APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001045-29.2010.4.03.6124
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: ALCOESTE DESTILARIA FERNANDOPOLIS S A, USINA SANTA ADELIA S A, USINA OUROESTE - ACUCAR E ALCOOL LTDA, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: DEONISIO JOSE LAURENTI - SP96814-A
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO TIMONER - SP156828-A
Advogado do(a) APELANTE: HAMILTON DIAS DE SOUZA - SP20309-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, ALCOESTE DESTILARIA FERNANDOPOLIS S A, USINA SANTA ADELIA S A, USINA OUROESTE - ACUCAR E ALCOOL LTDA, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO TIMONER - SP156828-A
Advogado do(a) APELADO: DEONISIO JOSE LAURENTI - SP96814-A
Advogado do(a) APELADO: HAMILTON DIAS DE SOUZA - SP20309-A
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: USINA SANTA ADELIA S A
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: HAMILTON DIAS DE SOUZA - SP20309-A
R E L A T Ó R I O
(TRANSCRIÇÃO DO RELATÓRIO CONSTANTE DO ID 206003946, P. 41/43).
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de ALCOESTE DESTILARIA FERNANDOPOLIS S/A, USINA SANTA ADÉLIA - FILIAL INTERLAGOS S/A, USINA OUROESTE AÇÚCAR E ÁLCOOL LTDA. e União Federal, objetivando a condenação das primeiras em elaborar e executar, na condição de empresas do ramo sucroalcooleiro, e ao ente público exigir, analisar e fiscalizar, o Plano de Assistência Social em favor dos trabalhadores da indústria canavieira, previsto no art. 36 da Lei n°4.870/65.
Tutela antecipada indeferida às fls. 21/23.
Devidamente citadas (fls. 177, 181 e 184), as rés ofereceram contestação (Ouroeste - fls. 40/84, Santa Adélia - fls. 188/208, União Federal - fls. 293/310 e Alcoeste - fls. 355/362).
Réplica do Ministério Público Federal (fls. 471/479).
A r. sentença de fls. 506/512 julgou procedente o pedido e condenou a União Federal a exigir e analisar o PAS, além de promover a efetiva fiscalização da aplicação dos recursos correspondentes pelas empresas rés e outras que venham a explorar o mesmo ramo de atividade na região de abrangência da Subseção Judiciária de Jales/SP, além de condenar as rés Alcoeste, Usina Ouroeste e Usina Santa Adélia na elaboração e execução do Plano de Assistência Social relativo à presente e às futuras safras no setor sucroalcooleiro, apresentando-o ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, bem como à Secretaria de Inspeção do Trabalho-SIT, com aplicação efetiva das quantias de que trata o art. 36 da Lei n° 4.870/65, cujos depósitos deverão ser mantidos em conta bancária específica para esse fim. Determinou, ainda, o cumprimento da obrigação, independentemente do trânsito em julgado, no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), reversíveis em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Condenou as rés ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor atualizado da causa. Sentença submetida ao reexame necessário.
Em razões recursais de fls. 528/542, a empresa Alcoeste Destilaria Fernandópolis S/A pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de possuir o Programa de Assistência Social nítido caráter tributário e, portanto, desprovido de fundamento de validade pelo advento da Constituição Federal de 1988.
Igualmente inconformada, apela a Usina Santa Adélia às fls. 546/568, oportunidade em que suscita preliminares de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, inadequação da via eleita e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, alega ser ilegítima a exigência prevista no art. 36 da Lei nº 4.870/65, considerando sua não recepção pela nova ordem constitucional, além de ter seu objeto esvaziado a partir da completa desregulamentação do setor sucroalcooleiro.
Irresignada, a ré Usina Ouroeste Açúcar e Álcool Ltda. oferece apelação (fls. 579/608), aduzindo em suas razões, preliminarmente, inadequação da via eleita, ilegitimidade ativa e impossibilidade jurídica do pedido, além de cumulação indevida de ações e partes. No mérito, insiste na tese de não recepção do PAS pela atual Constituição Federal, em razão da violação do princípio da legalidade e ausência de base de cálculo, considerada a desregulamentação do setor.
Por fim, interpõe a União Federal recurso de apelação (fls. 671/674), por meio do qual pede a reforma do decisum ao fundamento da inexistência de previsão legal para o exercício da atividade fiscalizadora do PAS. Subsidiariamente, alega ser descabida a fixação de multa diária contra a administração pública.
Em petições de fls. 647/648, fls. 668/670 e fls. 675/676, Usina Santa Adélia S/A, Usina Ouroeste Açúcar e Álcool Ltda. e Alcoeste Destilaria Fernandópolis S/A, respectivamente, noticiam a promulgação da Lei n° 12.865/13, ao tempo em que pugnam pela extinção do feito sem julgamento de mérito, em razão da perda de objeto.
Devidamente processados os recursos, com seu recebimento somente no efeito devolutivo e com o oferecimento de contrarrazões pelo MPF (fls. 686/690), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal, tendo sido distribuídos, inicialmente, no âmbito da 6ª Turma.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 720/728), no sentido do provimento parcial do recurso, para se extinguir o feito, sem resolução de mérito, apenas quanto às safras posteriores à vigência da Lei n° 12.865/13.
Determinada a redistribuição do feito a uma das Turmas da 3ª Seção Especializada (fls. 758/759).
É o relatório.
VOTO
(TRANSCRIÇÃO DO RELATÓRIO CONSTANTE DO ID 206003946, P. 43/52).
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, verifico que a r. sentença de primeiro grau fora submetida ao reexame necessário. A esse respeito, registro ser a Ação Civil Pública disciplinada pela Lei n° 7.347/85, diploma legal que não contempla a ocorrência do duplo grau de jurisdição obrigatório. A Ação Popular, a seu turno, traz em seu regramento hipótese de reexame necessário de sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação (art. 19 da Lei n" 4.717/65, em redação atribuída pela Lei n" 6.014/73).
Busca-se, portanto, com a Ação Civil Pública, a proteção do interesse coletivo discutido na demanda, ao reverso da disciplina instituída pelo então aplicável art. 475 do CPC/73, o qual tem por escopo resguardar os interesses da Fazenda Pública.
Dessa forma, penso estar submetida ao duplo grau de jurisdição obrigatório a sentença que der pela improcedência da ação civil pública, situação que não se amolda ao caso dos autos.
A esse respeito, confira-se precedente do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO.
APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965.
I. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n° 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-
se indistintamente ao reexame necessário" (REsp I.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009).
2. Agravo Regimental não provido."
(AgRg no REsp n° 1.219.033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2° Turma, DJe 25/04/2011).
No mesmo sentido: AC n° 2007.61.15.001038-9/SP, Relator Des. Federal Paulo Domingues, DJe 28/03/2016.
Passo à análise da matéria preliminar.
As empresas Usina Santa Adélia e Usina Ouroeste suscitam preliminares de inadequação da via eleita, ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e impossibilidade jurídica do pedido.
Os temas agitados, contudo, já foram objeto de discussão nesta Corte, firmando-se pacífica jurisprudência no sentido da rejeição da matéria.
Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ADEQUAÇÃO - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - LEGITIMIDADE ATIVA - DIREITOS COLETIVOS - LC 75/1993 - LEI 8.078/1990 (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) - UNIÃO FEDERAL - LEGITIMIDADE PASSIVA - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - LEI 4.870/1965 - PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS TRABALHADORES DO SETOR SUCROALCOOLEIRO - ASSISTÊNCIA SOCIAL - RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1.988 - PREÇO OFICIAL E PREÇO DE VENDA - INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL - IAA - SUCESSÃO PELA UNIÃO - RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO NA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA LEI PELAS EMPRESAS DO SETOR - ATIVIDADE ADMINISTRATIVA VINCULADA - AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE - PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - VIIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA.
I. Tratando-se de direito coletivo de uma classe de pessoas, a ação civil pública é a via processual adequada à defesa desses interesses.
2. O Ministério Público Federal tem legitimidade para defender, por meio de Ação Civil Pública, direito social de tmta categoria específica de pessoas, na forma da LC 75/1993 (art. 6°, VII, d) e da Lei 8.078/1990 (art. 81, par. único).
3. Sendo sucessora do extinto Instituto do Açúcar e do Á lcool - IAA, a UNIÃO responde pelas ações por ele respondidas antes da extinção.
4. Pedido juridicamente possível porque que tem respaldo no ordenamento jurídico, tanto no que tange à obrigação de efetivação do PAS, quanto ao poder/dever da União de fiscalizá-la e responder por ação ou omissão no exercício de sua atividade administrativa.
(-)
13. Remessa Oficial e Apelações improvidas."
(AC n° 0020105-36.2005.4.03.6100, 9ª Turma, Relatora Des. Federal Marisa Santos, DJe 24/11/11) - grifos nossos.
Da mesma forma, consigno que a legalidade do PAS não comporta dissenso nesta Corte. As questões relativas à natureza tributária, à não recepção da Lei 4.870/65 pela Constituição Federal de 1988 e à ausência de previsão legal da União Federal para fiscalizar o Plano, em razão da extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA, foram exaustivamente debatidas neste Tribunal, conforme exemplifica o seguinte julgado:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PAS) PARA OS TRABALHADORES INDUSTRIAIS E AGRÍCOLAS DA AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA. ART. 36 DA LEI N° 4.870/65. NORMA TRIBUTÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DISPOSITIVO RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PORTARIA N° 102 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA NÃO IMPLICA NA INEXEQUIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO. OMISSÃO CONFIGURADA.
1 - O art. 36 da Lei n° 4.870/65 estabelece uma condicionante à atividade econômica sucroalcooleira, consistente numa obrigação de natureza previdenciária, sob o aspecto da assistência social. Logo, não
corresponde a uma norma tributária, motivo porque inexigível a regulamentação da matéria por Lei Complementar.
2 - Diante do disposto no art. 194, caput e no art. 170, caput e inciso VI, ambos da Constituição Federal, foi a regra recepcionada pela ordem constitucional vigente.
3 - A superveniência da Portaria n° 102 do Ministério da Fazenda, que liberou os preços da cana-de-açúcar, álcool e açúcar cristal a partir de 28 de abril de 1998, não implica na inexequibilidade da obrigação que decorre da lei, porquanto a expressão preço ou valor oficial não se equipara a fato gerador tributário. O termo oficial é mera acidentalidade proveniente da situação econômica vigente à época da promulgação da lei.
4 - A Lei n° 10.683/03, ao tratar especificamente da competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento previu, na alínea "p" do inciso I do artigo 27, a sua atribuição para o "planejamento e exercício da ação governamental nas atividades do setor agroindustrial canavieira". Resta evidenciada, pois, a ilegal omissão da União Federal no dever de fiscalização quanto à elaboração e à execução do Plano de Assistência Social (PAS) pelas empresas do setor sucroalcooleiro.
5 - Apelação provida"
(AC n° 2005.61.02.013551-7/SP, Rel. Des. Federal Nelson Bernardes, 9ª Turma, DJe 11/04/2013).
Mas, editada no curso da demanda a Lei n° 12.865/13, sua incidência ao caso sub examen decorre do disposto no art. 493 do Código de Processo Civil/2015 ao tratar, de forma inequívoca, de fato superveniente, devendo ser o mesmo considerado pelo julgador no momento da prolação do decisum.
O comando normativo revogador assim dispõe:
"Art. 38. São extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei n° 4.870, de 1° de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas."
"Art. 42. Revogam-se:
(...)
IV - o art. 36 da Lei n°4.870, de 1° de dezembro de 1965."
Requerem as empresas rés a extinção do feito, sem resolução de mérito, em razão da ausência de interesse superveniente, considerando a extinção do Programa de Assistência Social. O Ministério Público Federal, a seu turno, pugna pela manutenção da exigibilidade das obrigações contraídas anteriormente à edição da Lei n° 12.865/13.
O tema é polêmico.
Desta 7ª Turma, destaco precedente no sentido de preservar a exigência contida na alínea "b" do art. 36 da Lei n° 4.870/65 para as obrigações anteriores à sua publicação (AC n°0013527-51.2005.4.03.6102).
Por outro lado, a E. 8ª Turma declarou a inconstitucionalidade dos arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13, com a remessa dos autos ao Órgão Especial para deliberação (AC n°2005.61.22.000663-4).
A seu turno, a E. 9ª Turma entende pela extinção integral das obrigações contidas no art. 36 da Lei n° 4.870/65, inclusive em período anterior à superveniência da norma revogadora (AC n°2005.61.02.013526-8).
Pois bem. Como já ressaltado, com a superveniência da Lei n° 12.865, de 09 de outubro de 2013, extinguiram-se todas as obrigações relativas ao Plano de Assistência Social, previstas no já mencionado art. 36, seja por parte das empresas produtoras de açúcar e álcool (elaboração e execução), seja por parte da União Federal (exigir, analisar e acompanhar a execução).
Em atenção ao quanto arguido pelo Ministério Público Federal, tenho por constitucionais os arts. 38 e 42 da Lei n° 12.865/13, diplomas legais que, ao revogar o Plano de Assistência Social - PAS, não malferem o art. 5º, XXXVI, da CF/88.
Isso porque cabe à União Federal, por expressa disposição constitucional, a prestação da Assistência Social a quem dela necessitar (arts. 203 e 204), mediante o financiamento por toda a sociedade, através das fontes de custeio previstas no art. 195, I, dentre elas, contribuições sociais cujas rés Alcoeste, Santa Adélia e Ouroeste também se sujeitam. Dessa forma, não entendo que fazer cessar os benefícios decorrentes da aplicação dos recursos previstos no PAS, deixe os trabalhadores do setor canavieiro desamparados da proteção social que, ao fim, é dirigida a todos indistintamente.
Nesse sentido, os arestos:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTENCIAL SOCIAL. OBRIGAÇÃO DA INDÚSTRIA CANAVIEIRA INSTITUÍDA PELA LEI N. 4.870/65. EXTINÇÃO DETERMINADA PELA LEI N. 12.865/2013. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO _ PEDIDO SUPERVENIENTE.— INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 12.865/2013 NÃO CONFIGURADA.
I - Foi publicada no DOU, em 10.10.2013, a Lei n. 12.865, de 09.10.2013, que nos artigos 38 e 42 revoga o artigo 36 da Lei n. 4.870/65, pelo qual se atribuía às usinas, destilarias e fornecedores de cana a obrigação de fazer, consistente na elaboração e execução do PAS, e à União, a sua fiscalização, de modo a configurar, em tese, a superveniente impossibilidade jurídica do pedido, com a conseqüente extinção do feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC.
II - As providências pleiteadas pela parte autora, mesmo em uma análise abstrata, sem se ater aos fatos narrados na inicial, não encontrariam mais previsão em nosso ordenamento jurídico nacional, na medida em que o art. 38 da Lei n. 12.865/2013 proclamou a extinção de todas as obrigações, inclusive as anteriores à sua edição, que seriam derivadas do artigo 36, "a" e "c", da Lei n. 4.870/65, preceito legal este em que se fundou apresente ação civil pública.
III - Cabe destacar que a Turma Julgadora, na apreciação de causa similar (AC. n. 0005477-82.2009.4.03.6106), em sessão de 18.02.2014, extinguiu o feito, sem resolução do mérito, por reconhecer o autor carecedor da ação, dada a impossibilidade jurídica do pedido.
IV - A pretensão deduzida na inicial encontrou vedação explicita estabelecida no direito positivo, daí, então, ser possível reconhecer a superveniente impossibilidade jurídica do pedido.
V - Não há falar-se, igualmente, em ofensa a direito adquirido por parte dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, que pudesse implicar a inconstitucionalidade da Lei n. 12.865/2013, uma vez que as usinas de açúcar e álcool foram desobrigadas de implementar o indigitado Plano de Assistencial Social-PAS, conforme acima explanado, de modo que eventuais ações sociais já implantadas passam a ter caráter de liberalidade, não mais se sujeitando à fiscalização do Poder Público.
VI - Agravo do Ministério Público Federal desprovido (art. 557, §I", do CPC)."
(AC no 2010.61.25.002562-6/SP, Relator Des. Federal Sérgio Nascimento, 10ª Turma, DJe 21/11/2014) - grifos nossos.
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO LEGAL. ARTIGO 557, § 1°, DO CPC. PAS. ART. 36 DA LEI 4870/1965. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECEPÇÃO PELA CF/88. POSSIBILIDADE DE A ALÍQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO. ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N°. 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "13" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI N°.12.865/2013. 10. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL alegou que tal interpretação violaria o princípio da isonomia e o direito adquirido dos trabalhadores da indústria canavieira. Afirmou ter havido omissão desta E. Turma julgadora sobre esse argumento. É fato que a Constituição de 1988 consagra a intangibilidade do direito adquirido. Contudo, só os direitos adquiridos provenientes de "situação subjetiva" (aquela materializada pela manifestação de vontade do indivíduo, p. ex.: negócio jurídico) é que devem ser garantidos a qualquer custo, de modo absoluto. Já com relação os direitos provenientes de "situação objetiva" (decorrente de fatos objetivos que independem da vontade do indivíduo, p. ex.: lei), não há óbice a que estes sejam alterados pelo Estado, em razão de interesse público.
11. Na hipótese dos autos, por estarmos diante de obrigação decorrente de ato-regra (situação jurídica objetiva), era perfeitamente possível que a lei nova extinguisse também as obrigações relativas a fatos anteriores à data de sua publicação, não se podendo alegar direito adquirido nesse caso.
12. Agravos Legais aos quais se nega provimento. Prejudicado o pedido formulado às fls. 502/504."
(AC no 2005.61.02.013527-0/SP, Relator Des. Federal Fausto de Sanctis, 7ª Turma, DJe 05/06/2014).
Assentada, portanto, a constitucionalidade da Lei 12.865/13, remanesce a discussão acerca de seu alcance em relação ao quanto disposto na alínea "b" do art. 36 da Lei nº 4.870/65, a qual previa a aplicação de 1% sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria.
É certo que o art. 38 da Lei n° 12.865/13 cuida, especificamente, das obrigações constantes das alíneas "a" e "c" do art. 36 da Lei n° 4.870/65, para extingui-las tanto em relação aos fatos anteriores como posteriores à sua publicação, omitindo-se quanto à exigência contemplada na alínea "b", a qual seria, de todo modo, abrangida pela revogação disciplinada pelo art. 42.
A controvérsia reside, pontualmente, em se atribuir efeitos retroativos também à alínea "b", já que a redação do art. 42 não o faz expressamente, restando caracterizado um conflito aparente de normas.
Para elucidá-la, necessário perscrutar a intenção do legislador em abolir o Plano de Assistência Social, vale dizer, proceder à interpretação teleológica da norma para se buscar a sua finalidade. Em detida análise da tramitação legislativa a que fora submetida a Lei n" 12.865/2013, verifico ter sido a mesma fruto da conversão da Medida Provisória n° 615/2013; na ocasião, foram apresentadas inúmeras emendas parlamentares, sendo oportuno destacar a de nº 00072, de autoria do Deputado Arnaldo Jardim/SP, anexa a este voto, em que S. Exª propõe a revogação integral do art. 36 da Lei n° 4.870/65, inclusive com efeitos retroativos. Em sua justificativa, consta expressamente:
"Por força do referido dispositivo constitucional, as normas infraconstitucionais anteriores a 1988 que regulavam de forma determinante setores próprios à iniciativa privada não foram recepcionadas pelo novo sistema jurídico, inaugurado com a Constituição.
Além disso, o artigo 194 e 195 da Constituição determinam, quanto à seguridade social, a universalidade do atendimento e uniformidade dos benefícios, bem como o seu custeio por toda a sociedade.
Em relação ao setor sucroalcooleiro, o art. 36 da Lei n. 4.870, de 1º de dezembro de 1965, estabelecia uma contribuição especifica para o setor sucroalcooleiro que não foi recepcionada pela Constituição de 88, por descumprimento dos artigos 194 e 195.
Posto isso, propomos a revogação expressa do artigo 36 da Lei n. 4.870, de 1965 de forma a garantir maior segurança jurídica ao setor seus investidores (atuais e futuros) e aos próprios aplicadores da lei. Da mesma forma, as obrigações ex lege não deverão ser impostas aos particulares, uma vez que estão igualmente liberados dessas a partir de 1988.
Sala da Comissão, 24 de maio de 2013. "(grifos nossos).
Como se vê, a iniciativa parlamentar que culminou com a revogação do art. 36 da Lei no 4.870/65 teve como premissa maior a sua incompatibilidade com a ordem constitucional em vigor.
E, se assim o é, não vislumbro motivo bastante para, a um só tempo, se expurgar do mundo jurídico, com efeitos ex tunc, as obrigações relativas ao Plano de Assistência Social com recursos financeiros provenientes da venda de açúcar e álcool (alíneas "a" e "c"), e preservá-la em relação à comercialização da matéria prima (cana de açúcar - alínea "b"). Tal conclusão decorre, desta feita, da interpretação sistemática das duas normas legais (arts. 38 e 42 da Lei no 12.865/13), em que o julgador opta pelo significado que seja coerente com o conjunto.
Isso porque não está em discussão a elegibilidade de um ou outro produto derivado da cana, para fins de aplicação de um percentual em benefício dos trabalhadores, mas sim a extinção do próprio PAS; nessa medida, a se manter a exigência da alínea "b" para as obrigações anteriores, restaria inviabilizada sua execução - porque desobrigada a União Federal de exigir e analisar referido Plano -, além de se contrapor ao próprio fundamento utilizado pelo Congresso Nacional para sua revogação, quer seja ele o da não recepção pela CF/88, quer seja o da impossibilidade de aferição da base de cálculo, considerada a ausência superveniente de regulamentação governamental dos preços cobrados pela comercialização.
Dito isso, entendo que a ratio legis da formação revogadora fora, efetivamente, a de retirar o Plano de Assistência Social - PAS da órbita jurídica, desobrigando as empresas produtoras de sua elaboração e execução, bem como a União de sua atividade fiscalizadora. Corolário lógico, a isenção abrange todas as obrigações contempladas no art. 36 (alíneas "a", "b" e "c"), inclusive as anteriores à data da publicação da lei.
Nesse sentido, trago à colação julgado desta Corte:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PAS) PARA OS TRABALHADORES INDUSTRIAIS E AGRÍCOLAS DA AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA. ART. 36 DA LEI N° 4.870/65. FUNDAMENTO LEGAL. REVOGAÇÃO. EFEITOS EX TUNC. OBJETO. PREJUDICIALIDADE. EXTINÇÃO. ART. 267 DO CPC.
1 - O diploma n° 12.865, de 09 de outubro de 2013, culminou por revogar as disposições do art. 36 da Lei n° 4.870/65, com efeitos ex tune, como se depreende de seus arts. 38 e 42.
2 - O fundamento legal que embasava o pleito versado nos autos (elaboração e fiscalização do PAS) restou esvaziado, ante a revogação com efeitos retroativos produzida pela Lei n° 12.865/13, sendo de rigor o pronunciamento da perda superveniente do objeto em debate, ex vi dos arts. 462 e 267, VI, ambos do CPC.
3 - Apelações da União Federal e das empresas rés providas."
(AC n" 2009.61.06.005427-3/SP, Relator Juiz Fed. Convocado Fernando Gonçalves, 9ªTurma, DJe 12/09/2014).
E, também, do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp n° 1.408.189/SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, decisão terminativa, DJe 31/03/2014.
Declarada, portanto, a carência superveniente da presente Ação Civil Pública, tenho por prejudicado o exame da multa fixada em caso de descumprimento da obrigação, agora revogada.
Ante o exposto, não conheço do reexame necessário, rejeito as preliminares suscitadas por Usina Santa Adélia S/A e Usina Ouroeste Açúcar e Álcool Ltda. e dou provimento ao recurso de apelação da União Federal e das rés Alcoeste Destilaria Fernandópolis S/A, Usina Santa Adélia S/A - Filial Interlagos e Usina Ouroeste Açúcar e Álcool Ltda. para reconhecer a carência de ação por parte do Ministério Público Federal, em razão da ausência de interesse de agir superveniente e julgar extinto o feito, sem resolução do mérito (art. 485, VI e §3°, do CPC/15), nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
VOTO-VISTA
(TRANSCRIÇÃO DO VOTO-VISTA CONSTANTE DO ID 206003946, P. 66/76).
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Conforme relatado pelo Exmo. Desembargador Federal Carlos Delgado, trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de ALCOESTE DESTILARIA FERNANDOPOLIS S/A, USINA SANTA ADÉLIA - FILIAL INTERLAGOS S/A, USINA OUROESTE AÇÚCAR E ÁLCOOL LTDA. e União Federal, objetivando a condenação das primeiras a elaborar e executar, na condição de empresas do ramo sucroalcooleiro, e ao ente público exigir, analisar e fiscalizar, o Plano de Assistência Social em favor dos trabalhadores da indústria canavieira, previsto no art. 36 da Lei n°4.870/65.
A r. sentença de fls. 506/512 julgou procedente o pedido e condenou a União Federal a exigir e analisar o PAS, além de promover a efetiva fiscalização da aplicação dos recursos correspondentes pelas empresas rés e outras que venham a explorar o mesmo ramo de atividade na região de abrangência da Subseção Judiciária de Jales/SP, além de condenar as rés Alcoeste, Usina Ouroeste e Usina Santa Adélia a elaborarem e executarem o Plano de Assistência Social relativo à presente e às futuras safras no setor sucroalcooleiro, apresentando-o ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, bem como à Secretaria de Inspeção do Trabalho-SIT, com aplicação efetiva das quantias de que trata o art. 36 da Lei n° 4.870/65, cujos depósitos deverão ser mantidos em conta bancária especifica para esse fim. Determinou, ainda, o cumprimento da obrigação, independentemente do trânsito em julgado, no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), reversíveis em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Condenou as rés ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor atualizado da causa. Sentença submetida ao reexame necessário.
Apelaram a Alcoeste Destilaria Fernandópolis S/A (fls. 528/542), a Usina Santa Adélia (fls. 546/568), a Usina Ouroeste Açúcar e Álcool Ltda (fls. 579/608) e a União Federal (fls. 671/674).
Em petições de fls. 647/648, fls. 668/670 e fls. 675/676, Usina Santa Adélia S/A, Usina Ouroeste Açúcar e Álcool Ltda. e Alcoeste Destilaria Fernandópolis S/A, respectivamente, noticiam a promulgação da Lei n° 12.865/13, ao tempo em que pugnam pela extinção do feito sem julgamento de mérito, em razão da perda de objeto.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 720/728), no sentido do provimento parcial do recurso, para se extinguir o feito, sem resolução de mérito, apenas quanto às safras posteriores à vigência da Lei n° 12.865/13.
Pois bem.
A controvérsia travada diz respeito às disposições do artigo 36 da Lei 4.870, de 01.12.1965, cuja finalidade, segundo o Ministério Público Federal, seria a de promover assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social à categoria de trabalhadores da agroindústria de cana-de-açúcar, considerando a precariedade das condições de trabalho a que estes se submetem.
Primeiramente, saliento que, conforme explicitou o Exmo. Relator, seria descabida a submissão da Sentença em questão ao reexame necessário, tendo em vista que a Lei n° 7.347/85 não contempla o duplo grau de jurisdição obrigatório e considerando que, in casu, não se haveria de falar em aplicação, por analogia, do disposto no art. 19 da Lei n° 4.717/65, com redação atribuída pela Lei n° 6.014/73, o qual prevê a possibilidade de haver reexame necessário de sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação, situação que não se amolda à dos autos, já que o pedido foi julgado procedente (fls. 506/512).
Quanto às alegações preliminares suscitadas pelas Usinas Santa Adélia e Ouroeste, atinentes a inadequação da via eleita, ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e impossibilidade jurídica do pedido, rejeito-as pelos mesmos fundamentos apontados pelo Exmo. Relator. Conforme se asseverou, os temas agitados já foram objeto de discussão nesta Corte, firmando-se pacífica jurisprudência no sentido da rejeição dessa matéria. Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ADEQUAÇÃO - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - LEGITIMIDADE ATIVA - DIREITOS COLETIVOS - LC 75/1993 - LEI 8.078/1990 (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) - UNIÃO FEDERAL - LEGITIMIDADE PASSIVA - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - LEI 4.870/1965 - PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS TRABALHADORES DO SETOR SUCROALCOOLEIRO - ASSISTÊNCIA SOCIAL - RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1.988 - PREÇO OFICIAL E PREÇO DE VENDA - INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL - IAA - SUCESSÃO PELA UNIÃO - RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO NA FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA LEI PELAS EMPRESAS DO SETOR - ATIVIDADE ADMINISTRATIVA VINCULADA - AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE - PRINCIPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - VIIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. 1. Tratando-se de direito coletivo de uma classe de pessoas, a ação civil pública é a via processual adequada à defesa desses interesses. 2. O Ministério Público Federal tem legitimidade para defender, por meio de Ação Civil Pública, direito social de unia categoria específica de pessoas, na forma da LC 75/1993 (art. 6°, VII, d) e da Lei 8.078/1990 (art. 81, par. único). 3. Sendo sucessora do extinto Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA, a UNIÃO responde pelas ações por ele respondidas antes da extinção. 4. Pedido juridicamente possível porque que tem respaldo no ordenamento jurídico, tanto no que tange à obrigação de efetivação do PAS, quanto ao poder/dever da União de fiscalizá-la e responder por ação ou omissão no exercício de sua atividade administrativa. (...) 13. Remessa Oficial e Apelações improvidas." (AC n° 0020105-36.2005.4.03.6100, 9" Turma, Relatora Des. Federal Marisa Santos, DJe 24/11/11) - grifos nossos.
Compartilho do entendimento de que o dispositivo do art. 36 da Lei 4.870/1965 foi plenamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, já que seu escopo é atender, nos casos concretos, ao princípio da dignidade humana, do direito à saúde, bem como à obrigação de prestar a assistência social a quem dela necessitar, princípios estes garantidos pela Constituição, independentemente de contribuição à seguridade social. A obrigação dos produtores de cana, açúcar e álcool de aplicarem uma porcentagem da receita em benefício dos trabalhadores deriva do princípio da solidariedade, o qual orienta o Sistema da Seguridade Social.
Cabe mencionar que a própria Lei n°. 8.212/1991 menciona, em seu art. 28, §9°, alínea "o", as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira de que trata o art. 36 da Lei n°. 4.870, de 1° de dezembro de 1965, o que contraria a alegação de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
Atente-se, ainda, que o fato de não mais existir preço oficial para açúcar, cana ou álcool também não é suficiente para afastar a procedência do pedido formulado na Ação Civil Pública, pois, na ausência de fixação de preço pelo governo (preço oficial), nada impede que a aliquota prevista no art. 36 da Lei 4.870/1965 recaia sobre o preço atualmente praticado.
O fato de o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) ter sido extinto não torna o pedido juridicamente impossível. Sendo a União coordenadora do PAS (vide art. 37 da Lei 2870/1965) e sucessora do IAA, não resta dúvida de que deve ser atribuída à Administração Pública Direta, isto é, à União, a responsabilidade pela fiscalização da implementação do aludido Programa.
Ademais, em nenhum momento se afrontou o disposto no artigo 204 da Constituição Federal, o qual dispõe que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes. O dispositivo acima mencionado trata apenas das fontes de custeio das ações governamentais na área da assistência social. Todavia, como disciplinado no artigo 194, caput, da Constituição Federal, a seguridade social, que engloba a assistência social, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade. Desse modo, os programas destinados à assistência social não se esgotam nas políticas governamentais, impondo um vínculo obrigacional de solidariedade a toda sociedade.
Por outro lado, as ações relativas ao Programa de Assistência Social previstas pela Lei n.° 4.870/1965 não se traduzem em simples obrigação tributária, de modo que não estão albergadas pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federal. Referido programa consiste em obrigação de fazer, de responsabilidade da agroindústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade social mediante o recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta de Programa de Assistência Social em favor dos trabalhadores desse segmento econômico.
Ocorreu que, à fl. 531, a União Federal noticiou a publicação da Lei n° 12.865/13 e requereu "a extinção do feito, sem julgamento do mérito, em razão da perda superveniente do objeto". O Ministério Público Federal, a seu turno, pugnou pela manutenção da exigibilidade das obrigações contraídas anteriormente à edição da Lei nº 12.865/13.
Passo, pois, à análise dessa questão.
É certo que, em de 09 de outubro de 2013, sobreveio a edição da Lei nº 12.865, em que se converteu a Medida Provisória nº 615/2013 e cujos artigos 38 e 42 dispõem:
"Art. 38. São extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado con)fundamento nas alíneas "a" e "c" do cetim! do art. 36 da Lei no 4.870, de 1° de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas" (grifb nosso).
"Art. 42. Revogam-se:
(...)
IV - o art. 36 da Lei nº 4.870, de 1° de dezembro de 1965".
Diante do fato superveniente, vale dizer, diante da expressa determinação legal de extinção de todas as obrigações, inclusive aquelas anteriores à data de publicação da Lei, exigidas com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870/1965 (preservadas aquelas já adimplidas), impõe-se o reconhecimento da ocorrência, no presente caso, de carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal nos autos desta Ação Civil Pública.
Digo parcial porque, tendo havido revogação das obrigações exigidas com fulcro nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870/1965, inclusive daquelas anteriores à data de publicação da Lei, só restaria interesse de agir em relação à obrigação exigida com fulcro na alínea "b" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, a qual ainda remanesce no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013.
É certo que o art. 42 da Lei n°. 12.865/2013 revoga o art. 36 da Lei nº 4.870/1965 por inteiro. Contudo, tal disposição somente é aplicável para fatos ocorridos a partir da vigência da Lei n°. 12.865/2013. Com relação aos fatos anteriores à data de publicação dessa Lei, o art. 38 é claro no sentido de que apenas devem ser extintas aquelas obrigações exigidas com fulcro nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870/1965.
Remanesce, portanto, a obrigação de aplicar em benefício dos trabalhadores a percentagem de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria, no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013.
Não ignoro existir posicionamento jurisprudencial, ora adotado pelo Exmo. Desembargador Relator, no sentido de que a ratio legis da norma revogadora teria sido, efetivamente, a de retirar o Plano de Assistência Social - PAS da órbita jurídica, desobrigando as empresas produtoras de sua elaboração e execução, bem como a União de sua atividade fiscalizadora, de modo que, na realidade, teria havido extinção de todas as obrigações contempladas no art. 36 (alíneas "a", "b" e "c"), inclusive em relação ao período anterior à superveniência da norma revogadora (AC n°2005.61.02.013526-8).
Todavia, reputo mais acertada a corrente jurisprudencial que interpreta de maneira estrita e literal os dispositivos legais em questão (arts. 38 c 42 da Lei n° 12.865/13). Ora, se ao redigir o art. 38 da Lei n". 12.865/13, o qual trata da extinção das obrigações anteriores à data de publicação dessa Lei, o legislador foi expresso ao mencionar, tão-somente, as alíneas "a" e "c" da Lei nº 4.870/65, pressupõe-se que a ausência de menção à alínea "b" se deu de forma deliberada, não cabendo ao intérprete ampliar o rol de obrigações que a lei extinguiu.
Nesse sentido, já se posicionou esta E. 7ª Turma desta Corte nos seguintes julgados:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVOS LEGAIS. ARTIGO 557, § I°, DO CPC. PAS. ART. 36 DA LEI N°. 4870/1965. LEGITIMIDADE ATIVA DO MPF. RECEPÇÃO PELA CF/88. POSSIBILDADE DE A ALIQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO. ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N°. 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI nº 12.865/2013. RESPONSABILIDADE DAS USINAS, E NÃO APENAS DOS PRODUTORES DE CANA-DE-AÇUCAR, PELO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
I. Era plenamente cabível a Decisão Monocrática na hipótese dos autos, pois, segundo o art. 557, § 1°, do Código de Processo Civil, não há necessidade de a jurisprudência ser unânime ou de existir súmula dos Tribunais Superiores a respeito.
2. É de se destacar a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura de Ação Civil Pública concernente à matéria em questão, já que a finalidade do PAS (Programa de Assistência Social) é beneficiar categoria determinada de trabalhadores, os quais compartilham de relação jurídica travada com os agentes econômicos que atuam no setor sucroalcooleiro, de modo que se trata de típico interesse coletivo, nos termos do que prevê o art. 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do Consumidor.
3. Operou-se a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n°. 12.865/2013. Persiste, contudo, a obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei nº 4.870/1965, no que se refere ao período anterior à edição da Lei n°. 12.865/2013 (inteligência dos artigos 38 e 42 da Lei n°. 12.865/2013).
4. Os dispositivos dos artigos 35 e 36 da Lei 4.870/1965 foram plenamente recepcionados pela Constituição Federal de 1988, já que seu escopo é atender, nos casos concretos, o princípio da dignidade humana, do direito à saúde, bem como à obrigação de prestar a assistência social a quem dela necessitar, princípios estes garantidos pela Constituição, independentemente de contribuição à seguridade social. A própria Lei n°. 8.212/1991 menciona, em seu art . 28, §9º, alínea "o", as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agro indústria canavieira de que trata o art. 36 da Lei n". 4.870, de 1° de dezembro de 1965, o que contraria a alegação de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. 5. O fato de não mais existir preço oficial para açúcar, cana ou álcool também não é suficiente para afastar a procedência do pedido formulado na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, pois, na ausência de fixação de preço pelo governo (preço oficial), nada impede que a aliquota prevista no art. 36 da Lei 4.870/65 recaia sobre o preço atualmente praticado.
6. O fato de o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) ter sido extinto não torna o pedido juridicamente impossível. Sendo a União coordenadora do PAS (prt. 37 da Lei 2870/1965) e sucessora cio IAA, não resta dúvida de que deve ser atribuída à Administração Pública Direta, isto é, à União, a responsabilidade pela fiscalização da implementação do aludido Programa.
7. Em nenhum momento se afrontou o disposto no artigo 204 da Constituição Federal, o qual dispõe que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes. O dispositivo acima mencionado trata apenas das fontes de custeio das ações governamentais na área da assistência social. Todavia, como disciplinado no artigo 194, caput da Constituição Federal, a seguridade social, que engloba a assistência social, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade. Desse modo, os programas destinados à assistência social não se esgotam nas políticas governamentais, impondo um vínculo obrigacional de solidariedade a toda sociedade.
8. As ações relativas ao Programa de Assistência Social previstas pela Lei n.° 4.870/1965 não se traduzem em simples obrigação tributária, de modo que não estão albergadas pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federal. Referido programa consiste em obrigação de fazer, de responsabilidade da agroindústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade social mediante o recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta de Programa de Assistência Social em favor dos trabalhadores desse segmento econômico.
9. O art. 36, "b", §2", da Lei 4.870/1965 é claro ao impor à Usina a obrigatoriedade de descontar/recolher o percentual de 1% (um por cento) sobre o preço da tonelada de cana de açúcar entregue pelos seus produtores. Portanto, mesmo tendo a Usina optado por terceirizar a produção da matéria prima (cana-de-açúcar), mediante contrato de fornecimento celebrado entre ela e os produtores rurais, continua sendo da Usina (e não apenas apenas dos produtores) a obrigação de recolher/reter os valores relativos à aplicação do PAS, bem como de elaborar/executar o Plano de Assistência Social. Todos os integrantes da cadeia produtiva são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação prevista no art. 36 da Lei no 4.870/1965. Assim, o pagamento e a apresentação do Plano de Assistência Social - PAS podem ser exigidos, indistintamente, tanto do fornecedor da cana quanto da Usina, já que ambos integram a cadeia de produção. Quanto a eventual "duplicidade" ou "direito de regresso", esta é questão a ser resolvida entre as partes, por meio das vias adequadas.
10. A hipótese dos autos é de atuação vinculada da Administração, em que não há margem para análise de conveniência e oportunidade, de modo que o papel do julgador, ao determinar que a União, fiscalizasse a aplicação dos recursos do PAS foi, simplesmente, o de restaurar a ordem jurídica, tendo o agido dentro dos limites da legalidade a que se restringe a atuação do Poder Judiciário.
11. É perfeitamente cabível a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obrigação de fazer. até mesmo contra a Fazenda Pública (inteligência do art. 461, §4º, do CPC).
12. Quanto à alegação de que a Decisão agravada seria "extra petita", consigno que a condenação ao pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei n". 4.870/1965 não extrapolou os limites do pedido inicial, já que a petição inicial desta Ação Civil Pública descreve com clareza o pedido de que as Usinas rés depositassem mensalmente os valores referentes a "1% (uni por cento) do total da cana-de-açúcar produzida e comercializada" 123), bem como de que elaborassem Plano de Assistência Social (PAS) e aplicassem as quantias devidas na firma prevista na legislação (ti. 125). Portanto, não merece prosperar a alegação de que o pedido formulado pelo 11(1PF leria se referido apenas às obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do art. 36 da Lei n°. 4.870/1965, até porque, conforme se asseverou, a obrigação referente à alínea "h" do mesmo dispositivo legal deve ser exigida das Usinas, e não apenas dos prochaores da cana.
13. Agravos Legais aos quais se nega provimento". (AC 00019318920094036115, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/07/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 557, CAPUT e §1°-A, DO CPC AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PAS. ART. 36 DA LEI 4870/1965. POSSIBILIDADE DE A ALIQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO. ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N° 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI N° 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI N° 12.865/2013. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Hipótese em que a decisão impugnada foi proferida em consonância com o disposto no artigo 557, 55'1° - A, do Código de Processo Civil.
2. Agravo legal desprovido".
(AC 00135292120054036102, JUIZA CONVOCADA DENISE AVELAR, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/01/2015 ..FONTE REPUBLICACAO:)
Em suma, merece reforma, em parte, a r. Sentença. Com efeito, operou-se a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n°. 12.865/2013. Todavia, impõe-se a obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei no 4.870/1965, a qual persiste no que se refere ao período anterior à edição da Lei nº. 12.865/2013.
Com tais considerações, NÃO CONHEÇO do reexame necessário, REJEITO as alegações preliminares suscitadas e DOU PARCIAL PROVIMENTO às Apelações, a fim de reconhecer a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal apenas no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n°. 12.865/2013, bem como determino:
a) a manutenção da obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei no 4.870/1965, no que se refere ao período anterior à edição da Lei nº 12.865/2013;
b) às Usinas rés que apresentem Plano de Assistência Social - PAS ao Ministério da Agricultura, com previsão de prestação de serviços de assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social aos seus trabalhadores industriais e agrícolas;
c) à UNIÃO que proceda à efetiva fiscalização da aplicação dos recursos e do respectivo PAS.
É o voto.
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA. DESCABIMENTO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LEGITIMIDADE DO MPF. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - PAS. ART. 36 DA LEI N°. 4870/1965. RECEPÇÃO PELA CF/88. POSSIBILIDADE DE A ALÍQUOTA RECAIR SOBRE O PREÇO ATUALMENTE PRATICADO, ANTE A AUSÊNCIA DE "PREÇO OFICIAL". NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO. ARTIGOS 38 E 42 DA LEI N°. 12.865/2013. CARÊNCIA SUPERVENIENTE E PARCIAL DO INTERESSE DE AGIR DO MPF. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA "B" DO ART. 36 DA LEI NO 4.870/1965, NO QUE SE REFERE AO PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI nº 12.865/2013. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.
- A Lei nº 7.347/85, que disciplina o rito da Ação Civil Pública, não contempla a ocorrência do duplo grau de jurisdição obrigatório. A Ação Popular, a seu turno, traz em seu regramento hipótese de reexame necessário de sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação (art. 19 da Lei nº 4.717/65, em redação atribuída pela Lei nº 6.014/73).
- Está submetida à remessa necessária somente a sentença que der pela improcedência da ação civil pública, situação que não se amolda ao caso dos autos. Precedentes desta Turma e do STJ.
- Rejeitadas as preliminares de inadequação da via eleita, ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e impossibilidade jurídica do pedido. Precedente desta Corte.
- A controvérsia travada diz respeito às disposições do artigo 36 da Lei 4.870, de 01.12.1965, cuja finalidade, segundo o Ministério Público Federal, seria a de promover assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social à categoria de trabalhadores da agroindústria de cana-de-açúcar, considerando a precariedade das condições de trabalho a que estes se submetem.
- O dispositivo do art. 36 da Lei 4.870/1965 foi plenamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, já que seu escopo é atender, nos casos concretos, ao princípio da dignidade humana, do direito à saúde, bem como à obrigação de prestar a assistência social a quem dela necessitar, princípios estes garantidos pela Constituição, independentemente de contribuição à seguridade social. A obrigação dos produtores de cana, açúcar e álcool de aplicarem uma porcentagem da receita em benefício dos trabalhadores deriva do princípio da solidariedade, o qual orienta o Sistema da Seguridade Social.
- A própria Lei n°. 8.212/1991 menciona, em seu art. 28, §9°, alínea "o", as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira de que trata o art. 36 da Lei n°. 4.870, de 1° de dezembro de 1965, o que contraria a alegação de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
- A inexistência de preço oficial para açúcar, cana ou álcool também não é suficiente para afastar a procedência do pedido formulado na Ação Civil Pública, pois, na ausência de fixação de preço pelo governo (preço oficial), nada impede que a alíquota prevista no art. 36 da Lei 4.870/1965 recaia sobre o preço atualmente praticado.
- O fato de o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) ter sido extinto não torna o pedido juridicamente impossível. Sendo a União coordenadora do PAS (vide art. 37 da Lei 2870/1965) e sucessora do IAA, não resta dúvida de que deve ser atribuída à Administração Pública Direta, isto é, à União, a responsabilidade pela fiscalização da implementação do aludido Programa.
- Em nenhum momento se afrontou o disposto no artigo 204 da Constituição Federal, o qual dispõe que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes. O dispositivo acima mencionado trata apenas das fontes de custeio das ações governamentais na área da assistência social.
- Como disciplinado no artigo 194, caput, da Constituição Federal, a seguridade social, que engloba a assistência social, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade. Desse modo, os programas destinados à assistência social não se esgotam nas políticas governamentais, impondo um vínculo obrigacional de solidariedade a toda sociedade.
- As ações relativas ao Programa de Assistência Social previstas pela Lei n.° 4.870/1965 não se traduzem em simples obrigação tributária, de modo que não estão albergadas pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federal. Referido programa consiste em obrigação de fazer, de responsabilidade da agroindústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade social mediante o recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta de Programa de Assistência Social em favor dos trabalhadores desse segmento econômico.
- In casu, a União Federal noticiou a publicação da Lei n° 12.865/13 e requereu "a extinção do feito, sem julgamento do mérito, em razão da perda superveniente do objeto". O Ministério Público Federal, a seu turno, pugnou pela manutenção da exigibilidade das obrigações contraídas anteriormente à edição da Lei nº 12.865/13, em que se converteu em que se converteu a Medida Provisória nº 615/2013 e cujos artigos 38 e 42 dispõem que são extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870, de 1° de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas, revogado o o art. 36 da Lei nº 4.870/65.
- Diante do fato superveniente, vale dizer, diante da expressa determinação legal de extinção de todas as obrigações, inclusive aquelas anteriores à data de publicação da Lei, exigidas com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870/1965 (preservadas aquelas já adimplidas), impõe-se o reconhecimento da ocorrência, no presente caso, de carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal nos autos desta Ação Civil Pública, porque só restaria interesse de agir em relação à obrigação exigida com fulcro na alínea "b" do caput do referido dispositivo legal, a qual ainda remanesce no que se refere ao período anterior à edição da Lei n° 12.865/2013.
- Apesar de o art. 42 da Lei n°. 12.865/2013 revogar o art. 36 da Lei nº 4.870/1965 por inteiro, tal disposição somente é aplicável para fatos ocorridos a partir da vigência da Lei n°. 12.865/2013. Com relação aos fatos anteriores à data de publicação dessa Lei, o art. 38 é claro no sentido de que apenas devem ser extintas aquelas obrigações exigidas com fulcro nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965.
- Remanesce, portanto, a obrigação de aplicar em benefício dos trabalhadores a percentagem de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria, no que se refere ao período anterior à edição da Lei n° 12.865/2013.
- Ao redigir o art. 38 da Lei nº 12.865/13, o qual trata da extinção das obrigações anteriores à data de publicação dessa Lei, o legislador foi expresso ao mencionar, tão-somente, as alíneas "a" e "c" da Lei nº 4.870/65, pressupondo-se que a ausência de menção à alínea "b" se deu de forma deliberada, não cabendo ao intérprete ampliar o rol de obrigações que a lei extinguiu. Precedentes da E. 7ª Turma desta Corte: AC 00019318920094036115, Des. Federal FAUSTO DE SANCTIS, e-DJF3 Judicial 1 20/07/2015; AC 00135292120054036102, Juíza Federal Convocada DENISE AVELAR, e-DJF3 Judicial 1 30/01/2015.
- Merece reforma, em parte, a r. Sentença, diante da carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei no 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n°. 12.865/2013, determinando-se: a) a manutenção da obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei no 4.870/1965, no que se refere ao período anterior à edição da Lei nº 12.865/2013; b) às Usinas rés que apresentem Plano de Assistência Social - PAS ao Ministério da Agricultura, com previsão de prestação de serviços de assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social aos seus trabalhadores industriais e agrícolas; e c) à UNIÃO que proceda à efetiva fiscalização da aplicação dos recursos e do respectivo PAS.
- Reexame necessário não conhecido. Preliminares rejeitadas. Apelações parcialmente providas.