Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004704-62.2017.4.03.6104

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO - SP357110-A, EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004704-62.2017.4.03.6104

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO - SP200353-A, EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI, em face de sentença de parcial procedência prolatada pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Santos/SP, que, condenou o réu pela prática dos crimes dos artigos 273, § 1º-B, incisos III e V, e 334, § 1º, incisos III e IV, ambos do Código Penal.

Narra a denúncia (ID 155251407):

"Consta do incluso inquérito policial, que, no dia oito de agosto de 2017, bem como em datas anteriores (não esclarecidas), PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI, na qualidade de fornecedor de mercadorias e real sócio-proprietário e administrador da rede de lojas TRANCE GAMES/MOBILE e ELEGANCE PERFUMES, localizadas no município de Santos/SP (cinco estabelecimentos abaixo indicados), de forma livre e voluntária, mediante mais de uma ação, adquiriu, forneceu, expôs à venda e manteve em depósito, no exercício de atividade comercial, diversas mercadorias de procedência estrangeira sem comprovação de sua importação regular, vale dizer, desacompanhada de qualquer documentação legal, e que sabia se tratarem de produtos de introdução clandestina no território nacional ou importação fraudulenta, iludindo tributos federais na monta de R$324.,081,80 (trezentos e vinte e quatro e oitenta e um reais e oitenta centavos - fis. 772/774), bem como forneceu, expôs a venda e manteve em depósito, cosméticos (perfumes e cremes) sem as características de identidade admitidas para sua comercialização e de procedência ignorada.

1 - DO CONTEXTO FÁTICO

As presentes investigações foram originadas de denúncias efetuadas no âmbito do GAECO/MPE/STS, informando sobre um esquema de distribuição de mercadorias e cosméticos descaminhados , e ainda quanto ao segundo, sem observância das normas estabelecidas pela ANVISA, mediada pelo proprietário da rede de lojas TRANCE GAMES/MOBILE e ELEGANCE PERFUMES, PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI.

Conforme apurado, após reiteradas diligências efetuadas pela Polícia Federal em cada uma das 5 (seis) (SIC) lojas da rede TRANCE GAMES/MOBILE e ELEGANCE PERFUMARIA, constatou-se que em todas elas eram comercializadas mercadorias estrangeiras (celulares, videogames, eletrônicos diversos, etc) sem comprovação da regular importação e cosméticos estrangeiros (perfumes e cremes) sem as características demandadas pela ANVISA e de procedência ignorada, com a consequente ausência da emissão de notas fiscais. Além disso, apurou-se que figurava como real proprietário e fornecedor das mercadorias o denunciado PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI (fls. 36/39; fls. 44/46; fls 49/50 fl. 55 e 518/519).

Por conseguinte, após a devida representação pela autoridade policial (Autos de n. 0003455-76.2017.403.6104), foram cumpridos 5 (cinco) mandados de busca e apreensão com apoio técnico da Alfândega da Receita Federal do Porto de Santos/SP nas seguintes lojas da mencionada rede TRANCE GAMES/MOBILE, a saber: a) Rua Amador Bueno, nº 96 - Loja 5, Centro, Santos/SP (fls. 63/71); b) Rua Marcilio Dias nº 27 - loja 6, Gonzaga, Santos/SP (fls. 72/83); c) Rua Marechal Floriano Peixoto, nº 67 — Loja 30c, Galeria AD Moreira, Gonzaga Santos/SP (fls. 84/94); d) Rua Marechal Floriano Peixoto, nº 67, lojas 11 e 12, Galeria AD Moreira, Gonzaga, Santos/SP (fls. 105/114); e e) Rua Oswaldo Cruz, nº 319 - Loja 57, Boqueirão, Santos/SP (fls. 95/104).

Após a constatação e retenção das mercadorias encontradas, a RFB instaurou os seguintes procedimentos administrativos fiscais atinentes aos produtos apreendidos em cada estabelecimento fiscalizado: PAF 11128.723668/2017-65, PAF 11128.723394/2017-12, PAF 11128.723771/2017-13, PAF 11128.720596/2018-85 e PAF 11128,723441/2017-10. Todas as apurações no âmbito fiscal resultaram na aplicação da pena de perdimento dos bens em decorrência da ausência de comprovação da regularidade da importação (mídia de fl. 590).

No ponto, impende destacar que no bojo dos referidos procedimentos fiscais foram apresentadas algumas notas fiscais em nome de uma suposta empresa fornecedora das mercadorias apreendidas denominada ALEX SANDRO SATURNINO DAMASCENO.

Diante disso, após a realização de diversas diligências pela RFB a fim de apurar a regularidade dessas notas, verificou-se que a referida empresa nunca possuiu habilitação para operar no comércio exterior (fls. 9 e 10, PAF 11128.723771/2017-13 contido na mídia de fl. 590), bem como nenhuma nota fiscal de saída foi emitida por qualquer outra empresa que tivesse como destinatário da nota a empresa questionada (fl. 11, idem). Ademais, conforme termo de constatação fiscal de diligência in foco, o domicílio informado pela referida empresa no cadastro da RFB é inexistente (fls. 198/201, idem), fato que evidencia claramente tratar-se de uma empresa de “fachada”, cuja existência tem única finalidade de ludibriar o fisco acerca da ilicitude das importações das mercadorias estrangeiras.

Assim, no tocante à materialidade delitiva, as provas coligidas aos autos, como as mercadorias apreendidas e os respectivos laudos periciais fiscais, merceológicos e químicos e a ausência da comprovação de regular importação, demonstram claramente a prática, mediante 5 (cinco) ações distintas em cada estabelecimento comercial, das condutas tipificadas no art. 334, 81º, incisos III e IV e art. 273, 1º-B, incisos III e V, na forma do art. 69, todos do Código Penal, conforme será melhor delimitado a seguir.

Outrossim, com base nos contratos de locação de todos os estabelecimentos comerciais em questão e de diversos depoimentos colhidos, resta demonstrado que a autoria delitiva das condutas descritas recai sobre PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI, o qual, diretamente, adquirindo e fornecendo mercadorias descaminhadas para serem comercializadas nas lojas fiscalizadas, bem como por intermédio de terceiros, inclusive familiares, usados para figurarem como sécios-proprietários “laranjas” dessas lojas, armazenou, expôs à venda e vendeu mercadorias estrangeiras introduzidas clandestinamente em território nacional ou produtos de importação fraudulenta, bem como praticou as mesmas condutas em relação aos cosméticos (perfumes e cremes descritos nos laudos periciais anexos), sem as características de identidade admitidas pela ANVISA e de procedência ignorada.

2 - DELIMITAÇÃO DAS CONDUTAS

Passa-se a delimitar todas as condutas perpetradas por PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI nos cinco estabelecimentos abaixo indicados, mediante idêntico modus operandi, consistente em colocar “laranjas” como sócio-proprietários na rede de estabelecimentos comerciais que criou por volta de 2010, para, então, fornecer-lhes, bem como armazenar e expor à venda, produtos eletrônicos e cosméticos indevidamente importados, iludindo diversos tributos federais.

Constata-se, ainda, que PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI criou uma empresa denominada URSINI ASSESSORIA EIRELI que tinha ligação com todas as referidas lojas, visando unicamente passar a falsa impressão de licitude nas transações de fornecimento das mercadorias estrangeiras a elas.

Com efeito, de acordo com as diligências efetuadas com o fim de apurar a propriedade das lojas, restou comprovado que PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI era o real administrador que tratava de todos assuntos financeiros dos respectivos estabelecimentos com os locadores, figurando ainda como locatário dos imóveis onde estavam instaladas algumas lojas, além de ter sido apontado como sendo a pessoa que abastecia as lojas com as mercadorias descaminhadas (segundo diversas declarações de funcionários e dos sócios formais dos locais ).

Registre-se que todas as mercadorias estrangeiras apreendidas não tinham comprovação da regular importação e eram comercializadas em todas as lojas, tratando-se de aparelhos eletrônicos e cosméticos (cremes e perfumes), os quais foram submetidos a exames fiscal, pericial merceológico e, em relação aos cosméticos, químico.

Passa-se agora a descrever a apreensão das mercadorias em cada um dos cinco estabelecimentos mantidos e abastecidos pelo denunciado.

2.1 - RUA AMADOR BUENO, 96 - Loja 5, Centro, Santos/SP (TRANCE GAMES COMÉRCIO DE INFORMÁTICA E ELETRÔNICOS LTDA). (Fato 1)

A perícia merceológica nº 610/2017 (fls. 411/413 e anexo 414/514) atestou que as mercadorias examinadas da loja em referência são de procedência estrangeira, com exceção do item nº 299. Não foi comprovada a importação lícita desses produtos, ensejando a pena de perdimento dos bens no âmbito fiscal (PAF 11128.723771/2017-13), ficando consignada, ainda, a ilusão de R$ 52.483,06 (cinquenta e dois mil quatrocentos e oitenta e três reais e seis centavos) a título de tributos federais devidos.

As mercadorias qualificadas como cosméticos, por sua vez, de acordo com a perícia química nº 635/2017 (fls. 307/319), com exceção dos itens 3, 24 e 29, não apresentam as informações da empresa detentora nacional e, além disso, os itens 4, 7, 10, 15, 16, 17, 18, 19, 23, 26 e 30, não figuram nos sistemas de consulta notificação de autorização prévia perante a ANVISA.

O sócio formal do estabelecimento, HENRIQUE BERNARDO DA SILVA, declarou que, na época dos fatos, “comprou a loja em 2016/2017”, sendo “que a marca TRANCE GAMES é uma rede de conhecidos que compram esta marca de PAULO URSINI”. Na época em que prestou as declarações estava empregado na empresa TRANCE GAMES, com carteira assinada desde novembro de 2018 (fls. 663/665).

Outrossim, conforme informação nº 34/2018 (fis. 518/519), após análise do contrato de locação do endereço em comento (fls.520/525), O locador “NOVOS RUMOS PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA” afirmou que em referência à loja 5, muito embora conste HENRIQUE BERNARDO DA SILVA como locatário, todos os assuntos financeiros e administrativos são tratados com PAULO URSINI.

2.2 - RUA MARCÍLIO DIAS, 27 - Loja 6, Gonzaga, Santos/SP. (Fato 2)

A perícia merceológica nº 80/2018 (fis. 376/411) atestou que as mercadorias examinadas da loja em referência são estrangeiras, com exceção dos itens nº 226 a 230. No âmbito fiscal (PAF 11128.720596/2018-85), não foi comprovada a importação lícita desses produtos, ensejando a pena de perdimento de bens, ficando consignada, ainda, a ilusão de R$46.395,11 (quarenta e seis mil e trezentos e noventa e cinco reais e onde centavos) a título de tributos federais.

As mercadorias qualificadas como cosméticos, por sua vez, de acordo com a perícia química nº 203/2018 (fls. 567/588), com exceção dos itens 5, 13, 14, 36 a 39, 41, 59 e 60, não apresentam as informações da empresa detentora nacional e, além disso, os itens 6, 12, 18 a 28, 42, 51, 54 e 57 não figuram nos sistemas de consulta notificação de autorização prévia perante a ANVISA.

O formal proprietário da empresa, VIRGILIO ALMEIDA CARDOSO NETO, declarou que supostamente comprou a loja de PAULO URSINI (fis. 740/742).

Outrossim, conforme informação nº 34/2018 (fls. 518/519), em contato com o locador do imóvel onde se situa o estabelecimento, adquiriu-se a cópia de locação onde PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI figura como locatário (fls. 531/541).

2.3 — RUA MARECHAL FLORIANO PEIXOTO, 67 - Loja 30C, Galeria AD Moreira, Gonzaga, Santos/SP (ELEGANCE PERFUMES) (Fato 3)

A perícia merceológica nº 629/2017 (fls. 180/188 e anexo até 254) atestou que as mercadorias examinadas da loja em referência são estrangeiras, com exceção dos itens de nº 148 a 184, No âmbito fiscal (PAF 11128.723668/2017-65), não foi comprovada a importação lícita desses produtos, ensejando a pena de perdimento de bens, ficando consignada, ainda, a ilusão de R$126.927,32 (cento e vinte e seis mil e novecentos e vinte e sete reais e trinta e dois reais) a título de tributos federais devidos na importação.

As mercadorias qualificadas como cosméticos, por sua vez, de acordo com a perícia química nº 646/2017 (fls. 348/360), complementado pela informação técnica nº 023/2019 (fis. 770), com exceção dos itens 20 e 33, não apresentam as informações da empresa detentora nacional e, além disso, os itens 11 a 13, 22, 31 e 32 não figuram nos sistemas de consulta de notificação de autorização prévia perante a ANVISA.

MARIA DO SOCORRO DA SILVA, formal proprietária da loja e mãe do acusado, declarou que todas as mercadorias da loja ELEGANCE PERFUMES “eram compradas pela declarante e por seu filho PAULO URSINI na cidade de São Paulo”, bem como que o administrador de fato da loja era o seu filho (fis. 663/664).

Outrossim, consoante a informação nº 34/2018 (fls. 518/519), a administração da galeria onde se situa a loja em questão informou que a loja é locada para a mãe de PAULO URSINI. Cópia do contrato de locação às fls. 562/566.

2.4 - RUA MARECHAL FLORIANO PEIXOTO, 67 - Loja li e 12, Galeria AD Moreira, Gonzaga, Santos/SP (FRANCO COMÉRCIO DE ELETRÔNICOS LTDA.) (Fato 4).

A perícia merceológica nº 649/2017 (fls. 321/328 e anexo até 347) atestou que as mercadorias examinadas da loja em referência são estrangeiras, com exceção do item nº 7. No âmbito fiscal (PAF 11128.723441/2017-10), não foi comprovada a importação licita desses produtos, ensejando a pena de perdimento de bens, ficando consignada, ainda, a ilusão de R$56.939,77 (cinquenta e seis mil e novecentos e trinta e nove reais e setenta e sete centavos) a titulo de tributos federais devidos na importação.

As mercadorias qualificadas como cosméticos, por sua vez, de acordo com a perícia química nº 650/2017 (fls. 361/366), não apresentam as informações da empresa detentora nacional.

A formal proprietária da loja, CLEIDE FRANCO, narrou que no ano de 2016, PAULO URSINI procurou-lhe para poder investir em um determinado “negócio” de vendas de produtos de informática, que seria gerido por ele. Ademais, declarou que “todas as compras eram realizadas por PAULO URSINI que mensalmente lhe passava uma parcela dos lucros (fls. 763/764). Restou delineado ainda que o acusado era amigo intimo de LEANDRO FRANCO, filho da declarante, que trabalhou nas lojas TRANCE GAMES/SHOP.

Outrossim, a informação nº 34/2018 (fls. 518/519) complementada pela informação nº 194/2018 (fl. 549), trouxe a notícia de que o proprietário da loja seria Luis Canzian, que teria alugado o espaço (boxes 11 e 12) do denunciado PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI.

Ainda, neste endereço foi apreendido um computador. Após deferido pelo juizo o pedido de extração de dados contidos neste aparelho (fis. 160/162), constatou-se a existência de arquivos digitais nomeados como “URSINI ASSESSORIA EM INFORMÁTICA EIREILE”, “PAULOURSINI-PC”; “PROJETOURSINLtxt”, conforme fls. 165/167 ( as informações estão acostadas na mídia digital de fl. 168).

2.5 — RUA OSWALDO CRUZ, 319 - Loja 57, Galeria Super Centro Boqueirão, Boqueirão, Santos/SP, (Fato 5)

A perícia merceológica nº 632/2017 (fls. 255/261 e anexo até 306) atestou que todas as mercadorias examinadas da loja em referência são estrangeiras. No âmbito fiscal (PAF 11128.723394/2017-12), não foi comprovada a importação lícita desses produtos, ensejando a pena de perdimento de bens, ficando, ainda, consignada a ilusão de R$41.336,54 (quarenta e um mil e trezentos e trinta e seis reais e cinquenta e quatro centavos) a título de tributos federais devidos na importação.

As mercadorias qualificadas como cosméticos, por sua vez, de acordo com o laudo químico nº 646/2017 (fis. 348/360), complementado pela informação técnica nº 023/2019 (fls. 770), com exceção dos itens 25 e 26, não apresentam as informações da empresa detentora nacional e, além disso, o item 18 não figura nos sistemas de consulta notificação de autorização prévia perante a ANVISA.

O formal proprietário da loja deste tópico, ANTÔNIO RENATO FARIAS JÚNIOR, afirmou que o contrato de locação do estabelecimento e as linhas telefônicas e sites cadastrados estavam em nome de PAULO URSINI, bem como eram confeccionados relatórios de venda e repassados para o denunciado (fls. 725/727). A informação técnica nº 34/2018 (fls. 518/519) e a cópia do contrato de locação do estabelecimento acostada às fls. 526/530 sustentam tais alegações [...]."

Ao final, o Ministério Público Federal denunciou PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI como incurso no art. 334, § 1º, incisos III e IV, e art. 273, § 1º-B, incisos III e V, mediante 5 (cinco) ações, na forma do art. 69, todos do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 30 de setembro de 2019 (ID 155251578).

Após regular instrução, sobreveio sentença de parcial procedência da pretensão punitiva deduzida na denúncia, para condenar o réu como incurso no artigo 273, § 1º-B, incisos III e V, e no artigo 334, § 1º, incisos III e IV, ambos do Código Penal, à pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 331 (trezentos e trinta e um) dias-multa, calculados à razão de 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades filantrópicas ou assistenciais, a serem definidas pelo juízo da execução penal, e em prestação pecuniária, no valor de 30 (trinta) salários mínimos, a ser pago a instituição pública ou privada, com destinação social, na forma da Resolução nº 154-CNJ. Por fim, o réu foi condenado ao pagamento das custas processuais, e foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade.

A sentença foi publicada em 11 de dezembro de 2020 (ID 155251852).

A defesa interpôs recurso de apelação (ID 155251857). Em suas razões recursais, pugna, preliminarmente, pelo reconhecimento da inépcia da denúncia, sob o argumento de que a peça exordial acusatória deixou de mencionar “os fatos com todas suas circunstâncias”. No mérito, busca a absolvição das duas imputações, sustentando a ausência de provas da autoria e do dolo. Aponta que o apelante somente prestava assessoria empresarial para as empresas onde foram apreendidas as mercadorias, auxiliando na implementação das lojas, na orientação de funcionários, na montagem de vitrines e na indicação de alguns fornecedores, sendo que a assessoria não abrangia a compra de mercadorias. Alega que o réu desconhecia a origem das mercadorias apreendidas, tendo o fornecedor apresentado notas fiscais dos itens vendidos, tanto que “foram compradas do fornecedor Alex Sandro Saturnino Damasceno, inscrito no CNPJ 20.943.570/0001-22, o qual forneceu notas fiscais dos itens vendidos”. Defende que o apelante não poderia conhecer eventual origem obscura das mercadorias, nem se as notas seriam “frias”, pois não possui conhecimento específico, nem meios para tal averiguação. Sustenta a atipicidade da conduta relativamente ao crime do art. 273, § 1º-B, incisos III e V, do Código Penal, sob o argumento de que a fere o princípio da proporcionalidade a inserção de cosméticos e perfumes como objeto material do crime previsto no artigo 273 do Código Penal, pois a conduta não ofende a saúde pública, uma vez não demonstrado que os perfumes e cosméticos apreendidos sejam prejudiciais à saúde humana. Subsidiariamente ao pedido de absolvição, requer a desclassificação da conduta para o delito do art. 190, inc. II, da Lei 9.279/1996 (ID 157223804).

A Procuradoria da República em Santos deixou de ofertar contrarrazões (ID 158113964).

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo parcial provimento do recurso de apelação defensivo (ID 158788486).

A defesa de PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI requereu a declaração da nulidade do julgamento realizado pela Décima Primeira Turma na sessão de 12 de maio de 2022, já que deixou de ser intimada para tal ato (ID 257929054). O Ministério Público se manifestou favoravelmente à anulação (ID 258726565).

A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu acolher os embargos, para declarar a nulidade do julgamento realizado em 12 de maio de 2022, devendo haver inclusão do processo em nova pauta de julgamento.

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004704-62.2017.4.03.6104

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO ZANESCO MARINETTI KNIELING GALHARDO - SP200353-A, EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI - SP127964-A, PATRICK RAASCH CARDOSO - SP191770-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

V O T O

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de apelação penal interposta pela defesa de PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI contra sentença que condenou o réu pela prática dos crimes definidos no artigo 273, § 1º-B, incisos III e V, e no artigo 334, § 1º, incisos III e IV, ambos do Código Penal, que dispõe:

"Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; 

V - de procedência ignorada; 

Art. 334.  Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria 

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. 

§ 1o  Incorre na mesma pena quem:  

III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; 

IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos."

Da preliminar de inépcia da denúncia

A defesa Fabiano suscita, em sede de preliminar, o reconhecimento da inépcia da denúncia, ao argumento de que a inicial acusatória não descreveu “os fatos com todas suas circunstâncias”.

A preliminar não comporta acolhimento.

A denúncia expôs os elementos de convicção que a embasaram, narrando satisfatoriamente a conduta delituosa, com descrição precisa dos fatos e das circunstâncias constitutivas do tipo penal, a qualificação do acusado e a classificação do crime, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, fazendo-se alusão expressa à prova da materialidade delitiva.

Nesse sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

INQUÉRITO. ACUSADOS NÃO DETENTORES DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO. PRECEDENTES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. PRELIMINAR REJEITADA. REALIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMO COM SUPOSTA INOBSERVÂNCIA ÀS NORMAS ADMINISTRATIVAS DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA ESTADUAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 1º, VIII, XX E XXIII, DO DECRETO-LEI 201/1967. REALIZAÇÃO OU ORDENAÇÃO DE DESPESA EM DESACORDO COM AS NORMAS FINANCEIRAS PERTINENTES. EXPEDIÇÃO DE ORDEM DE SERVIÇO ANTES DA EMISSÃO DO EMPENHO RESPECTIVO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. 1. Cabe apenas ao próprio tribunal ao qual toca o foro por prerrogativa de função promover, sempre que possível, o desmembramento de inquérito e peças de investigação correspondentes, para manter sob sua jurisdição, em regra, apenas o que envolva autoridade com prerrogativa de foro, segundo as circunstâncias de cada caso (Inq 3.515 AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe de 14.3.2014), ressalvadas as situações em que os fatos se revelem de tal forma imbricados que a cisão por si só implique prejuízo a seu esclarecimento (AP 853, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 22.5.2014), o que não ocorre no caso. Deferimento do desmembramento do processo quanto aos não detentores de foro por prerrogativa de função. 2. Não é inepta a denúncia que descreve, de forma lógica e coerente, os fatos em tese delituosos e as condutas do agente, com as devidas circunstâncias, narrando clara a precisamente a imputação, segundo o contexto em que inserida. Rejeição da preliminar em questão. 3. A realização de empréstimo com suposta não observância das normas administrativas da Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina - BADESC não configura os crimes previstos art. 1º, VIII, XX e XXIII, do Decreto-Lei 201/1967, uma vez que o enquadramento nas condutas descritas nesses tipos penais demanda afronta, pelo Prefeito, à disposição de lei em sentido estrito. 4. A documentação acostada aos autos não demonstra, sequer de forma indiciária, a prática, pelo acusado, do delito previsto no art. 1º, V, do Decreto-Lei 201/1967, porquanto, segundo consta, ele não figurou como ordenador das despesas em questão. Da mesma forma, não se encontra presente o liame subjetivo que o vincule a tal conduta. 5. Denúncia rejeitada quanto ao acusado João Paulo Karam Kleinübing.

(STF - Inq 41 07, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 25/10/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 09-11-2016 PUBLIC 10-11-2016) (grifo nosso)

Recurso ordinário em habeas corpus. Denunciação caluniosa (art. 339, c/c o art. 29, CP). Advogado. Exercício do mandato. Coautoria. Admissibilidade. Precedente. Ação penal. Trancamento. Descabimento. Denúncia lastreada em provas idôneas. Desnecessidade de conclusão do inquérito policial para a formação da opinio delicti do Ministério Público. Impossibilidade de se revolverem fatos e provas em sede de habeas corpus para aferição de justa causa. Denúncia. Inépcia. Não ocorrência. Descrição mínima dos fatos e de suas circunstâncias. Inexistência de ilegalidade flagrante. Recurso não provido. 1. O trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada somente quando constatada, de plano e manifestamente: i) a inépcia da denúncia; ii) a atipicidade da conduta; iii) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou iv) a presença de alguma causa extintiva da punibilidade. 2. Na espécie, a denúncia encontra lastro razoável nas provas dos autos e descreve suficientemente o fato criminoso e suas circunstâncias, que, em tese, se subsumem no crime descrito no art. 339, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, de modo a possibilitar ao recorrente o amplo exercício do direito de defesa. [...]

(RHC 129043, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 04/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 25-10-2016 PUBLIC 26-10-2016) (grifo nosso)

Não pode ser considerada inepta a denúncia que descreve, de forma satisfatória e objetiva, os elementos necessários à instauração da ação penal, em atenção ao que dispõe o art. 41, do CPP, possibilitando, ainda, o exercício do contraditório.

(STJ - AgRg no REsp: 1402330 SC 2013/0303518-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 10/06/2014, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2014).

Assim, não se vislumbra qualquer prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, tendo sido os fatos criminosos e as condutas ilícitas em tese praticadas pelo réu suficientemente relatados e descritos, consoante preceituado no artigo 41 do Código de Processo Penal.

Desta feita,  rejeito a aventada preliminar.

Da Materialidade

A materialidade delitiva do delito de descaminho foi demonstrada pelos Autos Circunstanciados de Busca e Apreensão (ID 155251409, pp. 78/81, ID 155251409, pp. 92/96, ID 155251411, pp. 05/08, ID 155251411, pp. 16/20), pelos Autos de Apreensão (ID 155251409, pp. 85/86, ID 155251409, p. 97, ID 155251411, p. 09, ID 155251411, p. 21), pelos Termos de Lacração, Intimação e Retenção de Mercadorias e Veículo (ID 155251409, pp. 73/75, ID 155251409, pp. 87/89, ID 155251409, p. 98, ID 155251411, pp. 01/02, ID 155251411, pp. 10/13, e ID 155251411, pp. 22/23), pelos laudos periciais (nº 629/2017 - ID 155251415, pp. 05/111 e ID 155251419, pp. 01/20; nº 635/2017 - ID 155251419, pp. 21/33; nº 649/2017 - ID 155251419, pp. 35/61; nº 646/2017 - ID 155251419, pp. 62/74; nº 650/2017 - ID 155251419, pp. 75/80; nº 80/2018 - ID 155251406, pp. 91/115 e ID 155251422, pp. 01/15; nº 610/2017 - ID 165251422, pp. 16/120; nº 203/2018 - ID 155251425, pp. 65/86), e pelos Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0817800/05205/18 (ID 155251515, pp. 03/42), nº 817800/03066/58 (ID 155251550, pp. 91/144), nº 0817800/30994/17 (ID 155251552, pp. 05/36), nº 0817800/34223/17 (ID 155251568, pp. 25/96), nº 0817800/35027/17 (ID 155251573, pp. 29/49 e ID 155251574, pp. 01/49).

Os Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal registram que as mercadorias apreendidas nas lojas das Ruas Amador Bueno, Marcílio Dias, Oswaldo Cruz e Avenida Marechal Floriano Peixoto têm procedência estrangeira, e estavam desacompanhadas de documentação comprobatória de sua importação regular.

Os documentos elaborados pela Receita Federal também indicam que as notas fiscais apresentadas pelas empresas eram "inidôneas, confeccionadas para burlar o fisco". Isto porque tais notas remetiam à empresa ALEX SANDRO SATURNINO DAMASCENO (CNPJ: 20.943.570/0001-22), a qual não possuía habilitação para operar no comércio exterior, e, portanto, não poderia ser importadora das mercadorias estrangeiras constantes nas notas fiscais de venda emitidas para as empresas. Tampouco foram localizadas notas fiscais de saída emitidas por qualquer empresa, tendo como destinatário a empresa ALEX SANDRO SATURNINO DAMASCENO (CNPJ: 20.943.570/0001-22).

Além disso, a empresa que emitiu as notas fiscais não possuía nenhum funcionário registrado, não auferia receita bruta entre os anos de 2016 e 2017, e o endereço de seu cadastro era inexistente.

Em uma das apreensões, a empresa autuada apresentou diversas notas fiscais emitidas posteriormente à realização da diligência policial. Assim, as notas fiscais apresentadas não comprovam a regularidade da importação.

Os exames periciais realizados atestam a procedência estrangeira da maior parte das mercadorias, e seus valores praticados no mercado formal. A Receita Federal do Brasil informou que o valor total em tributos federais iludidos (considerando-se o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre a Importação) foi de R$ 273.486,76 (duzentos e setenta e três mil, quatrocentos e oitenta e seis reais e setenta e seis centavos) (ID 155251486, pp. 115/117), restando comprovada a materialidade delitiva do crime de descaminho.

No que tange a materialidade do crime previsto no artigo 273 do Código Penal, o magistrado sentenciante registrou que "foi apreendida grande quantidade de produtos enquadrados no grau 1 (um) da Resolução RDC nº 211/2005 da ANVISA (cosméticos), que não cumprem a exigência da Resolução RDC nº 343/2005 da ANVISA, uma vez que não foram localizados os processos de notificação autorizado perante a ANVISA, exigência imposta para a comercialização dos produtos em território nacional". 

Todavia, não é o que se verifica dos laudos periciais.

Em primeiro lugar, necessário destacar que o réu foi denunciado e condenado, pela importação dos perfumes e cosméticos, como incurso no artigo 273, § 1º-B, incisos III e V, do Código Penal. Pela fundamentação transcrita acima, contudo, constata-se que a correta capitulação jurídica seria aquela prevista no artigo 273, §§ 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal (sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente).

Os peritos federais consignaram que todos os cosméticos são classificados como grau 1 (condicionadores, xampus, etc), no qual, para serem regularizados, prescindem de registro na ANVISA. A empresa apenas deve cadastrar eletronicamente as informações sobre o produto no banco de dados da Anvisa. Os produtos grau 2, por sua vez, devem ser obrigatoriamente registrados, sendo, portanto, submetidos à análise técnica prévia e, se aprovados, recebem o número de registro, publicado em DOU, e que deve ser estampado no rótulo do produto.

Ao final dos laudos, a conclusão pericial foi de que “Todos os itens devem ter um processo de notificação autorizado perante a Anvisa; contudo, são isentos de registro, uma vez que são classificados como grau 1.”

Assim, uma vez que os produtos são isentos de registro, a condenação não pode ser feita com fundamento no artigo 273, §§ 1º-A e 1º-B, inciso I, do Código Penal.

Entretanto, os laudos observaram que havia produtos classificados como cosméticos de procedência ignorada, bem como cosméticos que não apresentavam informações da empresa nacional detentora, descumprindo a Resolução RDC 343, de 13 de dezembro e 2005, da ANVISA.

Assim, por fundamento diverso daquele apontado pelo magistrado a quo, entendo que resta demonstrada a materialidade da conduta prevista no artigo 273, §§ 1º-A e 1º-B, incisos III e V, do Código Penal.

Em que pese a defesa sustente a atipicidade da conduta relativamente ao crime do art. 273 do Código Penal, os peritos federais averiguaram que parte dos produtos apreendidos se enquadra no § 1º-A, que equipara a produto destinado a fins terapêuticos e medicinais os cosméticos. 

Os peritos federais estabeleceram o conceito de cosmético como "produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo, tais como pós faciais, talcos, cremes de beleza, creme para as mãos e similares, máscaras faciais, loções de beleza, soluções leitosas, cremosas e adstringentes, loções para as mãos, bases de maquilagem e óleos cosméticos, ruges, "blushes", batons, lápis labiais, preparados antissolares, bronzeadores e simulatórios, rímeis, sombras, delineadores, tinturas capilares, agentes clareadores de cabelos, preparados para ondular e para alisar cabelos, fixadores de cabelos, laquês, brilhantinas e similares, loções capilares, depilatórios e epilatórios, preparados para unhas e outros (artigo 5º, inciso V da Lei nº 6.360/1976).". Por fim, registrou-se que "Neste grupo incluem-se também os perfumes”.

Assim, em que pese o inconformismo defensivo, os laudos periciais enquadraram os produtos analisados como cosméticos, com base nos dados dos princípios ativos, indicações de uso, alegações terapêuticas, dentre outros elementos contidos nas embalagens.

A defesa também requer a desclassificação da conduta prevista no artigo 273 do Código Penal para aquela prevista no artigo 190, II, da Lei nº 9.279/96, segundo o qual comete crime contra registro de marca quem importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque  produto de sua indústria ou comércio, contido em vasilhame, recipiente ou embalagem que contenha marca legítima de outrem.

O pedido não merece prosperar, pois os laudos periciais registraram não terem sido observados vestígios de falsificação ou adulteração dos itens encaminhados a exame, não tendo sido produzida qualquer evidência neste sentido. 

Da autoria e do dolo no delito de descaminho 

A autoria delitiva restou comprovada pela prova testemunhal, pelo interrogatório do acusado, e pela prova documental. 

O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os produtos foram apreendidos como pela prova oral produzida.

O réu declarou em sede investigativa  (ID 155251425, pp. 100/102) que é empresário no ramo de assessoria para lojistas por meio da empresa URSINI ASSESSORIA EIRELI. Narra que, por volta de 2010, abriu uma loja chamada TRANCE GAMES, na Rua Amador Bueno, 96, loja 5, no centro de Santos/SP, para venda de eletrônicos em geral. Dois anos depois, expandiu seu negócio, abrindo uma filial na Rua Marcílio Dias, 27, loja 6, Gonzaga, Santos/SP. Devido ao sucesso da loja, passou a ser procurado por outras pessoas com a mesma marca TRANCE. Por ter conhecimento sobre a montagem e gerência de lojas, passou a assessorar pessoas nesta empreitada. As lojas a serem montadas por terceiros passariam a operar sob o nome Trance. Inclusive as duas lojas anteriormente mencionadas foram passadas para tais terceiros. Sob o nome TRANCE, auxiliou na implementação das lojas localizadas na Rua Amador Bueno, 96, loja 5, Centro, Santos/SP; na Rua Marcílio Dias, 27, loja 6, Gonzaga, Santos/SP, na Rua Oswaldo Cruz, 319, loja 57, Santos/SP, e na Marechal Floriano, 67, lojas 11 e 12, Galeria A D Moreira, Santos/SP. Também auxiliou sua mãe, Maria do Socorro da Silva, na implementação da loja localizada na Rua Marechal Floriano, 67, loja 30-C, Santos/SP, a qual opera sob o nome Elegance Perfumaria e Presentes.

Declarou que, com exceção da loja de sua mãe, cobrava mensalmente de seus clientes R$ 5.000,00. Não se recorda em que ano, mas vendeu a loja na Rua Amador Bueno, 96, loja 5, Santos/SP, para pessoa com prenome Kaíque. Este passou a loja para Henrique Bernardo da Silva, que a mantém até hoje. Declarou manter relação profissional de assessoria com Henrique. 

Vendeu a loja localizada na Rua Marcílio Dias, 27, loja 6, Santos/SP a Virgílio Almeida, prestando assessoria para ele até os dias de hoje. Em relação à loja localizada na Rua Oswaldo Cruz, 319, loja 57, Santos/SP, foi procurado por Renato Farias Júnior, que tinha interesse em montar uma loja de eletrônicos sob o nome Trance, o que foi feito. Inicialmente cobrou R$ 10.000,00 mensais, e hoje recebe R$ 5.000,00 mensais. Em relação à loja da Rua Marechal Floriano, 67, lojas 11 e 12, Galeria AD Moreira, Santos/SP, assessorou na montagem para Cleide Franco Gomes, recebendo R$ 5.000,00 mensais pela assessoria.

Explicou que a assessoria consiste na orientação das demandas de mercado, notadamente tendências de vendas de produtos. Também auxilia na orientação dos funcionários, inclusive na área técnica. Auxilia também na montagem de vitrines, porém não fornece qualquer tipo de mercadorias para seus assessorados, apenas indica eventuais fornecedores para compra de produtos. Os perfumes e cosméticos encontrados na loja da Rua Marechal Floriano, 67, loja 30C, Santos/SP foram comprados diretamente por sua mãe na Galeria Mundo Oriental, centro de São Paulo/SP. Disse não saber sobre os perfumes e cosméticos encontrados em outras lojas.

Alegou que os contratos de alugueis das lojas da Rua Marcílio Dias, 27, loja 6, da Rua Oswaldo Cruz, 319, loja 57, da Rua Marechal Floriano, 67, lojas 11 e 12, encontram-se em seu nome pois isto facilitaria a cobrança dos honorários de assessoria. Assim, caso seus clientes não pagassem, ficaria mais fácil retirá-los das lojas. Disse que os pagamentos dos honorários de assessoria são realizados em espécie.

Afirmou que possui contrato formal de assessoria com seus clientes, inclusive com emissão de notas. Possui uma loja de sua propriedade e gerência, localizada na Rua João Ramalho, 815, lojas 1, 2 e 3, em São Vicente/SP, que opera sob a marca Trance. Também possui uma filial desta loja na Rua Marechal Floriano Peixoto, 29, lojas 1, 2 e 3, Santos/SP. Sua mãe possui uma filiar da loja Elegance localizada na Rua Amador Bueno, 96, lojas 11 e 12, Santos/SP, sob assessoria não remunerada dele.

Em juízo, o acusado reiterou suas alegações. Disse que, na época, não era proprietário das empresas, porém posteriormente adquiriu todas. Alegou que prestava assessoria aos proprietários, e ajudava em tudo. Disse que conhecia equipe responsável pelo gesso, pelos móveis, e que auxiliava a montar a loja, indicava fornecedores, dentre outras coisas (ID's 155251826 a 155251830).

Em que pese as alegações de PAULO e o fato de que as lojas não estivessem em seu nome, extrai-se do conjunto probatório que elas lhe pertenciam de fato, e que alguns funcionários, sua ex-namorada e outros figuravam como proprietários "de fachada".

Com efeito, Karina de Castro Silva, que trabalhou na rede de lojas TRANCE GAMES e/ou TRANCE SHOP entre junho de 2015 e outubro de 2016, depôs em sede investigativa, recordando que naquele período havia cinco estabelecimentos comerciais com o nome TRANCE GAMES. Esclareceu que não trabalhava em uma das lojas de maneira fixa, revezando entre elas. As lojas estavam localizadas na Rua Amador Bueno, número 96, loja 05, na Rua Marcílio Dias, 27, loja 06, na Rua Oswaldo Cruz, 319, e na Rua Marechal Floriano, 67, 30-C. Apontou que o real proprietário e administrador de todas essas lojas era PAULO ROBERTO DA SIILVA URSINI, que colocava as lojas em nome de "laranjas", a fim de evitar problemas jurídicos. Afirmou que PAULO era o responsável pelas compras e abastecimento das lojas. Respondeu que Henrique Bernardo da Silva foi um dos primeiros vendedores de PAULO na rede TRANCE, tornando-se posteriormente seu gerente geral. Wellington Martins Rosalino da Silva era vendedor da loja. Virgílio Almeida foi um dos primeiros vendedores de PAULO na rede trance Shop. Recorda-se que PAULO sempre passava no final do dia nas lojas para fazer o fechamento do caixa, e passava durante o dia nas lojas para abastecê-las com produtos eletrônicos. Disse que recebia seu salário diretamente de PAULO, em dinheiro, e acrescentou que a contratação de funcionários para as lojas sempre era feita pelo acusado, sendo que às vezes Henrique fazia uma primeira entrevista. Fhyama Ileck de Assunção Florentino trabalhou como gerente da loja da Rua Marcílio Dias, e foi ex-namorada de PAULO (ID 155251486, pp. 14/15).

No mesmo sentido foi o depoimento de Larissa de Almeida da Silva (ID 155251486, pp. 17/18). Declarou que trabalhou na rede de lojas chamada TRANCE GAMES e/ou TRANCE SHOP, entre junho e novembro de 2016, e também revezava entre as cinco lojas apontadas no depoimento de Karina. Afirmou que PAULO ROBERTO DA SIILVA URSINI era o real proprietário e administrador de todas essas lojas, porém, a fim de evitar problemas com fiscalização, colocava o nome de funcionários ou de parentes para figurarem como proprietários no contrato social. Disse que já buscou mercadoria com PAULO no centro de São Paulo/SP, notadamente acessórios para celular e videogames. Após sair da rede de lojas, soube que PAULO transformou a loja da Rua Marechal Floriano, 67, 30C em uma loja de perfumes chamada ELEGANCE, também administrada por ele. Disse que os "braços direitos" de PAULO eram Henrique Bernardo da Silva e Wellington Martins Rosalindo da Silva. Detalhou que Henrique possui a função de supervisor de todas as lojas, sendo que, na ausência de PAULO, fica encarregado da gestão da rede de lojas. Respondeu que Fhyama Ileck de Assunção Florentino fora namorada de PAULO e figurava como proprietária de uma das lojas TRANCE GAME/SHOP, porém de fato a loja era de PAULO. A testemunha reiterou suas declarações em juízo (ID's 155251824 e 155251825).

Kayke Martins Berndt, por sua vez, declarou ter trabalhado na rede de lojas TRANCE GAMES/SHOP por cerca de dois anos, entre 2012 e 2014. Apontou que o proprietário da TRANCE SHOP, na época em que trabalhou lá, era PAULO URSINI. Cerca de um mês depois de começar a trabalhar na Trance Shop, foi admitido outro vendedor, chamado Henrique Bernardo da Silva. Depois de certo tempo, Henrique ficou como gerente da loja da Amador Bueno, e Kayke ficou como gerente da loja da Marílio Dias. Disse que Wellington Martins Rosalino da Silva era vendedor da loja.  Virgílio de Almeida Neto era vendedor das lojas de PAULO URSINI, e depois tornou-se gerente da loja da Marcílio Dias. Fhyama Ileck de Assunção Florentino era namorada de PAULO e tornou-se gerente da loja da Rua Marcílio Dias, de propriedade de PAULO.

Kayke disse recordar-se que PAULO fez uma reunião com seus funcionários, na qual o réu disse que as lojas iriam ficar no nome de alguns dos empregados. Relata que PAULO obrigou-os a fornecerem documentos e assinarem os atos constitutivos da empresa. Recorda-se que chegou a assinar alguns documentos, mas não sabe dizer se alguma empresa foi aberta em seu nome. Disse que PAULO trazia em seu carro todos os eletrônicos que seriam vendidos nas lojas, em caixas e sem notas fiscais. O depoente disse que trabalha atualmente nas proximidades de lojas da rede TRANCE, e sempre vê PAULO nas lojas.

Fhyama Ileck de Assunção Florentino também foi ouvida em sede investigativa, e declarou que namorou PAULO de 2012 a 2016. Afirmou que PAULO sempre foi o proprietário de todas as lojas da rede TRANCE SHOP, sendo que nos contratos sociais das lojas figuravam outras pessoas, inclusive ela. A loja da Rua Marcílio Dias, 27, sempre foi de PAULO, sendo que este lhe pediu que figurasse como formal proprietária da loja. Gerenciou a loja para ele até junho de 2016. Geraldo Vieira Neto era amigo de PAULO. Henrique Bernardo da Silva era funcionário e gerente de uma das lojas de PAULO. PAULO era o comprador das mercadorias, e repunha o estoque das lojas pessoalmente. Welington Martins Rosalino da Silva também era funcionário, e, posteriormente, tornou-se gerente das lojas de PAULO. Virgílio Almeida Cardoso Neto foi funcionário e gerente de uma das lojas TRANCE SHOP, de propriedade de PAULO. Kayke foi gerente de uma das lojas de propriedade de PAULO. Claudete Ileck de Oliveira é sua mãe, e figurou como formal proprietária de uma loja de PAULO, localizada na Galeria AD Moreira, sendo que ela nunca sequer pisou na loja. Quando terminou o relacionamento com PAULO, este transferiu a loja do nome de sua mãe para o nome de outra pessoa (ID 155251486, pp. 68/69). A testemunha reiterou suas declarações em juízo (ID 155251792).

Henrique Bernardo da Silva, que constava como formal proprietário da loja localizada na Rua Amador Bueno, declarou em sede policial que, na época dos fatos, era proprietário da loja TRACE GAMES na Rua Amador Bueno, 96, loja 05. Informou que as pessoas compram a marca TRACE GAMES de PAULO, e recebem assessoria do mesmo nas lojas (ID 155251486, pp. 31/32). Em juízo, detalhou que o serviço de assessoria englobava a indicação de fornecedores e a montagem de vitrines (ID 155251789 ).

Antônio Renato Farias Júnior, formal proprietário da loja localizada na Rua Oswaldo Cruz, esclareceu que montou a loja com a ajuda de PAULO. Ofereceu o investimento inicial, e recebia uma remuneração mensal fixa. Disse que o contrato de locação estava em nome de PAULO, bem como os contratos de linha telefônica, de manutenção de sites, o cadastro de máquinas de pagamento, dentre outros. Além disso, os funcionários também eram indicados por PAULO (ID 155251486, pp. 65/66, e ID 155251790).

Cleide Franco, formal proprietária da loja localizada na Avenida Marechal Floriano Peixoto, nº 67, lojas 11 e 12, afirmou que PAULO lhe procurou com proposta para que ela investisse dez mil reais na loja, e depois de dois meses ela receberia dois mil reais mensais. Disse que não participava de nada na loja, sendo que PAULO cuidava do negócio (ID 155251791).

O Agente de Polícia Federal Roberto Cutina Siqueira declarou em juízo que participou das investigações para apurar o comércio de mercadorias descaminhadas pelas lojas “TRANCE GAMES”, bem como possível pagamento de propina a policiais. Narra que diligenciou em todas as lojas, e apurou que as mercadorias comercializadas não tinham nota fiscal. Constatou que os contratos de locação de todas as lojas tinham ligação com o acusado, e que ele era o responsável por todas as lojas (ID 155251788).

As Informações Policiais que constam do ID 155251411, pp. 43/46, 62 e 82/83 corroboram que PAULO URSINI seria o real proprietário das lojas de nome TRANCE GAMES, bem como o responsável pela compra, venda, realização dos pedidos das mercadorias, e fechamento de caixa. 

Soma-se a isto que o réu figurava como locatário de alguns imóveis onde foram instaladas as lojas, conforme se verifica dos ID's 155251425, pp. 12/16, 155251425, pp. 36/58, e 155251486, pp. 01/02.

Assim, restou comprovado que PAULO ROBERTO DA SILVA URSINI era quem tratava de todos assuntos financeiros dos estabelecimentos nas lojas onde houve busca e apreensão, seu administrador, tendo sido apontado pelas testemunhas como real proprietário, e como quem abastecia as lojas com as mercadorias. 

Não basta a mera alegação de ausência de dolo por desconhecimento da falsidade das noas fiscais para afastar-se a culpabilidade. É necessário perquirir se as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório coadunam-se, de forma consistente, com a versão defensiva. Isso, todavia, não ocorre no caso.

Isto porque o réu é pessoa esclarecida, estando na atividade comercial desde o ano de 2010, não sendo crível que ingenuamente fosse realizar transações com empresa desconhecida, sem antes analisar a situação da mesma. A Receita Federal apontou que a empresa que emitiu as notas não possuía habilitação para operar no comércio exterior, e, portanto, não poderia ser importadora das mercadorias estrangeiras constantes nas notas fiscais de venda emitidas para as empresas. Além disso, a empresa que emitiu as notas fiscais não possuía nenhum funcionário registrado, não auferia receita bruta entre os anos de 2016 e 2017, e o endereço de seu cadastro era inexistente.

Assim, evidencia o dolo do acusado o fato de, conforme registrado pela Receita Federal, as notas fiscais apresentadas serem "inidôneas, confeccionadas para burlar o fisco", e, em especial, que tenham sido apresentadas notas fiscais emitidas posteriormente à realização da diligência policial. 

Deste modo, em que pese a argumentação da defesa, o conjunto probatório demonstra que o acusado tinha plena consciência da inautenticidade das notas fiscais, sendo patente o dolo.

Observo, portanto, que a prova documental, somada à prova testemunhal, demonstra o dolo do acusado nas práticas delitivas. Assim, inconteste que o réu iludiu o pagamento de impostos devidos pela entrada de mercadorias, e vendeu e expôs à venda cosméticos sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização, e de procedência ignorada, ciente de que praticava conduta criminosa, à qual aderiu de forma livre e consciente, tornando induvidosos a autoria delitiva e o dolo.

De rigor, portanto, a manutenção da condenação do réu pela prática dos delitos dos artigos  artigo 273, §§ 1º, 1º-A e 1º-B, incisos III e V, e 334, § 1º, inciso IV, do Código Penal. Passo à dosimetria.

Da dosimetria

Do crime do artigo 273 do Código Penal

Na data de 24 de março de 2021, o C. Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 979.962/RS, apreciou o tema de repercussão geral nº 1.003, firmando a tese de inconstitucionalidade da incidência do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/1998 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no artigo 273, § 1º-B, inciso I, desse diploma legal, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária, repristinando o preceito secundário do aludido artigo, em sua redação original, que previa a pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, por afronta ao princípio da proporcionalidade.

Desse modo, o Plenário aprovou, por maioria, a seguinte tese com repercussão geral:

É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com a redação dada pela Lei 9.677/1998 - reclusão de 10 a 15 anos - à hipótese prevista no seu parágrafo 1º-B, inciso I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do artigo 273, na redação originária - reclusão de um a três anos e multa.

Extrai-se desse julgamento e da tese firmada que o STF reconheceu expressamente a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com a redação dada pela Lei no 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), apenas em relação ao tipo previsto no seu §1º-B, inciso I.

Nesse sentido:

Agravo regimental no habeas corpus. Direito Penal. Condenação pelo delito previsto no art. 273, § 1o-B, incisos I, III e V. Preceito secundário do caput do art. 273 do Código Penal declarado inconstitucional pelo STF quando do julgamento do Tema no 1.003 pela sistemática de repercussão geral, com efeito repristinatório tão somente para a hipótese do inciso I. Reprimenda fixada no caso concreto considerada a pena em abstrato para o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei no 11.343/06). Causa especial de diminuição da pena (§ 4o do art. 33 da Lei no 11.343/06). Pretendida aplicação da fração redutora. Decisão assentada na gravidade concreta da conduta. Quantidade e variedade de substâncias apreendidas que revelam habitualidade na prática delitiva. Legitimidade. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. A declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, caput, do Código Penal, com efeitos repristinatórios, limitou-se à hipótese do inciso I do § 1o-B desse dispositivo. Condenação penal transitada em julgado pela prática do tipo nas condições especificadas não só no inciso I, mas também nos incisos III e V do dispositivo, a inviabilizar a pretendida revisão da dosimetria. 2. Segundo a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a natureza e a quantidade da droga apreendida evidenciam a gravidade concreta da conduta, apta a justificar a não aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei no 11.343/06, em seu grau máximo (RHC no 132.860/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30/5/16). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(HC 202.435/DF AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Dias Toffoli, j. 23.08.2021, DJe-199 DIVULG 05.10.2021 PUBLIC 06.10.2021) (grifo nosso)

Nessa mesma linha já decidiu o STJ:

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CARÁTER MANIFESTAMENTE INFRINGENTE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. NÃO CONHECIMENTO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. TEMA 1003/STF. LIMITE AO INCISO I DO § 1o-B DO ART. 273 DO CP. ALTERAÇÃO DE AÇÕES PENAIS TRANSITADAS EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. REDUÇÃO DA SANÇÃO PENAL. DESCABIMENTO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. CONCURSO FORMAL. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. SOMA DAS PENAS. TEMA CONSTITUCIONAL. IMPROPRIEDADE DA VIA. RECURSO IMPROVIDO.
[...]
5. A declaração de inconstitucionalidade efetuada pelo STF no tema 1003, além de não alcançar ações penais transitadas em julgado anteriormente, refere-se somente ao preceito secundário do inciso I do § 1o-B do art. 273 do CP - importação de medicamento sem registro sanitário, não abrangendo o seu inciso V, relativo a fármaco de procedência ignorada.
[...]
9. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual nego provimento.
(AgRg no AREsp 1258215/SC, Quinta Turma, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, j. 24.08.2021, DJe 30.08.2021) (grifo nosso)

No caso, o acusado incidiu no crime do art. 273, § 1º-B, III e V, do Código Penal. Por isso, não se aplica ao caso a decisão do Supremo Tribunal Federal.

No entanto, considerando a elevada pena aplicada e o regime fixado para o início do seu cumprimento, deve ser adotada a solução encontrada no âmbito do STJ que, por meio de decisão proferida anteriormente ao julgamento da sentença objeto desta revisão (HC 239.363/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26.02.2015, Informativo 559), afastou o preceito secundário da norma, por ser a pena nele cominada - de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão - muito alta e desproporcional, e aplicou a pena prevista para o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).

Essa solução é a mais adequada, visto que, no caso de medicamentos, trata-se de drogas em sentido amplo, tendo o tipo penal, por objetividade jurídica, a saúde pública. Assim, deve ser aplicado o preceito secundário previsto na Lei nº 11.343/2006.

Adotando o entendimento firmado pelo STJ, esta Quarta Seção, no julgamento da Revisão Criminal nº 2017.03.00.002422-1, em 15.03.2018, passou a aplicar o preceito secundário do art. 33 da Lei de Drogas nas condenações relativas ao crime previsto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.

Quanto à dosimetria da pena, no julgamento dos Embargos Infringentes e de Nulidade nº 0001912-51.2007.4.03.6116/SP, esta Quarta Seção decidiu aplicar tanto a majorante do art. 40, I, quanto a minorante do art. 33, § 4º, ambos da Lei nº 11.343/2006. A ementa desse acórdão é a seguinte:

PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CÓDIGO PENAL, ART. 273, § 1º-B. PRECEITO SECUNDÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. HC N. 126.292 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. EMBARGOS INFRINGENTES PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça declarou, em arguição incidental em habeas corpus, a inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo penal do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, em atenção aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade (STJ, AI no HC n. 239.363, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26.02.15).

2. Diante disso, revejo meu entendimento para acompanhar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e assim aplicar, no lugar do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, as penas previstas para o delito de tráfico de drogas, inclusive a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, e as majorantes do art. 40 da Lei n. 11.343/06 (STJ, HC n. 406.430, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 21.09.17; STJ, HC n. 398.945, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.09.17; STJ, AgRg no REsp n. 1.659.315, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15.08.17).

3. Em Sessão Plenária, o Supremo Tribunal Federal, em 17.02.16, firmou o entendimento, segundo o qual "a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal" (STF, HC n. 126.292, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 17.02.16).

4. Em regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (CR, art. 5º, LVII) a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (STF, Repercussão geral em ARE n. 964.246, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.11.16). A 5ª Turma do TRF da 3ª Região decidiu pela expedição de carta de sentença após esgotadas as vias ordinárias (TRF da 3ª Região, ACr n. 2014.61.19.005575-3, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 06.02.17 e TRF da 3ª Região, ED em ACr n. 2013.61.10.004043-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17).

5. A 5ª Turma do TRF da 3ª Região decidiu pela expedição de carta de sentença após esgotadas as vias ordinárias (TRF da 3ª Região, ACr n. 2014.61.19.005575-3, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 06.02.17 e TRF da 3ª Região, ED em ACr n. 2013.61.10.004043-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17).

6. Embargos infringentes parcialmente providos.

Assim, destaco que a dosimetria da pena para os crimes do art. 273 do Código Penal deve levar em conta as sanções abstratamente previstas para o crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, e não apenas a aplicação restrita de seu preceito secundário. Isso porque não se pode, a partir de novo amoldamento da conduta (ao menos para fins sancionatórios, como parece ser a ratio da decisão superior), buscar a aplicação apenas das disposições jurídicas convenientes a uma das partes, mas sim de todo o conjunto de normas atinente ao quadro fático examinado em um caso concreto.

Por isso, amoldando-se a conduta ao art. 33 da Lei 11.343/06, não se tem apenas a aplicação de uma disposição normativa específica, mas de todas as normas penais pertinentes a esse enquadramento jurídico. Interpretação outra implicaria verdadeira negativa de vigência a todas as demais disposições legais pertinentes (como as constantes do art. 40 e do art. 33, § 4º, da Lei 11.343.06), as quais, assumido o enquadramento inicial da conduta como amoldada ao art. 33, caput, da Lei 11.343/06, passam a ser em tese aplicáveis ao caso (se preenchidos os demais requisitos fáticos previstos nesses mesmos enunciados normativos).

Feitas essas observações, procedo à dosimetria da pena.

1ª fase

Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada no mínimo legal, que corresponde a 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, o que resta mantido, tanto por inexistirem fatores a implicarem aumento concreto da reprimenda quanto por não haver recurso ministerial.

2ª fase

Na segunda fase da dosimetria, o e. Magistrado sentenciante reputou presente a atenuante da confissão espontânea, porém manteve a pena no patamar estabelecido na primeira fase, ante o teor da Súmula 231 do STJ, o que resta mantido. 

Assim, neste momento da dosimetria, mantenho a pena no patamar mínimo de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.

3ª fase

Na terceira fase da dosimetria, o magistrado fez incidir a minorante prevista no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, uma vez que o réu é primário, de bons antecedentes, não se dedica às atividades criminosas definidas no caput e no § 1º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, nem integra organização criminosa. Assim, reduziu a pena em 2/3 (dois terços), o que resta mantido.

Deixo de fazer incidir a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, uma vez que não houve recurso ministerial. 

Assim, a pena resta fixada em  1 (um) ano e  8 (oito) meses de reclusão, e em 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.

Do crime do artigo 334 do Código Penal

1ª fase

Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi estabelecida no mínimo legal, devido à ausência de fatores que ensejassem valoração negativa de qualquer das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. Mantenho a pena no mínimo legal, por não haver recurso ministerial.

2ª fase

Na segunda fase da dosimetria, o e. Magistrado sentenciante reputou presente a atenuante da confissão espontânea, porém manteve a pena no patamar estabelecido na primeira fase, ante o teor da Súmula 231 do STJ, o que resta mantido. Assim, neste momento da dosimetria, mantenho a pena no patamar mínimo de 1 (um) ano de reclusão.

3ª fase

Na terceira etapa da dosimetria adoto o entendimento do juiz sentenciante, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena. Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 1 (um) ano de reclusão.

Do crime continuado

Considerando que a autoria do réu pelas práticas delitivas foi comprovada em diversas ocasiões, em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, resta configurado o concurso de crimes na modalidade do art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva).

Desse modo, mantenho a majoração da pena em 1/3, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ, QUINTA TURMA, AgRg no REsp 1169484/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, DJe de 16/11/2012; STJ, SEXTA TURMA, AgRg nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 267.637/SP, REL. MIN. ASSUSETE MAGALHÃES DJe: 13/09/2013).

Sendo assim, fica a pena definitiva atribuída ao réu no total de 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e pagamento de 221 (duzentos e vinte e um) dias-multa, pelo crime do artigo 273, § 1º-B, incisos III e V, do Código Penal, e no total de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, para o crime do artigo 334, § 1º, incisos III e IV, do Código Penal.

Do concurso de crimes

Por derradeiro, o magistrado a quo aplicou a regra do concurso formal próprio (Código Penal, art. 70, primeira parte), incidente quando o agente, através de uma única conduta, pratica dolosamente dois ou mais delitos, resultantes de um mesmo desígnio.

O magistrado aplicou, assim, somente a mais grave das penas cabíveis, aumentada pela metade, perfazendo o total de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e pagamento de 331 (trezentos e trinta e um) dias-multas, sendo cada dia-multa calculado à razão de 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Diante da quantidade de delitos cometidos (dois), entendo que a fração aplicada é superior àquela reconhecida jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, também adotada por esta Corte Regional. Confira-se:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO. SÚMULA 7/STJ. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONCURSO FORMAL. NÚMERO DE INFRAÇÕES. REGIME MAIS GRAVOSO E IMPOSSIBILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
[...]
5. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, a exasperação da pena do crime de maior pena, realizado em concurso formal, será determinada, basicamente, pelo número de infrações penais cometidas, parâmetro este que especificará no caso concreto a fração de aumento, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3. Assim, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações. Precedentes. No caso, considerando a prática de 6 condutas criminosas, correta a elevação da pena a 1/2, com fundamento no art. 70 do CP e na jurisprudência desta Corte.
[...]
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 1910762/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 12/11/2021) (grifo nosso)

Assim, entendo que deva ser aplicada a mais grave das penas cabíveis, aumentada de 1/6 (um sexto), haja vista a prática de duas infrações penais (conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça: STJ, QUINTA TURMA, HC 603.600/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, DJe 14/9/2020;  STJ, SEXTA TURMA, AgRg no AREsp 1776123/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, DJe 26/02/2021; STJ, QUINTA TURMA, AgRg no HC 500.135/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJe 25/06/2019).

Ante o exposto, reduzo, de ofício, a fração de aumento da pena para 1/6 (um sexto), resultando na pena de  2 (dois) anos,  7 (sete) meses e 3 (três) dias de reclusão, e 257 (duzentos e cinquenta e sete) dias-multa.

O valor de cada dia-multa foi fixado em 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tendo em vista o réu ter declarado em juízo auferir rendimentos mensais de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), o que resta mantido.

Do regime inicial de cumprimento da pena

Tendo em vista o quantum da pena fixada, mantenho o regime inicial aberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos

Encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, na medida em que as penas definitivamente aplicadas não são superiores a 4 (quatro) anos, o réu não é reincidente e não ostenta maus antecedentes, e a análise das circunstâncias judiciais indica que a substituição atende aos fins de prevenção e retribuição pelo delito praticado.

O magistrado a quo substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, a entidades filantrópicas ou assistenciais, e em prestação pecuniária, no valor de 30 (trinta) salários mínimos, a ser pago a instituição pública ou privada, com destinação social, na forma da Resolução nº 154-CNJ, o que resta mantido. 

 

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação defensiva, e, DE OFÍCIO, reduzo a fração de aumento da pena pelo concurso formal próprio para 1/6 (um sexto), resultando na pena de 2 (dois) anos,  7 (sete) meses e 3 (três) dias de reclusão, e 257 (duzentos e cinquenta e sete) dias-multa.

É o voto.

 



E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, §1º, INCISOS III E IV, DO CÓDIGO PENAL.  ARTIGO 273, § 1º-B, INCISOS III E V, DO CÓDIGO PENAL. DENÚNCIA. APTIDÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INÉPCIA AFASTADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ARTIGO 190, II, DA LEI Nº 9.279/96. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS DE FALSIFICAÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. ART. 273. TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL 1003. RE Nº 979.962/RS. NÃO APLICAÇÃO. INCISOS III E V DO ARTIGO 273. APLICAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343. MÍNIMO LEGAL. CRIME CONTINUADO. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELO DEFENSIVO IMPROVIDO.

1. O réu foi condenado pela prática dos crimes dos artigos 273, § 1º-B, incisos III e V, e 334, § 1º, incisos III e IV, ambos do Código Penal.

2. A denúncia expôs os elementos de convicção que a embasaram, narrando satisfatoriamente a conduta delituosa, com descrição precisa dos fatos e das circunstâncias constitutivas do tipo penal, a qualificação dos acusados e a classificação do crime, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, fazendo-se alusão expressa à prova da materialidade delitiva. Assim, não se vislumbra qualquer prejuízo à ampla defesa e ao contraditório. Preliminar de inépcia da denúncia rejeitada.

3. A materialidade restou comprovada pelos Autos Circunstanciados de Busca e Apreensão, pelos Autos de Apreensão, pelos Termos de Lacração, Intimação e Retenção de Mercadorias e Veículo, pelos laudos periciais, e pelos Autos de Infração e Termos de Apreensão e Guarda Fiscal. Tais documentos registram que as mercadorias apreendidas têm procedência estrangeira, e estavam desacompanhadas de documentação comprobatória de sua importação regular. A Receita Federal do Brasil informou que o valor total em tributos federais iludidos foi de R$ 273.486,76, restando comprovada a materialidade delitiva do crime de descaminho.

4. No que tange a materialidade do crime previsto no artigo 273 do Código Penal, os laudos observaram que havia produtos classificados como cosméticos de procedência ignorada, bem como cosméticos que não apresentavam informações da empresa nacional detentora, descumprindo a Resolução RDC 343, de 13 de dezembro e 2005, da ANVISA.

5. A defesa também a desclassificação da conduta prevista no artigo 273 do Código Penal para aquela prevista no artigo 190, II, da Lei nº 9.279/96. O pedido não merece prosperar, pois os laudos periciais registraram não terem sido observados vestígios de falsificação ou adulteração dos itens encaminhados a exame, não tendo sido produzida qualquer evidência neste sentido. 

6. A autoria delitiva restou comprovada pela prova testemunhal, pelo interrogatório do acusado, e pela prova documental. Restou comprovado que o acusado tratava de todos assuntos financeiros dos estabelecimentos nas lojas onde houve busca e apreensão, era seu administrador, e abastecia as lojas com as mercadorias. 

7. O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os produtos foram apreendidos como pela prova oral produzida. Evidencia o dolo do acusado o fato de as notas fiscais apresentadas serem "inidôneas, confeccionadas para burlar o fisco", e, em especial, que tenham sido apresentadas notas fiscais emitidas posteriormente à realização da diligência policial. 

8. O réu iludiu o pagamento de impostos devidos pela entrada de mercadorias, e vendeu e expôs à venda cosméticos sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização, e de procedência ignorada, ciente de que praticava conduta criminosa, à qual aderiu de forma livre e consciente, tornando induvidosos a autoria delitiva e o dolo. De rigor, portanto, a manutenção da condenação do réu pela prática dos delitos dos artigos  artigo 273, §§ 1º, 1º-A e 1º-B, incisos III e V, e 334, § 1º, inciso IV, do Código Penal. Passo à dosimetria.

9. Do crime do artigo 273 do Código Penal. No julgamento do RE nº 979.962/RS, o STF reconheceu expressamente a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com a redação dada pela Lei no 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), apenas em relação ao tipo previsto no seu §1º-B, inciso I. No caso, o acusado incidiu no crime do art. 273, § 1º-B, III e V, do Código Penal. Por isso, não se aplica ao caso a decisão do Supremo Tribunal Federal.

10. No entanto, considerando a elevada pena aplicada e o regime fixado para o início do seu cumprimento, deve ser adotada a solução encontrada no âmbito do STJ que afastou o preceito secundário da norma, por ser a pena nele cominada - de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão - muito alta e desproporcional, e aplicou a pena prevista para o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) normas penais pertinentes a esse enquadramento jurídico. Interpretação outra implicaria verdadeira negativa de vigência a todas as demais disposições legais pertinentes (como as constantes do art. 40 e do art. 33, § 4º, da Lei 11.343.06), as quais, assumido o enquadramento inicial da conduta como amoldada ao art. 33, caput, da Lei 11.343/06, passam a ser em tese aplicáveis ao caso (se preenchidos os demais requisitos fáticos previstos nesses mesmos enunciados normativos).

11. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada no mínimo legal, o que resta mantido, tanto por inexistirem fatores a implicarem aumento concreto da reprimenda quanto por não haver recurso ministerial. Na segunda fase da dosimetria, o e. Magistrado sentenciante reputou presente a atenuante da confissão espontânea, porém manteve a pena no patamar estabelecido na primeira fase, ante o teor da Súmula 231 do STJ, o que resta mantido. Na terceira fase da dosimetria, o magistrado fez incidir a minorante prevista no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, reduzindo a pena em 2/3 (dois terços), o que resta mantido. Deixo de fazer incidir a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, uma vez que não houve recurso ministerial.  Assim, a pena resta fixada em  1 (um) ano e  8 (oito) meses de reclusão, e em 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.

12. Do crime de descaminho. Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi estabelecida no mínimo legal, o que resta mantido. Na segunda fase da dosimetria, o e. Magistrado sentenciante reputou presente a atenuante da confissão espontânea, porém manteve a pena no patamar estabelecido na primeira fase, ante o teor da Súmula 231 do STJ, o que resta mantido. Na terceira etapa da dosimetria adoto o entendimento do juiz sentenciante, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena. Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 1 (um) ano de reclusão.

13. Considerando que a autoria do réu pelas práticas delitivas foi comprovada em diversas ocasiões, em semelhantes condições de tempo, lugar e modo de execução, resta configurado o concurso de crimes na modalidade do art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva). Mantenho a majoração da pena em 1/3, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 

14. Por derradeiro, o magistrado a quo aplicou a regra do concurso formal próprio (Código Penal, art. 70, primeira parte). Reduzo, de ofício, a fração de aumento da pena para 1/6 (um sexto), resultando na pena de  2 (dois) anos, 7 (sete) meses e 3 (três) dias de reclusão, e 257 (duzentos e cinquenta e sete) dias-multa. O valor de cada dia-multa foi fixado em 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tendo em vista o réu ter declarado em juízo auferir rendimentos mensais de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), o que resta mantido.

15. Tendo em vista o quantum da pena fixada, mantenho o regime inicial aberto para o seu cumprimento, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.

16. Preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, mantenho a substituição da pena por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, e em prestação pecuniária, no valor de 30 (trinta) salários mínimos. 

17. Apelo defensivo a que se nega provimento. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação defensiva, e, DE OFÍCIO, reduzir a fração de aumento da pena pelo concurso formal próprio para 1/6 (um sexto), resultando na pena de 2 (dois) anos, 7 (sete) meses e 3 (três) dias de reclusão, e 257 (duzentos e cinquenta e sete) dias-multa., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.