art. 119), as penas aplicadas prescrevem, respectivamente, em 4 (quatro) anos e em 3 (três) anos, nos termos do art. 109, V e VI, do Código Penal. Assim, tendo transcorrido período de tempo superior a 3 (três) anos entre a data da publicação da sentença penal condenatória (24.08.2016) e o presente momento, operou-se a prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena aplicada para crime do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/98. 2. Os delitos imputados ao acusado tutelam bens jurídicos diversos e decorrem de condutas igualmente diversas, não se podendo falar em absorção de um crime pelo outro. Além disso, para a manutenção irregular de espécimes silvestres, a falsificação ou adulteração de anilhas não é essencial, razão pela qual o delito previsto no art. 296, § 1º, I do Código Penal não exaure a sua potencialidade lesiva na prática de guarda de espécime silvestre sem a devida autorização, até porque tem pena mais grave do que aquela prevista para o crime ambiental. Princípio da consunção não aplicável. Precedentes da Turma. 3. A conduta de falsificar, adulterar ou alterar anilhas amolda-se ao tipo penal descrito no art. 296, § 1º, I, do Código Penal, uma vez que se trata de identificação sequenciada fornecida exclusivamente por órgão público, tendo como escopo auxiliar a fiscalização da criação, posse e comercialização de animais silvestres pela autoridade ambiental. Enquadra-se no critério de selo público. 4. Materialidade, autoria e dolo comprovados quanto ao crime previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal. 5. A tese de falsificação grosseira e, por consequência, de crime impossível é infirmada pelo laudo pericial. 6. O apelante possuía carteira de criador amador de passeriformes, não se tratando, por isso, de pessoa leiga no assunto. Tinha o dever de conferir a regularidade da anilha de cada ave que estava em sua posse e de manter apenas pássaros devidamente anilhados. Quanto à falsificação, foi-lhe imputada a conduta de fazer uso de selo ou sinal falsificado. Criador registrado no IBAMA, agiu, no mínimo, com dolo eventual. 7. Dosimetria da pena mantida. 8. Apelações desprovidas. (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 70035 - 0000593-41.2014.4.03.6136, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 23/04/2020, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/05/2020) APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 29, §1º, III DA LEI 9.605/98. ART. 296, §1º, I DO CP. PRELIMINAR REJEITADA. CARÁTER NEGOCIAL DO ANPP. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. USO DE SINAL PÚBLICO ADULTERADO. DOSIMETRIA. CONCURSO FORMAL. FIXAÇÃO DO PATAMAR DE AUMENTO CONFORME O NÚMERO DE INFRAÇÕES PRATICADAS. RECURSO DESPROVIDO. O Juízo da 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto condenou o réu pela prática do crime do artigo 296, II, do CP, em concurso formal, e pelo cometimento do delito do art. 29, §1º, III, da Lei 9.605198, mas em relação a esse último crime houve a concessão do perdão judicial, nos termos do art. 29, §2º da Lei 9.605/98. O ANPP - Acordo de Não Persecução Penal foi incluído no Código de Processo Penal, em seu art. 28-A, pela Lei nº 13.964/2019, que entrou em vigor após a prolação da sentença condenatória nos presentes autos, razão pela qual não há nulidade a ser reconhecida. Nesta Corte, o Ministério Público Federal manifestou-se pela inviabilidade de oferecimento de proposta de ANPP e pugnou pelo regular prosseguimento do feito. O oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação. Diante disso, não cabe qualquer manifestação desta Corte quanto ao tema, dado esse caráter negocial do ANPP, que pressupõe a atuação da defesa e da acusação (ao Poder Judiciário cabe a verificação das condições e sua viabilidade e, se o caso, a homologação judicial). Os tipos penais do art. 296 do CP e art. 29 da Lei 9.605/98 tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção. Extrai-se do laudo pericial que, embora verdadeiras, as anilhas estavam violadas, o que comprova a adulteração. Tais anilhas foram utilizadas em quatro pássaros silvestres em relação aos quais o réu não detinha autorização para criação. As imagens constantes do laudo demonstram claramente a existência de um corte na parede das anilhas. As anilhas oficiais fornecidas pelo IBAMA aos criadores amadores de pássaros são consideradas sinais públicos de identificação. No que se refere ao delito do art. 296, II do CP, mostra-se necessária a modificação da capitulação jurídica atribuída na denúncia, para que o réu seja condenado pelo uso de sinal falsificado, conduta que se amolda ao tipo penal do art. 296, §1º, I do CP, e que está devidamente descrita na denúncia, sendo perfeitamente cabível a modificação da classificação jurídica neste momento processual, considerando que o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica. Não há óbice em relação à aplicação da emendatio libelli em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal. O réu possui larga experiência enquanto criador amador de passeriformes registrado no IBAMA há mais de quinze anos, com pleno conhecimento tanto em relação à proibição de adulterar a anilha fornecida pelo IBAMA como de utilizá-la em ave diversa. Devidamente demonstrados a materialidade, autoria e dolo do apelante em relação à prática delitiva tipificada no artigo 296, §1º, I do CP e no artigo 29, § 1º, III da Lei 9.605/98. Dosimetria. A fração de aumento decorrente do concurso formal de delitos deve ser fixada considerando a quantidade de infrações penais cometidas. Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0009031-27.2015.4.03.6102, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 30/04/2021, Intimação via sistema DATA: 04/05/2021) PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 296, §1º, INC. I, DO CP. USO DE SINAL FALSIFICADO. ANILHA. ART. 29, §1º, INC. III, DA LEI 9.605/98. CRIME CONTRA FAUNA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDAS. RESIGNAÇÃO DA DEFESA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A materialidade dos crimes restou devidamente demonstrada pelo Auto de Apresentação e Apreensão, pelo Boletim de Ocorrência, pelo Auto de Infração Ambiental, pelo Termo de Entrega de Materiais) e pelo Laudo Pericial, que atestou a falsidade ou adulteração das anilhas encontradas nos pássaros apreendidos em poder do apelante. 2. Autoria e dolo comprovados pelo conjunto probatório carreado nos autos. 3. Sendo o réu um criador de pássaros, tem como dever, além de conferir o número e a regularidade da anilha ao adquirir cada ave, o de registrar todo o seu plantel junto ao IBAMA. Em assim sendo, não é crível que o réu não tivesse o conhecimento de que seus pássaros estavam com anilha falsas e/ou adulteradas e que outros sequer estavam registrados em seu nome. 4. Não há como se acolher a tese de erro de proibição do acusado, de modo a afastar o elemento subjetivo do tipo (o dolo), sobretudo porque o compulsar dos autos revela que o réu já esteve envolvido em fatos similares aos que ora estão sendo julgados, o que foi admitido em juízo por ele próprio, o que evidencia a consciência do réu quanto à ilicitude de sua conduta. 5. Ao não averiguar a regularidade das anilhas dos seus pássaros, tampouco de registrar devidamente a totalidade do seu plantel, pode-se afirmar que, no mínimo, o réu assumiu o risco do resultado, ensejando a condenação, ainda que pela caracterização do dolo eventual. 6. Dosimetria das penas mantidas. 7. Recurso não provido. (ACR 00020071120124036115, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/11/2016) Por fim, é de ressaltar que a anilha ora debatida se encontrava adulterada por corte, facilmente verificável a olho nu como se pode verificar das fotografias estampadas no Laudo Pericial nº 1475/2017, mostrando-se absolutamente inverossímil a alegação do acusado de que desconhecia a adulteração do sinal público. Não há que se falar, por conseguinte, em ausência de dolo por parte do acusado no que se refere ao delito de falsificação de selo ou sinal público. Importante ressaltar ainda que não há que se falar na aplicação da tese ventilada pela defesa em contrarrazões do princípio da consunção entre o delito do art. 296 do Código Penal e do art. 29, § 1º, da Lei 9.605/1998. A esse respeito, mostra-se prevalente na jurisprudência entendimento segundo o qual não se permite a aplicação do postulado da consunção quando do concurso dos crimes elencados nos artigos 296, § 1º, III, do Código Penal, e 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, na justa medida em que referidas infrações visam tutelar objetividades jurídicas distintas (quais sejam, fé pública e fauna silvestre, respectivamente), sendo, ademais, delitos autônomos e independentes entre si (vale dizer, um não se mostra necessariamente como passagem para o cometimento do outro), tudo a impossibilitar o reconhecimento da relação crime-meio versus crime-fim. A propósito: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. USO INDEVIDO DE SIMBOLO PÚBLICO. ART. 296, § 1º, III, CP. USO DE ANILHAS ADULTERADAS. CRIME CONTRA A FAUNA. PÁSSAROS SILVESTRES. ART. 29, § 1º, III, LEI 9.605/98. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDAS. PENA-BASE MANTIDA. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DO CASO CONCRETO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 29, § 2º, LEI 9.605/98. NÃO CONCEDIDO. RECONHECIMENTO DO CONCURSO FORMAL, DE OFÍCIO. RECURSO DEFENSIVO IMPROVIDO. (...) 2. No caso em tela, os delitos narrados na exordial, quais sejam, art. 296, § 1º, I, do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA falsas ou adulteradas) e art. 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção. Com efeito, não há que se falar em absorção de um delito por outro, isto é, a adulteração de anilhas não é crime meio para a consumação do delito de guarda ilegal de pássaros. (...) (TRF3, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 77106 - 0000773-94.2013.4.03.6135, Rel. Des. Fed. PAULO FONTES, julgado em 18/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/03/2019). PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. TIPICIDADE DA CONDUTA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITVAS COMPROVADAS. DOLO COMPROVADO. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ARTIGO 29, PARÁGRAFO 1º, INCISO III, DA LEI N.º 9.605/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. ART. 296, § 1º, I E III, DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. NÃO ABSORÇÃO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 29, § 2º, DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. DOSIMETRIA DA PENA. REINCIDÊNCIA. PERIODO MAIOR DE 05 ANOS. MAUS ANTECEDENTES. SUBSTITUIÇÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDA. (...) - Não é o caso de reconhecer-se, tampouco, a consunção do delito de uso das anilhas adulteradas e falsificadas pelo crime ambiental, como o fez o r. juízo sentenciante. Isto porque, além dos delitos em questão tutelarem bens jurídicos diversos, eles decorrem de condutas diversas e autônomas, uma vez que a falsificação ou adulteração de anilhas não é etapa necessariamente essencial para a manutenção irregular de aves silvestres. Precedente. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71070 - 0000508-21.2015.4.03.6136, Rel. Des. Fed. FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 22/01/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/01/2019). PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ARTIGO 32 DA LEI 9.605/98. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS, BEM COMO DE SEU ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO. PRINCÍPIO JURÍDICO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APREENSÃO DE DEZ PÁSSAROS SILVESTRES IRREGULARMENTE MANTIDOS EM CATIVEIRO DOMICILIAR PELO ACUSADO, EM CLARO DESACORDO COM O ARTIGO 32, II E III, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA N. 10/2011. USO DE ANILHAS. SABIDAMENTE, FALSIFICADAS OU ADULTERADAS, EM TESE, CADASTRADAS NO IBAMA ILICITAMENTE MANTIDAS APOSTAS PELO RÉU NOS TARSOS DE PARTE DE SEUS PASSERIFORMES. CRIMES DO ARTIGO 29, § 1º, III, DA LEI 9.605/98, E DO ARTIGO 296, § 1, I, DO CÓDIGO PENAL, PERPETRADOS EM CONCURSO MATERIAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO INAPLICÁVEL NO CASO EM APREÇO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS INEXISTENTE. BENS JURÍDICOS DIVERSOS. CONDUTAS AUTÔNOMAS. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS. DOLO INEQUÍVOCO. INOCORRÊNCIA DE EVENTUAL ERRO SOBRE A ILICITUDE DOS FATOS OU MESMO SOBRE OS ELEMENTOS DO TIPO. PERDÃO JUDICIAL PREVISTO NO ARTIGO 29, § 2º, DA LEI 9.605/98, INAPLICÁVEL NA HIPÓTESE, ANTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO, A EXTRAPOLAREM O DELITO AMBIENTAL. DOSIMETRIA E SUBSTITUIÇÃO DA NOVA SOMA DAS PENAS CORPORAIS REMANESCENTES IMPOSTAS AO RÉU, EM CONCURSO MATERIAL, PRESERVANDO-SE O REGIME INICIAL ABERTO, POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS, CONSISTENTES EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E EM PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA ORA REDUZIDA PARA UM SALÁRIO MÍNIMO EM FAVOR DA UNIÃO FEDERAL, EM CONSONÂNCIA COM A SITUAÇÃO SOCIOECONÔMICA DESFAVORÁVEL DO ACUSADO. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. EXCLUSÃO, AINDA QUE EX OFFICIO, DO VALOR MÍNIMO REPARATÓRIO INDEVIDAMENTE FIXADO PELO JUÍZO FEDERAL DE ORIGEM, EM DETRIMENTO DA GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. APELO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. De início, não há se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I, do Código Penal (uso de anilhas do IBAMA falsas ou adulteradas) e no artigo 29, § 1º, III, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim), a despeito do pugnado, subsidiariamente, pela defesa à fl. 155 de suas razões recursais. 4. Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71549 - 0015650-27.2015.4.03.6181, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 24/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/11/2017). Diante disso, verifica-se, portanto, que o conjunto probatório foi conclusivo no sentido de que a conduta perpetrada pelo réu se amolda perfeitamente ao tipo penal delineado no artigo 296, § 1º, inciso III, do Código Penal, sendo de rigor a condenação de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS como incurso no referido delito. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO PREVISTO NO ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL O art. 313-A do Código Penal, assim dispõe: Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" ou "peculato eletrônico" é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, quais sejam: "inserir" (introduzir, implantar, incluir), "facilitar a inserção" (auxiliar, tornar fácil a inserção), "alterar" (mudar, modificar) e "excluir" (remover, afastar, eliminar), de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto fático, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes. Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de inserir/facilitar a inserção de dados sabidamente falsos (ou de alterar/excluir indevidamente dados corretos) em sistema ou banco de dados da Administração, bem como é imprescindível que o agente atue com a especial finalidade (elemento subjetivo que transcende ao dolo) de causar dano ou de obter vantagem indevida (de qualquer natureza) para si ou para outrem. Atente-se que, embora seja indispensável, para a caracterização deste crime, que o agente atue com o especial propósito de causar dano ou obter vantagem indevida (elemento subjetivo que transcende ao dolo), não se exige a efetiva produção de um resultado naturalístico para a sua consumação. Por se tratar de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá com a inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDA. PENAS DE MULTA REDIMENSIONADAS. (...) 4. Restou demonstrado que foram inseridas informações falsas nos sistemas informatizados do INSS com o fim de garantir que a segurada cumprisse a carência necessária à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que deve ser mantida a condenação das apelantes pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. 5. O delito em questão, por ser crime formal, não exige a comprovação da ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação. Portanto, é irrelevante para a sua configuração a demonstração da efetiva obtenção de vantagem indevida. 6. A conduta narrada na denúncia - inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem - subsome-se ao delito tipificado no art. 313-A do Código Penal, que foi aplicado com base no princípio da especialidade. (...) 11. Apelações desprovidas. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0007023-87.2014.4.03.6110, Rel. Nino Toldo, DJF3 Judicial 1 de 11.02.2019) APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGOS 171 §3º e 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS VISANDO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA. NULIDADE AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. Crime formal, não exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico. Consuma-se, portanto, com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de efetiva obtenção de vantagem indevida ou ocorrência de prejuízo, que configuram exaurimento do crime. Segundo a acusação, a ré foi contratada para intermediar o requerimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Por sua vez, o outro réu, então servidor do INSS, tinha a incumbência de inserir dados falsos no sistema da autarquia, com a finalidade de garantir o êxito do requerimento do benefício. A conduta imputada aos acusados subsome-se ao crime descrito no art. 313-A do Código Penal. Prescrição afastada. Pena em concreto. (...) Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação da ré a que se dá parcial provimento. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0008014-32.2015.4.03.6109, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1 de 07.01.2019) Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por funcionário público (ou alguém a ele equiparado, nos termos do art. 327, caput e respectivos parágrafos, do CP). Além disso, apenas pode figurar como sujeito ativo o funcionário público que, além de ostentar essa qualidade, é autorizado a acessar/operar, por meio de senha ou qualquer outro comando, determinado sistema de informações da Administração Pública não aberto a outros funcionários ou ao público em geral. Em se tratando o agente de funcionário público "não autorizado", ficará afastada a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP, podendo se caracterizar, nessa hipótese, o delito de falsidade ideológica (inteligência do art. 299 do CP) ou, ainda, o delito previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por exemplo. É relevante salientar que, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como co-autores ou partícipes pelo crime previsto no artigo 313-A do Código Penal, desde que tenham pleno conhecimento de que o executor primário se trata de um funcionário público, isto é, desde que saibam que o delito está sendo praticado juntamente com um funcionário público. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PENAL. ART. 313-A CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1- A denúncia aponta que os réus obtiveram vantagem ilícita, mediante fraude, em detrimento do INSS. A fraude supostamente utilizada pelos réus envolveu a utilização de sistemas informatizados e/ou banco de dados do INSS o que atrai a incidência do art. 313-A do Código Penal, específico para a situação. 2- A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal visando ao aumento da pena dos réus conduz à fixação do prazo prescricional segundo a pena máxima abstrata. Prescrição afastada. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não decorreu prazo superior a 16 (dezesseis) anos. 3- Reconhecido o concurso de pessoas na prática do crime previsto no art. 313-A, o particular (não funcionário público) que tenha a vontade livre e consciente para agir com o funcionário público na obtenção de vantagem ilícita, deve responder pelo crime funcional como coautor ou partícipe. 4- Materialidade e autoria demonstrada. Prova documental e testemunhal. Confissão de um dos réus. 5- (...) (TRF3, Décima Primeira Turma , APCRIM 0001204-89.2007.4.03.6119, Rel. José Lunardelli, E-Djf3 Judicial 1 de 14.02.2017) O bem jurídico tutelado é a probidade administrativa, a moralidade e o patrimônio público, além da confiabilidade social nos sistemas e/ou banco de dados mantidos pela Administração Pública e respectivo conjunto de informações neles contidas, razão pela qual não se há de falar em aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CP, ART. 313-A. NULIDADES. CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE. DEFESA DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO. PREJUÍZO. COMPROVAÇÃO. EXIGIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. STJ, SÚMULA N. 444. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processão Penal não é aplicado se o funcionário público deixou de exercer a função na qual estava investido (STF, AP n. 465, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.14; STF, RHC n. 114116, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12 e STF, HC n. 110361, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.06.12). 2. Embora o inquérito policial não supra a defesa prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, a omissão desta somente enseja nulidade se comprovado o efetivo prejuízo, consoante os precedentes do Supremo Tribunal Federal. (STF, Ag. Reg. no RHC n. 121.094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14 e STF, RHC n. 120.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.14). Para o Supremo Tribunal Federal, a prolação de sentença condenatória prejudica a alegação de nulidade por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal (STF, RHC n. 12.7296, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.06.15 e STF, Ag. Reg. no RHC n. 121094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14). 3. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a Administração Pública, não só no seu aspecto material mas também no moral, como sucede nos casos de peculato e inserção de dados falsos em sistema de informações (STJ, HC n. 165.725, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.06.11; REsp n. 1378710, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.06.13, decisão monocrática; TRF da 3ª Região, ACR n. 00063043820044036181, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.01.13). 4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, é mantida a condenação da ré. 5. Dosimetria. No tocante a personalidade voltada para o crime, em consideração às condenações da ré pelo mesmo delito por outros fatos, não cabe valorá-los em prejuízo da ré sem a comprovação de trânsito em julgado, conforme dispõe a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Preliminar rejeitada. 7. Apelações desprovidas. (TRF3, Quinta Turma, ApCrim 0009695-23.2013.4.03.6104, Rel. André Nekatschalow, e-DJF3 Judicial 1 de18.10.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância não é aplicável ao caso, ainda que seja de pequeno valor o prejuízo causado aos cofres da União, pois há um alto grau de reprovabilidade na conduta, que atinge a coletividade como um todo e a moralidade administrativa. 2. Apelação provida. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0006637-46.2012.4.03.6104, Rel. Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 02.10.2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMÁTICA. CADASTRO DO BOLSA FAMÍLIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SAQUES DO BENEFÍCIO DEPOSITADO EM CONTA DA AGENTE. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. DOLO NÃO COMPROVADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA HAVIDA POR ERRO. - Comete o crime do art. 313-A do CP o agente que, na condição de menor aprendiz da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Trabalho (SEDEST) de Petrolina/PE, lotado no setor responsável pelo cadastro do Bolsa Família, insere dados falsos no sistema de informática com o objetivo de beneficiar terceiro que não preenchia os requisitos para integrar o referido programa de transferência de renda. Inteligência do art. 327, parágrafo 1º, do CP. - O delito tipificado no art. 313-A do Código Penal é modalidade de crime contra a administração pública, que resguarda, não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica, razão pela qual a ele não se aplica o princípio da insignificância. Precedente citado: STJ, AgRg no REsp n. 1.382.289/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 11/6/2014. Hipótese, ademais, em que o valor total recebido pela apelante beneficiada pelo Bolsa Família perfez o montante de R$ 2.652,00, o qual supera em muito o salário mínimo vigente à época do fato e, ausente de dúvida, não pode ser tido como valor irrisório. - "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231 do STJ). Entendimento consolidado na jurisprudência com reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF, que reafirmou a orientação no sentido de que "circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (RE 597.270-RG-QO/RS). Pena mantida em 2 (dois) anos de reclusão, o mínimo previsto em lei para o crime do art. 313-A do Código Penal. - Não provimento do apelo interposto pelo agente responsável pela inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública. (...) - Apelação do réu não provida e apelação da ré provida, em parte, para desclassificar a conduta descrita na denúncia para a do art. 169 do CP, com a fixação de nova pena. (TRF5, Quarta Turma, ACR - Apelação Criminal - 13833 0000028-69.2015.4.05.8308, Rel. Rubens de Mendonça Canuto, DJe de 12.08.2016, Página 160) Feitas essas breves considerações, passa-se à análise dos fatos descritos na presente denúncia. ANÁLISE DO CASO CONCRETO JOÃO DE DEUS DOS SANTOS e IVAN BARBETTO foram ambos denunciados, em aditamento da presente denúncia a partir de investigações na denominada “Operação Fibra”, pela prática do delito previsto no artigo 313-A do Código Penal, sob o fundamento de que teriam perpetrado fraudes na gestão e alimentação do SISPASS – Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros, a fim de obterem vantagem indevida para JOÃO. À época do cometimento dos crimes ora imputados, em período compreendido entre 20.08.2012 e 08.04.2014, IVAN BARBETTO era funcionário de empresa privada contratada para prestar serviços ao IBAMA, em razão da terceirização de parte de suas atividades pela autarquia, e tinha como uma de suas funções a operação do sistema eletrônico “SISPASS”. Já JOÃO DE DEUS DOS SANTOS era criador amador de passeriformes regularmente cadastrado no SISPASS desde 2004. Segundo narrou a inicial acusatória, o acusado IVAN BARBETTO, funcionário terceirizado do IBAMA, agiu em conluio com o corréu JOÃO DE DEUS, em 06.01.2014, para, ambos, inserirem dados falsos no SISPASS, respectivamente no sistema interno e externo, gerando fraudulentamente 04 (quatro) números de anilhas vinculadas à aves supostamente regularizadas no cadastro de JOÃO DE DEUS. A cadeia de atos funcionava, resumidamente, da seguinte maneira: IVAN BARBETTO, no sistema interno, com senha exclusiva a funcionários do IBAMA, utilizava-se da ferramenta “entregar anilha” - a qual, por uma falha, estava habilitada – para fraudulentamente gerar um número de anilha que nunca havia sido fisicamente entregue pelo IBAMA e vinculá-lo virtualmente ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, cadastrado no SISPASS como criador amador. Posteriormente, JOÃO DE DEUS DOS SANTOS providenciava a falsificação de uma anilha com a numeração fornecida por IVAN BARBETTO e prendia o documento falsificado na pata da ave ilegal. JOÃO DE DEUS, então, declarava falsamente, no sistema externo do SISPASS destinados aos criadores, o nascimento de passeriformes, vinculados às anilhas fraudulentamente entregues. Em seguida, IVAN BARBETTO, novamente no sistema interno de funcionários, modificava a data de nascimento das aves, bem como outras alterações que se fizessem necessárias a fim de dar maior aparência de legalidade à operação, como alteração da espécie dos passeriformes do plantel do criador. Diante disso, a denúncia explicita que, no caso em específico do conluio de IVAN e JOÃO DE DEUS, houve a inserção de dados falsos relacionados a quatro anilhas do IBAMA, dentre as quais estava a expedição fraudulenta de anilha de identificação única “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, justamente a numeração gravada em anilha falsa apreendida na residência de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS em 19.10.2016, acerca da qual JOÃO foi condenado no presente voto pelo delito do art. 296 do Código Penal, o que gerou, assim, a conexão dos crimes no presente feito. Com relação à tipificação do delito no art. 313-A do Código Penal, crime praticado por funcionário público contra a Administração em geral, primeiramente, como já se asseverou, válido apontar que ficou comprovado que IVAN BARBETTO, embora fosse funcionário terceirizado do IBAMA, possuía senha (pessoal e intransferível) de acesso ao sistema SISPASS, a qual lhe permitia a inserção de dados no sistema interno utilizado pelo IBAMA para controle dos animais. Em tal qualidade, não há dúvida de que o réu se tratava de pessoa equiparada a funcionário público e que detinha autorização para a prática do ato por meio do qual a fraude foi perpetrada, de modo que, em observância ao princípio da especialidade, a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP é medida que se impõe. Igualmente, diferentemente do que entendeu o r. juízo sentenciante, a conduta do corréu JOÃO DE DEUS também se amolda ao mesmo delito, uma vez que, apesar de ser particular, estava plenamente ciente da função equiparada a funcionário público que ostentava IVAN por seu acesso ao sistema interno do IBAMA, tendo ambos perpetrado o delito em coautoria, cada qual inserindo falsamente dados no sistema que lhes correspondia (respectivamente, sistema interno e externo do SISPASS), em perfeita cadeia de atos complementares para a conferência de aparente legalidade nas transações inseridas no SISPASS, não sendo plausível a tese defensiva apresentada de que não se conheciam e ausência de liame subjetivo. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS Os elementos de prova apresentados são suficientes para a formação de juízo de certeza acerca da materialidade e autoria delitivas, bem como evidenciam a presença do dolo em relação aos dois réus, mostrando-se de rigor a condenação de ambos. A norma que regulamenta a criação amadora de passeriformes é a Instrução Normativa n.º 10, de 20.09.2011, do IBAMA, vigente à época dos fatos, sendo certo que nos termos do parágrafo 4º do artigo 1º somente os sistemas de controle adotados pelo IBAMA em todo o país serão aceitos para a comprovação da legalidade das atividades de criação, manutenção, treinamentos, exposição, transporte e realização de torneios com passeriformes da fauna silvestre, o que é feito a partir do sistema SISPASS. A esse respeito, faz-se necessária para melhor entendimento dos fatos trazer à colação a explicação acerca do funcionamento do SISPASS – Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros na época dos fatos, trazida de forma clara e elucidativa pela inicial acusatória, tendo sido tal explicação extraída e corroborada pelo Ofício da Superintendência do IBAMA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (ID n. 262177025 - Pág. 107), in verbis: O SISPASS foi instituído pela Instrução Normativa de nº 01/2003 e consiste em sistema informatizado de banco de dados no qual criadores amadores de passeriformes devem prestar contas ao IBAMA acerca das aves silvestres criadas em seu viveiro. Assim, a título de exemplificação, no referido sistema os criadores amadores devem solicitar licença para criação de aves silvestres, informar nascimento e óbitos de aves de seu plantel, solicitar anilhas para identificação dos animais, etc. (fls. 87/88). O referido sistema informatizado possui dois ambientes: um ambiente interno de produção, acessado por servidores e funcionários do IBAMA e um ambiente externo acessado pelos criadores. Em ambos os ambientes o acesso se faz por meio de digitação de CPF e senha (fls. 99/100). Uma das fraudes executadas pelos denunciados está relacionada à utilização da ferramenta eletrônica “entrega de anilhas”. Inicialmente, necessário pontuar que o nascimento de um filhote de passeriforme deve ser registrado no SISPASS pelo criador amador, o qual também deve solicitar ao IBAMA o envio de uma anilha que estará vinculada àquele animal pela sua numeração única, e deverá ser fisicamente aposta na pata do animal. Até 19 de agosto de 2012, os operadores do módulo interno do IBAMA eram os responsáveis pelo cadastramento de anilhas no sistema para posterior entrega das mesmas aos criadores nas unidades da autarquia ou presencialmente por servidores no endereço do criador. Todavia, a partir de 20 de agosto de 2012, a empresa “Anilhas Capri Indústria e Comércio Ltda”, em razão de terceirização praticada pelo IBAMA, passou a ser responsável pela produção, emissão e entrega de anilhas aos criadores amadores cadastrados no SISPASS. Com o credenciamento da empresa “Anilhas Capri”, a ferramenta “entregar anilha” da plataforma SISPASS perdeu sua utilidade, já que o IBAMA deixou de ser o responsável por emitir e entregar as anilhas aos criadores, conforme exposto acima. Todavia, por uma falha operacional, tal ferramenta não foi desativada após a data de 20 de agosto de 2012, e passou a ser utilizada pelos denunciados para a prática de fraudes, com o fim de dar aparência de legalidade a pássaros cuja origem era ilegal, em uma tentativa de burlar eventual fiscalização. Em outras palavras, embora o IBAMA tenha terceirizado as atividades de emissão e entrega de anilhas aos criadores, por um erro, não desabilitou a ferramenta eletrônica “entregar anilhas” do SISPASS, gerando uma brecha no sistema da qual se aproveitaram os denunciados para a prática de crimes. Assim, valendo-se de tal falha operacional no sistema SISPASS, o funcionário terceirizado IVAN BARBETTO e os criadores atuavam em perfeita cadeia criminosa complementar, cada qual inserindo informações falsas no sistema interno e externo respectivamente, a fim de burlar eventual fiscalização, dando ares de legalidade às aves do plantel dos criadores. De fato, conforme consta da investigação da denominada “Operação Fibra” e narrado pelos policiais que trabalharam em tal inquérito policial, a inquirição deu conta da atuação fraudulenta de IVAN BARBETTO em conluio com mais de 600 (seiscentos) criadores amadores, dentre os quais o ora corréu JOÃO DE DEUS, todos no mesmo modus operandi. Como já explanado anteriormente, o modus operandi consistia basicamente em que IVAN BARBETTO, no sistema interno, com senha exclusiva a funcionários do IBAMA, utilizava-se da ferramenta “entregar anilha” – habilitada, por uma falha – para fraudulentamente gerar um número de anilha que nunca havia sido fisicamente entregue pelo IBAMA e vinculá-lo virtualmente ao CPF do criador amador. Posteriormente, o criador providenciava a falsificação de uma anilha com a numeração fornecida por IVAN BARBETTO e prendia o documento falsificado na pata da ave ilegal. O criador, então, declarava falsamente, no sistema externo do SISPASS destinados aos criadores, o nascimento de passeriformes, vinculados às anilhas fraudulentamente entregues. Em seguida, IVAN BARBETTO, novamente no sistema interno de funcionários, modificava a data de nascimento das aves, bem como outras alterações que se fizessem necessárias a fim de dar maior aparência de legalidade à operação, como a alteração da espécie dos passeriformes do plantel do criador. A respeito de tal modus operandi, o Relatório de Análise do SISPASS da Operação Fibra n. 501/2016 elucidou de maneira bastante minuciosa a explicação resumida acima, trazendo mais detalhes que evidenciam o caráter fraudulento e concatenado da operação (fls. 116/124 – ID n. 262177025), mostrando-se válida sua transcrição, in verbis: No esquema fraudulento detectado, as anilhas entregues no sistema por meio da ferramenta "entregar anilhas sem solicitação" não são vinculadas a nenhuma fêmea, devendo o criador vincular a ave mãe por meto da operação "renovar anilhas no estoque". A fraude acontecia da seguinte forma: 1. Um operador interno do SISPASS cadastrava as anilhas de alumínio e realizava a entrega das mesmas para o criador. Em algumas dessas operações o tempo entre a entrega das anilhas no sistema realizado pelo operador interno e a declaração de nascimento das aves para as anilhas recebidas realizadas pelo criador era de apenas poucos minutos, indicando que somente a numeração da anilha estava sendo entregue no sistema, para posterior utilização em anilhas falsas ou adulteradas. Desde 22 de agosto de 2012, os criadores somente poderiam receber anilhas de aço e diretamente da fábrica credenciada pelo IBAMA. 2. O passo seguinte era a "renovação de anilhas entregues", que era realizada em acesso vinculado ao seu CPF e senha do criador beneficiado. Nesse momento a anilha deveria ser vinculada a uma ave do plantel indicada pelo criador no sistema. Após a vinculação, o criador fazia a declaração de nascimento dos filhotes de cada fêmea. No entanto, constatou-se que os fraudadores conseguiram uma forma de burlar essa ferramenta, o que permitiu que algumas aves se tornassem "órfãos" no sistema, ou seja, sem vinculas parentais. 3.. Após as declarações de nascimento, um operador interno do SISPASS fazia a alteração da data de nascimento das aves. De acordo com a IN 10/2011, o criador tem até 15 (quinze) dias para declarar o nascimento dos filhotes no SISPASS, a partir da data da sua ocorrência. A ave somente poderá ser transferida após os 35 (trinta e cinco) dias da data declarada do seu nascimento. Sendo assim, uma forma que a rede de criadores associada a operadores internos do sistema conseguiram para transferir a ave imediatamente após a declaração de nascimento foi a alteração da data do nascimento, fazendo com que no SISPASS esse filhote se tornasse um adulto e pudesse ser transferido. Outra fraude realizada nesse esquema era a alteração dos dados das anilhas e aves. Após as declarações de nascimentos inseridas no sistema em acessos vinculados ao CPF do criador, um operador interno do SISPASS executava as alterações abaixo, simultaneamente ou não: Espécie da ave: as espécies vinculadas às anilhas eram alteradas para possibilitar a declaração de nascimento de indivíduos de espécies diferentes, vinculados a urna mesma anilha. Esse mecanismo foi utilizado para facilitar a inserção de novas anilhas no sistema, em grande quantidade. Além disso, o código sequencial das anilhas é limitado para cada diâmetro. Sendo assim, o operador tem que utilizar uma numeração de anilha já existente para realizar as operações "cadastrar anilha" e “entregar anilhas". Sexo: ao alterar o sexo da ave de imaturo/indefinido para fêmea ou macho, é possível inserir “herdeiros" para aquelas anilhas. Só é possível vincular anilhas às fêmeas e para cada nascimento declarado é necessário informar também o código da anilha do pai. Nascimento: como já informado em tópicos anteriores, a alteração da data de nascimento permitia que a ave com a anilha inserida de forma fraudulenta no sistema seja desbloqueada para transferência e para vinculação de herdeiros, pois só é possível "gerar filhotes" para aves em idade reprodutiva. Diâmetro: assim como a alteração da espécie, a alteração do diâmetro da anilha permitia utilizar um único código sequencial para realizar a entrega de várias outras anilhas vinculadas a ela. Como os diâmetros das anilhas variam de acordo com a espécie, ao alterar o diâmetro é possível vincular várias anilhas de várias espécies a uma mesma anilha que no sistema esteja constando ser de uma ave matriz do sexo feminino. Com isso, uma fêmea de trinca -ferro, por exemplo, após gerar descendentes, era "transformada" em fêmea de canário e gerar descendentes dessa espécie. Essas alterações dificultam a detecção e rastreamento das fraudes. Especificamente no que se refere ao caso em concreto, a atuação de IVAN BARBETTO e JOÃO DE DEUS DOS SANTOS ocorreu exatamente da forma anteriormente descrita e, nos termos da imputação trazida pela denúncia, as informações falsas inseridas relacionaram-se a 04 (quatro) números de anilhas vinculadas à aves supostamente regularizadas no cadastro de JOÃO DE DEUS no SISPASS, incluindo a numeração “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, encontrada em anilha falsa apreendida na residência de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS em 19.10.2016. O Relatório de Análise do SISPASS n. 501/2016 concluiu que a primeira fraude cometida pelos acusados se relacionou à entrega de anilhas no SISPASS. IVAN BARBETTO, no sistema interno destinado a funcionários do IBAMA, inseriu as seguintes informações falsas: 1. Em 06/01/2014, às 8h45, “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2033 entregue”; 2. Em 06/01/2014, às 8h45, “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2034 entregue”; 3. Em 06/01/2014, às 8h45, “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2035 entregue”; 4. Em 06/01/2014, às 8h45, “anilha IBAMA 02/03 SP 2,2 2036 entregue”. Em seguida, no mesmo dia, em 06.01.2014, o corréu JOÃO DE DEUS, incorreu em nova fraude relacionada à declaração falsa de nascimento de passeriformes. No sistema externo acessado por meio de seu CPF e senha pessoal e intransferível, JOÃO vinculou referidas numerações de anilhas a filhotes supostamente nascidos na data de 23.12.2013 em cativeiro em seu plantel, tendo sido escolhida tal data pois o criador amador tem um prazo de 15 (quinze) dias a contar do nascimento da ave recém nascida para declará-lo no sistema SISPASS. Prosseguindo com a ação criminosa, IVAN BARBETTO, então, performou nova alteração de dados fraudulenta, e alterou, no sistema interno, a data de nascimento cadastrada na plataforma eletrônica, envelhecendo as aves, o que possibilitava que a essas aves, agora virtualmente adultas, fossem vinculados novos filhotes, dando continuidade à fraude, portanto. A alteração da data de nascimento das aves também servia para que estas fossem transferidas a outros criadores, já que tal processo de transferência só era autorizado pelo SISPASS se as aves transferidas fossem adultas. Constam, assim, as seguintes alterações fraudulentas: 1. Em 06.01.2014, às 10h00, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2033”, de 27.12.2013 para 30.09.2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 2. Em 06.01.2014, às 9h58, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2034”, de 27.12.2013 para 21.12.2012. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 3. Em 06/01/2014, às 9h56, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2035”, de 27.12.2013 para 21.12.2011. A numeração desta anilha foi vinculada ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS pelo CPF de IVAN BARBETTO na mesma data, minutos antes, conforme descrito acima. 4. Em 06.01.2014, às 9h57, alteraram a data de nascimento da ave vinculada à anilha “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, de 27.12.2013 para 21.12.2011. Dessa forma, como restou nítido e amplamente demonstrado, em especial pelo Relatório de Análise do SISPASS da Operação Fibra n. 501/2016, bem como pelo Ofício da Superintendência do Estado de São Paulo (ID n. 262177812), comprovou-se que, de fato, todos os dados falsos acima descritos, referentes a aves fraudulentamente vinculadas às anilhas de nºs IBAMA 02/03 SP 2,2 2033, IBAMA 02/03 SP 2,2 2034, IBAMA 02/03 SP 2,2 2035 e IBAMA 02/03 SP 2,2 2036, foram inseridos no SISPASS do IBAMA, em conluio e unidade de desígnios pelos corréus JOÃO DE DEUS DOS SANTOS e IVAN BARBETTO, na mesma data, ou seja, 06.01.2014, em um intervalo de menos de duas horas, ora com o CPF de um denunciado, ora com o CPF do outro, em uma perfeita cadeia criminosa de coautoria para o cometimento do delito do art. 313-A do Código Penal. A mesma conclusão foi corroborada, de igual forma, pelos elementos probatórios colhidos durante a instrução processual do presente feito, em especial os depoimentos das testemunhas de acusação Valério Macho Duque e José Arnaldo Pitton Filho, analistas ambientais do IBAMA que participaram das investigações da Operação Fibra. Ambos foram enfáticos em confirmar o conteúdo dos Relatórios anteriormente mencionados, atestando que a Operação comprovou a existência de um esquema de fraudes, em que funcionários terceirizados do IBAMA, principalmente IVAN BARBETTO, inseriam falsamente a entrega virtual de anilhas no SISPASS a criadores, quando, em realidade, nenhuma anilha havia sido entregue pelo IBAMA, permitindo, assim, que anilhas falsificadas colocadas no tarso de aves ganhassem ares de legalidade, já que cadastradas no SISPASS com numeração legítima. Os analistas alegaram que, além da fraude com JOÃO DE DEUS, ficou comprovado que IVAN BARBETTO efetuava tais fraudes de forma reiterada, tendo sido constatado mais de 600 criadores como beneficiários em coautoria da fraude iniciada por IVAN. Confirmaram, ainda, que, a partir de agosto de 2012, quem fazia a entrega das anilhas era a empresa Capri, e não mais o IBAMA, não tendo como ter havido qualquer entrega real de anilhas, uma vez que as anilhas de alumínio, anteriormente confeccionadas pelo IBAMA, deixaram de poder ser utilizadas. A esse respeito, Valério Macho Duque, em seu testemunho, explicou que, nesse período depois de agosto de 2012, os criadores solicitavam anilhas diretamente à fábrica, que inseria no sistema a numeração da anilha de aço que seria enviada ao criador, não havendo mais como um servidor do IBAMA inserir numerações de anilhas no sistema, muito menos anilhas de alumínio, que já não podiam ser utilizadas. Acrescentou que, in casu, as informações inseridas por IVAN relacionavam-se à anilhas de alumínio em princípio legalizadas, que estavam em estoque, numerações que existiam e eram verdadeiras, mas que não poderiam mais ser utilizadas pela mudança da normativa que instituiu as anilhas de aço. A testemunha asseverou que mudanças de datas de nascimento e de espécies das aves também foram feitas pelo corréu IVAN, além de o réu ter inserido as numerações das anilhas sem que houvesse o vínculo a uma anilha mãe, o que, por si só, já demonstra o caráter fraudatório das operações. Com relação à atuação do criador JOÃO DE DEUS nas fraudes, Valério apontou que é impossível que este não soubesse sobre as operações realizadas em seu plantel, uma vez que foi diretamente beneficiado, e, além disso, atuou no sistema externo com sua senha pessoal e intransferível. De igual forma, a testemunha José Arnaldo confirmou o quanto aduzido por seu colega de profissão e reiterou a explicação de que o SISPASS tem dois sistemas: externo e interno. No externo, do criador, estes conseguem inserir alguns dados (nascimento, óbito, fuga, transferência para outro criador, entre outros). No interno, só funcionários do IBAMA podem alterar os dados, por exemplo, de inserção de anilha e datas de nascimentos. Dessa forma, a fraude, tal como ocorria, era fruto da atuação conjunta de servidor e criador da forma já relatada anteriormente, ou seja, o funcionário do IBAMA faz uma entrega irregular de anilha; o criador então faz uma declaração irregular de nascimento; aí o funcionário novamente troca a data de nascimento, envelhecendo a ave; e, por fim, muitas vezes o criador transfere a ave “esquentada” (com anilha falsificada) para outros criadores. Os interrogatórios dos acusados, a seu turno, não foram capazes de elucidar os fatos e permaneceram em absoluta dissonância com os demais elementos probatórios colhidos, como se verá a seguir. JOÃO DE DEUS DOS SANTOS alegou que o pássaro apreendido em sua residência em 19.10.2016 foi recebido por doação de um terceiro desconhecido, já anilhado, negando ter tido ciência de que a anilha no tarso da ave era falsificada. JOÃO ainda afirmou desconhecer o corréu IVAN BARBETTO e desconhecer qualquer informação sobre fraudes em seu cadastro no SISPASS, afirmando, ao contrário, ser criador regularmente cadastrado no IBAMA desde 2004 e que, inclusive, o pássaro debatido nos presentes autos também estava devidamente regularizado no sistema SISPASS. Complementou, ainda, dizendo não saber o nome completo da pessoa que lhe doou o pássaro, mas que tal nome consta no sistema, já que a pessoa teria feito a transferência, a qual teria sido aceita oficialmente por ele no sistema SISPASS. O corréu IVAN BARBETTO, a seu turno, apresentou versão diversa dos fatos. Alegou que trabalhou de novembro de 2011 a fevereiro de 2015 como terceirizado do IBAMA, fazendo trabalhos administrativos internos no setor de anilhas, sem contato pessoal e direto com nenhum criador que não se relacionasse ao mero atendimento ao público. Contou que, em agosto de 2012, as anilhas passaram a ser de aço, feitas pela fábrica CAPRI e que, nesse momento, a forma regular de recebimento de anilhas funcionava da seguinte maneira: o criador fazia uma solicitação; a “Capri” gerava esse número; e entregava a anilha ao criador. Anteriormente, ao contrário, antes de agosto de 2012, quando as anilhas ainda eram de alumínio, quem fazia a entrega era o próprio IBAMA. O criador, naquele então, fazia uma solicitação para o órgão ambiental; pagava a taxa; e o IBAMA lhes entregava de acordo com o que era solicitado. IVAN prossegue narrando que, nessa época em que trabalhava no órgão, existia uma série de falhas no SISPASS, no qual, de repente, diversos dados do criador eram apagados, ao que ele, enquanto funcionário, tinha que realimentar o sistema a partir dos documentos comprobatórios apresentados pelo criador. Aduz, assim, que as inserções por ele efetuadas no sistema SISPASS se deram nesse contexto de preencher tais falhas no sistema de dados anteriormente apagados, porém que todos os dados ali inseridos eram verdadeiros e fidedignos às documentações apresentadas e protocoladas por criadores. Exemplifica que, dentre as alterações, procedia a modificação de datas de nascimento, nomes de espécies, mas que cada uma das alterações eram feitas por requerimento dos criadores e com base em documentos apresentados, por exemplo, laudos de peritos, documentos estes que eram todos juntados nos requerimentos, provavelmente arquivados no IBAMA. Acerca de tais supostas repetidas falhas do sistema, inclusive, IVAN relata ter reclamado com sua chefia, e, até mesmo para Brasília, mas que nenhuma providência havia sido tomada. Por fim, especificamente com relação ao caso em concreto, afirma nunca ter tido contato com o corréu JOÃO DE DEUS, e que a alteração de inserção de numerações de anilhas após o ano de 2012 ocorria somente quando o sistema, nestas supostas falhas, apagava recebimento de anilha que já havia sido entregue anteriormente ao criador, uma vez que, de fato, após agosto de 2012, o IBAMA não entregava mais nenhuma anilha. Vê-se, assim, que as teses apresentadas pelas defesas, além de inverossímeis e sem amparo em outras provas constantes dos autos, mostraram-se contraditórias entre si, devendo ser rechaçadas. A versão de IVAN BARBETTO no sentido de que o SISPASS possuía muitas falhas operacionais e que dados eram constantes apagados, sendo que eventualmente era instado a regularizar os cadastros dos criadores após as falhas no sistema, mostrou-se absolutamente inverídica. Primeiro porque, em nenhum momento, nem perante a autoridade policial, nem em juízo, o corréu JOÃO DE DEUS alegou que teve quaisquer de seus dados apagados de seu cadastro no SISPASS, ou que tenha se dirigido ao IBAMA em 2014 para requerer alteração de dados de seu plantel. Ao contrário, JOÃO DE DEUS afirmou enfaticamente que todos os animais de seu plantel encontravam-se devidamente regularizados, inclusive, com o devido procedimento para transferência e recebimento da ave flagrada com a anilha falsificada. Segundo porque, apesar de, em seu interrogatório, IVAN afirmar categoricamente que, para cada informação que alimentava no sistema, havia sido feito um requerimento e havia sido apresentada documentação por parte dos criadores, documentos protocolados e arquivados pelo IBAMA, a defesa do acusado não se desincumbiu de seu ônus probatório, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, de comprovar o quanto alegado, trazendo aos autos tais supostos requerimentos que demonstrassem que o sistema SISPASS apresentava falhas contínuas de apagar os dados dos criadores. A esse respeito, ressalte-se que, nos termos do aduzido pelos analistas ambientais da Operação Fibra, somente com a senha interna de IVAN foram mais de 600 criadores envolvidos nas fraudes, o que, portanto, caso a versão do réu correspondesse à realidade, teria gerado uma infinidade de requerimentos que poderiam demonstrar a falha sistemática do SISPASS, o que não foi feito pela defesa do réu, não havendo nenhuma notícia do IBAMA no sentido de que este expediente fosse comum. Ainda, a alegação de IVAN BARBETTO de que as “anilhas referidas na denúncia já haviam sido entregues ao criador JOÃO DE DEUS em momento anterior a agosto de 2012. O réu fez simplesmente um trabalho administrativo de inclusão de seu número no sistema” foi desmentida pelo próprio corréu JOÃO DE DEUS, que afirmou categoricamente em seu interrogatório judicial que “antes de 2015 ou 2016 não fez nenhum pedido de registro de nascimento no IBAMA”. Além disso, como já mencionado repetidamente, desde 2012, a entrega de anilhas não era mais efetuada por funcionário do IBAMA, sendo realizada outrossim pela empresa “Anilhas Capri Indústria e Comércio Ltda.”, sendo incabível a utilização da ferramenta “entregar anilha” da plataforma SisPass em 2014, como o fez o acusado. De igual forma, a versão dos fatos trazida por JOÃO DE DEUS de que desconhece as alterações procedidas em 06.01.2014, tampouco merece prosperar. Embora a ferramenta de inserção de anilhas utilizadas para iniciar a fraude esteja disponível apenas no ambiente interno executadas por um operador do IBAMA/SP, fato é que houve também a participação do criador na justa medida em que declarou, no sistema externo logado com sua senha pessoal e intransferível, o nascimento de quatro aves ligadas às anilhas geradas fraudulentamente apenas alguns minutos antes pelo corréu IVAN, tudo a demonstrar tratar-se de ações concatenadas e em conluio. Sendo assim, como bem apontou o Ministério Público Federal, em seu parecer, considerando a data e o horário das inserções dos dados no SisPass por IVAN e as alterações efetuadas logo na sequência por JOÃO DE DEUS, não restam dúvidas que agiam em conluio para a prática do delito previsto no art. 313-A do CP. No caso, as inserções foram feitas através do usuário e senha de IVAN através de um endereço de IP, sendo que as alterações efetuadas na sequência por JOÃO DE DEUS foram realizadas a partir do usuário e senha do referido criador de passeriformes, a partir de um outro endereço de IP, demonstrando que os réus mantiveram contato nesse intervalo de tempo. Além do mais, não se pode desconsiderar que JOÃO DE DEUS foi diretamente beneficiado pela conduta ilícita de IVAN, não se podendo cogitar que este último tenha agido sozinho, à revelia do primeiro. Por fim, chama atenção o fato de que dentre as anilhas geradas fraudulentamente estava a expedição de anilha de identificação única “IBAMA 02/03 SP 2,2 2036”, justamente a numeração gravada em anilha falsa apreendida na residência de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS em 19.10.2016, acerca da qual JOÃO foi condenado no presente voto pelo delito do art. 296 do Código Penal, também a reforçar o liame subjetivo existente entre os acusados. Sendo assim, não restam dúvidas que JOÃO e IVAN agiam em conluio para a prática do delito previsto no art. 313-A do CP, e inseriram por ao menos quatro vezes, relacionados a quatro anilhas diferentes, dados falsos no sistema informatizado SISPASS, a fim de dar aparência de legalidade a aves silvestres de origem ilegal. Portanto, a condenação de JOÃO DE DEUS DA SILVA e IVAN BARBETTO pela prática do delito previsto no art. 313-A do Código Penal é medida que se impõe. DOSIMETRIA DA PENA O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. DA DOSIMETRIA DA PENA RELACIONADA AO DELITO DO ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL – RÉUS JOÃO DE DEUS E IVAN BARBETTO Pena-base Na primeira fase da dosimetria, a pena-base privativa de liberdade de cada um dos réus deve permanecer no mínimo legal, uma vez que ausentes quaisquer causas pessoais e circunstanciais do delito que justifiquem a exasperação da pena. Mantida, assim, a pena-base dos réus no patamar de 02 (dois) anos de reclusão pagamento 10 (dez) dias-multa. Agravantes e atenuantes Ausentes agravantes e atenuantes, a pena intermediária de IVAN BARBETTO e JOÃO DE DEUS permanece situada em 02 (dois) anos de reclusão e pagamento 10 (dez) dias-multa. Causas de aumento e diminuição Nesta fase, não se reconhece a presença de causas de aumento ou de diminuição, mantendo-se a pena definitiva no patamar já fixado, vale dizer, 02 (dois) anos de reclusão pagamento 10 (dez) dias-multa. DA DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU JOÃO DE DEUS DOS SANTOS PELO DELITO DE FALSIFICAÇÃO DE SELO PÚBLICO (ART. 296, § 1º, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL) Na primeira fase de dosimetria da pena, ausentes quaisquer apontamentos negativos com relação às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, razão pela qual a pena deve ser mantida no mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão e pagamento 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, inexistentes circunstâncias atenuantes ou agravantes. Igualmente, na terceira fase, não há qualquer causa de aumento ou diminuição a incidir na pena do acusado. DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES O réu JOÃO DE DEUS foi condenado pelos delitos do art. 296, § 1º, III do Código Penal e art. 313-A do Código Penal, os quais, em se tratando de ações diversas, em momentos diferentes, as quais se amoldaram a tipos penais que protegem, inclusive, bens jurídicos distintos, de rigor o reconhecimento do concurso material de crimes e a consequente soma das penas impostas ao acusado JOÃO DE DEUS DOS SANTOS. Considerando o concurso material entre os delitos, as penas deveriam ser somadas, de forma que o réu JOÃO DE DEUS DOS SANTOS deverá cumprir, inicialmente, 04 (quatro) anos de reclusão, além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa. DA PENA DEFINITIVA A pena definitiva de JOÃO DE DEUS resta fixada em 04 (quatro) anos de reclusão, além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa, e a pena definitiva de IVAN BARBETTO resta fixada em 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa. DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA O regime inicial de cumprimento de pena de ambos os acusados deve ser o regime ABERTO ante a pena definitiva estabelecida e a primariedade dos réus e circunstâncias do caso concreto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “c”, e § 3º do Código Penal. DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO Uma vez preenchidos os requisitos legais presentes no artigo 44, incisos I a III, do Código Penal, a pena privativa de liberdade dos réus deverão ser substituídas por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP), pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade, em organização, entidade ou associação a ser determinada pelo juízo da execução penal, assim como pela prestação pecuniária equivalente a 01 (um) salário-mínimo, a ser destinada a entidade social, atendendo o art. 45, § 1º, do Código Penal, uma vez que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação. DISPOSITIVO Diante do exposto, voto por, DE OFÍCIO, reconhecer a EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE do réu JOÃO DE DEUS DOS SANTOS no que se refere ao delito do art. 29, § 3º, III, da Lei 9.605/1998, e DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação interposta pelo Ministério Público Federal a fim de condenar IVAN BARBETTO e JOÃO DE DEUS DOS SANTOS como incursos no delito do art. 313-A do Código Penal, e, além disso, condenar apenas o réu JOÃO DE DEUS DOS SANTOS como incurso no delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, ambos em concurso material. Diante disso, a pena definitiva de IVAN BARBETTO resta fixada em 02 (dois) anos de reclusão, em regime ABERTO, além de 10 (dez) dias-multa, enquanto que a de JOÃO DE DEUS resta fixada em 04 (quatro) anos de reclusão, em regime aberto, além de 20 (vinte) dias-multa, sendo a pena privativa de liberdade de ambos os réus substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades pública, pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade, em organização, entidade ou associação a ser determinada pelo juízo da Execução Penal, assim como pela prestação pecuniária equivalente a 01 (um) salário-mínimo, a ser destinada a entidade social. É o voto. Comunique-se o Juízo das Execuções Criminais.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU JOÃO QUANTO AO DELITO DO ARTIGO 29, PARÁGRAFO 1º, INCISO III, DA LEI N.º 9.605/1998, DE OFÍCIO. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO. CONDENAÇÃO DO RÉU JOÃO PELO DELITO DO ART. 296, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO DE AMBOS OS RÉUS. FIXAÇÃO DAS PENAS NO MÍNIMO LEGAL PARA TODOS OS DELITOS. SUBSTITUIÇÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. REGIME INICIAL ABERTO. APELAÇÃO MINISTERIAL PROVIDA.
- Da extinção da punibilidade do réu JOÃO quanto ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei 9.605/1998. Considerada a pena máxima abstrata de 01 (um) ano para o delito do art. 29, a prescrição da pretensão punitiva do réu deve dar-se em 04 (quatro) anos. Nesse diapasão, considerando-se que a sentença absolutória não configura marco interruptivo de prescrição, verifica-se que, entre a data do recebimento da r. denúncia relacionada a tal crime ambiental (04.09.2018) e a presente data, verifica-se ter ocorrido o transcurso de lapso temporal superior a 04 (quatro) anos, de modo que a pretensão da punição estatal está fulminada pela prescrição desde 04.09.2022. Ante o exposto, reconhecida, DE OFÍCIO, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, declarando extinta a punibilidade de JOÃO quanto ao crime descrito no artigo 29, §1º, III, da Lei º 9.605/1998, nos termos da fundamentação.
- Da imputação exclusiva ao réu JOÃO DE DEUS referente ao crime de uso de selo ou sinal público falsificado (art. 296, § 1º, inc. III, do código penal). Diferentemente do que entendeu o r. juízo sentenciante, os elementos seguros de convicção coletados durante a instrução probatória comprovam, com a desejável segurança, a ocorrência do crime telado em todos os seus contornos, tendo como responsável o apelado JOÃO. Em outras palavras, o contexto probatório trazido à colação, de forma harmônica, coerente e convincente, reproduziu integralmente as consentâneas assertivas formuladas no decurso da etapa perquisitiva-antejudicial, viabilizando, pois, com fulcro no artigo 155 do Código de Processo Penal, a comprovação da relação necessária evento-responsabilidade, bem como o elemento subjetivo do dolo.
- Demonstrou-se, assim, inequivocadamente, que o acusado JOÃO, em 19 de outubro de 2016, de maneira consciente e espontânea, fazia uso indevido de selo público adulterado (anilha passeriforme do IBAMA), no que concerne à identificação de 01 (uma) espécime de ave nativa da fauna silvestre, que era mantida em cativeiro em sua residência, incorrendo, assim, no delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal).
- Com efeito, sendo JOÃO registrado como criador amador de passeriformes silvestres perante o IBAMA, possui consciência de que a apropriação de aves nativas é condicionada por uma série de regramentos ambientais destinados a assegurar a preservação da fauna silvestre, de forma que, ao optar pela manutenção de pássaros com anilhas adulteradas ou falsificadas sem examinar a adequação e a regularidade de sua procedência, incorre conscientemente na aceitação do risco de obter irregularmente espécimes da fauna nativa. Não há que se falar, portanto, em erro de proibição, mas sim repudiável e ilícita alegação de desconhecimento da lei a fim de escurar-se de seu cumprimento.
- In casu, o acusado é criador passeriforme registrado no SISPASS desde 2004, conforme afirmado em seu interrogatório judicial, assim sendo, com conhecimento acima do homem médio. E, na condição de criador amador, portanto, sabia que lhe incumbia a verificação da veracidade das anilhas em sua posse, fato revelador da existência do elemento subjetivo consubstanciado no dolo. De fato, da análise de seu cadastro no SISPASS (fls. 262177025- fls. 21/), verifica-se que o acusado já realizou mais de 100 (cem) transferências a outros criadores em seu plantel, o que demonstra a larga experiência do acusado em tais tipos de transações, reforçando que seu conhecimento acerca das exigências e especificidades das anilhas ultrapassava o senso comum, tendo plena consciência de sua responsabilidade enquanto criador amador para a devida regularização das aves perante os órgãos responsáveis.
- Nestes termos, ao manter o pássaro com anilha adulterada sem examinar a adequação e a regularidade de sua procedência, e tampouco buscar regularizá-la perante a administração ambiental, incorreu conscientemente no uso espúrio do respectivo sinal identificador.
- Não há que se falar, por conseguinte, em ausência de dolo por parte do acusado tanto com relação ao delito ambiental de manutenção irregular de aves silvestres, como no que se refere ao delito de falsificação de selo ou sinal público.
- Diante disso, verifica-se, portanto, que o conjunto probatório foi conclusivo no sentido de que a conduta perpetrada pelo réu se amolda perfeitamente ao tipo penal delineado no art. 296, § 1º, inciso III, do Código Penal, sendo de rigor a condenação de JOÃO como incurso no referido delito.
- Artigo 313-A do Código Penal. JOÃO e IVAN foram ambos denunciados, em aditamento da presente denúncia a partir de investigações na denominada “Operação Fibra”, pela prática do delito previsto no artigo 313-A do Código Penal, sob o fundamento de que teriam perpetrado fraudes na gestão e alimentação do SISPASS – Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade de Criação Amadora de Pássaros, a fim de obterem vantagem indevida para JOÃO.
- Com relação à tipificação do delito no art. 313-A do Código Penal, crime praticado por funcionário público contra a Administração em geral, primeiramente, como já se asseverou, válido apontar que ficou comprovado que IVAN BARBETTO, embora fosse funcionário terceirizado do IBAMA, possuía senha (pessoal e intransferível) de acesso ao sistema SISPASS, a qual lhe permitia a inserção de dados no sistema interno utilizado pelo IBAMA para controle dos animais. Em tal qualidade, não há dúvida de que o réu se tratava de pessoa equiparada a funcionário público e que detinha autorização para a prática do ato por meio do qual a fraude foi perpetrada, de modo que, em observância ao princípio da especialidade, a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP é medida que se impõe.
- Segundo narrou a inicial acusatória, o acusado IVAN BARBETTO, funcionário terceirizado do IBAMA, agiu em conluio com o corréu JOÃO DE DEUS, em 06.01.2014, para, ambos, inserirem dados falsos no SISPASS, respectivamente no sistema interno e externo, gerando fraudulentamente 04 (quatro) números de anilhas vinculadas à aves supostamente regularizadas no cadastro de JOÃO DE DEUS.
- A cadeia de atos funcionava, resumidamente, da seguinte maneira: IVAN BARBETTO, no sistema interno, com senha exclusiva a funcionários do IBAMA, utilizava-se da ferramenta “entregar anilha” - a qual, por uma falha, estava habilitada – para fraudulentamente gerar um número de anilha que nunca havia sido fisicamente entregue pelo IBAMA e vinculá-lo virtualmente ao CPF de JOÃO DE DEUS DOS SANTOS, cadastrado no SISPASS como criador amador. Posteriormente, JOÃO DE DEUS DOS SANTOS providenciava a falsificação de uma anilha com a numeração fornecida por IVAN BARBETTO e prendia o documento falsificado na pata da ave ilegal. JOÃO DE DEUS, então, declarava falsamente, no sistema externo do SISPASS destinados aos criadores, o nascimento de passeriformes, vinculados às anilhas fraudulentamente entregues. Em seguida, IVAN BARBETTO, novamente no sistema interno de funcionários, modificava a data de nascimento das aves, bem como outras alterações que se fizessem necessárias a fim de dar maior aparência de legalidade à operação, como alteração da espécie dos passeriformes do plantel do criador.
- Igualmente, diferentemente do que entendeu o r. juízo sentenciante, a conduta do corréu JOÃO DE DEUS também se amolda ao mesmo delito, uma vez que, apesar de ser particular, estava plenamente ciente da função equiparada a funcionário público que ostentava IVAN por seu acesso ao sistema interno do IBAMA, tendo ambos perpetrado o delito em coautoria, cada qual inserindo falsamente dados no sistema que lhes correspondia (respectivamente, sistema interno e externo do SISPASS), em perfeita cadeia de atos complementares para a conferência de aparente legalidade nas transações inseridas no SISPASS, não sendo plausível a tese defensiva apresentada de que não se conheciam e ausência de liame subjetivo.
- Como restou nítido e amplamente demonstrado, em especial pelo Relatório de Análise do SISPASS da Operação Fibra n. 501/2016, bem como pelo Ofício da Superintendência do Estado de São Paulo (ID n. 262177812), comprovou-se que, de fato, todos os dados falsos acima descritos, referentes a aves fraudulentamente vinculadas às anilhas de nºs IBAMA 02/03 SP 2,2 2033, IBAMA 02/03 SP 2,2 2034, IBAMA 02/03 SP 2,2 2035 e IBAMA 02/03 SP 2,2 2036, foram inseridos no SISPASS do IBAMA, em conluio e unidade de desígnios pelos corréus JOÃO DE DEUS DOS SANTOS e IVAN BARBETTO, na mesma data, ou seja, 06.01.2014, em um intervalo de menos de duas horas, ora com o CPF de um denunciado, ora com o CPF do outro, em uma perfeita cadeia criminosa de coautoria para o cometimento do delito do art. 313-A do Código Penal.
- Não restam dúvidas que JOÃO e IVAN agiam em conluio para a prática do delito previsto no art. 313-A do CP, e inseriram por ao menos quatro vezes, relacionados a quatro anilhas diferentes, dados falsos no sistema informatizado SISPASS, a fim de dar aparência de legalidade a aves silvestres de origem ilegal, sendo de rigor a condenação de JOÃO e IVAN pela prática do delito previsto no art. 313-A do Código Penal.
- Dosimetria da pena do art. 313-A do Código Penal. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base privativa de liberdade de cada um dos réus deve permanecer no mínimo legal, uma vez que ausentes quaisquer causas pessoais e circunstanciais do delito que justifiquem a exasperação da pena. Ausentes agravantes e atenuantes, a pena intermediária de IVAN e JOÃO permanece situada em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Não se reconhece a presença de causas de aumento ou de diminuição, mantendo-se a pena definitiva no patamar já fixado.
-Dosimetria da pena do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, com relação ao réu JOÃO. Na primeira fase de dosimetria da pena, ausentes quaisquer apontamentos negativos com relação às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, razão pela qual a pena deve ser mantida no mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, inexistentes circunstâncias atenuantes ou agravantes. Igualmente, na terceira fase, não há qualquer causa de aumento ou diminuição a incidir na pena do acusado.
- Concurso material de crimes. O réu JOÃO foi condenado pelos delitos do art. 296, § 1º, III do Código Penal e art. 313-A do Código Penal, os quais, em se tratando de ações diversas, em momentos diferentes, as quais se amoldaram a tipos penais que protegem, inclusive, bens jurídicos distintos, de rigor o reconhecimento do concurso material de crimes e a consequente soma das penas impostas. Considerando o concurso material entre os delitos, as penas deveriam ser somadas, de forma que o réu JOÃO DE DEUS DOS SANTOS deverá cumprir, inicialmente, 04 (quatro) anos de reclusão, além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa.
- Pena definitiva. A pena definitiva de JOÃO DE DEUS resta fixada em 04 (quatro) anos de reclusão, além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa, e a pena definitiva de IVAN BARBETTO resta fixada em 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa.
- Regime inicial de cumprimento. O regime inicial de cumprimento de pena de ambos os acusados deve ser o regime ABERTO ante a pena definitiva estabelecida e a primariedade dos réus e circunstâncias do caso concreto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “c”, e § 3º do Código Penal.
- Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. Uma vez preenchidos os requisitos legais presentes no artigo 44, incisos I a III, do Código Penal, a pena privativa de liberdade dos réus deverão ser substituídas por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP), pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade, em organização, entidade ou associação a ser determinada pelo juízo da execução penal, assim como pela prestação pecuniária equivalente a 01 (um) salário-mínimo, a ser destinada a entidade social, atendendo o art. 45, § 1º, do Código Penal, uma vez que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação.
- Reconhecida, DE OFÍCIO, a EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE do réu JOÃO no que se refere ao delito do art. 29, § 3º, III, da Lei 9.605/1998. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDA a fim de condenar IVAN e JOÃO como incursos no delito do art. 313-A do Código Penal, e, além disso, condenar apenas o réu JOÃO DE DEUS DOS SANTOS como incurso no delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, ambos em concurso material.