Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008792-65.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: CLAUDIO BELARMINO DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MARISTELA ANTONIA DA SILVA - SP260447-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008792-65.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: CLAUDIO BELARMINO DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MARISTELA ANTONIA DA SILVA - SP260447-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação e remessa necessária à sentença concessiva de mandado de segurança para reconhecer a inconstitucionalidade e o cancelamento do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR).

Alegou-se que: (1) o procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade (PARR) foi objeto de regulamentação pela Portaria PGFN 948/2017 e não retira do Judiciário a decisão final sobre a responsabilidade do sócio, mas implica apenas antecipação da responsabilidade que pode ser discutida na via judicial; (2) a responsabilidade foi alocada ao sócio por constatação da dissolução irregular da pessoa jurídica (artigo 135, II, CTN); (3) a PGFN é competente para reconhecer responsabilidade de terceiro, com inclusão do co-devedor na CDA, cabendo reconhecimento da presunção de legitimidade e veracidade dos atos, bem como do dever legal de garantir recuperação do crédito fiscal; (4) distingue-se a regra-matriz de incidência tributária da regra-matriz de responsabilidade tributária, cabendo ao Fisco a constituição do crédito, mas não a declaração da responsabilidade de terceiro; (5) não houve violação do contraditório e ampla defesa no âmbito fiscal, pois houve notificação da corresponsabilização por créditos tributários, tendo inclusive havido impugnação; e (6) houve cometimento das condutas previstas no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional, diante da dissolução irregular da pessoa jurídica.

Houve contrarrazões e parecer ministerial pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008792-65.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: CLAUDIO BELARMINO DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MARISTELA ANTONIA DA SILVA - SP260447-A

 

  

 

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, discute-se no writ a inconstitucionalidade do PARR - Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade, objeto da Portaria PGFN 948/2017, que dispõe, “in verbis”:

 

“Art. 1º Esta Portaria regulamenta o procedimento administrativo para apuração de responsabilidade de terceiros pela prática da infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN.

Art. 2º O Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade - PARR será instaurado por iniciativa da unidade descentralizada da PGFN responsável pela cobrança de débito inscrito em dívida ativa em face de pessoa jurídica devedora.

Parágrafo único. O procedimento será realizado contra o terceiro cuja responsabilidade se pretende apurar e deverá indicar especificamente os indícios da ocorrência da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, devendo conter, no mínimo, as seguintes informações:

I - identificação da pessoa jurídica cuja dissolução irregular é apontada;

II - identificação do terceiro em face do qual o procedimento foi instaurado;

III - elementos de fato que caracterizaram a dissolução irregular da pessoa jurídica;

IV - fundamentos de direito da imputação da responsabilidade pela dívida ao terceiro; e

V - discriminação e valor consolidado dos débitos inscritos em dívida ativa objeto do procedimento.

Art. 3º. Atendidos os requisitos previstos nesta Portaria, o PARR será iniciado mediante a notificação, por carta com aviso de recebimento, do terceiro ao qual se imputa responsabilidade, para, querendo, apresentar, no prazo de 15 (quinze) dias corridos, impugnação.

§ 1º Caso resulte frustrada a notificação de que trata o caput, esta será realizada por meio de publicação oficial.

§ 2º Será franqueada ao interessado, mediante acesso ao Centro Virtual de Atendimento da PGFN (e-CAC PGFN), disponível no sítio da PGFN na internet (www.pgfn.gov.br), a consulta ao procedimento instaurado, contendo os respectivos fundamentos e as informações relacionadas à cobrança.

Art. 4º. A impugnação deverá ser apresentada exclusivamente por meio do e-CAC da PGFN e deverá trazer elementos aptos para demonstrar a inocorrência de dissolução irregular ou a ausência de responsabilidade pelas dívidas.

§ 1º Será possível a juntada de documentos, devendo a impugnação, preferencialmente, ser instruída com:

I - Qualificação completa (nome, CPF, RG, profissão e estado civil) e endereço físico e eletrônico atualizado do impugnante;

II - Cópia dos documentos que comprovem o regular funcionamento da pessoa jurídica, como notas fiscais, livros contábeis e fiscais, extratos bancários, relação de empregados e comprovação do pagamento de tributos correntes; e

III - Outros documentos que infirmem os indícios de encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica devedora ou demonstrem a sua ausência de responsabilidade em relação às dívidas em cobrança.

§ 2º A impugnação deverá se limitar à discussão objeto do PARR.

§ 3º Apresentada a impugnação, todas as comunicações ulteriores serão realizadas por meio do e-CAC PGFN, cabendo ao interessado acompanhar a respectiva tramitação.

Art. 5º. A impugnação será apreciada por Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa.

§ 1º A decisão será proferida no prazo de até trinta dias corridos, prorrogável por igual período.

§ 2º A decisão deverá conter motivação explícita, clara e congruente, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos que amparam a conclusão adotada, sem prejuízo da possibilidade de emprego da técnica de fundamentação referenciada.

Art. 6º. O interessado será notificado da decisão por meio do e-CAC da PGFN, sendo-lhe facultado interpor recurso administrativo no prazo de dez dias corridos, sem efeito suspensivo.

§ 1º O recurso administrativo deverá ser apresentado através do e-CAC PGFN e deverá expor, de forma clara e objetiva, os fundamentos do pedido de reexame, atendendo aos requisitos previstos na legislação processual civil.

§ 2º Caso a autoridade responsável pela decisão recorrida não a reconsidere, encaminhará o recurso à autoridade superior, que poderá, de ofício ou a pedido, atribuir efeito suspensivo ao recurso.

§ 3º A autoridade competente para o julgamento do recurso será o Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior.

§ 4º O julgamento do recurso administrativo observará o disposto no § 2º do art. 5º.

§ 5º Importará renúncia à instância recursal e o não conhecimento do recurso eventualmente interposto, a propositura, pelo interessado, de qualquer ação judicial cujo objeto coincida total ou parcialmente com o do PARR.

Art. 7º Na hipótese de rejeição da impugnação ou do recurso administrativo, o terceiro será considerado responsável pelas dívidas.

§ 1º O disposto no caput implicará a sensibilização dos sistemas de controle da dívida ativa e poderá ter efeito sobre todos os débitos fiscais já inscritos em dívida ativa ou que vierem a ser, em cobrança judicial ou não, em nome da pessoa jurídica irregularmente dissolvida e dos corresponsáveis.

§ 2º A responsabilidade referida no caput somente poderá ser afastada em relação aos outros débitos fiscais não relacionados no PARR se demonstradas, fundamentadamente, peculiaridades fáticas ou jurídicas que infirmem a responsabilidade.

§ 3º A Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá ser comunicada para adoção do procedimento de que trata o art. 31 da Instrução Normativa nº 1.634, de 06 de maio de 2016.

Art. 8º Sem prejuízo da competência das unidades descentralizadas, a Coordenação-Geral da Dívida Ativa da União (CDA) ou a Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos (CGR) poderão instaurar o PARR.

Parágrafo único. Compete às unidades descentralizadas da PGFN, nos termos dos arts. 5º e 6º, a análise das impugnações ou dos recursos administrativos interpostos em face dos procedimentos instaurados na forma do caput.

Art. 9º O procedimento de que trata esta Portaria observará o disposto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Parágrafo único. Deverá ser observado o disposto no parágrafo único do art. 2º da Portaria PGFN nº 180, de 25 de fevereiro de 2010, alterado pela Portaria PGFN nº 713, de 14 de outubro de 2011.

Art. 10. O disposto nesta Portaria não afeta as competências da Secretaria da Receita Federal do Brasil e dos demais órgãos de constituição de créditos cobrados pela PGFN.

Art. 11. Os casos omissos serão resolvidos pela Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos da PGFN.

Art. 12. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.”

 

Tal ato normativo, como visto, prevê cabimento de reconhecimento administrativo de responsabilidade de terceiros fundada em indícios ou na efetiva constatação da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, por meio de decisão do Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa (artigo 5º), com recurso ao Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deve ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior (artigo 6º, §3º).

Na espécie, narrou a impetrante que recebeu, em 06/01/2020, notificação de cobrança 000012259069 (ID 161449232, f. 2), em nome próprio, de diversas dívidas ativas (80211036113-78, 80211065948-90, 80213037137-51, 80215038732-30, 80410046972- 10, 80611062478-54, 80611120863-79, 80613077906-79 e 80615124831-11), em razão da omissão de declarações da pessoa jurídica Belarmino - Comércio de Frutas Ltda. (CNPJ 44.127.207/0001-05), da qual é sócio, por supostos indícios de dissolução irregular.

Asseverou que a impugnação administrativa foi rejeitada, assim como o recurso manejado (ID 16144923, f. 9), e que, dentre as CDA's, apenas as de número 80215038732-30 e 80615124831- 11 ainda não haviam sido ajuizadas (ID 161449234, f. 2).

Aduziu ser indevido redirecionamento das dívidas aos sócios, pois os artigos 134 e 135, CTN, preceituam ser possível a responsabilização do sócio-administrador ou gerente apenas se provado, de forma inequívoca e consistente, excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, não caracterizando mero inadimplemento dissolução irregular da pessoa jurídica. Alegou, ainda, que o procedimento criado pelo Fisco desrespeita as garantias de ampla defesa, contraditório e duplo grau de jurisdição.

Como visto, o tema central do litígio é a possibilidade de responsabilização de sócio em processo administrativo perante a PGFN, com fundamento em indícios de dissolução irregular, de modo a afetar tanto dívidas em contencioso administrativo quanto sob cobrança judicial.

O caso é sensível e de destacada relevância, pois aborda a validade de novo paradigma de atuação adotado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme relatado no apelo (grifos nossos):

 

"(...) a possibilidade de o Procurador da Fazenda Nacional apurar e declarar administrativamente o vínculo de responsabilidade tributária do representante legal de empresa detentora de crédito tributário inscrito, sob a luz do contraditório e da ampla defesa, é medida salutar e adequada aos novos rumos do ordenamento jurídico, mormente diante da crescente necessidade de adoção de mecanismos que promovam maior economia processual e redução da litigiosidade perante o Poder Judiciário. Ademais, a inclusão do corresponsável em âmbito administrativo permite a racionalização que transcende os pedidos formulados em dezenas de casos, minimizando os riscos de coexistência de decisões conflitantes. Trata-se, portanto, de medida que favorece, ainda, a segurança jurídica.

(...)

A medida, além de compatível com o Novo Regime da Cobrança da Dívida Ativa da União, também vem ao encontro da histórica busca da redução de litigiosidade pela PGFN e da releitura do interesse processual promovida pelo Parecer PGFN/CRJ de nº 789/2016, que subsidiou a Portaria PGFN de nº 502/2106, o que ainda é mais sensível em se tratando de execuções fiscais, as quais, além do grande acúmulo de volume processual, são responsáveis por taxa de congestionamento judicial na ordem de 92% (noventa e dois por cento), segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgados em 2016 e referentes a 2015.

De fato, segundo o Relatório Justiça em Números de 20161 , consideram-se os processos de execução fiscal como os grandes responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, na medida em que representam aproximadamente 39% (trinta e nove por cento) do total de casos pendentes e apresentaram congestionamento de 91,9% (noventa e um, vírgula nove por cento), que foi o maior dentre os tipos de processos analisados na ocasião.

(...)

Nesse contexto, a PGFN reformulou a sua atuação nas execuções fiscais, instituindo através da Portaria PGFN nº 396, de 20 de abril de 2016 o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos que tem como objetivo racionalizar a cobrança judicial dos créditos inscritos em dívida ativa, a partir da suspensão das execuções fiscais sem informações de bens nos autos, aliada à centralização do diligenciamento patrimonial dos devedores e à utilização de meios extrajudiciais de cobrança para recuperação dos créditos com execução fiscal suspensa.

Assim, o arquivamento da execução fiscal, nos moldes acima expostos, só é justificado se aliado às praticas de diligências na via administrativa. São faces da mesma moeda que permitem, por um lado, reduzir massivamente o fluxo de execuções fiscais infrutíferas e, por outro, impedir a ocorrência da prescrição intercorrente da dívida inscrita.

Pretendeu-se, assim, buscando-se a efetiva satisfação do crédito fazendário, reduzir a litigiosidade e evitar eternizar demandas judiciais que, possivelmente, serão frustradas, tendo em vista as investigações realizadas administrativamente."

 

Pretende-se, segundo o narrado, centralizar e sistematizar a análise de responsabilidade de terceiro por dívida tributária, em oposição à sistemática atual de pulverização casuística de procedimentos de redirecionamento em processos judiciais em curso. Assim, espera-se racionalizar o controle de dívidas e, no mesmo passo, desonerar o Judiciário.

Frise-se que, como se extrai da transcrição integral da Portaria PGFN 948/2017, o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR) aplica-se, apenas, aos casos de dissolução irregular de empresas jurídicas. Outros eventos passíveis de, em tese, ensejar responsabilização de terceiros são alheios a tal sistemática e, portanto, à espécie.

Registre-se, ainda, que o procedimento tem respaldo legal expresso, nos termos do artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002:

 

“Art. 20-D.  Sem prejuízo da utilização das medidas judicias para recuperação e acautelamento dos créditos inscritos, se houver indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial como causa de responsabilidade de terceiros por parte do contribuinte, sócios, administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá, a critério exclusivo da autoridade fazendária     

(...)

III - instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não, observadas, no que couber, as disposições da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.”

 

Como se sabe, a dissolução irregular da empresa é causa suficiente para impor solidariedade pelas dívidas em aberto ao sócio responsável, conforme as teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça nos Temas Repetitivos 630 e 981:

 

Tema 630

"Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não-tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente."

 

Tema 981

"O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN."

 

Delimitados o escopo e fundamentos normativos e gerenciais do procedimento, em abordagem inicial da questão, cabe observar que a responsabilização de terceiros em sede administrativa, previamente a qualquer demanda judicial, não é novidade na praxe fiscal e cotidiano da atividade judiciária, havendo inclusive jurisprudência sedimentada na Corte Superior sobre questões que pressupõem o cabimento de tal prática.

Nesta linha, firmou-se entendimento de que, constando da inscrição em dívida ativa o nome do corresponsável tributário, a este cabe, na via judicial, discutir a ilegalidade de tal inclusão, por vício formal no procedimento de inclusão, como cerceamento de defesa, ou por não resultar de situação jurídica contemplada pela legislação como apta a gerar tal responsabilidade tributária.

Neste sentido:

 

AI 5021269-87.2020.4.03.0000, Rel. Des. Fed. MARLI FERREIRA, e - DJF3 18/12/2020: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. NOME DO SÓCIO CONSTA NA CDA. ÔNUS DA PROVA QUE COMPETE AO EXECUTADO. 1. Na hipótese de execução fiscal ajuizada em face da pessoa jurídica e do sócio, cujo nome consta da CDA, não há que se falar em redirecionamento da ação, haja vista que o sócio já foi indicado pelo autor como sujeito passivo da lide. 2. A presunção de liquidez e certeza do título executivo faz com que, nestas circunstâncias, o ônus da prova seja transferido ao gestor da sociedade, portanto, caberá ao sócio, após devidamente citado, fazer prova inequívoca apta a afastar a liquidez e certeza da CDA. 3. A jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça tem orientação no sentido de que, quando a execução fiscal for proposta contra a empresa e os sócios, competirá a estes a prova da inexistência de responsabilização (AgRg no AREsp 8282/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, j. 07/02/2012, DJe 13/02/2012; AgRg no REsp 924857/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, j. 14/09/2010, DJe 29/09/2010; AgRg no Ag 1072697/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 26/08/2010, DJe 06/10/2010) 4. A execução foi proposta em face da empresa e do sócio, cujo nome também consta da CDA. 5. Em consonância com a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, legítima a manutenção do sócio no polo passivo da lide executiva. 6. Agravo de instrumento provido.”

 

De fato, o exame da legislação e jurisprudência não evidencia impedimento à apuração, na instância fiscal, de responsabilidade tributária de terceiro, desde que observadas garantias formais e instrumentais do processo administrativo e, em particular, requisitos legais próprios para imputação de tal espécie de responsabilidade, em especial face às prescrições do Código Tributário Nacional. 

Não existe, pois, neste âmbito, reserva judicial para discussão da matéria, sem prejuízo do controle judicial do ato praticado pela Administração, sob perspectiva formal ou material, de sorte que pode ser ajuizada demanda para imputar nulidade por cerceamento de defesa ou por ilegalidade da decisão fiscal, ao reconhecer responsabilidade tributária de terceira fora do que previsto no Código Tributário Nacional e legislação específica.

A jurisprudência firmada quanto ao mérito próprio do reconhecimento da responsabilidade tributária de terceiro, sem prejuízo de constatações e circunstâncias inerentes à fase administrativa da apuração, permite discussão judicial do ato decisório em si, mas não impede nem cria reserva judicial para tornar inconstitucional ou ilegal o procedimento, quando ainda não ajuizada a dívida. 

É possível questionar judicialmente a decisão fiscal de redirecionamento administrativo, caso viole os parâmetros, por exemplo, do artigo 135, CTN, ou súmula de jurisprudência da Corte Superior, porém disto não resulta que a previsão, em portaria, de procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade, a ser promovido junto à Procuradoria da Fazenda Nacional, seja, em si, inconstitucional ou ilegal. 

Portanto, em se tratando de dívidas não ajuizadas, ainda em fase administrativa, a discussão de responsabilidade tributária de terceiro é perfeitamente possível, sem maiores controvérsias, inclusive porque a própria legislação contempla, expressamente, tal previsão (para além do mencionado artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002) ao dispor que o termo de inscrição deve conter o nome do devedor e "dos co-responsáveis", assim remetendo à apuração administrativa de tal responsabilidade (artigo 2º, § 5º, II, da LEF).

É de maior complexidade o exame da previsão de que a responsabilização derivada do PARR afete processos judiciais em andamento, permitindo modificação do polo passivo de, v.g., execuções fiscais, a partir de procedimento de responsabilização conduzido paralelamente na via estritamente administrativa. 

Como se sabe, atualmente, de regra, o redirecionamento de cobranças fiscais, em se tratando de contribuinte pessoa jurídica, é usualmente baseado em certidão de oficial de justiça indicando a não localização da devedora no domicílio tributário (por aplicação das Súmulas 435 e Tema Repetitivo 630 do Superior Tribunal de Justiça) ou, alternativamente, por petição fundamentada da exequente informando dados colhidos em sistemas internos (movimentação financeira, pagamento de tributos, declarações de imposto de renda) que evidenciam a existência de dissolução irregular e, comumente, confusão patrimonial.

Como suscitado na apelação:

 

"Atualmente a Administração Tributária conta com um expressivo cabedal de sistemas de Tecnologia da Informação, que cruzam dados originados de diferentes bases, capazes de demonstrar a inatividade de uma empresa, independentemente de diligências presenciais, como aquelas realizadas por oficiais de justiça.

Para tanto, são extraídos e cruzados dados como: existência de faturamento, movimentação financeira, pagamento de tributos correntes, quantidade de empregados, distribuição de lucros e dividendos, apresentação de declarações econômico-fiscais, emissão de notas fiscais eletrônicas de entrada e saída, repasses recebidos do Governo Federal, pagamento e recebimento de alugueis, recebimento de rendimentos sujeitos à incidência de imposto de renda na fonte, aquisição ou alienação de bens do ativo imobilizado, aquisição ou alienação de bens imóveis, dentre outros.

Ora, restringir a aferição e a comprovação da dissolução irregular às hipóteses em que há certidão de Oficial de Justiça atestando a não localização da empresa do domicílio fiscal equivaleria a desconsiderar diversas outras circunstâncias válidas, relevantes e fidedignas (como a fé pública de outros agentes), capazes de demonstrar adequadamente a extinção irregular da empresa, além de sobrecarregar o Poder Judiciário com a atribuição – que seria então nesse caso exclusiva desse poder – de constatar e certificar a baixa irregular, não obstante os atos emanados das Autoridades Fiscais também possuam presunção de legitimidade."

 

O primeiro ponto a fixar, portanto, é o de que, diversamente do que constou da sentença, a tentativa de citação judicial frustrada, por não localização da devedora, não é o único caminho hábil a permitir o redirecionamento da cobrança.

Trata-se de assertiva que igualmente pode ser validada, sem dificuldade, em pesquisa jurisprudencial:

 

AgRg no REsp 1.527.224, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe de 14/9/2015: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO, EM FACE DE SÓCIO-GERENTE OU ADMINISTRADOR. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. MATÉRIA DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME, EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. CERTIDÃO LAVRADA POR OFICIAL DE JUSTIÇA. EFICÁCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. (...)III. A jurisprudência deste STJ não vincula, necessariamente, a prova indiciária da dissolução irregular da sociedade à existência de certidão, lavrada pelo Oficial de Justiça, atestando a cessação de funcionamento da empresa no endereço constante de seus registros fiscais ou comerciais. Deveras, a correta compreensão da orientação adotada neste STJ é de que, uma vez presente a certidão do Oficial de Justiça, a atestar o encerramento das atividades da sociedade, tem-se por provada, ao menos num primeiro momento, a dissolução irregular da empresa. A inversão do silogismo não se segue. Vale dizer, acaso inexistente a referida certidão, não decorre, necessariamente, a ausência de prova do encerramento irregular da empresa. IV. Se o dispositivo de lei invocado, na petição do Regimental, é estranho à argumentação expendida no Recurso Especial, tem-se, no caso, mais do que simples falta de prequestionamento, verdadeira e inadmissível inovação recursal. V. Agravo Regimental improvido.”

 

De maior centralidade, cumpre notar que, em tais casos, não se exige da credora a retificação da CDA. O responsabilizado é incluído diretamente no polo passivo da cobrança, sem qualquer substituição ou emenda do título executivo. Assim, trata-se de questão que passa ao largo da vedação constante da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (“A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modifi cação do sujeito passivo da execução.”).

Podem ser citados casos congêneres em estudo da jurisprudência da Corte Superior:

 

AgInt no REsp 1.764.763, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe de 27/11/2020: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPTU. IMUNIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. EXECUÇÃO FISCAL. RFFSA E UNIÃO. TRANSFERÊNCIA PATRIMONIAL. CURSO DA DEMANDA. SUCESSORA. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. 1. Os apontados arts. 130 e 131 do CTN não têm comando normativo para amparar a tese de imunidade do IPTU em favor da RFFSA, visto que tais dispositivos legais cuidam de tema diverso, referente à responsabilidade tributária por sucessão, sendo certo que a deficiência da irresignação recursal nesse ponto enseja a aplicação da Súmula 284 do STF. 2. A Primeira Seção, quando do julgamento do Recurso Especial repetitivo n. 1.045.472/BA, consolidou o entendimento de que não é possível substituir a Certidão de Dívida Ativa para o fim de modificar o sujeito passivo da obrigação tributária e, com isso, obter o redirecionamento da execução fiscal, porquanto tal providência encerraria indevida modificação do lançamento no âmbito judicial. Inteligência da Súmula 392 do STJ. 3. Hipótese em que não há necessidade de alteração do lançamento nem da Certidão de Dívida Ativa (CDA), para que a União passe a integrar o polo passivo da execução fiscal, visto que ela não está sendo cobrada na condição de contribuinte do imposto, mas na de sucessora da devedora original (RFFSA) em razão da transferência patrimonial ocorrida no curso da demanda executiva. 4. Por se tratar de obrigação tributária propter rem, o adquirente do imóvel assume em nome próprio o dever de pagar o crédito do IPTU regularmente lançado em momento anterior à transferência do domínio. 5. Por cuidar de imposição automática do dever de pagar os créditos tributários até então lançados em nome do contribuinte anterior, assim expressamente determinada na lei, o sucessor pode ser acionado independentemente de qualquer outra diligência por parte da Fazenda credora, visto que a sua responsabilidade não está relacionada com o surgimento da obrigação tributária, mas com o seu inadimplemento. 6. Agravo interno não provido.”

 

AgInt no REsp 1.850.370, Rel. Min. CAMPBELL MARQUES, DJe de 16/11/2020: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. SUPOSTA OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. FALECIMENTO DO SÓCIO. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NA SÚMULA 392/STJ. 1. Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade, contradição ou erro material, não fica caracterizada ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015. 2. No caso concreto, o redirecionamento da execução fiscal ocorreu em razão da suposta ocorrência de dissolução irregular. Nessa hipótese, a responsabilização do sócio decorre do disposto no art. 135, III, do CTN e não tem como pressuposto o nome do sócio constar da CDA. Assim, é imperioso concluir que não é aplicável o disposto na Súmula 392/STJ, como bem observou o Tribunal de origem. 3. Agravo interno não provido.”

 

REsp 1.856.403, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe de 9/9/2020: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL, POR INCORPORAÇÃO. OCORRÊNCIA ANTES DO LANÇAMENTO, SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO FISCO. REDIRECIONAMENTO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. 1. A interpretação conjunta dos arts. 1.118 do Código Civil e 123 do CTN revela que o negócio jurídico que culmina na extinção na pessoa jurídica por incorporação empresarial somente surte seus efeitos na esfera tributária depois dessa operação ser pessoalmente comunicada ao fisco, pois somente a partir de então é que a administração tributária saberá da modificação do sujeito passivo e poderá realizar os novos lançamentos em nome da empresa incorporadora (art. 121 do CTN) e cobrar dela, sucessora, os créditos já constituídos (art. 132 do CTN). 2. Se a incorporação não foi oportunamente informada, é de se considerar válido o lançamento realizado contra a contribuinte original que veio a ser incorporada, não havendo a necessidade de modificação desse ato administrativo para fazer constar o nome da empresa incorporadora, sob pena de permitir que esta última se beneficie de sua própria omissão. 3. Por outro lado, se ocorrer a comunicação da sucessão empresarial ao fisco antes do surgimento do fato gerador, é de se reconhecer a nulidade do lançamento equivocadamente realizado em nome da empresa extinta (incorporada) e, por conseguinte, a impossibilidade de modificação do sujeito passivo diretamente no âmbito da execução fiscal, sendo vedada a substituição da CDA para esse propósito, consoante posição já sedimentada na Súmula 392 do STJ. 4. Na incorporação empresarial, a sucessora assume todo o passivo tributário da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela quitação dos créditos validamente constituídos contra a então contribuinte (arts. 1.116 do Código Civil e 132 do CTN). 5. Tratando-se de imposição legal de automática responsabilidade, que não está relacionada com o surgimento da obrigação, mas com o seu inadimplemento, a empresa sucessora poderá ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por parte da Fazenda credora, não havendo necessidade de substituição ou emenda da CDA para que ocorra o imediato redirecionamento da execução fiscal. Precedentes. 6. Para os fins do art. 1.036 do CPC, firma-se a seguinte tese: "A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado que esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco." 7. Recurso especial parcialmente provido.”

 

A interpretação que se extrai do entendimento em análise, sempre com vistas a manter coesão e coerência jurisprudencial sobre a matéria (artigo 926 do CPC) é a de que o Superior Tribunal de Justiça admite que, nos casos de responsabilidade tributária indireta por transferência, a imutabilidade do título executivo não seja oponível à satisfação da pretensão fiscal.

É razoável que assim seja, inclusive. Do contrário se estaria a chancelar que o descumprimento de obrigações normativas várias (regular extinção da pessoa jurídica, comunicação de atos de sucessão empresarial, observância da autonomia patrimonial e existencial de pessoas jurídicas, dentre tantos exemplos) fosse manejado para desonerar os responsáveis das consequências tributárias legalmente previstas para tais situações, favorecendo a prescrição de dívidas não por inércia da credora, mas por limitação das vias de persecução do direito ventilado. Desta maneira, estar-se-ia reduzindo expressivamente as possibilidades de atuação da Administração para fazer cumprir “dever de bem tributar e fiscalizar” (ADI 2.859, Rel. Min DIAS TOFFOLI, Dje 16/10/2016) lastreado, em princípio, em presunção de higidez e legitimidade.

Por outro lado, saliente-se que, em tais casos, não se trata, como alegou a Fazenda Nacional, de situações em que não há interferência no lançamento fiscal.

Com efeito, é certo que a responsabilização por transferência decorre de norma apartada da regra-matriz de incidência tributária. Primeiro, há o estabelecimento da relação jurídica obrigacional tributária, pela prática do fato gerador, e por evento posterior e distinto, controlado por hipótese normativa diversa, há responsabilização de sujeitos outros pela prestação pecuniária originalmente devida. Contudo, o que isto significa é, propriamente, a modificação do sujeito passivo da relação obrigacional tributária, a partir de solidarização da dívida.

Trata-se de conteúdo expressamente abrangido pela atividade de lançamento:

 

CTN

“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”

 

De igual forma, “o responsável” é, na terminologia do Código Tributário Nacional, “sujeito passivo”:

 

“Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

 

Tanto assim que por anos foi discutido se a responsabilidade de terceiros prevista no artigo 135 do CTN era solidária ou substitutiva, de modo a desonerar o devedor originário, sendo indisfarçável a repercussão sobre a definição do sujeito passivo da obrigação (prevaleceu o entendimento de se tratar de responsabilização solidária, conforme se colhe em precedentes da Corte Superior e deste Tribunal: AgInt no AREsp 942.940, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 12/09/2017; e ApelRemNec 0002635-37.2011.4.03.6114, Rel. Juíza Conv. DENISE AVELAR, e-DJF3 16/02/2018).

Em verdade, o que pode ser concebido, sob o aspecto dogmático, como a razão subjacente da jurisprudência pátria entender pela desnecessidade de retificação do título executivo em casos de responsabilização por transferência, além do imperativo de razoabilidade de não se premiar o descumprimento do ordenamento jurídico, é o fato de tratar-se de responsabilização ex lege superveniente ao lançamento e ratificada judicialmente.

De fato, toda a função do lançamento fiscal é formalizar o crédito tributário, “como instrumento de exercício da pretensão fiscal ao adimplemento da obrigação tributária” (ApCiv 0010448-21.2015.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 27/06/2016). Identifica-se os parâmetros da relação obrigacional estabelecida e da prestação devida por determinado sujeito, para fim de que possa ser objeto de controle administrativo e judicial, permitindo ao devedor o exercício pleno de ampla defesa e contraditório, a partir da ciência do que lhe é exigido.

Assim, estando a cobrança sobre controle judicial e exsurgindo do próprio processo a determinação de inclusão de sujeito de direito no polo passivo (e sem erro no lançamento imputável ao Fisco), a retificação do título em execução seria despicienda, pois todos os elementos de delimitação da obrigação continuam plenamente aferíveis primo oculi, para todos os envolvidos (Juízo, credor e devedores).

Relembre-se que a jurisprudência que culminou com a edição da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça tem como vértice a percepção de que, afora erros materiais ou formais, outras alterações do título executivo denotariam nulidade do lançamento fiscal, que não poderia ser convalidada para prosseguimento da execução fiscal, inclusive sob pena de violação de direito a contraditório legalmente previsto (neste sentido, dentre os precedentes fundadores do entendimento em questão, REsp 87.768, Rel. Min. PEÇANHA MARTINS, DJ 27/11/2000 e, posteriormente, em sistemática repetitiva, REsp 1.045.472, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 18/12/2009). Não é este o caso quando o evento que enseja a modificação do sujeito passivo é posterior ou desconhecido pelo Fisco ao momento do lançamento – atividade vinculada e obrigatória, nos termos do CTN.

Estabelecido, portanto, que a responsabilização de terceiros pode ocorrer na via administrativa, por inferências diversas da não localização do devedor no domicílio tributário, e que o redirecionamento de cobrança fiscal em curso é cabível, em que pese a imutabilidade do título executivo, cabe concluir que sob os mesmos parâmetros da solidarização prévia à judicialização da pretensão fiscal (destacadamente a possibilidade de controle judicial a posteriori), nada impede que o Fisco promova retificação de CDA (ato que exsurge pertinente dada a apuração extrajudicial de responsabilidade, a ser submetida a crivo do Judiciário), em cobrança executiva, por força de procedimento de solidarização conduzido ainda que apenas na via administrativa.

Vale notar que, de mais a mais, o multimencionado artigo 20-D da Lei 10.522/2002 corrobora expressamente o cabimento do PARR para dívidas ajuizadas, ao apontar que o procedimento de responsabilização de terceiro é possível para "débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não".

Alerte-se que, em se tratando de modificação de sujeito passivo, resta plenamente aplicável ao PARR o arcabouço jurisprudencial a respeito de nulidades e prescrição (material e intercorrente) incidentes em casos que tais. Todavia, não se trata de conteúdo em relação ao qual foi aventada causa de pedir ou produzida prova nestes autos, pelo qual não é possível o respectivo exame na espécie.

De outra parte, considerando a atual suspensão da tese firmada no IRDR1/TRF3 (tema: “O redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica”), por força de recursos interpostos aos Tribunais Superiores (cf. REsp 1.869.867, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 03/05/2021), prevalece a aplicabilidade do entendimento reiterado da Corte Superior de que, em casos de dissolução irregular de empresas, não há desconsideração de personalidade jurídica (com o que é prescindível o IDPJ):

 

AgInt no REsp n. 2.009.977, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe de 24/11/2022: "TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. SÚMULA N. 435/STJ. REQUISITOS PARA O REDIRECIONAMENTO PREENCHIDOS. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. ACÓRDÃO EMBASADO EM PREMISSAS FÁTICAS. REVISÃO. SÚMULA N. 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO ENTRE OS JULGADOS CONFRONTADOS .APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão. III - Nos termos da Súmula n. 435/STJ: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente". IV - É firme a orientação deste Superior Tribunal de que, na execução fiscal, a ocorrência de algumas das hipóteses descritas nos arts. 134 e 135 do CTN autoriza o redirecionamento do processo executivo, sem a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. V - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, com o objetivo de acolhera pretensão recursal de reconhecer a inocorrência da dissolução irregular da empresa, bem como a necessidade da instauração do Incidente da Desconsideração da Personalidade Jurídica da sociedade empresária, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ. VI - Para a comprovação da divergência jurisprudencial, a parte deve proceder ao cotejo analítico entre os julgados confrontados, transcrevendo os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio jurisprudencial, sendo insuficiente, para tanto, a mera transcrição de ementas. Precedentes. VII - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. VIII - Agravo Interno improvido."

 

AgInt no AREsp 1.547.516, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe de 12/8/2022: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. 1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.371.128/RS, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, definiu que a dissolução irregular de pessoa jurídica é motivo suficiente para o redirecionamento da execução fiscal de dívida ativa de natureza não tributária contra sócio-diretor da empresa executada. 2. A Segunda Turma desta Corte entende não ser necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 133 do CPC/2015, na hipótese em que constatados indícios de dissolução irregular da sociedade devedora a possibilitarem o redirecionamento da execução contra os sócios. 3. O Tribunal regional, com base nos elementos fático-probatórios dos autos, entendeu como caracterizada a dissolução irregular. Modificar tal entendimento, de modo a acolher a tese da parte recorrente demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em recurso especial, sob pena de violação da Súmula n. 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento."

 

AgInt no AREsp 770.758, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe de 12/2/2019: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. SÚMULA 435 DO STJ. ALTERAÇÃO DO ENDEREÇO DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. COMUNICAÇÃO AOS ÓRGÃOS COMPETENTES. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 50 DO CC/2002. INAPLICABILIDADE. 1. Não há violação do art. 535 do CPC/1973 quando o órgão julgador, de forma clara e coerente, externa fundamentação adequada e suficiente à conclusão do acórdão embargado. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem se manifestou expressamente sobre a inexistência de elementos que demonstrem a comunicação, por parte da empresa executada, da alteração de endereço do estabelecimento comercial. 3. Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. 4. A conformidade do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte Superior enseja a aplicação do óbice de conhecimento estampado na Súmula 83 do STJ. 5. Não é viável o conhecimento do recurso especial quanto à discussão sobre a alegada regularidade na dissolução da sociedade empresária, nos termos da Súmula 7 do STJ. 6. A responsabilidade tributária de terceiros prevista no CTN, ensejadora do redirecionamento da execução fiscal, não se confunde com a regra geral de que trata o art. 50 do Código Civil, o qual pressupõe a desconsideração da personalidade jurídica da empresa como pressuposto à responsabilização das pessoas físicas que delas se utilizaram indevidamente. 7. Agravo interno desprovido."

 

Note-se que, em linha de princípio, a instauração de procedimento administrativo prévio à solidarização judicial da dívida, promove fortalecimento da garantia de ampla defesa e contraditório, na medida em que a responsabilização do terceiro ocorre mediante contraditório prévio, em sede administrativa, em adição à possibilidade de discussão judicial (o que é, aliás, o próprio fundamento do IDPJ e da tese firmada no IRDR julgado pelo Órgão Especial deste Tribunal).

Acresça-se, ademais, que a conclusão fiscal sobre os elementos de fato e prova examinados no PARR, tanto mais por se tratar de procedimento em regime de contraditório, é ato dotado de presunção de veracidade e legitimidade, pelo que não se avista mácula na emenda do título previamente ao exame do Juízo (assim como, de resto, ocorre nos casos em que a responsabilidade é reconhecida já por ocasião do lançamento).

Por outro lado, em se tratando de investigação que discute o fato deflagrador de responsabilidade de terceiro, e não o próprio crédito, improcede a alegação da impetrante de que o exercício de ampla defesa no PARR é indevidamente restrito. Com efeito, a dívida em si (e mesmo a responsabilização promovida em sede administrativa) podem ser amplamente discutidos em Juízo, como de praxe. A sistemática do Fisco meramente adiciona instâncias de defesa, como visto.

Registre-se, a propósito, que o fato de o recurso à decisão inicial proferida no PARR ser apreciado também no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional não importa em violação ao duplo grau de jurisdição.

A uma, porque não há que se confundir "instâncias de jurisdição" com "instituições distintas". No PARR, a impugnação é apreciada pelo “Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa” (artigo 5º), ao passo em que o recurso é examinado pelo “Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior” (artigo 6º, § 3º), instância e autoridade distinta e, inclusive, dotada de hierarquia superior.

Depois, cumpre observar que o duplo grau de jurisdição não é direito do sujeito passivo em sede administrativa (e mesmo judicial), sendo frequentes procedimentos de jurisdição única, validados em jurisprudência:

 

AgInt no REsp 1.650.331, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe de 20/10/2020: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REEXAME DOS PRESSUPOSTOS. INVIABILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPROVAÇÃO DE INTERPOSIÇÃO. PREJUÍZO. INOCORRÊNCIA. FORMAÇÃO DEFICIENTE DA PEÇA RECURSAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. ESFERA ADMINISTRATIVA. GARANTIA DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283 DO STF. APLICAÇÃO. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo 2). 2. Inexiste violação do art. 535 do CPC/1973 quando o Tribunal de origem enfrenta os vícios alegados nos embargos de declaração e emite pronunciamento fundamentado, ainda que contrário à pretensão da recorrente, como constatado na hipótese. 3. É firme a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca da impossibilidade de rever em recurso especial a existência dos requisitos suficientes para a concessão de medida urgente, em razão do óbice da Súmula 7 do STJ, bem assim da Súmula 735 do STF. 4. Para o STJ, "o decreto de inadmissibilidade do agravo de instrumento, em razão do descumprimento da providência prevista no artigo 526 do CPC de 1973, condiciona-se à constatação do prejuízo da parte agravada" (AgInt no REsp 1351630/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 14/08/2020). 5. No caso, a Corte local decidiu em conformidade com este Tribunal Superior quando entendeu que o propósito daquele dispositivo do CPC/1973 é "facilitar o oferecimento da contraminuta, na medida em que a juntada de cópia do agravo ao processo principal, o interessado não precisa vir ao tribunal para respondê-lo. Mas, no caso, a resposta foi oferecida, inexistindo ofensa ao contraditório, ao direito de defesa". 6. O tema da deficiência na formação do instrumento não foi analisado na origem, porquanto não agitado na contraminuta do agravo, segundo anotado pela Corte de origem, pelo que, no ponto, carece o apelo especial do indispensável prequestionamento (Súmula 282 do STF). 7. Esta Corte Superior possui o entendimento de que não há, na Constituição de 1988, garantia de duplo grau de jurisdição administrativa. 8. A conformidade do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte Superior enseja a aplicação do óbice de conhecimento estampado na Súmula 83 do STJ. 9. Incide a Súmula 283 do STF, em aplicação analógica, quando não impugnado fundamento autônomo e suficiente à manutenção do aresto recorrido. 10. Agravo interno desprovido."

 

 RE 1.129.588 AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 24/10/2018: "AGRAVOS REGIMENTAIS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LAVAGEM DE DINHEIRO E PECULATO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO FUNDAMENTADA DA REPERCUSSÃO GERAL DOS TEMAS DEBATIDOS. SUPOSTA NULIDADE DO ACÓRDÃO IMPUGNADO POR NÃO TEREM SIDO JUNTADAS AOS AUTOS AS NOTAS TAQUIGRÁFICAS REFERENTES AO JULGAMENTO (ART. 93, IX, DA CF) E POR VIOLAÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO (ART. 5º, LIV, DA CF). AGRAVO DE JOSÉ CARLOS GRATZ: INDIVIDUALIZAÇÃO E DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ADEQUAÇÃO DE REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. TEMÁTICA QUE NÃO APRESENTA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO DE VALCI JOSÉ FERREIRA DE SOUZA: REGRA DE REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL ESTABELECIDA NO ART. 115 DO CP. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que é ônus do recorrente a demonstração formal fundamentada de repercussão geral da matéria constitucional discutida no recurso extraordinário, com indicação específica das circunstâncias reais que evidenciem, no caso concreto, a relevância econômica, política, social ou jurídica. 2. No julgamento do AI 791.292-QO-RG/PE (Rel. Min. GILMAR MENDES, Tema 339), o STF assentou que o art. 93, IX, da Carta Magna exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. A fundamentação do acórdão recorrido alinha-se às diretrizes desse precedente. 3. O STJ justificou a contento a desnecessidade de juntada das notas taquigráficas aos autos. Ressalte-se, ainda, que, tal como se deu perante o STJ, os recorrentes trouxeram argumentação genérica, sem demonstrar qualquer prejuízo efetivamente sofrido, capaz de nulificar o julgado. Não se pode ignorar a regra segundo a qual não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). 4. O Tribunal a quo não se manifestou sobre a temática do duplo grau de jurisdição, que nem mesmo foi mencionada nas razões dos Embargos de Declaração opostos. Incidem, portanto, neste tópico, as Súmulas 282 e 356, ambas desta Corte Suprema. Embora tenha sido assinalada no julgamento dos Recursos Extraordinários, a ausência de prequestionamento não foi objeto de impugnação em nenhum dos Agravos Regimentais, de modo que incide, neste particular, o óbice da Súmula 283/STF. 5. Já proclamou este Tribunal que “o duplo grau de jurisdição, no âmbito da recorribilidade ordinária, não consubstancia garantia constitucional” (AI 209.954-AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, DJ de 4/12/1998) e que “não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal” (RHC 79.785, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, DJ de 22/11/2002). 6. Esta CORTE já assentou que não apresenta repercussão geral o Recurso Extraordinário que verse sobre a individualização e dosimetria da pena. Precedentes. 7. Além de os temas veiculados no apelo serem afetos à legislação ordinária, para divergir do aresto impugnado acerca da inexistência de bis in idem, da adequação do regime fixado para cumprimento da reprimenda e da tipicidade da conduta, seria indispensável o reexame dos fatos e provas carreados aos autos, providência vedada na seara recursal extraordinária, conforme a Súmula 279 deste TRIBUNAL. 8. Em decisões recentes, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem-se posicionado no sentido de que a regra de redução do prazo prescricional estabelecida no art. 115 do Código Penal apenas beneficia o agente que já tenha 70 anos de idade na data da condenação. Precedentes. 9. Agravos regimentais a que se nega provimento."
 

Das peças amealhadas aos autos verifica-se que o impetrante se defendeu a tempo e modo, inclusive com manejo de recurso julgado regularmente pela autoridade fiscal na instância competente. 

Consta dos autos, com efeito, que o Procurador da Fazenda Nacional José Maria Morales Lopez decidiu em primeira instância administrativa, mas em segunda deixou de reconsiderar a decisão, recomendando a rejeição do recurso e submetendo-o à apreciação superior, por parte do Chefe da Dívida Ativa da Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional na 3ª Região (ID 16144924, f. 2). Tal procedimento tem lastro no artigo 56 da Lei 9.784/1999 (“Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito. § 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.”), ao qual se remete o artigo 9º da Portaria PGFN 948/2017, bem como o artigo 20-D, da Lei 10.522/2002.

No "mérito" do redirecionamento, o comprovante de inscrição e a situação cadastral (ID 161449235, f. 1) não afastam contundentemente os indícios de dissolução irregular por omissão de declarações e emissão de certidões de regularidade fiscal desde 2014 (ID 161449262, f. 53). Não é raro que a inscrição permaneça ativa, por falta de baixa, ainda que não esteja mais em atividade a pessoa jurídica, em prática que se reconhece como dissolução irregular. 

Não se trata, como visto, de responsabilidade do sócio por mera inadimplência no pagamento do tributo, mas de constatação de indícios concretos e suficientes de dissolução irregular por descumprimento de obrigação acessória atinente à apresentação de declarações fiscais por relevante período de tempo, desde 2014, a indicar que não existe atividade de fato da empresa sem que tenha havido, por sua vez, dissolução e baixa regular da pessoa jurídica. 

Assim, inexistente qualquer controvérsia em relação à condição do agravante de sócio-administrador ao tempo da constatação dos indícios de dissolução irregular (conforme prelecionado no Tema Repetitivo 981 do Superior Tribunal de Justiça, cotejado acima), o reconhecimento da responsabilidade tributária não padece de qualquer vício.

Em suma, sem prejuízo de questões de forma e de direito a serem examinadas concretamente em casos que oportunizem tal intuito (temas como prescrição e a interrelação temporal entre a constituição da dívida, a instauração do PARR e o ajuizamento de execução fiscal, considerando o momento de ciência do Fisco sobre indícios de dissolução irregular, uma vez estabelecido que se trata de modificação de elemento da relação obrigacional tributária abrangido e formalizado pelo lançamento tributário), não se avista, a priori, qualquer vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade no PARR, seja para responsabilização prévia ou incidental à cobrança judicial de créditos tributários. Na espécie, o procedimento e a conclusão fazendária seguiram a jurisprudência e legislação de regência, não havendo espaço para qualquer reforma nesta sede.

Ante o exposto, dou provimento ao apelo e à remessa oficial, para denegar a segurança.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. PORTARIA PGFN 948/2017. PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE (PARR). DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO-GERENTE. FUNÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE JURISDIÇÃO. PREVISÃO LEGAL. ARTIG0 20-D DA LEI 10.522/2002. ARTIGO 2º, § 5º, II, DA LEF. CONSTITUCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE DE IDPJ.

1.  O procedimento administrativo de responsabilidade de terceiros (PARR, previsto na Portaria PGFN 948/2017) tem respaldo legal expresso, nos termos do artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002, aplicando-se exclusivamente nos casos de indícios ou efetiva constatação de dissolução irregular de empresas. Trata-se, de fato, de causa suficiente para impor solidariedade pelas dívidas em aberto ao sócio responsável, conforme as teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça nos Temas Repetitivos 630 e 981.

2. A responsabilização de terceiros em sede administrativa, previamente a qualquer demanda judicial, não é novidade na praxe fiscal e cotidiano da atividade judiciária, havendo inclusive jurisprudência sedimentada na Corte Superior sobre questões que pressupõem o cabimento de tal prática. Nesta linha, firmou-se entendimento de que, constando da inscrição em dívida ativa o nome do corresponsável tributário, a este cabe, na via judicial, discutir a ilegalidade de tal inclusão, por vício formal no procedimento de inclusão, como cerceamento de defesa, ou por não resultar de situação jurídica contemplada pela legislação como apta a gerar tal responsabilidade tributária.

3. O exame da legislação e jurisprudência não evidencia impedimento à apuração, na instância fiscal, de responsabilidade tributária de terceiro, desde que observadas garantias formais e instrumentais do processo administrativo e, em particular, requisitos legais próprios para imputação de tal espécie de responsabilidade, em especial face às prescrições do Código Tributário Nacional. Não existe, pois, neste âmbito, reserva judicial para discussão da matéria, sem prejuízo do controle judicial do ato praticado pela Administração, sob perspectiva formal ou material, de sorte que pode ser ajuizada demanda para imputar nulidade por cerceamento de defesa ou por ilegalidade da decisão fiscal, ao reconhecer responsabilidade tributária de terceira fora do que previsto no Código Tributário Nacional e legislação específica.

4. A jurisprudência firmada quanto ao mérito próprio do reconhecimento da responsabilidade tributária de terceiro, sem prejuízo de constatações e circunstâncias inerentes à fase administrativa da apuração, permite discussão judicial do ato decisório em si, mas não impede nem cria reserva judicial para tornar inconstitucional ou ilegal o procedimento, quando ainda não ajuizada a dívida. É possível questionar judicialmente a decisão fiscal de redirecionamento administrativo, caso viole os parâmetros, por exemplo, do artigo 135, CTN, ou súmula de jurisprudência da Corte Superior, porém disto não resulta que a previsão, em portaria, de procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade, a ser promovido junto à Procuradoria da Fazenda Nacional, seja, em si, inconstitucional ou ilegal, até porque, a própria legislação contempla, expressamente, tal previsão (para além do mencionado artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002) ao dispor que o termo de inscrição deve conter o nome do devedor e "dos co-responsáveis", assim remetendo à apuração administrativa de tal responsabilidade (artigo 2º, § 5º, II, da LEF).

5. O redirecionamento de cobranças fiscais, em se tratando de contribuinte pessoa jurídica, é usualmente baseado em certidão de oficial de justiça indicando a não localização da devedora no domicílio tributário (por aplicação das Súmulas 435 e Tema Repetitivo 630 do Superior Tribunal de Justiça) ou, alternativamente, por petição fundamentada da exequente informando dados colhidos em sistemas internos (movimentação financeira, pagamento de tributos, declarações de imposto de renda) que evidenciam a existência de dissolução irregular e, comumente, confusão patrimonial. A tentativa de citação judicial frustrada, por não localização da devedora, não é o único caminho hábil a permitir o redirecionamento da cobrança. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.

6. Em tais casos, não se exige da credora a retificação da CDA. O responsabilizado é incluído diretamente no polo passivo da cobrança, sem qualquer substituição ou emenda do título executivo. Assim, trata-se de questão que passa ao largo da vedação constante da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (como também é o caso em responsabilidade por sucessão. A interpretação que se extrai do entendimento em análise, sempre com vistas a manter coesão e coerência jurisprudencial sobre a matéria (artigo 926 do CPC) é a de que o Superior Tribunal de Justiça admite que, nos casos de responsabilidade tributária indireta por transferência, a imutabilidade do título executivo não seja oponível à satisfação da pretensão fiscal.

7. É razoável que assim seja, inclusive. Do contrário se estaria a chancelar que o descumprimento de obrigações normativas várias (regular extinção da pessoa jurídica, comunicação de atos de sucessão empresarial, observância da autonomia patrimonial e existencial de pessoas jurídicas, dentre tantos exemplos) fosse manejado para desonerar os responsáveis das consequências tributárias legalmente previstas para tais situações, favorecendo a prescrição de dívidas não por inércia da credora, mas por limitação das vias de persecução do direito ventilado. Desta maneira, estar-se-ia reduzindo expressivamente as possibilidades de atuação da Administração para fazer cumprir “dever de bem tributar e fiscalizar” (ADI 2.859, Rel. Min DIAS TOFFOLI, Dje 16/10/2016) lastreado, em princípio, em presunção de higidez e legitimidade.

8. É certo que a responsabilização por transferência decorre de norma apartada da regra-matriz de incidência tributária. Primeiro, há o estabelecimento da relação jurídica obrigacional tributária, pela prática do fato gerador, e por evento posterior e distinto, controlado por hipótese normativa diversa, há responsabilização de sujeitos outros pela prestação pecuniária originalmente devida. Contudo, o que isto significa é, propriamente, a modificação do sujeito passivo da relação obrigacional tributária, a partir de solidarização da dívida. Trata-se de conteúdo expressamente abrangido pela atividade de lançamento (artigo 142 do CTN) e, de igual forma, “o responsável” é, na terminologia do Código Tributário Nacional, “sujeito passivo” (artigo 121 do CTN). Aplica-se, assim, PARR o arcabouço jurisprudencial a respeito de nulidades e prescrição (material e intercorrente) incidentes em casos que tais. Todavia, não se trata de conteúdo em relação ao qual foi aventada causa de pedir ou produzida prova nestes autos, pelo qual não é possível o respectivo exame na espécie.

9. Estabelecido que a responsabilização de terceiros pode ocorrer na via administrativa, por inferências diversas da não localização do devedor no domicílio tributário, e que o redirecionamento de cobrança fiscal em curso é cabível, em que pese a imutabilidade do título executivo, cabe concluir que sob os mesmos parâmetros da solidarização prévia à judicialização da pretensão fiscal (destacadamente a possibilidade de controle judicial a posteriori), nada impede que o Fisco promova retificação de CDA (ato que exsurge pertinente dada a apuração extrajudicial de responsabilidade, a ser submetida a crivo do Judiciário), em cobrança executiva, por força de procedimento de solidarização conduzido ainda que apenas na via administrativa. Vale notar que, de mais a mais, o multimencionado artigo 20-D da Lei 10.522/2002 corrobora expressamente o cabimento do PARR para dívidas ajuizadas, ao apontar que o procedimento de responsabilização de terceiro é possível para "débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não".

10. Considerando a atual suspensão da tese firmada no IRDR1/TRF3 (tema: “O redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica”), por força de recursos interpostos aos Tribunais Superiores (cf. REsp 1.869.867, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 03/05/2021), prevalece a aplicabilidade do entendimento reiterado da Corte Superior de que, em casos de dissolução irregular de empresas, não há desconsideração de personalidade jurídica (com o que é prescindível o IDPJ). Note-se que, em linha de princípio, a instauração de procedimento administrativo prévio à solidarização judicial da dívida, promove fortalecimento da garantia de ampla defesa e contraditório, na medida em que a responsabilização do terceiro ocorre mediante contraditório prévio, em sede administrativa, em adição à possibilidade de discussão judicial (o que é, aliás, o próprio fundamento do IDPJ e da tese firmada no IRDR julgado pelo Órgão Especial deste Tribunal).

11. Em se tratando de investigação que discute o fato deflagrador de responsabilidade de terceiro, e não o próprio crédito, improcede a alegação da impetrante de que o exercício de ampla defesa no PARR é indevidamente restrito. Com efeito, a dívida em si (e mesmo a responsabilização promovida em sede administrativa) podem ser amplamente discutidos em Juízo, como de praxe. A sistemática do Fisco meramente adiciona instâncias de defesa, como visto.

12. O fato de o recurso à decisão inicial proferida no PARR ser apreciado também no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional não importa em violação ao duplo grau de jurisdição. A uma, porque não há que se confundir "instâncias de jurisdição" com "instituições distintas". No PARR, a impugnação é apreciada pelo “Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa” (artigo 5º), ao passo em que o recurso é examinado pelo “Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior” (artigo 6º, § 3º), instância e autoridade distinta e, inclusive, dotada de hierarquia superior. Depois, cumpre observar que o duplo grau de jurisdição não é direito do sujeito passivo em sede administrativa (e mesmo judicial), sendo frequentes procedimentos de jurisdição única, validados em jurisprudência.

13. Das peças amealhadas aos autos, verifica-se que o impetrante se defendeu a tempo e modo, inclusive com manejo de recurso julgado regularmente pela autoridade fiscal na instância competente, nos termos do artigo 56 da Lei 9.784/1999, ao qual se remete o artigo 9º da Portaria PGFN 948/2017, bem como o artigo 20-D, da Lei 10.522/2002. No "mérito" do redirecionamento, o comprovante de inscrição e a situação cadastral não afastam contundentemente os indícios de dissolução irregular por omissão de declarações e emissão de certidões de regularidade fiscal desde 2014. Não é raro que a inscrição permaneça ativa, por falta de baixa, ainda que não esteja mais em atividade a pessoa jurídica, em prática que se reconhece como dissolução irregular. Inexistente qualquer controvérsia em relação à condição do agravante de sócio-administrador ao tempo da constatação dos indícios de dissolução irregular (conforme prelecionado no Tema Repetitivo 981 do Superior Tribunal de Justiça, cotejado acima), o reconhecimento da responsabilidade tributária não padece de qualquer vício.

14. Apelação e remessa necessária providas.


 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.