APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003792-93.2020.4.03.6000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: LUIZ NELSON MONACO JUNIOR
Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA CIARLINI DE AZEVEDO - RJ160305-A, LEONARDO VASCONCELOS GUAURINO DE OLIVEIRA - RJ150762-A, SAULO GUAPYASSU VIANNA - RJ165441-A
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA EST DE MATO GROSSO DO SUL
Advogado do(a) APELADO: RODRIGO FLAVIO BARBOZA DA SILVA - MS15803-A
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003792-93.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: LUIZ NELSON MONACO JUNIOR Advogados do(a) APELANTE: SAULO GUAPYASSU VIANNA - RJ165441-A, LEONARDO VASCONCELOS GUAURINO DE OLIVEIRA - RJ150762-A Advogado do(a) APELADO: RODRIGO FLAVIO BARBOZA DA SILVA - MS15803-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença de improcedência em ação ajuizada face ao Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul, pleiteando reconhecimento da condição de médico do trabalho mediante registro de qualificação de especialistas ("RQE") para exercício de cargo de coordenação/supervisão em Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT, e em Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO. A parte autora, em razão da sucumbência, foi condenada em verba honorária de 10% do valor atualizado da causa. Alegou-se, em suma, que: (1) integra reserva legal a fixação de qualificações para exercício profissional, sendo insusceptível de deslegalização e, ainda que delegada por lei, o que não houve no caso, não poderia o tratamento infralegal ser restritivo; (2) "o registro de especialidade junto à inscrição do médico não é ato constitutivo, mas sim declaratório de condição adquirida quando da conclusão da pós-graduação reconhecida nos termos da Lei 9.394/1996", enquanto que “o ato administrativo de registro é ato vinculado, não há margem restritiva de discricionariedade por parte da autarquia”; (3) a Lei 6.832/1981 dispõe sobre atividades de residência médica, uma das modalidades de ensino de pós-graduação, sendo as especializações em nível de pós-graduação regradas pela Lei 9.394/1996; (4) a condição de médico do trabalho sempre foi admitida pela conclusão de pós-graduação lato sensu, a teor da Portaria DSST 11/1990, vigente até 30/04/2014, inexistindo atualmente qualquer instituição de ensino que ofereça curso de residência médica em medicina do trabalho no Estado de Mato Grosso do Sul; (5) o direito à especialidade em medicina do trabalho decorre da Portaria DSST 11, de 17/09/1990, apenas revogada em 30/04/2014 (pela Portaria MTE 590/2014), data em que já concluída especialização, vedada a retroatividade da revogação; (6) a Portaria DSST 11/1990 ainda vige, pois nula a Portaria MTE 590/2014, “porque promove renúncia de competência – ou delega competência indelegável atribuída pelo art. 162, parágrafo único, alínea c, da CLT – na forma do art. 11 e art. 13, I e III, da Lei 9.784/1999”; (7) a Resolução CFM 2.061/2013 revogou a Resolução CFM 1.799/2006, que previa que pós-graduação em medicina do trabalho não podia ser registrada, sendo “incontroverso que, à época, não havia nenhuma razão objetiva que justificasse o requerimento de registro de especialidade em medicina do trabalho no Conselho de Medicina, considerando que bastava a condição de médico do trabalho, nos termos dispostos pelo Ministério do Trabalho, para que o médico pudesse gozar do status de especialista”; (8) a jurisprudência é assente quanto ao livre exercício da medicina do trabalho em coordenações e supervisões técnicas; e (9) "os atos infralegais da lavra do Conselho Federal de Medicina digladiam, ainda, com o art. 4º, I, VI, VII e VIII, da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 (Lei de Liberdade Econômica), razão pela qual são nulas, porque sofreram, com o advento da norma, caducidade". Houve contrarrazões. É o relatório.
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA EST DE MATO GROSSO DO SUL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003792-93.2020.4.03.6000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: LUIZ NELSON MONACO JUNIOR Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA CIARLINI DE AZEVEDO - RJ160305-A, LEONARDO VASCONCELOS GUAURINO DE OLIVEIRA - RJ150762-A, SAULO GUAPYASSU VIANNA - RJ165441-A Advogado do(a) APELADO: RODRIGO FLAVIO BARBOZA DA SILVA - MS15803-A V O T O Senhores Desembargadores, a controvérsia envolve o exercício da medicina do trabalho, pleiteando-se expedição do Registro de Qualificação de Especialista (RQE), perante o Conselho Regional de Medicina, para garantir atuação junto a Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT, e em Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO, com habilitação para exercer cargos de direção técnica, supervisão, coordenação, chefia ou responsabilidade médico, alegando que as restrições impostas pelo órgão de fiscalização profissional padecem dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade. A liberdade de exercício profissional é consagrada no artigo 5º, XIII, da Constituição Federal, que admite sejam instituídas, desde que por lei, eventuais restrições atinentes às qualificações profissionais exigidas para o desempenho das atividades. É assente na jurisprudência que requisitos relativos à formação acadêmica inserem-se na competência de órgãos vinculados ao Ministério da Educação, enquanto os atinentes ao registro profissional são fixados pelos órgãos do sistema de fiscalização profissional, conselho federal e regional de cada profissão. A distinção na atuação de cada sistema e órgão tem relevância para obstar que, por exemplo, conselhos federais ou regionais de fiscalização profissional disciplinem requisitos da formação e titulação acadêmica a pretexto de regular o trato do tema do registro profissional, como comumente tem ocorrido em controvérsias suscitada perante o Judiciário. A propósito, a Corte Superior assim fixou o campo normativo de atuação de cada sistema e órgão regulador: REsp 1.453.336, Rel. Min. NAPOLEÃO MAIA, DJe 04/09/2014: "ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESCREDENCIAMENTO DE INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL PELO CONFEA. CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA. CANCELAMENTO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENGENHARIA DE SEGURANÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. ATO ILEGAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. À luz do que dispõe a Lei 9.394/96, em seus arts. 9º., inciso IX, e 80, § 2º, a União é o Ente Público responsável por autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino, bem como regulamentar os requisitos para o registro de diplomas de cursos de educação à distância. Estas funções são desempenhas pelo Ministério da Educação, pelo Conselho Nacional de Educação - CNE, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, e pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior - CONAES, nos termos do Decreto 5.773/06. 2. Aos conselhos profissionais, de forma geral, cabem tão-somente a fiscalização e o acompanhamento das atividades inerentes ao exercício da profissão, o que certamente não engloba nenhum aspecto relacionado à formação acadêmica. Esta compreensão não retira o papel fiscalizador do CONFEA e dos CREA's no tocante aos cursos superiores de Engenharia e Agronomia; muito pelo contrário, esta tarefa é deveras relevante, porquanto qualquer irregularidade descoberta deve ser imediatamente comunicada ao Ministério da Educação, a fim de que tome as atitudes pertinentes. 3. Recurso Especial conhecido e provido." Não haveria integridade nem segurança jurídica se entidade de ensino superior expedisse diploma de conclusão de curso superior, de acordo com as exigências do Ministério da Educação e demais órgãos do sistema, e o registro para efeito de exercício profissional fosse negado, por restrições editadas, por conselhos de fiscalização, através de normas de regulação da formação acadêmica necessária ao exercício da profissão. Em relação à profissão médica, a Lei 3.268/1957 assim dispôs sobre tais qualificações: "Art. 17 Os médicos só poderão exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade". Embora tal lei tenha disposto sobre conselhos de medicina, a norma transcrita não autoriza que disciplina sobre formação acadêmica de profissionais médicos seja fixada pelos órgãos de fiscalização profissional, cujas atribuições são outras e expressas nos artigos 5º e 15 da Lei 3.268/1957, e normas de regulamentação do Decreto 44.045/1958. Portanto, a formação e habilitação necessárias para titulação acadêmica na área de medicina e nas especialidades respectivas somente podem ser fixadas no âmbito do sistema e dos órgãos vinculados ao Ministério da Educação. Cabe observar, neste sentido, que a atual redação do próprio artigo 17 da Lei 3.268/1957 foi dada pela Medida Provisória 621/2013, convertida na Lei 12.871/2013, por meio da qual se instituiu o Programa Mais Médicos, tratando ainda de importantes temas como a própria formação médica no país para o exercício da profissão. Para o exercício da profissão de médico, além do diploma de conclusão do curso de graduação, é necessário o registro perante o conselho regional, garantindo o título para o exercício profissional como médico generalista. Para exercer a medicina numa área de especialização, de modo a registrar-se no conselho regional como médico especialista com direito, pois, ao Registro de Qualificação de Especialista (RQE), deve o graduado buscar formação em curso de pós-graduação, com foco na atividade prática da área de especialização. A titulação, no caso, é obtida através da denominada "residência médica", curso de especialização com duração média de dois a cinco anos, conforme a especialidade, realizado dentro de unidade hospitalar com avaliação para o grau de especialista na área escolhida. A residência médica, por expressa definição legal, constitui "modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional" (artigo 1º da Lei 6.932/1981). Tratada como curso de especialização, com foco em treinamento prático para o exercício da profissão, prevê a legislação que a residência médica "constitui modalidade de certificação das especialidades médicas no Brasil" (artigo 1º, § 3º da Lei 6.932/1981, incluído pela Lei 12.871/2013) e, portanto, "Os programas de Residência Médica credenciados na forma desta Lei conferirão títulos de especialistas em favor dos médicos residentes neles habilitados, os quais constituirão comprovante hábil para fins legais junto ao sistema federal de ensino e ao Conselho Federal de Medicina" (artigo 6º da Lei 6.932/1981). Evidencia-se, pois, que, por força de legislação federal de regulação do ensino superior, e não por iniciativa de norma de órgão de fiscalização profissional, existe distinção legal forte e relevante entre residência médica, que permite exercício e divulgação profissional da área de especialidade médica de habilitação, e modalidades de cursos pós-graduação, como a própria especialização, mestrado, doutorado ou pós-doutorado, realizados em ambiente específico, e não necessariamente hospitalar, destinando-se à atualização acadêmica do médico (lato sensu), ou à formação, em nível mais avançado de estudos, de quadros de pesquisadores e docentes para cursos na área de medicina. Tal distinção decorre do sistema legal vigente, em especial à luz das Leis 3.268/1957, 6.932/1981, 9.394/1996 e 12.871/2013, além de decretos regulamentadores, não cabendo aos conselhos profissionais promover qualquer inovação, dado que se trata de matéria afeta à disciplina da formação para o exercício profissional, a cargo do sistema e órgãos reguladores do ensino superior, na forma do artigo 5º, XIII, da Constituição Federal. Disso não resulta, porém, que esteja vedado aos conselhos de fiscalização disciplinar o registro para exercício regular da profissão, observando os requisitos pertinentes da lei e das normas a cargo do sistema e dos órgãos reguladores do ensino superior. Ao contrário, ao atuar dentro de tais balizas legais e normativas, o conselho profissional exerce atribuição inserida em competência legal própria, assegurando o registro e a fiscalização do exercício regular da profissão. É certo, pois, diante do exposto, que a emissão do Registro de Qualificação de Especialista (RQE) condicionada à comprovação do cumprimento de requisitos da legislação reguladora do ensino superior, para titular-se como especialista para exercício da medicina, não viola a liberdade de exercício profissional, de que trata o artigo 5º, XIII, da Constituição da República. As normas de disciplina do exercício da profissão, em termos seja de formação acadêmica, seja de registro junto a órgãos de fiscalização, não se encontram sujeitas ao princípio da reserva legal, mas ao princípio da legalidade, de modo que a regulação normativa deve observar à lei, não sendo vedada, porém, a estipulação infralegal, em conformidade com o parâmetro dado pelo legislador. Nem se alegue violação a direito adquirido, face à Portaria DSST 11, de 17/09/1990, que, ao tratar do SESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, reconheceu como apto ao exercício de funções o médico do trabalho portador de "certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação" ou "certificado de residência medica em área de concentração em saúde do trabalhador ou denominação equivalente, reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Medica, do Ministério da Educação, ambos ministrados por Universidades ou Faculdades que mantenha curso de graduação em Medicina" (artigo 1º). A alegação de que, portaria, teria conferido direito a médico, ainda que sem conclusão de residência médica, mas com formação em curso de especialização em pós-graduação, o direito ao exercício de função na área de especialidade de medicina do trabalho, não pode gerar direito adquirido, pois torna equivalentes cursos e formações que, segundo legislação específica, diferem entre si na habilitação para o exercício profissional. Segundo a legislação que disciplina a formação médica, somente a conclusão de curso de residência médica confere aptidão para titulação de especialista em medicina do trabalho. Logo, atos normativos do conselho regional, que obstam emissão do Registro de Qualificação de Especialista (RQE) se não cumpridas exigências da legislação federal, que prevê formação necessária à titulação de médico, em qualquer dos seus ramos ou especialidades, não é inconstitucional nem ilegal, inclusive à luz da garantia do direito adquirido. Não é por outro motivo que a Portaria DSST 11, de 17/09/1990, não mais prevalece, dispondo, atualmente, a Portaria MTP 2.318, de 03/08/2022, no anexo referente à NR 4, acerca de Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho, que: "4.3.2 O SESMT deve ser composto por médico do trabalho, engenheiro de segurança do trabalho, técnico de segurança do trabalho, enfermeiro do trabalho e auxiliar/técnico em enfermagem do trabalho, obedecido o Anexo II. 4.3.3 Os profissionais integrantes do SESMT devem possuir formação e registro profissional em conformidade com o disposto na regulamentação da profissão e nos instrumentos normativos emitidos pelo respectivo conselho profissional, quando existente. 4.3.4 O SESMT deve ser coordenado por um dos profissionais integrantes deste serviço." Houve expresso reconhecimento, pois, de que cabe à legislação específica disciplinar regras de habilitação para formação e exercício da profissão, não podendo ser instituída, por norma administrativa, regime distinto e conflitante com o legalmente produzido, como verificado na espécie, no tocante ao médico especialista em medicina do trabalho. Nem pertine a tese de que revogação não pode ter efeito retroativo (artigo 53 da Lei 9.784/1999 c/c Súmula 473/STF), pois, diante do conflito da norma administrativa com a legislação, esta deve prevalecer, tornando ilegal, pois, o ato administrativo para efeito de anulação, e não apenas para revogação por conveniência ou oportunidade administrativa, como anunciado. Ainda que a Portaria MTE 2.018/2014 tenha fixado prazo para médicos já integrantes do SESMT regularizarem os requisitos de formação e registro profissional exigidos nas leis específicas, não existe direito adquirido à situação ilegal, a teor do ato administrativo, ainda que este não tenha sido anulado como era de rigor, mas apenas formalmente revogado. Tampouco cogita-se de abuso de poder regulatório na disciplina do exercício da profissão (artigo 4º, I, VI, VII e VIII, da Lei 13.874/2019), primeiramente porque, como dito, a exigência de qualificação em residência médica para exercício profissional como especialista decorre da legislação própria, e não de normas administrativas dos conselhos profissionais, como resoluções do conselho federal, que apenas convergem, no caso, para o previsto na legislação, não criando, portanto, normas administrativas de registro profissional em contraste com normas de regulação do ensino superior. Em razão do desprovimento da apelação, deve a parte autora arcar com verba honorária recursal, a ser acrescida ao já fixado na sentença, aplicando-se, "conforme o caso", em razão do reduzido valor da causa, condenação por equidade, a partir do valor mínimo previsto na Tabela de Honorários da OAB/SP, a teor do artigo 85, §§ 8º e 8º-A c/c § 11, CPC. Ante o exposto, nego provimento à apelação, no tocante ao pleito de que seja "garantido o livre exercício da medicina do trabalho", restando prejudicado o pedido sucessivo, de "registro da pós-graduação em medicina do trabalho como especialidade médica". É como voto.
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA EST DE MATO GROSSO DO SUL
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. REGISTRO DE QUALIFICAÇÃO DE ESPECIALISTA (RQE). MEDICINA DO TRABALHO. ATUAÇÃO EM SERVIÇOS ESPECIALIZADOS EM ENGENHARIA DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO - SESMT. PROGRAMAS DE CONTROLE MÉDICO DE SAÚDE OCUPACIONAL - PCMSO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA.
1. A liberdade de exercício profissional é consagrada no artigo 5º, XIII, da Constituição Federal, que admite sejam instituídas, desde que por lei, eventuais restrições atinentes às qualificações profissionais exigidas para o desempenho das atividades.
2. É assente na jurisprudência que requisitos relativos à formação acadêmica inserem-se na competência de órgãos vinculados ao Ministério da Educação, enquanto os atinentes ao registro profissional são fixados pelos órgãos do sistema de fiscalização profissional, conselho federal e regional de cada profissão. A distinção na atuação de cada sistema e órgão tem relevância para obstar que, por exemplo, conselhos federais ou regionais de fiscalização profissional disciplinem requisitos da formação e titulação acadêmica a pretexto de regular o trato do tema do registro profissional, como comumente tem ocorrido em controvérsias suscitada perante o Judiciário.
3. Em relação à profissão médica, dispôs sobre as qualificações necessárias o artigo 17 da Lei 3.268/1957, cuja atual redação foi dada pela Medida Provisória 621/2013, convertida na Lei 12.871/2013, por meio da qual se instituiu o Programa Mais Médicos, tratando ainda de importantes temas como a própria formação médica no país para o exercício da profissão.
4. Para o exercício da profissão de médico, além do diploma de conclusão do curso de graduação, é necessário o registro perante o conselho regional, garantindo o título para o exercício profissional como médico generalista. Para exercer a medicina numa área de especialização, de modo a registrar-se no conselho regional como médico especialista com direito, pois, ao Registro de Qualificação de Especialista (RQE), deve o graduado buscar formação em curso de pós-graduação, com foco na atividade prática da área de especialização. A titulação, no caso, é obtida através da denominada "residência médica", curso de especialização com duração média de dois a cinco anos, conforme a especialidade, realizado dentro de unidade hospitalar com avaliação para o grau de especialista na área escolhida.
5. A residência médica, por expressa definição legal, constitui "modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional" (artigo 1º da Lei 6.932/1981). Tratada como curso de especialização, com foco em treinamento prático para o exercício da profissão, prevê a legislação que a residência médica "constitui modalidade de certificação das especialidades médicas no Brasil" (artigo 1º, § 3º da Lei 6.932/1981, incluído pela Lei 12.871/2013) e, portanto, "Os programas de Residência Médica credenciados na forma desta Lei conferirão títulos de especialistas em favor dos médicos residentes neles habilitados, os quais constituirão comprovante hábil para fins legais junto ao sistema federal de ensino e ao Conselho Federal de Medicina" (artigo 6º da Lei 6.932/1981).
6. Evidencia-se, pois, que, por força de legislação federal de regulação do ensino superior, e não por iniciativa de norma de órgão de fiscalização profissional, existe distinção legal forte e relevante entre residência médica, que permite exercício e divulgação profissional da área de especialidade médica de habilitação, e modalidades de cursos pós-graduação, como a própria especialização, mestrado, doutorado ou pós-doutorado, realizados em ambiente específico, e não necessariamente hospitalar, destinando-se à atualização acadêmica do médico (lato sensu), ou à formação, em nível mais avançado de estudos, de quadros de pesquisadores e docentes para cursos na área de medicina.
7. A emissão do Registro de Qualificação de Especialista (RQE) condicionada à comprovação do cumprimento dos requisitos da legislação reguladora do ensino superior, para titular-se como especialista para exercício da medicina, não viola a liberdade de exercício profissional, de que trata o artigo 5º, XIII, da Constituição da República. As normas de disciplina do exercício da profissão, em termos seja de formação acadêmica, seja de registro junto a órgãos de fiscalização, não se encontram sujeitas ao princípio da reserva legal, mas ao princípio da legalidade, de modo que a regulação normativa deve observar à lei, não sendo vedada, porém, a estipulação infralegal, em conformidade com o parâmetro dado pelo legislador.
8. Nem se alegue violação a direito adquirido, face à Portaria DSST 11, de 17/09/1990, que, ao tratar do SESMT - Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, reconheceu como apto ao exercício de funções o médico do trabalho portador de "certificado de conclusão de curso de especialização em Medicina do Trabalho, em nível de pós-graduação" ou "certificado de residência medica em área de concentração em saúde do trabalhador ou denominação equivalente, reconhecida pela Comissão Nacional de Residência Medica, do Ministério da Educação, ambos ministrados por Universidades ou Faculdades que mantenha curso de graduação em Medicina" (artigo 1º).
9. A alegação de que, portaria, teria conferido direito a médico, ainda que sem conclusão de residência médica, mas com formação em curso de especialização em pós-graduação, o direito ao exercício de função na área de especialidade de medicina do trabalho, não pode gerar direito adquirido, pois torna equivalentes cursos e formações que, segundo legislação específica, diferem entre si na habilitação para o exercício profissional. Segundo a legislação que disciplina a formação médica, somente a conclusão de curso de residência médica confere aptidão para titulação de especialista em medicina do trabalho.
10. Não é por outro motivo que a Portaria DSST 11, de 17/09/1990, não mais prevalece, dispondo a Portaria MTP 2.318, de 03/08/2022, no anexo relativo à NR 4, sobre Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho, que: "4.3.3 Os profissionais integrantes do SESMT devem possuir formação e registro profissional em conformidade com o disposto na regulamentação da profissão e nos instrumentos normativos emitidos pelo respectivo conselho profissional, quando existente". Houve expresso reconhecimento de que cabe à legislação específica disciplinar sobre habilitação para formação e exercício da profissão, não podendo ser instituído, por norma administrativa, regime distinto e conflitante com o legalmente produzido, como verificado na espécie, no tocante ao médico especialista em medicina do trabalho.
11. Nem pertine a tese de que revogação não pode ter efeito retroativo (artigo 53 da Lei 9.784/1999 c/c Súmula 473/STF), pois, diante do conflito da norma administrativa com a legislação, esta deve prevalecer, tornando ilegal, pois, o ato administrativo para efeito de anulação, e não apenas para revogação por conveniência ou oportunidade administrativa, como anunciado. Ainda que a Portaria MTE 2.018/2014 tenha fixado prazo para médicos já integrantes do SESMT regularizarem os requisitos de formação e registro profissional exigidos nas leis específicas, não existe direito adquirido à situação ilegal, a teor do ato administrativo, ainda que este não tenha sido anulado como era de rigor, mas apenas formalmente revogado.
12. Tampouco cogita-se de abuso de poder regulatório na disciplina do exercício da profissão (artigo 4º, I, VI, VII e VIII, da Lei 13.874/2019), primeiramente porque, como dito, a exigência de qualificação em residência médica para exercício profissional como especialista decorre da legislação própria, e não de normas administrativas dos conselhos profissionais, como resoluções do conselho federal, que apenas convergem, no caso, para o previsto na legislação, não criando, portanto, normas administrativas de registro profissional em contraste com normas de regulação do ensino superior.
13. Em razão do desprovimento da apelação, deve a parte autora arcar com verba honorária recursal, a ser acrescida ao já fixado na sentença, aplicando-se, "conforme o caso", em razão do reduzido valor da causa, condenação por equidade, a partir do valor mínimo previsto na Tabela de Honorários da OAB/SP, a teor do artigo 85, §§ 8º e 8º-A c/c § 11, CPC.
14. Apelação desprovida.