APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005838-50.2015.4.03.6119
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: GUTOMAQ EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA
Advogados do(a) APELANTE: CAIO SPINELLI RINO - SP256482-A, PLAUTO SAMPAIO RINO - SP66543-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, RCS ADMINISTRACAO DE IMOVEIS LTDA - EPP
Advogado do(a) APELADO: SANDRA REGINA COMI - SP114522-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005838-50.2015.4.03.6119 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: GUTOMAQ EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA Advogados do(a) APELANTE: AYRTON BUCCELLI JUNIOR - SP202054-A, CAIO SPINELLI RINO - SP256482-A, PLAUTO SAMPAIO RINO - SP66543-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, RCS ADMINISTRACAO DE IMOVEIS LTDA - EPP Advogado do(a) APELADO: SANDRA REGINA COMI - SP114522-A OUTROS PARTICIPANTES: [ialima] R E L A T Ó R I O Apelação interposta por Gutomaq Equipamentos Industriais Ltda. contra sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento da nulidade da arrematação realizada nos autos da Execução Fiscal n. º 0002826-53.2000.4.03.6119, bem como fixou os honorários advocatícios em R$ 2.000,00, nos termos dos artigos 20, §4º, do CPC/73 e 85, §3º, do CPC (Id 123613305, p. 26/30). Aduz (Id 123613305, p. 32/40 e 123613306, p. 01) que: a) de acordo com o artigo 6º da Lei n.º 11.101/2005, a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica suspensão do curso da prescrição e das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário; b) a falência da empresa Simetra Têxtil Ltda. foi decretada em 24.04.2000, de modo que arrematação dos imóveis pela empresa RCS Administração de Imóveis Ltda., ocorrida em 25.11.2010, é nula c) dado a natureza originária da arrematação judicial não é aplicável a regra dos artigos 1227 e 1245 do Código Civil, segundo os quais a transferência dos bens imóveis ocorre mediante registro do título translativo no Registro de Imóveis; d) na forma do artigo 694 do CPC/73, a arrematação se torna perfeita e irretratável após a assinatura do auto pelo juiz, independentemente de registro notarial; e) o registro imobiliário da arrematação nas respectivas matrículas dos imóveis é mera formalidade que não ilide o direito à propriedade originário da decisão transitada em julgado; f) a arrematação ocorreu nos autos do processo de falência da empresa Simetra Têxtil Ltda., que, de acordo com o artigo 7º do Decreto-Lei n. º 7.661/45 e 76 da Lei n. º 11.101/05, concentra todos os credores e promove a satisfação dos créditos com o produto das alienações realizadas; g) o Ministério Público Estadual, em manifestação ofertada na ação de falência, invocou a aplicação do artigo 52 do Decreto-Lei n. º 7.661/45 e 192 da Lei n. º 11.101/05, que dispõe sobre a nulidade de qualquer negócio que envolva os bens da falida dentro do pedido de suspeição; h) a demora entre a arrematação e a expedição da carta foi motivada pelo pagamento parcelado e pela morosidade do processo falimentar. Em contrarrazões (Id 123613306, p. 05/08 e 12/28), a União e a empresa RCS Administração de Imóveis Ltda. requereram o desprovimento do recurso. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005838-50.2015.4.03.6119 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: GUTOMAQ EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA Advogados do(a) APELANTE: AYRTON BUCCELLI JUNIOR - SP202054-A, CAIO SPINELLI RINO - SP256482-A, PLAUTO SAMPAIO RINO - SP66543-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, RCS ADMINISTRACAO DE IMOVEIS LTDA - EPP Advogado do(a) APELADO: SANDRA REGINA COMI - SP114522-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O I – Dos fatos Ação proposta por Gutomaq Equipamentos Industriais Ltda. contra a União e RCS Administração de Imóveis Ltda. com vista à declaração de nulidade da arrematação dos lotes 09 e 10, da quadra C-1, da zona residencial de Cumbica, registrados no 1º Cartório de Registro de Imóveis de Guarulhos sob os números 24.717 e 72.234 realizada nos autos da Execução Fiscal n. º 0002826-53.2000.4.03.6119. Para melhor compreensão da questão, faço uma breve exposição dos fatos, tais como apresentados no feito: a) a decretação da falência da empresa Simetra Têxtil Ltda. ocorreu em 24.04.2000, nos autos do processo n. º 224.01.1995.010290-5, com a arrematação dos imóveis pela recorrente, em 10.12.2003. Posteriormente, os bens foram objeto de contrato de cessão de direitos e obrigações realizado com a empresa Mackdiz Comércio de Autopeças Ltda. em 27.07.2005; b) em 07.02.1997, foi ajuizada ação executiva n.º 0002826-53.2000.403.611 contra Simetra Têxtil Ltda., para a cobrança do débito inscrito sob o número 80.2.96.039504-87, na qual foi realizada a penhora dos mesmos imóveis, em 08.08.1998, arrematados por RCS Administração de Imóveis Ltda., em 25.11.2010. II – Da nulidade da arrematação Cinge-se a questão ao reconhecimento da nulidade da arrematação dos imóveis nos autos da Execução Fiscal n. º 0002826-53.2000.403.6119. Da análise dos autos observa-se que a Execução Fiscal n.º 0002826-53.2000.403.6119 foi ajuizada contra Simetra Têxtil Ltda. em 07.02.1997 e a penhora realizada em 08.08.1998, antes, portanto, da decretação da quebra, ocorrida em 24.04.2000, nos autos do Processo n.º 224.01.1995.010290-5. Não obstante a apelante tenha arrematado os imóveis em 02.02.2004 no processo falimentar, a carta de arrematação somente foi expedida em 04.05.2011, enquanto na ação executiva o bem foi arrematado em 25.11.2010 e registrado perante o 1º Cartório de Registro de Imóveis de Guarulhos em 06.04.2011. Sobre a arrematação ensina Humberto Theodoro Junior (in Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Editora Forense. 2003, p. 226/227) que: é ato processual de transferência coativa que se aperfeiçoa, no caso dos bens imóveis, com a expedição da carta de arrematação, que é o instrumento que se destina à transcrição no registro imobiliário. Observa-se, portanto, que não obstante o disposto no artigo 694 do CPC/73, a carta de arrematação serve apenas como título de aquisição, sem a transmissão do domínio, pois, nos termos dos artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, a propriedade é adquirida apenas com o registro do título translativo no registro de imóveis. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015. DUPLICIDADE DE ARREMATAÇÕES DE IMÓVEIS. REGISTRO DO TÍTULO AQUISITIVO. NECESSIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO SINGULAR QUE NEGOU PROVIMENTO AO ARESP. CONTESTAÇÃO DA PARTE AUTORA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE NÃO VIOLADO. (...) 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, havendo duplicidade de arrematações sobre o mesmo imóvel em juízos distintos, aquele que promover primeiramente o registro do título aquisitivo adquire o respectivo domínio. Precedentes. 4. Agravo interno não conhecido. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.071.530/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 04.05.2020, destaquei). CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO E JUSTIÇA ESTADUAL. DUAS ARREMATAÇÕES SOBRE UM ÚNICO IMÓVEL. REGISTRO. I - A carta de arrematação é o título de domínio, mas este só se transfere com o registro daquela no Cartório de Registro de Imóveis. II - Havendo duas arrematações sobre o mesmo bem imóvel, a carta de arrematação que primeiro for registrada definirá qual será o Juízo competente para decidir eventuais demandas possessórias. Conflito conhecido, declarando-se competente o Juízo comum. (CC n. 105.386/RN, Segunda Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 08.09.2010, destaquei). Relativamente ao trâmite do processo falimentar, cumpre destacar que, de acordo com os artigos 6º, §7º, e 76, da Lei n.º 11.101/2005 e 187 do Código Tributário Nacional, a execução fiscal não se sujeita ao concurso de credores ou habilitação, mantendo-se, pois, a sua autonomia e curso independente. É certo, por outro lado, que, consoante jurisprudência pacificada desta Turma e do STJ (CC nº 193459), se a executada estiver em recuperação judicial ou em processo de falência, a constrição, venda, bloqueio de valores ou quaisquer atos que impliquem diminuição do patrimônio sejam submetidos ao juízo falimentar ou da recuperação, a fim de que delibere sobre seu cabimento. No caso dos autos, todavia, a quebra foi decretada há mais de vinte e três anos e o processo já foi encerrado. Assim, não é o caso de aplicar o referido entendimento jurisprudencial, porquanto a situação fática não se amolda, dado que não há mais utilidade nem possibilidade de que haja manifestação ou concordância daquele juízo. Por fim, as questões relativas aos demais dispositivos mencionados no recurso, artigos 52 do Decreto-Lei n. º 7.661/45 e 192 da Lei n. º 11.101/05, não interferem nesse entendimento pelos motivos já indicados. III – Do dispositivo Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:
Peço vênia para divergir, na medida em que a autonomia da execução fiscal não exclui a competência universal do Juízo Falimentar prevista pelo artigo 109, I, da CF, de modo que as alienações levadas a efeito por outro Juízo são consideradas válidas apenas se forem autorizadas pelo Juízo Universal. Nesse sentido:
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 193459 - RS (2022/0381227-0)
DECISÃO
Trata-se de conflito de competência suscitado pela Massa Falida de Metalúrgica Bassano Ltda e Bassano Alumínio Ltda, com pedido de liminar, em face do Juízo de Direito da 1ª Vara Judicial de Nova Prata/RS e do Juízo da Vara do Trabalho de Nova Prata/RS.
Afirmam ter sido decretada a falência das empresas, em 4.10.2021, pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Empresarial de Salvador/BA, sendo que, por isso, "diante das disposições dos arts. 76, 22, inciso III, alínea "s" e 108, §3º, todos da Lei n.º 11.101 (LREF), postulou-se, nos autos da reclamatória trabalhista, em 14/11/2022, pela remessa ao Juízo Universal da falência dos valores oriundos da venda direta dos imóveis da Falida depositados judicialmente" e que haviam sido objeto de alienação no Juízo da Vara do Trabalho de Nova Prata/RS.
Aduzem que, contudo, o Juízo trabalhista "indeferiu o pedido entabulado pela Administração Judicial da Massa Falida, ao sustentar, precipuamente, que os bens já haviam sido expropriados da falida antes da decretação da quebra, em que pese os pagamentos tenham ocorrido após, motivo pelo qual não integravam mais o patrimônio da Massa Falida e deverão ser repassados aos credores, proporcionalmente, tendo em vista que os débitos trabalhistas são superiores ao montante arrecadado".
Entendem que, ao assim proceder, o Juízo laboral pretende instaurar um verdadeiro concurso de credores no âmbito da reclamatória coletiva, bem como entende ser o competente para gerenciar valores de ativos pertencentes à Massa Falida, ficando clara a configuração de conflito positivo de competência entre o Juízo Universal da falência (1ª Vara Judicial de Nova Prata/RS) e a Vara do Trabalho de Nova Prata/RS, nos termos do art. 951 do CPC.
Pedem a concessão de liminar que determine a suspensão da execução trabalhista, sem a liberação dos valores lá arrecadados com a vendas dos bens das empresas, bem como que seja declarada a competência do Juízo universal para dispor sobre os valores apurados.
Assim postos os fatos, verifico que, no tocante à competência para a realização de atos de constrição de bens ou valores da empresa em recuperação judicial, esta Corte entende que, "com a edição da Lei 11.101/05, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o juízo universal para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais (...)" (CC 110941/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Segunda Seção, DJe 1º/10/2010).
Esse entendimento é reforçado pelo disposto no artigo 6º, incisos II e III, da Lei n. 11.101/205, com a redação dada pela Lei n. 14.112/2020, no qual está expresso que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, relativas a créditos ou obrigações sujeitas à recuperação judicial ou à falência (inciso II), bem como a "proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência" (inciso III).
Desse modo, são, pois, incompatíveis com o processo de falência os atos de execução proferidos por outros órgãos judiciais, conforme já havia se firmado o entendimento desta Corte.
Nesse sentido são, entre outros, os seguintes acórdãos:
AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA - SOCIEDADE EMPRESÁRIA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL - FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO - PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA - AUSÊNCIA DE REPASSES FINANCEIROS - INEXISTÊNCIA DE ATO CONSTRITIVOS EM FACE DE PATRIMÔNIO DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL - INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
1. O Superior Tribunal de Justiça é competente para o conhecimento e processamento do presente conflito negativo de competência, pois apresenta controvérsia acerca da competência entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do que dispõe o artigo 105, I, "d", da Constituição Federal.
2. A orientação pacífica da Segunda Seção caminha no sentido de ser o Juízo onde se processa a recuperação judicial, o competente para examinar o eventual prosseguimento de atos de constrição/expropriação que incidam sobre o patrimônio de sociedade em processo falimentar ou de recuperação judicial.
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3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no CC 172.338/AL, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/08/2021, DJe 25/08/2021) AGRAVO INTERNO NO CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PARCERIA AGRÍCOLA. PEDIDO DE RETOMADA DE IMÓVEL ARRENDADO. AVALIAÇÃO QUANTO À ESSENCIALIDADE DO BEM. COMPETÊNCIA DO JUÍZO RECUPERACIONAL. PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, compete ao juízo da recuperação judicial a análise acerca da essencialidade do bem para o êxito do processo de soerguimento da empresa recuperanda, ainda que a discussão envolva ativos que, como regra, não se sujeitariam ao concurso de credores.
AGRAVO INTERNO PROVIDO. ESTABELECIDA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO EM QUE SE PROCESSA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
(AgInt no CC 159.799/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/06/2021, DJe 18/06/2021) AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
JUSTIÇA LABORAL. ATOS EXECUTÓRIOS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL.
ART. 76 DA LEI N. 11.101/2005. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Os atos de execução dos créditos individuais e fiscais promovidos contra empresas em recuperação judicial, devem ser autorizados ou realizados pelo Juízo do soerguimento até o trânsito em julgado da sentença que encerra a recuperação judicial.
2. A razão de ser da supremacia dessa regra de competência é a concentração, no Juízo da recuperação judicial, de todas as decisões que envolvam o patrimônio da recuperanda, inclusive os valores objeto de constrição no juízo trabalhista, ainda que posteriores à recuperação ou mesmo os créditos extraconcursais, a fim de não comprometer a tentativa de mantê-la em funcionamento.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no CC 175.296/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 30/03/2021, DJe 07/04/2021) AGRAVO INTERNO EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA EM PROCESSO DE FALÊNCIA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. DETERMINAÇÃO DE PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DA FALÊNCIA. ATO DE CONSTRIÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL.
1. A jurisprudência da Segunda Seção firmou-se no sentido de que não cabe a outro Juízo, que não o da Recuperação Judicial ou da Falência, ordenar medidas constritivas do patrimônio de empresa sujeita à recuperação judicial ou à falência.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no CC 149.897/GO, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021) Verifico que, no presente caso, foi, de fato, decretada a falência das suscitantes pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Judicial de Nova Prata/RS (fls. 14/22), se ndo que o Juízo da Vara do Trabalho de Nova Prata/RS, nos autos de execução coletiva em que foi concretizada a venda de bens das empresas, entendeu que, "tendo ocorrido a venda e sua perfectibilização antes da decretação da falência, por meio de um ato complexo", os valores depositados pertencem aos exequentes trabalhistas vinculados ao presente feito, "assim como os depósitos que se seguiram e se seguirão até o adimplemento total, não remanescendo afetados pela sentença judicial de decretação de falência, pois, repito, o bem vendido já não pertencia ao patrimônio da executada quando da decretação de sua falência (04.10.2021), haja vista a data da homologação da venda ser anterior à essa (23.09.2021), logo, o produto, advindo dele, não deve submeter-se ao juízo universal da massa falida, ainda que venha a ser pago em momento posterior à decretação da falência" (fl. 58).
Tal entendimento, contudo, não está em harmonia com a jurisprudência desta Corte no sentido que nos casos onde já tenha ocorrido o praceamento de bens da recuperanda ou da massa falida, anteriormente ao deferimento do pedido de recuperação judicial ou do decreto de quebra, não há que se falar em nulidade da arrematação perfeita e acabada, sendo certo, contudo, que a administração do numerário arrecadado compete ao Juízo universal.
Em face do exposto, defiro a liminar, determinando que o Juízo da Vara do Trabalho de Nova Prata/RS, nos autos da execução relacionada nos autos, se abstenha da liberação dos valores remanescentes arrecadas com a venda dos bens, designando, conforme disposto no art. 955 do Código de Processo Civil, o Juízo de Direito da 1ª Vara Judicial de Nova Prata/RS para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes.
Os valores depositados deverão ficar à disposição do Juízo da Falência que decidirá sobre a sua liberação.
Comunique-se o inteiro teor desta decisão aos Juízos suscitados, a quem devem ser solicitadas informações (art. 954 do Código de Processo Civil).
Em seguida, após recebidas as respostas, ouça-se o Ministério Público Federal."
(STJ, CC 193459, Rel. Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, j. 07/12/2022, DJe 13/12/2022 - destaquei)
Com efeito, a questão acerca da impossibilidade de aplicação da jurisprudência ao caso concreto diante do encerramento do processo falimentar perde relevância, seja porque o imóvel já havia sido alienado anteriormente pelo MM. Juízo universal, com a incorporação dos valores pagos pelo apelante no monte mor, seja porque o processo falimentar ainda estava em curso na data da alienação do imóvel pelo Juízo da Execução Fiscal, e ausente a comunicação da praça, de rigor o reconhecimento da nulidade da alienação.
Portanto, ainda que o processo falimentar esteja encerrado, e não estava no momento da alienação pelo Juízo da Execução Fiscal, entendo que a carta de arrematação levada a registro não possui validade jurídica, pois expedida em razão de ato nulo, praticado com usurpação da competência do Juízo Universal.
Pelo exposto, dou provimento à apelação, reformando-se a r. sentença, invertendo-se os ônus da sucumbência.
É como voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. DUPLICIDADE DE ARREMATAÇÕES DE IMÓVEIS. EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO FALIMENTAR. REGISTRO DO TÍTULO AQUISITIVO. RECURSO DESPROVIDO.
- Não obstante o disposto no artigo 694 do CPC/73, a carta de arrematação serve apenas como título de aquisição, sem a transmissão do domínio, pois, nos termos dos artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, a propriedade é adquirida apenas com o registro do título translativo no registro de imóveis. Precedentes do STJ.
- Relativamente ao trâmite do processo falimentar, cumpre destacar que de acordo com os artigos 76 da Lei n.º 11.101/2005 e 187 do Código Tributário Nacional, a execução fiscal não se sujeita ao concurso de credores ou habilitação, mantendo-se, pois, a sua autonomia e curso independente.
- Apelação desprovida.