APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010826-45.2013.4.03.6100
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES, MARIA FRANCELIA DA SILVA SCHMIDT, MARLI DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO DI ANGELLIS DA SILVA ALVES - DF40561-A, LEO DA SILVA ALVES - DF7621-A, WILSON ROBERTO GONZALEZ GOMES - SP174467-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ASSISTENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010826-45.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES, MARIA FRANCELIA DA SILVA SCHMIDT, MARLI DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO DI ANGELLIS DA SILVA ALVES - DF40561-A, LEO DA SILVA ALVES - DF7621-A, WILSON ROBERTO GONZALEZ GOMES - SP174467-A R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos de declaração contra acórdão assim ementado: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE NO SISTEMA DO INSS. INCLUSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. REPARTIÇÃO DOS VALORES ILICITAMENTE CREDITADOS. FAVORECIMENTO PRÓPRIO E DE TERCEIROS. LEI 8.429/1992. FATO NOVO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. PRESCRIÇÃO. RESSARCIMENTO DO DANO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. AUFERIMENTO DE VANTAGEM PATRIMONIAL ILÍCITA E PREJUÍZO AOS COFRES PÚBLICOS. CONLUIO ENTRE OS RÉUS. ARTIGOS 9º, XI E XII, E 10, I, VII E XII, C/C ARTIGO 3º, CAPUT, DA LEI 8.942/1992. ATOS ÍMPROBOS CONFIGURADOS. LIMITAÇÃO DA SOLIDARIEDADE NA CONDENAÇÃO AO PREJUÍZO PATRIMONIAL EFETIVAMENTE PARTICIPADO POR CADA CORRÉU. 1. Consolidada a jurisprudência no sentido de que se aplica ao direito administrativo sancionador os princípios fundamentais do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu, previsto no artigo 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. 2. Em decorrência de tal extensão de princípios reguladores, o advento da Lei 14.230/2021, no que instituiu novo regramento mais favorável ao réu imputado ímprobo, deve ser considerado no exame de pretensões formuladas em ações civis públicas de improbidade administrativa, ainda que ajuizadas anteriormente à vigência da nova legislação. 3. Segundo a nova disciplina instituída pela Lei 14.230/2021, a prescrição da ação de improbidade administrativa é de oito anos, contados do fato ou da cessação dos fatos, quando permanente a infração. É causa de suspensão da prescrição, pelo prazo de até 180 dias, a instauração de inquérito civil ou processo administrativo para apuração de responsabilidade, findos os quais recomeça a correr o prazo de oito anos. São causas interruptivas da prescrição de oito anos: ajuizamento da ação de improbidade administrativa, publicação de sentença condenatória, publicação de decisão ou acórdão de segundo grau que confirma condenação ou reforma sentença de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência. A interrupção da prescrição gera a contagem, a partir da mesma data, de novo prazo de prescrição, porém pela metade do prazo originário, ou seja, por quatro anos. 4. No caso, os fatos imputados ocorreram entre outubro de 1991 e abril de 1999, iniciado contra os corréus processo administrativo disciplinar em 27/09/2002 e proposta a ação civil pública de improbidade administrativa em 14/06/2013, restando evidenciado que, entre os fatos e o ajuizamento da ação, considerada a suspensão da prescrição por 180 dias, houve o decurso de prazo superior aos oito anos, antes da primeira causa interruptiva. Ademais, a sentença foi proferida em 12/06/2018 e publicada no diário oficial em 05/07/2018, mais de quatro anos depois do ajuizamento da ação civil pública de improbidade administrativa, em 14/06/2013. Tal situação acarretou, nos termos e com esteio no artigo 23, caput, §§ 4º, I e II, 5º e 8º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021, a consumação da prescrição da pretensão sancionadora, salvo no tocante ao ressarcimento ao erário. 5. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 852.475, em que reconhecida repercussão geral, fixou o entendimento de que “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa” (Tese 897/STF). 6. O artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixou de conter, tipo aberto, não mais admitindo, para tipificação, qualquer ação ou omissão que violasse princípios da administração pública, a exemplo das figuras elencadas nos respectivos incisos, que constituíam rol apenas exemplificativo. Na atual redação, mais benéfica aos réus, a caracterização da violação aos princípios administrativos deve decorrer necessariamente de condutas elencadas nos respectivos incisos, tornando, pois, exaustivo e taxativo o rol. De tal observação, constata-se, de plano, que a imputação do autor fundada no inciso I do artigo 11 encontra-se revogada pela Lei 14.230/2021, gerando efeito no âmbito do direito administrativo sancionador equivalente ao da abolitio criminis no direito penal. Aduza-se, ainda, que a nova legislação veio com previsão específica, inserida no artigo 17 da LIA, de que: “§ 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. Ainda que a alteração do tipo imputado não se confunda com mera alteração da capitulação legal indicada, como tem decidido a Corte Superior (MS 14.045, Rel. Min. NAPOLEÃO MAIA, DJe 29/04/2010: “É pacífico, no âmbito desta Corte, o entendimento de que "o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados, e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o Processo Administrativo Disciplinar; a descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa."), é relevante considerar que as condutas imputadas aos réus na inicial da presente ação não se enquadram, porém, em quaisquer das previsões contidas nos incisos taxativos da nova redação do artigo 11 da LIA. 7. Considerado todo o contexto fático e probatório dos autos, constata-se que restou sobejamente comprovado nos autos que a então servidora do INSS, MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, valendo-se do cargo que exercia, promoveu diversas alterações no sistema da autarquia federal, acessado mediante identificação por meio de CPF e senha pessoal próprios devidamente registrados nos terminais utilizados, para criar benefícios previdenciários indevidos creditados em contas bancárias dos também servidores autárquicos VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES e MARLI DOS SANTOS, além de Carlos Manoel dos Santos, marido de MARLI, sem que tivessem tais favorecidos qualquer vínculo com os instituidores dos benefícios criados, ex-servidores do INSS já falecidos, cujos valores eram depois repartidos com MARIA FRANCÉLIA, em flagrante prejuízo ao erário. 8. Além da prova oral produzida, a utilização do CPF e senha da servidora MARIA FRANCÉLIA somadas à titularidade das contas bancárias utilizadas para o auferimento de vantagem, com posterior repasse à MARIA FRANCÉLIA de parte dos valores indevidamente recebidos por VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS comprovam a efetiva cooperação e conluio entre os corréus para a consecução da fraude perpetrada contra o INSS. O recebimento consciente de benefícios previdenciários indevidos em suas contas bancárias foi determinante para o engodo que provocou dano aos cofres públicos por anos. Assim, ainda que as condutas de VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS dentro de tal esquema engendrado para favorecimento dos corréus em detrimento do erário não tenham sido praticadas no exercício ou em razão do cargo que ocupavam junto à autarquia previdenciária, respondem todos eles, em comum, por todos os atos ímprobos praticados pelo grupo, nos termos do artigo 3º da Lei 8.429/1992 (“Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”). 9. Praticados atos dolosos de improbidade administrativa que causaram lesão ao erário, cabe condenação dos corréus à integral reparação do dano, com esteio no artigo 12, caput, da Lei 8.429/1992. 10. O valor total do prejuízo provocado pelos réus aos cofres públicos por pagamentos de benefícios previdenciários indevidos restou regularmente apurado e devidamente atualizado, com especificação dos critérios utilizados, em procedimento de tomada de contas especial, em trâmite inicialmente no âmbito do próprio INSS e depois do Tribunal de Contas da União, atingindo o montante total de R$ 6.543.341,29 até 30/10/2010. Em tal procedimento que foram devidamente considerados e subtraídos do montante a restituir ao erário os valores inicialmente já ressarcidos mediante desconto em folha de pagamento dos corréus até as respectivas demissões. 11. Não restou comprovado nos autos que MARLI tenha se beneficiado ou contribuído para recebimento indevido de valores por VLADIMIR, nem que este tenha sido beneficiado ou contribuído para recebimento indevido de valores por MARLI, não podendo haver, pois, solidariedade entre tais réus para pagamento do total do prejuízo causado ao INSS, cumprindo, neste ponto, adequar o ressarcimento fixado em sentença, ao que efetivamente recebeu e participou cada corréu, conforme especificado na exordial. 12. Sobre os valores de ressarcimento ao erário devem incidir, a partir da última atualização (30/10/2010), juros de mora e correção monetária conforme índices do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 13. Afastada a sucumbência, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985 e jurisprudência neste sentido consolidada. 14. Apelações parcialmente providas e remessa oficial, tida por submetida, desprovida." Alegou o Ministério Público Federal omissão, inclusive em prequestionamento, quanto ao reconhecimento da prescrição intercorrente da pretensão, pois: (1) são irretroativas as inovações da Lei 8.429/1992, introduzidas pela Lei 14.230/2021, dada a excepcionalidade da retroatividade legal e a inexistência de previsão legal expressa e específica; (2) a responsabilização por atos de improbidade administrativa tem natureza cível, afastando a aplicação do princípio penal de retroatividade da lei mais benéfica; (3) as normas de prescrição intercorrente têm natureza processual, sendo irretroativas, sob pena de ofensa ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada; (4) os prazos prescricionais até então previstos na Lei 8.429/1992, na redação anterior, foram observados pela parte autora, que não pode ser prejudicada por decurso de tempo a que não deu causa; e (5) há necessidade de menção expressa aos artigos 6º, caput, do Decreto-lei 4.657/1942; 14 do CPC; 5º, XXXVI e XL, e 37, § 1º, da CF. Alegou VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES omissão, pois: (1) desconsiderou que, conforme planilha apresentada na inicial, o montante recebido em conta corrente totaliza cerca de noventa mil reais, e “os valores indicados na própria exordial não totalizam o montante pretendido, tampouco explicam a disparidade entre o que seria o valor originário e o valor supostamente atualizado”, requerendo, subsidiariamente, “especificar no acórdão apenas os valores originais, para que sejam atualizados em eventual fase de cumprimento de sentença; em vez de simplesmente aceitar como válidos aqueles numerários lançados genericamente e sem explicação na inicial”; e (2) ausente subsunção da conduta praticada à descrita no artigo 9º da LIA, pois não agiu em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade, dado que “qualquer pessoa com uma conta bancária poderia ter praticado a conduta imputada ao embargante, sem que fosse necessário ser servidor do INSS”, o que afasta a imprescritibilidade da ação fixada na Tese 897/STF. Alegou MARIA FRANCELIA DA SILVA SCHMIDT omissão e obscuridade, pois: (1) não considerou os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, nem aspectos da conduta praticada, pois, “no caso dos autos, não ficou demonstrado o enriquecimento ilícito da recorrente, não há qualquer documento nos autos que evidencie que a recorrente teve acréscimo patrimonial relevante, em razão dos fatos relatados na petição inicial. Ao contrário, o padrão econômico da apelante não sofreu nenhuma alteração significativa, bastando verificar que hoje em dia ela não possui nenhum bem ou patrimônio de sua titularidade e que passa por dificuldades financeiras”; e (2) apesar de inexistir “mínima comprovação” de que tenha se beneficiou do montante integral do dano, foi condenada à reparação total dos valores desviados, em solidariedade com os demais réus, “os quais sequer foram também condenados ao ressarcimento integral do dano”. Alegou MARLI DOS SANTOS omissão e obscuridade, pois: (1) em sendo eventualmente reconhecida a irretroatividade da Lei 14.230/2021, discutida em ações pendentes na Suprema Corte, cabe exame da alegação de prescrição da ação à luz do regramento normativo anterior (artigo 23, II, da Lei 8.429/1992 c.c 142, I e § 1º, da Lei 8.112/1990 e 109, III, 111, I e 171, § 3º, do CP), como reconhecido pelo Juízo criminal; (2) ainda que considerado que o crime de estelionato tenha caráter permanente, com prazo prescricional iniciado apenas após cessação da permanência, e que o último benefício indevido teria sido creditado em conta em abril de 1999, a presente ação foi ajuizada somente em 14/06/2013; (3) ainda que se considere como termo inicial da prescrição a ciência da autarquia previdenciária, esta ocorreu, não em 27/09/2002, como decidiu o Juízo a quo, mas em 1999, quando instaurou o PA 35366.002129/99-56 em face da corré Maria Francélia da Silva Schmidt, que redundo na demissão desta em 2001; e (4) somente a corré MARIA FRANCELIA deve ser condenada ao ressarcimento integral do dano, “já que os valores recebidos, em parte pela apelante MARLI e, em parte pelo corréu VLADIMIR, eram repassados para ela”, inexistindo “a mínima comprovação de que a ora embargante tenha se beneficiado do montante integral dos depositados na sua conta”, devendo-se observar o princípio da proporcionalidade. Intimadas as partes nos termos do artigo 1.023, § 2º, do CPC, a corré MARLI DOS SANTOS pugnou pelo não conhecimento dos embargos declaratórios do Ministério Público Federal, por falta das hipóteses legais de cabimento do recurso. É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010826-45.2013.4.03.6100 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES, MARIA FRANCELIA DA SILVA SCHMIDT, MARLI DOS SANTOS Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO DI ANGELLIS DA SILVA ALVES - DF40561-A, LEO DA SILVA ALVES - DF7621-A, WILSON ROBERTO GONZALEZ GOMES - SP174467-A V O T O Senhores Desembargadores, o exame da existência ou não de omissão quanto a teses e dispositivos normativos invocados, inclusive para fins de prequestionamento, impõe conhecimento do recurso ministerial, rejeitando-se, pois, a preliminar de inadmissibilidade recursal, arguida em contrarrazões. O acórdão embargado foi proferido anteriormente ao julgamento pela Suprema Corte do paradigma cuja aplicação se impõe, observada a própria ressalva contida no exame anterior da espécie. Com efeito, em 18/08/2022, no exame da retroatividade ou não das disposições da Lei 14.230/2021 o Plenário do Excelso Pretório proferiu acórdão assim ementado no ARE 843.989, em regime de repercussão geral, com fixação das seguintes teses vinculantes: ARE 843.989, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 12/12/2022: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente –, há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". Como visto, o contraste entre o decidido no aresto embargado face ao paradigma firmado exige suprimento, uma vez que se constate omissão no tratamento, ainda que por fato superveniente, mas pertinente e relevante à solução do caso concreto, no que concerne, especificamente, à prescrição, em modalidade intercorrente, da pretensão sancionadora quanto às sanções previstas no artigo 12 da Lei 8.429/1992, sendo de rigor o exame das questões antes tidas por prejudicadas, com a reapreciação, em parte, da causa, à luz do entendimento fixado no ARE 843.989, Tese 1.199/STF. Primeiramente, quanto à alegação de prescrição da pretensão autoral, suscitada por três corréus da presente ação, quanto às demais sanções que não o ressarcimento ao erário, à luz da redação anterior da Lei 8.429/1992, cabe destacar, com parcial acolhimento dos embargos declaratórios de MARLI DOS SANTOS, neste ponto, que dispunha o artigo 23 da LIA, em sua redação anterior à Lei 14.230/2021, que: “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.” A lei específica que trata das faltas disciplinares dos servidores públicos federais é a Lei 8.112/1990, que assim prevê: “Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: [...] IV - improbidade administrativa; [...] Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão; III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência. § 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. § 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente. § 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.” Como se observa, tem aplicação na espécie o § 2º do preceito supracitado, incidindo os mesmos prazos de prescrição previstos na lei penal, já que os fatos ora apurados enquadram-se na tipificação do crime capitulado no artigo 171, § 3º, do Código Penal - objeto, inclusive, da ação penal 0008728-19.2005.4.03.6181, na qual extinta punibilidade dos réus, por decurso do prazo prescricional -, que assim dispõe: “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. [...] § 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.” Sobre o prazo prescricional, dispõe o Código Penal que: “Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: [...] III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;” A propósito, encontra-se há muito consolidada a jurisprudência no sentido de que a pena a ser considerada para contagem da prescrição da ação de improbidade administrativa é a pena cominada em abstrato ao crime correlato, e não a pena em concreto eventualmente aplicada ao autor da infração no processo-crime, até porque a responsabilização por atos ímprobos independe do ajuizamento da ação penal. Neste sentido: AgInt no REsp 1.677.626, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 25/3/2021: “ “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. CONTAGEM COM LASTRO NA PENA IN ABSTRATO. EXISTÊNCIA DE AÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA. PRECEDENTE DESTA CORTE. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - Esta Corte tem entendimento segundo o qual o cômputo do prazo prescricional da pretensão punitiva por ato de improbidade administrativa, na hipótese prevista no art. 23, II, da LIA cominado com o art. 142, § 2º, da Lei 8.112/90, além de considerar a pena in abstrato, na forma do art. 109 do Código Penal, não depende da existência de ação penal. Precedentes. III - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. IV - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. V - Agravo Interno improvido.” REsp 1.106.657, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, DJe 20/9/2010: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INCIDÊNCIA ANALÓGICA DA SÚMULA N. 284 DO STF. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME. PRESCRIÇÃO. ART. 109 DO CP. PENA ABSTRATAMENTE COMINADA. INDEPENDÊNCIA PROCESSUAL ENTRE AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E AÇÃO PENAL. RESGUARDO DO VETOR SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Prioridade em razão da Lei Complementar n. 135/2010. 2. Inicialmente, não se pode conhecer da violação ao art. 535 do CPC, pois as alegações que fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas, sem discriminação dos pontos efetivamente omissos, contraditórios ou obscuros. Incide, no caso, a Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia. 3. No mais, saliente-se que, na origem, trata-se de ação de improbidade administrativa ajuizada em face de policiais rodoviários federais em razão da prática de corrupção passiva, prevaricação, receptação (apenas o primeiro recorrente), condescendência criminosa e falso testemunho (apenas do segundo recorrente). 4. Como os recorrentes são servidores públicos efetivos, no que se relaciona à prescrição, incide o art. 23, inc. II, da Lei n. 8.429/92. 5. Os prazos prescricionais, portanto, serão sempre aqueles tangentes às faltas disciplinares puníveis com demissão. 6. A seu turno, a Lei n. 8.112/90, em seu art. 142, § 2º, dispositivo que regula os prazos de prescrição, remete à lei penal nas situações em que as infrações disciplinares constituam também crimes - o que ocorre na hipótese. No Código Penal - CP, a prescrição vem regulada no art. 109. 7. Discute-se, aqui, se o enquadramento no art. 109 do CP deve ter em conta a pena abstratamente prevista no tipo penal ou a pena concreta aplicada pela sentença penal proferida com base nos mesmos fatos: a origem aplicou o primeiro entendimento, concluindo pela inocorrência da prescrição; o primeiro recorrente defende, no especial, a segunda tese. 8. Inviável, entretanto, modificar os fundamentos da instância ordinária. Dois os motivos que me levam a assim entender. 9. A um porque o ajuizamento da ação civil pública por improbidade administrativa não está legalmente condicionado à apresentação de demanda penal. Não é possível, desta forma, construir uma teoria processual da improbidade administrativa ou interpretar dispositivos processuais da Lei n. 8.429/92 de maneira a atrelá-las a institutos processuais penais, pois existe rigorosa independência das esferas no ponto. 10. A dois (e levando em consideração a assertiva acima) porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança jurídica. 11. Vale dizer: havendo ação penal e ação de improbidade administrativa ajuizadas simultaneamente, impossível considerar que a aferição do total lapso prescricional nesta última venha a depender do resultado final da primeira demanda (quantificação final da pena aplicada em concreto), inclusive com possibilidade de inserção, no âmbito cível-administração, do reconhecimento de prescrição retroativa. 12. Daí porque impossível reconhecer a violação aos arts. 109 e 110, § 1º, do Código Penal c/c 142, § 2º, da Lei n. 8.112/90. 13. Por fim, como já foi sustentado anteriormente, na situação em exame, a causa de pedir da presente ação civil pública é o cometimento de atos sobre os quais recai também capitulação penal, o que atrai a incidência do art. 23, inc. II, da Lei de Improbidade Administrativa e das normas que daí advêm como consequência de estrita remissão legal. 14. Desnecessário, pois, enfrentar a problemática apontada no recurso especial no que se refere à ofensa aos arts. 142, 152 e 167 da Lei n. 8.112/90 (interrupção do prazo prescricional). O reconhecimento da ofensa a estes dispositivos não teria o condão de reverter as conclusões da origem no sentido de que, por incidência do art. 23, inc. II, c/c o art. 142, § 3º, da Lei n. 8.112/90, não estaria perfectibilizado o prazo prescricional. 15. É que porque os atos cometidos ocorreram em 8.1.1996, e a presenta ação civil pública foi ajuizada em 2001 - respeitados, portanto, o prazo de 12 anos (prescrição relativa ao crime de corrupção passiva, o que tem maior pena abstratamente cominada dentre os acima elencados), na redação do Código penal à época dos fatos. Ademais, o art. 142, inc. I, da Lei n. 8.112/90 (e os dispositivos a ele vinculados) é inaplicável à espécie, considerando existir regra mais específica (o § 3º do art. 142 do mesmo diploma normativo). 16. Recurso especial de Ailton Dutra parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.” Na espécie, os benefícios indevida e dolosamente auferidos por MARLI DOS SANTOS e por VLADIMIR RENATO, em conluio com MARIA FRANCÉLIA, que promoveu alteração de dados e informações no sistema previdenciário para obtenção de vantagem patrimonial ilícita, datam, respectivamente, de setembro/1993 a abril/1999 e fevereiro/1994 a setembro/1998. Ainda que MARIA FRANCÉLIA tenha praticado anteriormente fatos idênticos aos ora apurados, porém envolvendo outros instituidores dos benefícios previdenciários indevidamente auferidos (de Nelson Bueno Paim Pamplona e Lygia Coelho Pamplona) bem como outros favorecidos (Maria Luiza da Silva e Ana Rita da Silva), que foram objeto de apuração no PAD 35366.002129/99-56, iniciado em 14/05/1999 (ID 252788127 a ID 252788131), os fatos específicos destes autos envolveram benefícios previdenciários de instituidores diversos (de Belarmino Carneiro Leal, Sebastião Domingo e, Osório Silva) e favorecidos distintos (VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES, MARLI DOS SANTOS e Carlos Manoel dos Santos), que somente chegaram ao conhecimento da Administração Pública em 27/09/2002, quando iniciado o PAD 35366.002258/2004-18, para apuração de tai fatos especificamente, que redundou na demissão de MARIA FRANCÉLIA, MARLI DOS SANTOS e VLADIMIR RENATO em 15/08/2009 (ID 142352706, f. 19 a ID 142352711, f. 200). Considerada, pois, a data de conhecimento pela Administração Pública dos fatos específicos ora apurados (artigo 142, § 1º, da Lei 8.112/1990), houve interrupção da prescrição com a instauração do processo administrativo disciplinar (§ 3º), reiniciando o curso do prazo prescricional em 15/08/2009 (§ 4º). Neste contexto, ajuizada a presente ação de improbidade administrativa em 14/06/2013, não se tem por consumada a prescrição. Nem se alegue, a propósito, incidir o § 4º do artigo 21 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, pois não é cabível equiparar “absolvição criminal” a qualquer outra forma de extinção da punibilidade penal. Fosse este o intento do legislador, teria feito menção expressa às amplas hipóteses de extinção da punibilidade, e não circunscrito a regra apenas aos casos de “absolvição criminal”, pelo que impertinente eventual pretensão de entender como “absolvição criminal” a decisão de extinção da punibilidade penal por decurso do prazo prescricional para incidência do § 4º do artigo 21 da Lei 8.429/1992. Não obstante tal fundamentação, cumpre destacar que foi, recentemente, deferida medida cautelar na ADI 7.236 para, entre outras providências, suspender a eficácia do artigo 21, § 4º, da LIA, incluído pela Lei 14.230/2021. Observou a propósito o relator, ainda que em cognição sumária, que, a teor do § 4º do artigo 37 da Constituição Federal, “a independência de instâncias exige tratamentos sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral (civis, penais e político-administrativos) e os atos de improbidade administrativa” e, conquanto tal independência seja mitigada na hipótese de reconhecimento, na esfera penal, da inexistência do fato ou da negativa de autoria, “a comunicabilidade ampla pretendida pela norma questionada acaba por corroer a própria lógica constitucional da autonomia das instâncias” (ADI 7.236, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 10/01/2023). Quanto à subsunção das condutas praticadas pelos corréus aos tipos legais de atos ímprobos previstos nos artigos 9º, XI e XII, e 10, caput, I, VII e XII, da Lei 8.429/1992, registrou o julgado embargado, exaustivamente e após longo e minucioso contexto fático e probatório devidamente exposto, que: “[...] considerado todo o contexto fático e probatório dos autos, constata-se que restou sobejamente comprovado nos autos que a então servidora do INSS, MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, valendo-se do cargo que exercia, promoveu diversas alterações no sistema da autarquia federal, acessado mediante identificação por meio de CPF e senha pessoal próprios devidamente registrados nos terminais utilizados, para criar benefícios previdenciários indevidos creditados em contas bancárias dos também servidores autárquicos VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES e MARLI DOS SANTOS, além de Carlos Manoel dos Santos, marido de MARLI, sem que tivessem tais favorecidos qualquer vínculo com os instituidores dos benefícios criados, ex-servidores do INSS já falecidos, cujos valores eram depois repartidos com MARIA FRANCÉLIA, em flagrante prejuízo ao erário. Com efeito, a juntada de cópia integral do processo administrativo disciplinar, do qual resultou a demissão dos corréus, comprovou que (f. 24 do ID 142352706 a f. 47 do 142352712, e IDs 252790895 a 252790898): (1) MARIA FRANCÉLIA alterou no sistema previdenciário, entre setembro/1993 a julho/2000, informações do cadastro do ex-servidor Belarmino Carneiro Leal, falecido em outubro/1992, desde nomes fictícios a dados bancários, passando por cargos e situação cadastral (aposentado ou instituidor de pensão), que resultaram no creditamento de benefícios previdenciários indevidos, inicialmente na conta bancária de MARLI DOS SANTOS e depois na de VLADIMIR RENATO. A engenhosidade da corré MARIA FRANCÉLIA foi tamanha que cadastrou, na matrícula do servidor falecido, contas bancárias falsas (que, por óbvio, não foram identificadas nem no sistema previdenciário nem pela respectiva instituição financeira), toda vez que excluía referida matrícula do sistema, portanto sem gerar pagamento, deduzindo a comissão processante que era “a fim de não deixar indícios das verdadeiras contas correntes utilizadas para os depósitos” indevidos (ID 142352707, f. 8 e ID 142352710, f. 187); (2) MARIA FRANCÉLIA implantou no sistema de pensão em nome de Cristina do Nascimento em junho/1993, tendo como instituidor Sebastião Domingos, ex-servidor do INSS, falecido em 1975, cujos benefícios foram indevidamente creditados na conta bancária de MARLI DOS SANTOS; e (3) MARIA FRANCÉLIA inseriu no sistema, em outubro/1997, o nome de Carlos Manoel dos Santos, marido de MARLI, como beneficiário de pensão do instituidor Osório Silva, ex-servidor do INSS, falecido em 1980, cujas pensões foram indevidamente creditadas, parte na conta bancária de MARLI DOS SANTOS, outra parte na conta bancária do marido Carlos Manoel dos Santos. Como se observa, a intenção da corré MARIA FRANCÉLIA de, em razão do cargo que exercia, auferir vantagem patrimonial indevida em detrimento do erário público restou claramente demonstrada com as constantes adulterações do sistema do INSS para creditamento de benefícios previdenciários indevidos em conta de terceiros, inclusive os corréus, que depois lhe repassavam parte dos valores auferidos. Aliás, tais condutas da corré MARIA FRANCÉLIA, ora apuradas e objeto do PAD 35366.002258/2004-18, revelaram-se reiteração do que já constatado no PAD 35366.002129/99-56, iniciado com Termo de Ocorrência, assim lavrado em 14/05/1999 (ID 252788127, f. 2/4): “Aos doze dias do mês de maio de 1999, uma senhora moradora de [...] São Paulo telefonou para a Seção de Aposentadorias e Pensões, sendo atendida pela servidora [...], informando que estava recebendo em seu endereço recibos de pagamento de pensionista do INSS em nome de Ana Rita da Silva, a qual não morava naquele endereço [...] [...] iniciando daí, por essa servidora, a verificação para a localização do verdadeiro endereço da pensionista Ana Rita da Silva, matrícula [...]. Procurando dados junto aos arquivos de processos de pensão e pastas financeiras, verificou não haver nem processo nem pasta financeira da referida pensionista. Levou então o assunto ao conhecimento da chefia da Seção de Aposentadorias e Pensões, [...] a qual juntamente com a servidora e o Chefe da Divisão de Administração de Recursos Humanos passaram a verificar junto ao Sistema SIAPE dados sobre o benefício que vinha sendo pago a Ana Rita da Silva. De tal verificação, concluiu-se que: 1 – Tratava-se de pensão temporária gerada através do cadastro do ex-servidor Nelson Bueno Paim Pamplona, matrícula [...], falecido em 05/10/79. Verificamos ainda que tal servidor havia instituído pensão vitalícia em favor de Lygia Coelho Pamplona, matrícula [...], sendo que tal pensão havia sido excluída do SIAPE em 01/09/93, por óbito da mesma, não havendo à época nenhuma pensionista temporária. [...] 3 – Passou-se então a buscar junto ao SIAPE fichas financeiras da sra Ana Rita da Silva para verificação dos valores que vinham sendo pagos e o início do pagamento, bem como o servidor responsável pela inclusão/alteração de vantagens que compõem o benefício [...] os quais nos levaram à conclusão de que se trata de pensão incluída na folha de pagamentos fraudulentamente e sistematicamente alterados pela servidora MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, [...], lotada na Seção de Aposentadorias e Pensões. 4 – Efetuadas buscas junto aos arquivos de cadastro e pagamentos dos servidores falecidos, [...] nada foi localizado, indicando que tais assentamentos foram extraviados do setor. 5 – Na data de hoje, na sala da sra Coordenadora de Recursos Humanos, reuniram-se a Coordenadora de Recursos Humanos [...], o Chefe da Divisão de Administração de Recursos Humanos [...], a Chefe da Seção de Aposentadorias e Pensões [...], o Chefe da Seção de Pagamentos [...], juntamente com as servidoras MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT [...] e Maria Luiza da Silva [...], para que desse ciência às mesmas de que havia sido verificado o pagamento da pensão indevida, e solicitamos que as mesmas se manifestassem no sentido de terem ou não conhecimento das ocorrências acima citadas. 6 – Em princípio, as mesmas disseram desconhecer a ocorrência de tais fatos, mostrando-se ambas chocadas. Sendo então colocado que a inclusão e alterações de pensão era assunto rotineiro no setor, a servidora MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT [...], de livre e espontânea vontade começou a relatar que a inclusão, bem como as alterações efetuadas posteriormente foram promovidas por ela e com o conhecimento e por proposta da servidora Maria Luiza da Silva [...] para que pudesse amenizar as dificuldades financeiras por que vinha passando, bem como pudesse comprar um imóvel residencial para que pudesse livrar-se do aluguel. Disse ainda que recebia metade dos valores creditados à filha da servidora Maria Luiza da Silva, sra Ana Rita da Silva, sendo que tais valores eram transferidos para sua conta corrente bancária.” (grifamos) Concluiu a comissão processante daquele PAD (35366.002129/99-56), inclusive, que em prova testemunhal os subscritores do referido Termo de Ocorrência, todos superiores mediatos ou imediatos das servidoras envolvidas, confirmaram a confissão espontânea de MARIA FRANCÉLIA na ocasião, tendo-se comprovado que “várias foram as alterações financeiras por ela efetuadas”, que redundaram no pagamento indevido de benefício previdenciário no período de agosto/1997 a abril/1999, com lesão aos cofres públicos (ID 252788130, f. 88/99 e 145, e ID 252788131, f. 22). A confissão espontânea de MARIA FRANCÉLIA naquela oportunidade perante seus superiores restou por estes também confirmada no Juízo criminal (ID 252788131, f. 73) e, igualmente, na instrução do PAD 35366.002258/2004-18 que embasou a presente ação (ID 142352709, f. 41/2). Ainda, ao contrário do alegado, restaram amplamente demonstradas nos autos não somente a ciência, mas a própria aquiescência com a ilicitude praticada em detrimento do erário e consequente locupletamento indevido pelos corréus VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS. Com efeito, os corréus não negaram o recebimento dos valores. Pelo contrário, em depoimento pessoal durante a instrução processual do presente feito, MARLI DOS SANTOS confessou que “conheceu e se tornou amiga (de trabalho) da sra Maria Francélia; [...] que começou a perceber depósitos estranhos em sua conta e que foi informado pela sra Maria Francélia ser aumento de salário; quando os valores se tornaram mais significativos retornou à sra Maria Francélia para indagar do que se tratava e foi informada de que se tratava de valores fraudulentos; que foi aconselhada a não mexer nisso porque senão a depoente e a sra Francélia seriam demitidas [...] que a senhora Maria Francélia disse à depoente que os depósitos fraudulentos realizados na conta da depoente também eram feitos em outras contas e que outros servidores também o faziam [...] dos valores depositados fraudulentamente na sua conta eram repassados à sra Francélia; que o repasse era feito mediante saque em dinheiro e entregue à sra Francélia; que isso se deu durante mais ou menos 4 anos; que não se lembra de quantos benefícios fraudulentos eram depositados na sua conta; [...] que a sra Francélia disse para a depoente que era ela quem tinha concedido os benefícios fraudulentamente [...]” (grifamos - ID 142352713, f. 231/2). Ademais, MARLI DOS SANTOS não apenas recebeu indevidamente dinheiro público em sua conta corrente para posterior divisão com MARIA FRANCÉLIA, como também forneceu os dados pessoais e bancários de seu marido para que este fosse por aquela corré inserido no sistema como beneficiário de pensão previdenciária indevida em prejuízo ao erário. Tais condutas manifestamente proativas da corré MARLI DOS SANTOS não configuram, em absoluto, participação secundária nas práticas ímprobas ora apuradas, como alegado. Quanto ao corréu VLADIMIR RENATO, por sua vez, na tentativa de aparentar licitude aos valores indevidamente recebidos em sua conta bancária, alegou inicialmente que havia feito empréstimos à servidora MARIA FRANCÉLIA, que lhe pagava mensalmente, às vezes, mediante depósitos (23/06/2004 - ID 142352707, f. 16/7). Diante da fragilidade de tal versão, que não justificava os valores que, após indevidamente recebidos, eram parcialmente repassados à MARIA FRANCÉLIA, o próprio corréu alterou suas alegações, aduzindo que as quantias depositadas em sua conta bancária referiam-se a créditos que a corré MARIA FRANCÉLIA tinha a receber de ação judicial e que, por problemas em sua própria conta bancária, teria pedido a VLADIMIR RENATO que os depósitos fossem por este recebidos, com o que anuiu, depois repassando os montantes à colega de trabalho (30/10/2006 – ID 142352707, f. 77/9; ID 142352709, f. 184/5). Não obstante, em Juízo, reiterou ambas as versões, de que teria emprestado dinheiro à MARIA FRANCÉLIA assim como lhe teria emprestado a conta corrente para receber valores decorrentes de ação judicial (ID 142352713, f. 228/30), o que, porém, restou expressamente desmentido pela corré MARIA FRANCÉLIA, em seu depoimento durante a instrução processual desta ação: “não se lembra de ter pedido dinheiro emprestado ao sr Vladimir; que não se recorda de ter recebido valores de precatórios ou de ações judiciais depositados na conta do sr Vladimir” (ID 142352713, f. 225/6). A propósito, afigura-se de todo incompreensível a alegação de que a Justiça não pode efetuar depósitos decorrentes de ação judicial na conta bancária de MARIA FRANCÉLIA, mas o corréu VLADIMIR RENATO pode. O próprio corréu, quando indagado a respeito, não conseguiu explicar tal incongruência (ID 142352707, f. 79). Milita, ainda, em desfavor do corréu o fato de que os valores repassados à MARIA FRANCÉLIA não correspondiam à integralidade dos montantes recebidos em sua própria conta bancária, conforme constatado em sentença penal, mediante quebra de sigilo bancário, cuja prova foi emprestada ao PAD de origem (ID 142352707, f. 64/79; ID 142352707, f. 183 a ID 142352708, f. 8; e ID 142352711, f. 3/46). Ademais, VLADIMIR RENATO declarou por diversas ocasiões, no âmbito administrativo e judicial, que era comum os servidores terem créditos a receber do INSS, inclusive decorrentes de ações judiciais, como já ocorreu com ele próprio, tendo tais créditos sido depositados integralmente em sua própria conta bancária, “concluindo-se, assim, que o ora indiciado é sabedor de procedimentos adotados para recebimentos de valores decorrentes de ações judiciais, ou seja, que a própria Justiça solicita dados cadastrais do servidor interessado, inclusive, conta bancária, onde tais valores só podem ser depositados na própria conta do servidor, não podendo, assim, ser utilizada outra conta se não a do próprio”, como bem observou a comissão processante (ID 142352711, f. 141/2). Neste contexto, a utilização do CPF e senha da servidora MARIA FRANCÉLIA somadas à titularidade das contas bancárias utilizadas para o auferimento de vantagem, com posterior repasse à MARIA FRANCÉLIA de parte dos valores indevidamente recebidos por VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS comprovam a efetiva cooperação e conluio entre os corréus para consecução da fraude perpetrada contra o INSS. O recebimento consciente de benefícios previdenciários indevidos em suas contas bancárias foi determinante para o engodo que provocou dano aos cofres públicos por anos.” Neste cenário, ainda que não tenha havido, ao final, alteração no padrão econômico e social dos corréus, o ato de auferir dolosamente vantagem patrimonial indevida com prática de ações por MARIA FRANCÉLIA, permitida e facilitada pelo exercício do cargo que ocupava perante a autarquia previdenciária, configura enriquecimento ilícito em prejuízo ao erário, constituindo os atos ímprobos previstos nos artigos 9º e 10, LIA. Destacou-se, a propósito, que: “Assim, ainda que as condutas de VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS dentro de tal esquema engendrado para favorecimento dos corréus em detrimento do erário não tenham sido praticadas no exercício ou em razão do cargo que ocupavam junto à autarquia previdenciária, respondem todos eles, em comum, por todos os atos ímprobos praticados pelo grupo, nos termos do artigo 3º da Lei 8.429/1992 (“Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”). Também, ainda que aleguem VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS que repassavam integralmente a outra corré os benefícios indevidamente creditados em suas contas bancárias, resta de qualquer forma configurada a prática por eles de ato ímprobo, pois agiram com a finalidade específica de obter proveito, se não próprio, em favor de MARIA FRANCÉLIA, bem como de causar dano ao erário.” Logo, sem razão o corréu VLADIMIR RENATO ao tentar se esquivar da configuração do ato ímprobo previsto no artigo 9º, LIA e, consequentemente, das sanções aplicáveis, inclusive o ressarcimento do dano para o qual concorreu. No quadro externado a partir do que consta dos autos, diante da gravidade dos fatos, grau de reprovabilidade das condutas, extensão do dano e do proveito patrimonial obtido, observando o entendimento fixado no ARE 843.989, Tese 1.199/STF, cumpre manter as penalidades de multa civil no valor do dano ao erário, suspensão dos direitos políticos por oito anos, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos, nos termos do artigo 12, LIA, tal como fixado e fundamentado pela sentença aos réus, todas muito aquém do máximo legal e, inclusive, do pleiteado na inicial, sem, pois, violação à razoabilidade ou proporcionalidade. Quanto à integral reparação do dano, com esteio no artigo 12, caput, da Lei 8.429/1992, já havia consignado o acórdão embargado que: “O valor total do prejuízo provocado pelos réus aos cofres públicos por pagamentos de benefícios previdenciários indevidos restou regularmente apurado e devidamente atualizado, com especificação dos critérios utilizados, em procedimento de tomada de contas especial (ID 252788109 a ID 252788125), em trâmite inicialmente no âmbito do próprio INSS e depois do Tribunal de Contas da União, atingindo o montante total de R$ 6.543.341,29 até 30/10/2010, dos quais R$ 2.946.180,83, em valores atualizados, correspondiam apenas à parcela apurada em desfavor de VLADIMIR RENATO (ID 252788110, f. 3/198), muito distante da quantia irrisória defendida pelo corréu em apelação. Ao contrário do alegado, inclusive, verifica-se em tal procedimento que foram devidamente considerados e subtraídos do montante a restituir ao erário os valores inicialmente já ressarcidos mediante desconto em folha de pagamento dos corréus VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS até as respectivas demissões (ID 252788110, f. 72/117 e f. 158/81). Assiste, porém, razão a VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS quando alegaram que a condenação fixada não observou a individualização do dano provocada por cada um, pois, de fato, não restou comprovado nos autos que MARLI tenha se beneficiado ou contribuído para recebimento indevido de valores por VLADIMIR, nem que este tenha sido beneficiado ou contribuído para recebimento indevido de valores por MARLI, não podendo haver, pois, solidariedade entre tais réus para pagamento do total do prejuízo causado ao INSS. Cumpre, pois, neste ponto adequar o ressarcimento fixado em sentença, ao que efetivamente recebeu e participou cada corréu, conforme especificado na exordial, cabendo, assim, a: VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES, em solidariedade com MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, restituir ao erário o valor R$ 2.946.180,83, atualizado até 30/10/2010; MARLI DOS SANTOS, em solidariedade com MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, restituir ao erário o valor R$ 3.597.160,46, atualizado até 30/10/2010; e MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, somente, responder pelo dano integral ao erário, em solidariedade com os demais corréus nas proporções acima delineadas.” Tal individualização do dano patrimonial, para reparação da lesão ao erário, atende à proporcionalidade, considerando a extensão da conduta infracional praticada por cada corréu. Conforme exposto, restou comprovado nos autos que apenas parte dos valores indevidamente recebidos por MARLI DOS SANTOS e VLADIMIR RENATO eram repassados a MARIA FRANCÉLIA, e, ainda que assim não fosse, MARLI DOS SANTOS e VLADIMIR RENATO cooperaram ativamente para que MARIA FRANCÉLIA lograsse vantagem indevida em detrimento do erário, sendo, pois, devida a condenação de todos os réus à reparação do dano, na extensão das respectivas responsabilidades. MARIA FRANCÉLIA restou condenada ao ressarcimento integral do dano apurado na presente ação, em solidariedade com cada um dos outros corréus na parte que lhes cabe, porque, segundo extraído dos autos, praticou condutas que deram causa aos valores indevidamente recebidos tanto por MARLI DOS SANTOS quanto por VLADIMIR RENATO, sem comprovação, porém, de que estes tenham se beneficiado ou contribuído para o montante que o outro indevidamente recebeu. Acerca da impugnação de VLADIMIR RENATO quanto ao valor do dano a ser ressarcido, salienta-se que a tabela invocada pelo embargante, cujos valores somam pouco mais de noventa mil reais, foi mencionada na inicial da presente ação de improbidade administrativa com expressa referência ao quadro constante da denúncia da ação penal 0008728-19.2005.4.03.6181, sem, entretanto, adotar tal cifra como sendo o total da lesão patrimonial ao erário provocada pelo embargante para efeito do ressarcimento pleiteado, tanto que na mesma página da exordial reproduziu-se outro quadro extraído da auditoria do INSS, no qual constam como valores indevidamente recebidos por VLADIMIR RENATO “CR$ 1.821.600,41 R$ 330.037,49 (1994 a 1998)” (ID 142352706, f. 11/2), portanto, muito além dos invocados noventa mil reais. Não obstante, a inicial da ação indicou em capítulo específico a “individualização do dano causado”, adotando expressamente os valores apurados em Tomada de Contas Especial (ID 142352706, f. 15/6), cujo procedimento, aliás, foi integralmente anexado à inicial (ID 142352706, f. 18 e ID 252788106 a ID 252788125), permitindo ampla defesa desde o início da ação. Daí porque considerou o acórdão embargado válido o montante ali apurado, a partir dos valores originais dos benefícios indevidamente auferidos, atualizados conforme critérios devidamente especificados, sem lograr o embargante apresentar qualquer alegação ou prova robusta para infirmá-los. Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração de VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES e de MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHMIDT, e acolho os embargos de declaração do Ministério Público Federal e parcialmente os embargos declaratórios de MARLI DOS SANTOS para afastar, face à superveniente jurisprudência da Suprema Corte, a decretação de ofício da prescrição intercorrente; dar parcial provimento às apelações de VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES e de MARLI DOS SANTOS apenas para individualizar o dano ao erário a ser ressarcido por cada corréu e afastar a verba honorária nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985; e negar provimento à apelação de MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT e à remessa oficial, tida por submetida. É como voto.
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
ASSISTENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. ADVENTO DA LEI 14.230/2021. IRRETROATIVIDADE DO NOVO REGIME PRESCRICIONAL. ARE 843.989. TESE 1.199. EXAME DAS QUESTÕES ANTES PREJUDICADAS. REMESSA OFICIAL, TIDA POR SUBMETIDA, DESPROVIDA. APELAÇÕES PROVIDAS EM PARTE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ACOLHIDOS, DE UMA DAS CORRÉS PARCIALMENTE ACOLHIDOS, E REJEITADOS OS DEMAIS.
1. Os embargos de declaração do Ministério Público Federal devem ser acolhidos em parte, pois o acórdão embargado foi proferido anteriormente ao julgamento pela Suprema Corte do paradigma cuja aplicação se impõe, observada a própria ressalva contida no exame anterior da espécie, devendo-se, diante de fato superveniente, adequar o aresto recorrido ao julgamento do ARE 843.989 (Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 12/12/2022), com eficácia vinculante, no qual restou definido que “o novo regime prescricional previsto na lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.
2. No exame das questões antes tidas por prejudicadas, com a reapreciação, em parte, da causa, à luz do entendimento fixado no ARE 843.989, Tese 1.199/STF, cumpre destacar, quanto à alegação de prescrição da pretensão autoral, suscitada pelos três corréus da presente ação, quanto às demais sanções que não o ressarcimento ao erário, à luz da redação anterior da Lei 8.429/1992, o acolhimento parcial dos embargos declaratórios de MARLI DOS SANTOS, neste ponto, em razão do dispunha o artigo 23, II, da LIA, na redação anterior à Lei 14.230/2021 c/c artigos 132, IV, e 142, da Lei 8.112/1990. Sobreleva destacar que tem aplicação na espécie o § 2º do artigo 142, da Lei 8.112/1990, incidindo os mesmos prazos de prescrição previstos na lei penal, já que os fatos ora apurados enquadram-se na tipificação do crime capitulado no artigo 171, § 3º, do Código Penal - objeto, inclusive, da ação penal 0008728-19.2005.4.03.6181, na qual extinta a punibilidade dos réus, por decurso do prazo prescricional, dispondo o Código Penal, a propósito, no artigo 109, III.
3. Encontra-se há muito consolidada a jurisprudência no sentido de que a pena a ser considerada para fins de contagem da prescrição da ação de improbidade administrativa é a pena cominada em abstrato ao crime correlato, e não a pena em concreto eventualmente aplicada ao autor da infração no processo-crime, até porque a responsabilização por atos ímprobos independe do ajuizamento da ação penal.
4. Na espécie, os benefícios indevida e dolosamente auferidos por MARLI DOS SANTOS e por VLADIMIR RENATO, em conluio com MARIA FRANCÉLIA, que promoveu alteração de dados e informações no sistema previdenciário para obtenção de vantagem patrimonial ilícita, datam, respectivamente, de setembro/1993 a abril/1999 e fevereiro/1994 a setembro/1998. Ainda que MARIA FRANCÉLIA já tenha praticado anteriormente fatos idênticos aos ora apurados, porém envolvendo outros instituidores dos benefícios previdenciários indevidamente auferidos (de Nelson Bueno Paim Pamplona e Lygia Coelho Pamplona) bem como outros favorecidos (Maria Luiza da Silva e Ana Rita da Silva), que foram objeto de apuração no PAD 35366.002129/99-56, iniciado em 14/05/1999, os fatos específicos destes autos envolveram benefícios previdenciários de instituidores diversos (de Belarmino Carneiro Leal, Sebastião Domingo e, Osório Silva) e favorecidos distintos (VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES, MARLI DOS SANTOS e Carlos Manoel dos Santos), que somente chegaram ao conhecimento da Administração Pública em 27/09/2002, quando iniciado o PAD 35366.002258/2004-18, para apuração de tais fatos especificamente, que redundou na demissão de MARIA FRANCÉLIA, MARLI DOS SANTOS e VLADIMIR RENATO em 15/08/2009. Considerada, pois, a data de conhecimento pela Administração Pública dos fatos específicos ora apurados (artigo 142, § 1º, da Lei 8.112/1990), houve interrupção da prescrição com a instauração do processo administrativo disciplinar (§ 3º), reiniciando o curso do prazo prescricional em 15/08/2009 (§ 4º). Neste contexto, ajuizada a ação de improbidade administrativa em 14/06/2013, não se verifica consumada prescrição.
5. Nem se alegue, a propósito, incidir o § 4º do artigo 21 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, pois não é cabível equiparar “absolvição criminal” a qualquer outra forma de extinção da punibilidade penal. Fosse este o intento do legislador, teria feito menção expressa às amplas hipóteses de extinção da punibilidade, e não circunscrito a regra apenas aos casos de “absolvição criminal”, pelo que impertinente eventual pretensão de entender como “absolvição criminal” a decisão de extinção da punibilidade penal por decurso do prazo prescricional, para incidência do § 4º do artigo 21 da Lei 8.429/1992. Não obstante tal fundamentação, cumpre destacar que foi, recentemente, deferida medida cautelar na ADI 7.236 para, entre outras providências, suspender a eficácia do artigo 21, § 4º, da LIA, incluído pela Lei 14.230/2021. Observou a propósito o relator, ainda que em cognição sumária, que, a teor do § 4º do artigo 37 da Constituição Federal, “a independência de instâncias exige tratamentos sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral (civis, penais e político-administrativos) e os atos de improbidade administrativa” e, conquanto tal independência seja mitigada na hipótese de reconhecimento, na esfera penal, da inexistência do fato ou da negativa de autoria, “a comunicabilidade ampla pretendida pela norma questionada acaba por corroer a própria lógica constitucional da autonomia das instâncias” (ADI 7.236, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe 10/01/2023).
6. Quanto à subsunção das condutas praticadas pelos corréus aos tipos legais de atos ímprobos previstos nos artigos 9º, XI e XII, e 10, caput, I, VII e XII, da Lei 8.429/1992, registrou o julgado embargado, exaustivamente e após longo e minucioso contexto fático e probatório devidamente exposto, que: “[...] considerado todo o contexto fático e probatório dos autos, constata-se que restou sobejamente comprovado nos autos que a então servidora do INSS, MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, valendo-se do cargo que exercia, promoveu diversas alterações no sistema da autarquia federal, acessado mediante identificação por meio de CPF e senha pessoal próprios devidamente registrados nos terminais utilizados, para criar benefícios previdenciários indevidos creditados em contas bancárias dos também servidores autárquicos VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES e MARLI DOS SANTOS, além de Carlos Manoel dos Santos, marido de MARLI, sem que tivessem tais favorecidos qualquer vínculo com os instituidores dos benefícios criados, ex-servidores do INSS já falecidos, cujos valores eram depois repartidos com MARIA FRANCÉLIA, em flagrante prejuízo ao erário. Com efeito, a juntada de cópia integral do processo administrativo disciplinar, do qual resultou a demissão dos corréus, comprovou que (f. 24 do ID 142352706 a f. 47 do 142352712, e IDs 252790895 a 252790898): (1) MARIA FRANCÉLIA alterou no sistema previdenciário, entre setembro/1993 a julho/2000, informações do cadastro do ex-servidor Belarmino Carneiro Leal, falecido em outubro/1992, desde nomes fictícios a dados bancários, passando por cargos e situação cadastral (aposentado ou instituidor de pensão), que resultaram no creditamento de benefícios previdenciários indevidos, inicialmente na conta bancária de MARLI DOS SANTOS e depois na de VLADIMIR RENATO. A engenhosidade da corré MARIA FRANCÉLIA foi tamanha que cadastrou, na matrícula do servidor falecido, contas bancárias falsas (que, por óbvio, não foram identificadas nem no sistema previdenciário nem pela respectiva instituição financeira), toda vez que excluía referida matrícula do sistema, portanto sem gerar pagamento, deduzindo a comissão processante que era “a fim de não deixar indícios das verdadeiras contas correntes utilizadas para os depósitos” indevidos (ID 142352707, f. 8 e ID 142352710, f. 187); (2) MARIA FRANCÉLIA implantou no sistema de pensão em nome de Cristina do Nascimento em junho/1993, tendo como instituidor Sebastião Domingos, ex-servidor do INSS, falecido em 1975, cujos benefícios foram indevidamente creditados na conta bancária de MARLI DOS SANTOS; e (3) MARIA FRANCÉLIA inseriu no sistema, em outubro/1997, o nome de Carlos Manoel dos Santos, marido de MARLI, como beneficiário de pensão do instituidor Osório Silva, ex-servidor do INSS, falecido em 1980, cujas pensões foram indevidamente creditadas, parte na conta bancária de MARLI DOS SANTOS, outra parte na conta bancária do marido Carlos Manoel dos Santos. Como se observa, a intenção da corré MARIA FRANCÉLIA de, em razão do cargo que exercia, auferir vantagem patrimonial indevida em detrimento do erário público restou claramente demonstrada com as constantes adulterações do sistema do INSS para creditamento de benefícios previdenciários indevidos em conta de terceiros, inclusive os corréus, que depois lhe repassavam parte dos valores auferidos. Aliás, tais condutas da corré MARIA FRANCÉLIA, ora apuradas e objeto do PAD 35366.002258/2004-18, revelaram-se reiteração do que já constatado no PAD 35366.002129/99-56, iniciado com Termo de Ocorrência, assim lavrado em 14/05/1999 (ID 252788127, f. 2/4): “Aos doze dias do mês de maio de 1999, uma senhora moradora de [...] São Paulo telefonou para a Seção de Aposentadorias e Pensões, sendo atendida pela servidora [...], informando que estava recebendo em seu endereço recibos de pagamento de pensionista do INSS em nome de Ana Rita da Silva, a qual não morava naquele endereço [...]iniciando daí, por essa servidora, a verificação para a localização do verdadeiro endereço da pensionista Ana Rita da Silva, matrícula [...]. Procurando dados junto aos arquivos de processos de pensão e pastas financeiras, verificou não haver nem processo nem pasta financeira da referida pensionista. Levou então o assunto ao conhecimento da chefia da Seção de Aposentadorias e Pensões, [...] a qual juntamente com a servidora e o Chefe da Divisão de Administração de Recursos Humanos passaram a verificar junto ao Sistema SIAPE dados sobre o benefício que vinha sendo pago a Ana Rita da Silva. De tal verificação, concluiu-se que: 1 – Tratava-se de pensão temporária gerada através do cadastro do ex-servidor Nelson Bueno Paim Pamplona, matrícula [...], falecido em 05/10/79. Verificamos ainda que tal servidor havia instituído pensão vitalícia em favor de Lygia Coelho Pamplona, matrícula [...], sendo que tal pensão havia sido excluída do SIAPE em 01/09/93, por óbito da mesma, não havendo à época nenhuma pensionista temporária. [...] 3 – Passou-se então a buscar junto ao SIAPE fichas financeiras da sra Ana Rita da Silva para verificação dos valores que vinham sendo pagos e o início do pagamento, bem como o servidor responsável pela inclusão/alteração de vantagens que compõem o benefício [...] os quais nos levaram à conclusão de que se trata de pensão incluída na folha de pagamentos fraudulentamente e sistematicamente alterados pela servidora MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, [...], lotada na Seção de Aposentadorias e Pensões. 4 – Efetuadas buscas junto aos arquivos de cadastro e pagamentos dos servidores falecidos, [...] nada foi localizado, indicando que tais assentamentos foram extraviados do setor. 5 – Na data de hoje, na sala da sra Coordenadora de Recursos Humanos, reuniram-se a Coordenadora de Recursos Humanos [...], o Chefe da Divisão de Administração de Recursos Humanos [...], a Chefe da Seção de Aposentadorias e Pensões [...], o Chefe da Seção de Pagamentos [...], juntamente com as servidoras MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT [...] e Maria Luiza da Silva [...], para que desse ciência às mesmas de que havia sido verificado o pagamento da pensão indevida, e solicitamos que as mesmas se manifestassem no sentido de terem ou não conhecimento das ocorrências acima citadas. 6 – Em princípio, as mesmas disseram desconhecer a ocorrência de tais fatos, mostrando-se ambas chocadas. Sendo então colocado que a inclusão e alterações de pensão era assunto rotineiro no setor, a servidora MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT [...], de livre e espontânea vontade começou a relatar que a inclusão, bem como as alterações efetuadas posteriormente foram promovidas por ela e com o conhecimento e por proposta da servidora Maria Luiza da Silva [...] para que pudesse amenizar as dificuldades financeiras por que vinha passando, bem como pudesse comprar um imóvel residencial para que pudesse livrar-se do aluguel. Disse ainda que recebia metade dos valores creditados à filha da servidora Maria Luiza da Silva, sra Ana Rita da Silva, sendo que tais valores eram transferidos para sua conta corrente bancária.” (grifamos) Concluiu a comissão processante daquele PAD (35366.002129/99-56), inclusive, que em prova testemunhal os subscritores do referido Termo de Ocorrência, todos superiores mediatos ou imediatos das servidoras envolvidas, confirmaram a confissão espontânea de MARIA FRANCÉLIA na ocasião, tendo-se comprovado que “várias foram as alterações financeiras por ela efetuadas”, que redundaram no pagamento indevido de benefício previdenciário no período de agosto/1997 a abril/1999, com lesão aos cofres públicos (ID 252788130, f. 88/99 e 145, e ID 252788131, f. 22). A confissão espontânea de MARIA FRANCÉLIA naquela oportunidade perante seus superiores restou por estes também confirmada no Juízo criminal (ID 252788131, f. 73) e, igualmente, na instrução do PAD 35366.002258/2004-18 que embasou a presente ação (ID 142352709, f. 41/2). Ainda, ao contrário do alegado, restaram amplamente demonstradas nos autos não somente a ciência, mas a própria aquiescência com a ilicitude praticada em detrimento do erário e consequente locupletamento indevido pelos corréus VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS. Com efeito, os corréus não negaram o recebimento dos valores. Pelo contrário, em depoimento pessoal durante a instrução processual do presente feito, MARLI DOS SANTOS confessou que “conheceu e se tornou amiga (de trabalho) da sra Maria Francélia; [...] que começou a perceber depósitos estranhos em sua conta e que foi informado pela sra Maria Francélia ser aumento de salário; quando os valores se tornaram mais significativos retornou à sra Maria Francélia para indagar do que se tratava e foi informada de que se tratava de valores fraudulentos; que foi aconselhada a não mexer nisso porque senão a depoente e a sra Francélia seriam demitidas [...] que a senhora Maria Francélia disse à depoente que os depósitos fraudulentos realizados na conta da depoente também eram feitos em outras contas e que outros servidores também o faziam [...] dos valores depositados fraudulentamente na sua conta eram repassados à sra Francélia; que o repasse era feito mediante saque em dinheiro e entregue à sra Francélia; que isso se deu durante mais ou menos 4 anos; que não se lembra de quantos benefícios fraudulentos eram depositados na sua conta; [...] que a sra Francélia disse para a depoente que era ela quem tinha concedido os benefícios fraudulentamente [...]” (grifamos - ID 142352713, f. 231/2). Ademais, MARLI DOS SANTOS não apenas recebeu indevidamente dinheiro público em sua conta corrente para posterior divisão com MARIA FRANCÉLIA, como também forneceu os dados pessoais e bancários de seu marido para que este fosse por aquela corré inserido no sistema como beneficiário de pensão previdenciária indevida em prejuízo ao erário. Tais condutas manifestamente proativas da corré MARLI DOS SANTOS não configuram, em absoluto, participação secundária nas práticas ímprobas ora apuradas, como alegado. Quanto ao corréu VLADIMIR RENATO, por sua vez, na tentativa de aparentar licitude aos valores indevidamente recebidos em sua conta bancária, alegou inicialmente que havia feito empréstimos à servidora MARIA FRANCÉLIA, que lhe pagava mensalmente, às vezes, mediante depósitos (23/06/2004 - ID 142352707, f. 16/7). Diante da fragilidade de tal versão, que não justificava os valores que, após indevidamente recebidos, eram parcialmente repassados à MARIA FRANCÉLIA, o próprio corréu alterou suas alegações, aduzindo que as quantias depositadas em sua conta bancária referiam-se a créditos que a corré MARIA FRANCÉLIA tinha a receber de ação judicial e que, por problemas em sua própria conta bancária, teria pedido a VLADIMIR RENATO que os depósitos fossem por este recebidos, com o que anuiu, depois repassando os montantes à colega de trabalho (30/10/2006 – ID 142352707, f. 77/9; ID 142352709, f. 184/5). Não obstante, em Juízo, reiterou ambas as versões, de que teria emprestado dinheiro à MARIA FRANCÉLIA assim como lhe teria emprestado a conta corrente para receber valores decorrentes de ação judicial (ID 142352713, f. 228/30), o que, porém, restou expressamente desmentido pela corré MARIA FRANCÉLIA, em seu depoimento durante a instrução processual desta ação: “não se lembra de ter pedido dinheiro emprestado ao sr Vladimir; que não se recorda de ter recebido valores de precatórios ou de ações judiciais depositados na conta do sr Vladimir” (ID 142352713, f. 225/6). A propósito, afigura-se de todo incompreensível a alegação de que a Justiça não pode efetuar depósitos decorrentes de ação judicial na conta bancária de MARIA FRANCÉLIA, mas o corréu VLADIMIR RENATO pode. O próprio corréu, quando indagado a respeito, não conseguiu explicar tal incongruência (ID 142352707, f. 79). Milita, ainda, em desfavor do corréu o fato de que os valores repassados à MARIA FRANCÉLIA não correspondiam à integralidade dos montantes recebidos em sua própria conta bancária, conforme constatado em sentença penal, mediante quebra de sigilo bancário, cuja prova foi emprestada ao PAD de origem (ID 142352707, f. 64/79; ID 142352707, f. 183 a ID 142352708, f. 8; e ID 142352711, f. 3/46). Ademais, VLADIMIR RENATO declarou por diversas ocasiões, no âmbito administrativo e judicial, que era comum os servidores terem créditos a receber do INSS, inclusive decorrentes de ações judiciais, como já ocorreu com ele próprio, tendo tais créditos sido depositados integralmente em sua própria conta bancária, “concluindo-se, assim, que o ora indiciado é sabedor de procedimentos adotados para recebimentos de valores decorrentes de ações judiciais, ou seja, que a própria Justiça solicita dados cadastrais do servidor interessado, inclusive, conta bancária, onde tais valores só podem ser depositados na própria conta do servidor, não podendo, assim, ser utilizada outra conta se não a do próprio”, como bem observou a comissão processante (ID 142352711, f. 141/2). Neste contexto, a utilização do CPF e senha da servidora MARIA FRANCÉLIA somadas à titularidade das contas bancárias utilizadas para o auferimento de vantagem, com posterior repasse à MARIA FRANCÉLIA de parte dos valores indevidamente recebidos por VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS comprovam a efetiva cooperação e conluio entre os corréus para consecução da fraude perpetrada contra o INSS. O recebimento consciente de benefícios previdenciários indevidos em suas contas bancárias foi determinante para o engodo que provocou dano aos cofres públicos por anos”.
7. Neste cenário, ainda que não tenha havido, ao final, alteração no padrão econômico e social dos corréus, o ato de auferir dolosamente vantagem patrimonial indevida com prática de ações por MARIA FRANCÉLIA, permitida e facilitada pelo exercício do cargo que ocupava perante a autarquia previdenciária, configura enriquecimento ilícito em prejuízo ao erário, constituindo os atos ímprobos previstos nos artigos 9º e 10, LIA.
8. Destacou-se, a propósito, que: “Assim, ainda que as condutas de VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS dentro de tal esquema engendrado para favorecimento dos corréus em detrimento do erário não tenham sido praticadas no exercício ou em razão do cargo que ocupavam junto à autarquia previdenciária, respondem todos eles, em comum, por todos os atos ímprobos praticados pelo grupo, nos termos do artigo 3º da Lei 8.429/1992 (“Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”). Também, ainda que aleguem VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS que repassavam integralmente a outra corré os benefícios indevidamente creditados em suas contas bancárias, resta de qualquer forma configurada a prática por eles de ato ímprobo, pois agiram com a finalidade específica de obter proveito, se não próprio, em favor de MARIA FRANCÉLIA, bem como de causar dano ao erário”.
9. Logo, sem razão o corréu VLADIMIR RENATO ao tentar se esquivar da configuração do ato ímprobo previsto no artigo 9º, LIA e, consequentemente, das sanções aplicáveis, inclusive o ressarcimento do dano para o qual concorreu.
10. No quadro externado a partir do que consta dos autos, diante da gravidade dos fatos, grau de reprovabilidade das condutas, a extensão do dano e do proveito patrimonial obtido, e observando o entendimento fixado no ARE 843.989, Tese 1.199/STF, cumpre manter as penalidades de multa civil no valor do dano ao erário, suspensão dos direitos políticos por oito anos, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por cinco anos, nos termos do artigo 12, LIA, tal como fixado e fundamentado pela sentença aos réus, todas muito aquém do máximo legal e, inclusive, do pleiteado na inicial, sem, pois, violação à razoabilidade ou proporcionalidade.
11. Quanto à integral reparação do dano, com esteio no artigo 12, caput, da Lei 8.429/1992, já havia consignado o acórdão embargado que: “O valor total do prejuízo provocado pelos réus aos cofres públicos por pagamentos de benefícios previdenciários indevidos restou regularmente apurado e devidamente atualizado, com especificação dos critérios utilizados, em procedimento de tomada de contas especial (ID 252788109 a ID 252788125), em trâmite inicialmente no âmbito do próprio INSS e depois do Tribunal de Contas da União, atingindo o montante total de R$ 6.543.341,29 até 30/10/2010, dos quais R$ 2.946.180,83, em valores atualizados, correspondiam apenas à parcela apurada em desfavor de VLADIMIR RENATO (ID 252788110, f. 3/198), muito distante da quantia irrisória defendida pelo corréu em apelação. Ao contrário do alegado, inclusive, verifica-se em tal procedimento que foram devidamente considerados e subtraídos do montante a restituir ao erário os valores inicialmente já ressarcidos mediante desconto em folha de pagamento dos corréus VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS até as respectivas demissões (ID 252788110, f. 72/117 e f. 158/81). Assiste, porém, razão a VLADIMIR RENATO e MARLI DOS SANTOS quando alegaram que a condenação fixada não observou a individualização do dano provocada por cada um, pois, de fato, não restou comprovado nos autos que MARLI tenha se beneficiado ou contribuído para recebimento indevido de valores por VLADIMIR, nem que este tenha sido beneficiado ou contribuído para recebimento indevido de valores por MARLI, não podendo haver, pois, solidariedade entre tais réus para pagamento do total do prejuízo causado ao INSS. Cumpre, pois, neste ponto adequar o ressarcimento fixado em sentença, ao que efetivamente recebeu e participou cada corréu, conforme especificado na exordial, cabendo, assim, a: VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES, em solidariedade com MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, restituir ao erário o valor R$ 2.946.180,83, atualizado até 30/10/2010; MARLI DOS SANTOS, em solidariedade com MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, restituir ao erário o valor R$ 3.597.160,46, atualizado até 30/10/2010; e MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT, somente, responder pelo dano integral ao erário, em solidariedade com os demais corréus nas proporções acima delineadas”.
12. Tal individualização do dano patrimonial, para reparação da lesão ao erário, atende à proporcionalidade, considerando a extensão da conduta infracional praticada por cada corréu. Conforme exposto, restou comprovado nos autos que apenas parte dos valores indevidamente recebidos por MARLI DOS SANTOS e VLADIMIR RENATO eram repassados a MARIA FRANCÉLIA, e, ainda que assim não fosse, MARLI DOS SANTOS e VLADIMIR RENATO cooperaram ativamente para que MARIA FRANCÉLIA lograsse vantagem indevida em detrimento do erário, sendo, pois, devida a condenação de todos os réus à reparação do dano, na extensão das respectivas responsabilidades. MARIA FRANCÉLIA restou condenada ao ressarcimento integral do dano apurado na presente ação, em solidariedade com cada um dos outros corréus na parte que lhes cabe, porque, segundo extraído dos autos, praticou condutas que deram causa aos valores indevidamente recebidos tanto por MARLI DOS SANTOS quanto por VLADIMIR RENATO, sem comprovação, porém, de que estes tenham se beneficiado ou contribuído para o montante que o outro indevidamente recebeu.
13. Sobre a impugnação de VLADIMIR RENATO quanto ao valor do dano a ser ressarcido, a tabela, cujos valores somam pouco mais de noventa mil reais, foi mencionada na inicial da presente ação de improbidade administrativa com expressa referência ao quadro constante da denúncia da ação penal 0008728-19.2005.4.03.6181, sem, porém, adotar tal montante como sendo o total da lesão patrimonial ao erário provocada pelo embargante para efeito do ressarcimento pleiteado, tanto que na mesma página da exordial reproduziu-se outro quadro extraído da auditoria do INSS, no qual constam como valores indevidamente recebidos por VLADIMIR RENATO “CR$ 1.821.600,41 R$ 330.037,49 (1994 a 1998)”, muito além, portanto, dos invocados noventa mil reais. Não obstante, a inicial da ação indicou capítulo específico de“individualização do dano causado”, adotando expressamente valores apurados em Tomada de Contas Especial, cujo procedimento, aliás, foi integralmente anexado à inicial, permitindo ampla defesa desde o início da ação. Daí porque considerou o acórdão embargado válido o montante ali apurado, a partir dos valores originais dos benefícios indevidamente auferidos, atualizados conforme critérios devidamente especificados, sem lograr o embargante apresentar qualquer alegação ou prova robusta para infirmá-los.
14. Embargos de declaração de VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES e de MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHMIDT rejeitados, e acolhidos os do Ministério Público Federal e parcialmente acolhidos os de MARLI DOS SANTOS para afastar prescrição intercorrente, negar provimento à apelação de MARIA FRANCÉLIA DA SILVA SCHIMIDT e à remessa oficial, tida por submetida, e dar parcial provimento às apelações de VLADIMIR RENATO DE AQUINO LOPES e de MARLI DOS SANTOS apenas para individualizar o dano ao erário a ser ressarcido por cada corréu e excluir a imposição de verba honorária.