Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007128-59.2017.4.03.6110

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: SIRLENE GOMES MEDEIROS

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007128-59.2017.4.03.6110

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: SIRLENE GOMES MEDEIROS

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Apelação Criminal interposta por SIRLENE GOMES MEDEIROS, nascida em 12.08.1971, em face da r. sentença (Id 155731581 – fls. 108/119), proferida pelo Exmo. Juiz Federal Luís Antônio Zanluca (1ª Vara Federal de Sorocaba/SP), a qual julgou PROCEDENTE a pretensão penal para CONDENAR a ré pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso IV, do Código Penal (redação dada pela Lei n. 13.008, de 26.6.2014), à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da reprimenda corporal substituída, observando-se o disposto no artigo 46 do Diploma Penal, e prestação pecuniária no valor de dois salários-mínimos, a ser depositado em conta vinculada ao Juízo, nos termos da Resolução do CNJ n. 154, de 13 de julho de 2012.

 

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de SIRLENE GOMES MEDEIROS nos termos seguintes (Id 155731581 – fls. 05/07):

 

"(...) No dia 10 de abril de 2015, por volta das 10:00 horas, na rua João Guariglia, n. 137, Sorveteria e Conv. Sirlene, Vila Rica, cidade de Sorocaba/SP, policiais civis em diligência, constataram que SIRLENE GOMES MEDEIROS matinha em seu estabelecimento comercial (Sorveteria e Conv. Sirlene), 50 (cinquenta) maços de cigarros, de fabricação estrangeira, marca Eight, conforme boletim de ocorrência (fls. 07/11) e documentação da Receita Federal de Brasil (fls. 12/13), cuja a importação é proibida por pessoa física, de acordo com a Lei 9.532/1997 (artigos 45 a 54). Ademais, trata-se de mercadoria que depende de registro, análise ou autorização do órgão público competente, no caso a Receita Federal do Brasil.

A Receita Federal do Brasil avaliou os cigarros em foco, em R$ 77,00 (US$ 25,00), com estimativa de tributos iludidos de R$ 136,95, ou seja, II: R$ 15,40; IPI: R$ 112,50; e PIS/COFINS: R$ 9,05 (fls. 12/13).

Consta de fls. 25, informe da Receita Federal do Brasil, dando conta de outros autos de infração e de multa aduaneira em face da denunciada.

Conclui-se, desse modo, que SIRLENE GOMES MEDEIROS, com vontade livre e consciente, expunha à venda, mantinha em depósito, recebeu e ocultava, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial irregular, mercadoria proibida pela lei brasileira (contrabando).

Incide, portanto, o artigo 334-A, § 1º, IV e V, e § 2º, do Código Penal. (...)”.

 

A denúncia foi recebida em 24 de maio de 2018 (Id 155731581 - fls. 10/13).

 

A sentença foi publicada em 20 de fevereiro de 2020 (Id 155731581 – fl. 120).

 

Em sede de Apelação a defesa pugnou pela desclassificação da conduta para o crime de descaminho e consequente aplicação do princípio da insignificância. Subsidiariamente, pleiteou a redução do valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário-mínimo, sob o argumento de hipossuficiência da ré (Id 155731892).

 

Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões pela acusação (Id 155731895), subiram os autos a esta E. Corte.

 

Nesta instância, o Parquet Federal ofertou parecer no qual opinou pelo desprovimento do apelo defensivo (Id 159972231).

 

É o relatório.

 

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0007128-59.2017.4.03.6110

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APELANTE: SIRLENE GOMES MEDEIROS

 

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V O T O

 

 

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:

 

Ratifico o relatório com a ressalva de que a sentença foi publicada em 26.02.2020 (ID 155731581 - fl. 120).

 

A ré SIRLENE GOMES MEDEIROS foi condenada em primeiro grau pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso IV, do Código Penal (redação dada pela Lei n. 13.008, de 26.6.2014), in verbis:

 

Contrabando

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena quem:

(...)

IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

(...)

 

 

Narra a denúncia que, no dia 10 de abril de 2015, por volta das 10h00, na rua João Guariglia, n. 137, Vila Rica, cidade de Sorocaba/SP, policiais civis em diligência efetuaram fiscalização no estabelecimento comercial Sorveteria e Conv. Sirlene, no qual constataram que a ré mantinha em depósito, com finalidade comercial, 50 (cinquenta) maços de cigarros, de fabricação estrangeira, da marca Eight, cuja importação é proibida por pessoa física, de acordo com a Lei n. 9.532/1997 (artigos 45 a 54), e que depende de registro, análise ou autorização da Receita Federal do Brasil, órgão público competente. Os tributos iludidos foram estimados em R$ 136,95 (cento e trinta e seis reais e noventa e cinco centavos).

 

Os fatos deram ensejo à Representação Fiscal para Fins Penais e consequente instauração da presente ação penal.

 

Após regular instrução probatória, sobreveio sentença condenatória contra a qual se insurgiu a defesa por meio de Apelação, cujas razões passa-se a analisar.

 

 

DO PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PERPETRADA PARA O CRIME DE DESCAMINHO E CONSEQUENTE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

 

Em sede de Apelação a defesa requereu a desclassificação da conduta descrita na exordial para o crime de descaminho e consequente aplicação do princípio da insignificância, absolvendo-se a ré nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

 

Aludida pretensão não pode ser acolhida.

 

Quanto à importação ou exportação de cigarros, cumpre tecer os comentários a seguir.

 

Inicialmente, vale esclarecer que “a importação de cigarros não é prática proibida, no entanto, somente será possível após a devida autorização do órgão competente. Caso tenha sido levada a efeito sem ela, o fato importará no crime de contrabando” (GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 11ª edição. Rio de Janeiro, 2017, p. 1176).

 

Ressalte-se que o STF firmou posição no sentido de que a introdução clandestina de cigarros, ou seja, desacompanhados da respectiva documentação comprobatória de sua regular entrada no território nacional, configura crime de contrabando, e não descaminho, conforme julgado especificado abaixo:

 

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL E DIREITO PENAL. IMPETRAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO DO STJ EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CIGARROS. CONTRABANDO. DESCAMINHO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE.

(...) 2 - A conduta engendrada pelos pacientes - importação clandestina de cigarros - configura contrabando, em não descaminho, com apontado pela Defesa. Precedentes. (...)

(STF, HC 120783/DF, rel. Ministra Rosa Weber, j. 25.03.2014)

 

No caso dos autos a ré mantinha em depósito cigarros estrangeiros destinados a comercialização, conduta que se enquadra no delito de contrabando, conforme destacado nos seguintes julgados:

 

RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. INSURGÊNCIA PROVIDA. 1. Os Tribunais Superiores possuem entendimento consolidado de que o princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarros, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois a conduta atinge outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade públicas. Precedentes do STF e do STJ. 2. Ao manter a rejeição da denúncia, por considerar insignificante a guarda em depósito de 180 (cento e oitenta) maços de cigarros de origem e de procedência estrangeira, sem registro nos órgãos públicos competentes, com o objetivo de venda, no exercício de atividade comercial (art. 334-A, § 1º, IV, do CP), o acórdão impugnado dissentiu da jurisprudência sobre o tema. 3. Recurso especial provido. (STJ. RESP 1719439, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJE: 24.08.2018).

 

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A, § 1º, IV, DO CÓDIGO PENAL. EXCEÇÃO À REGRA CONSTITUCIONAL DE INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO. SITUAÇÃO DE FRAGRÂNCIA. PROVAS LÍCITAS. CONTRABANDO DE CIGARROS ESTRANGEIROS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA DESCAMINHO. INCABIVEL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO. 1. Hipótese excepcional de flagrante delito (art. 5º, XI, da Constituição Federal), a diligência realizada é lícita, assim como as provas dela derivadas. 2. Materialidade, autoria e dolo suficientemente comprovados. Condenação mantida. 3. No caso dos autos, consumou-se o crime de contrabando haja vista a natureza do objeto material do fato, maços de cigarros de origem estrangeira, clandestinamente introduzidos no País, mantidas em depósito pelo acusado para fins de venda, de modo que não é caso de desclassificar a conduta para o delito de descaminho. 4. A importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, fato que impede a aplicação do princípio da insignificância. Tão somente seria o caso de aplicação de forma excepcional do referido princípio se a quantidade de cigarros apreendidos fosse de pequena monta, o que não se traduz nestes autos. 5. Recurso da defesa desprovido. (TRF 3ª Região. Proc. 0002140-19.2017.4.03.6102, Relator Desembargador Federal Maurício Kato, e-DJF3 Judicial 1: 30.01.2019)

 

APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELO ARTIGO 334, § 1º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. CONDUTA QUE SE SUBSOME AO ARTIGO 334-A, §1º, INCISO IV, e § 2º, DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. VENDA E MANUTENÇÃO EM DEPÓSITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA EM RAZÃO DA QUANTIDADE DE CIGARROS. PATAMAR DE EXASPERAÇÃO REDUZIDO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELAÇÃO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDA. 1. O apelante foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 334, §1º, inciso IV, do Código Penal. 2. Orientação dos Tribunais Superiores no sentido de que a introdução de cigarros de origem estrangeira desacompanhados da documentação comprobatória da regular importação configura crime de contrabando, tendo em vista que se cuida de mercadoria de proibição relativa, envolvendo o bem jurídico tutelado, sobremaneira, o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e a segurança públicas. 3. A narrativa dos fatos declinada na denúncia demonstra que a conduta criminosa engendrada, em tese, pelo ora réu, consiste em manter em depósito e vender cigarros de origem paraguaia, sem documentação de sua regular importação. Portanto, a conduta atribuída ao réu deve ser analisada sob a ótica do artigo 334-A, § 1º, inciso IV, e § 2º, do Código Penal. 4. A materialidade foi demonstrada pelo Auto de Apresentação e Apreensão, planilha de valores estimados dos tributos federais não recolhidos, pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias e a anexa Relação de Mercadorias, e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal, que certificam a apreensão de 12.164 (doze mil, cento e sessenta e quatro) maços de cigarros de procedência estrangeira, desacompanhados de documentação comprobatória de sua importação regular. 5. A autoria restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas demais provas amealhadas em juízo. 6. O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os cigarros foram apreendidos como pela prova oral produzida. 7. Em razão da subsunção da conduta do acusado ao artigo 334-A, § 1º, inciso IV, § 2º, do Código Penal, resta mantida a condenação. (...) 15. Apelo ministerial parcialmente provido. (g.n.) (TRF 3ª Região, Proc. 0001097-86.2018.4.03.6110, Relator para Acórdão Juiz Federal Convocado Alessandro Diaféria, 11ª Turma, e-DJF3 Judicial: 07.01.2019)

 

Neste cenário, não há que se falar em desclassificação da conduta descrita na exordial para o crime de descaminho, restando prejudicado o pleito da ré de, em decorrência do reenquadramento, aplicar-se o princípio da insignificância. Configurado, portanto, o crime de contrabando, sendo inaplicável ao caso o aludido princípio.

 

Precedentes do STF (HC nº 100.367, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09.08.2011; HC nº 110.841, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 27.11.2012) e do STJ indicam que o contrabando de cigarros é crime pluriofensivo, sendo irrelevante a fixação do valor do tributo eventualmente incidente e iludido, porque o delito se consuma com a simples entrada ou saída do produto proibido. Precedentes (STJ, AgRg no REsp 1.497.526/PR, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, Dje. 23.09.2016).

 

Com efeito, a introdução irregular de cigarros de origem estrangeira no mercado interno, tem o condão de gerar malefícios conhecidos à saúde, ostentando um elevado potencial de disseminação no comércio popular, apto a atingir um número indeterminado de consumidores, em sua grande maioria de baixa renda e sem acesso à informação a respeito da origem e prejudicialidade da mercadoria que consomem.

 

O bem jurídico tutelado é a Administração Pública, nos seus interesses regulamentares que transcendem a mera tutela do aspecto patrimonial, bem como a saúde pública, de forma que o valor do tributo sonegado não pode ser empregado como referencial para aplicação do princípio da insignificância, pois a questão relativa à evasão tributária é secundária.

 

Ressalta-se que os enunciados de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal sobre diretrizes para pedidos de arquivamento de investigações criminais não são parâmetros utilizados para a incidência do princípio da insignificância em juízo.

 

Nestes termos, destaco os recentes julgados:

 

Trata-se de Habeas Corpus impetrado contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 1.928.901/SP, submetido à relatoria do Ministro RIBEIRO DANTAS. Consta dos autos, em síntese, que o paciente foi condenado a 2 anos de reclusão, em regime aberto, substituída por pena restritiva de direito (prestação de serviços à comunidade), em razão da prática do crime de contrabando (art. 334-A, § 1º, I e V, do Código Penal). (...) Buscando a absolvição do paciente, a defesa apelou para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que deu provimento ao recurso para reconhecer a insignificância da conduta, em julgado assim ementado (Doc. 3, fl. 159): ‘PENAL. PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO, APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA ACUSATÓRIO. HIPÓTESE NÃO VERIFICADA. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APREENSÃO DE 280 MAÇOS DE CIGARROS CONDUTA INSIGNIFICANTE. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A defesa se insurge conta sentença condenatória por violação ao sistema acusatório por ter convertido o julgamento em diligência para juntada de laudo pericial. Nulidade não reconhecida. 2. A defesa pugna pela aplicação do princípio da insignificância pela pequena quantidade de maços apreendidos. No presente caso foram encontrados 280 (duzentos e oitenta) maços de cigarro em poder do apelante. 3. Cabível a aplicação do princípio da insignificância, diante da localização de quantidade inferior a 1.000 (um mil) maços de cigarros, não configurada a reiteração delitiva. Recente posicionamento do Ministério Público Federal consubstanciado no Enunciado 90 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, acerca da quantidade de cigarros para o reconhecimento do princípio da insignificância. 4. Absolvição do réu. 5. Recurso provido’. Inconformado, o Ministério Público interpôs Recurso Especial, ao qual o Ministro Relator deu provimento para afastar a aplicação do princípio da insignificância, determinando ao TRF da 3ª Região o prosseguimento do julgamento da Apelação (Doc. 3, fls. 254-256). Essa decisão foi confirmada pelo colegiado no julgamento do subsequente Agravo Regimental, nos termos da seguinte ementa (Doc. 7): ‘PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARRO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. BEM JURÍDICO PROTEGIDO ALÉM DA ARRECADAÇÃO FISCAL. SAÚDE, SEGURANÇA E MORALIDADE PÚBLICA. INVIABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Os Tribunais Superiores possuem entendimento consolidado de que o princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarros, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois a conduta atinge outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade pública. Precedentes do STF e do STJ 2. Agravo regimental desprovido’. Nesta ação, a Defensoria Pública da União alega, em suma, a presença dos requisitos para o reconhecimento da insignificância da conduta. Enfatiza que os 280 maços de cigarro apreendidos em poder do paciente não representam elevado grau de reprovabilidade do comportamento. Requer, assim, a concessão da ordem, para que o Paciente seja absolvido diante da aplicação do princípio da insignificância, conforme decisão regional. É o relatório. Decido. Na espécie, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser inviável a absolvição do paciente com base no reconhecimento da insignificância de sua conduta. Colhe-se do voto condutor do acórdão ora impugnado: ‘Como se vê, o Tribunal de origem pressupõe o patamar de 1000 maços de cigarros e sua não mercancia para concluir pela insignificância em relação ao atual crime do art. 334-A do CP. Tal orientação destoa da jurisprudência deste STJ, pacificada no sentido de ser inaplicável o princípio da insignificância ao crime de contrabando, pois a conduta não se limita à lesão da atividade arrecadatória do Estado, atingindo outros bens jurídicos, como a saúde, segurança e moralidade pública’. Realmente, não há como afastar a reprovabilidade da conduta do paciente, acusado da prática do crime de contrabando de cigarros. Por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial sob o prisma da impetrante, a aplicação do princípio da insignificância não pode ignorar os demais elementos do tipo penal não patrimoniais considerados igualmente pelo legislador como bens jurídicos a serem tutelados. Afinal, o delito de contrabando ‘é figura típica cuja objetividade jurídico-penal abrange não só a proteção econômico-estatal, mas em igual medida interesses de outra ordem, tais como a saúde, a segurança pública e a moralidade pública (na repressão à importação de mercadorias proibidas), bem como a indústria nacional, que se protege com a barreira alfandegária (cf. Heleno C. Fragoso. Lições de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: José Bushatsky, 1962, v. 2, p. 978)’ (HC 114315, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 1º/2/2016). (...) Em conclusão, não há constrangimento ilegal a ser sanado. Diante do exposto, com fundamento no art. 21, §1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, indefiro a ordem de Habeas Corpus. (g.n.) (STF, HC 204048 – Relator Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 01.07.2021, publicada em 05.07.2021)

 

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PEQUENA QUANTIDADE. INCIDÊNCIA DO CRIME DE BAGATELA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Este Tribunal Superior firmou entendimento de que a importação não autorizada de cigarros tipifica o crime de contrabando, que, por sua vez, não admite a aplicação do princípio da insignificância, ‘por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial (240 maços, na espécie - e-STJ fl. 226), pois a conduta atinge outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade públicas’. (REsp 1.719.439/PR, relator Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/8/2018, DJe 24/8/2018.) 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1931765/RS, relator Ministro Antônio Saldanha Pinheiro, 6ª Turma, v.u. 23.11.2021, Dje 26.11.2021)

 

Nesse contexto, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância, refutando-se o pleito defensivo.

 

 

DA MATERIALIDADE, AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO

 

A materialidade delitiva não foi questionada e restou comprovada nos autos por meio da Representação Fiscal para Fins Penais e os documentos que a acompanham, em especial o Boletim de Ocorrência n. 107/2015, a Planilha de Valores dos tributos federais não recolhidos, o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias, todos constantes do Id 155731580 (fls. 05/24), os quais noticiam a apreensão de cinquenta maços de cigarros de procedência estrangeira, desprovidos de documentação fiscal comprobatória de sua regular introdução no território nacional.

 

A autoria e o elemento subjetivo também não foram questionados e restaram comprovados pela prova oral, tendo as testemunhas arroladas pela acusação, Evilásio Savergnini Filho (mídia - Id 155731883) e Dorival Campos (mídia – Id 155731884), confirmado que participaram da apreensão da mercadoria e que os cigarros eram de responsabilidade da ré e por ela eram mantidos com finalidade comercial.

 

Em seu interrogatório judicial a acusada confessou que realmente tinha cigarros estrangeiros e os comercializava no seu estabelecimento comercial (Id 155731885).

 

Além disso, conforme consignado na r. sentença, “não é a primeira vez que foram encontradas mercadorias irregulares com a denunciada. Conforme atesta o documento de fl. 25, em 2014 a denunciada já se teria envolvido com o mesmo tipo de situação, circunstância que não deixa dúvida ao fato de que vendia esse tipo de mercadoria em sua Sorveteria” (Id 155731581 – fl. 115), fato revelador de seu conhecimento acerca da ilicitude de sua conduta.

 

Neste cenário, deve ser mantida a condenação de SIRLENE GOMES MEDEIROS pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso IV, do Código Penal (redação atual).

 

DA DOSIMETRIA DA PENA

 

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.

 

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.

 

Atento a tais critérios, a pena da acusada foi fixada em primeiro grau no mínimo legal, não sendo valoradas negativamente nenhuma das circunstâncias judiciais na primeira fase dosimétrica. Na segunda fase houve o reconhecimento da atenuante da confissão, não se aplicando o respectivo redutor em razão da necessária observância do patamar mínimo legal (Súmula 231 do STJ). Ausentes outras atenuantes, agravantes, bem como causas de aumento ou de diminuição, tornou-se definitiva a pena privativa de liberdade fixada em 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial ABERTO.

 

Não houve insurgência recursal nesse ponto, de maneira que, observados os critérios legais e pertinentes ao caso em concreto, nada há a modificar.

 

Na sequência, a pena corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da reprimenda corporal substituída, observando-se o disposto no artigo 46 do CP, e prestação pecuniária no valor de dois salários-mínimos, a ser depositada em conta vinculada ao Juízo, nos termos da Resolução do CNJ n. 154, de 13 de julho de 2012.

 

Em sede de Apelação, a defesa pleiteou a redução do valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário-mínimo, sob o argumento de hipossuficiência da ré.

 

No que concerne ao valor da pena de prestação pecuniária, nos termos do art. 45, §1º, do Código Penal, a pena substitutiva de prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social e tem seus limites estipulados em, no mínimo, 01 (um) salário mínimo e, no máximo, 360 (trezentos e sessenta) salários:

 

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48.

§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário-mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários-mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.

 

Embora a lei seja omissa sobre critérios específicos para sua fixação, a prestação pecuniária deve ser, em razão de sua natureza, aproximada à extensão dos danos causados à vítima, atendendo à gravidade da infração e às suas consequências, porquanto visa à reparação civil.

 

Eventualmente, a situação econômica do agente pode levar à flexibilização quanto ao montante a ser fixado diante dos reflexos inerentes no caso de seu descumprimento: conversão em prisão.

 

Nesse passo, cabe mencionar o seguinte trecho de voto proferido pelo Exmo. Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ribeiro Dantas nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 1.760.446 - PR (2018/029858-5), 5ª Turma, DJe de 03.12.2018:

 

(...)

De fato, a prestação pecuniária não se vincula aos mesmos critérios formadores da pena privativa de liberdade, de modo que a quantidade de pena privativa de liberdade aplicada - se próxima ao patamar mínimo ou ao máximo abstratamente cominado - não irá determinar, por si só, o valor da pena substitutiva de prestação pecuniária.

Por outro lado, cabe obtemperar que o estabelecimento do valor da pena pecuniária, ao contrário do afirmado pelo agravante, não está dissociado de uma análise acerca da condição econômica do réu.

(...).

 

In casu, a acusada não soube precisar o valor de sua renda mensal, mas alegou que as vendas eram fracas e os valores auferidos em seu estabelecimento comercial apenas cobriam as despesas básicas, como aluguel, água e energia (Id 155731885).

 

Sendo assim, e tendo em vista a pouca extensão do dano causado por sua conduta, é razoável reduzir o valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário-mínimo vigente à época do delito, com possibilidade de parcelamento, tratando-se de patamar que atende ao propósito de reprimir a acusada pelo ilícito praticado.

 

Portanto, acolhe-se o pleito da defesa de redução do valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário-mínimo, mantendo-se, no mais, a r. sentença recorrida.

 

PENA DEFINITIVA

 

A pena definitiva imposta a SIRLENE GOMES MEDEIROS, pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso IV, do Código Penal, deve ser mantida em 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da reprimenda corporal substituída, observando-se o disposto no artigo 46 do CP, e prestação pecuniária no valor de um salário-mínimo, a ser depositada em conta vinculada ao Juízo, nos termos da Resolução do CNJ n. 154, de 13 de julho de 2012.

 

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa para reduzir a prestação pecuniária para 01 (um) salário-mínimo, mantendo-se, no mais, a r. sentença recorrida, tudo nos termos da fundamentação.



E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A, § 1º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DESCRITA NA EXORDIAL PARA DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.

1. Desclassificação: A narrativa dos fatos declinada na denúncia demonstra que a conduta criminosa engendrada consiste em manter em depósito, com finalidade comercial, cigarros de origem paraguaia, sem documentação de sua regular importação, conduta que se subsome ao crime de contrabando (artigo 334-A, § 1º, inciso IV, do Código Penal) e não ao de descaminho, conforme pretendido pela Defesa. Precedentes do STJ e do TRF3.

2. Princípio da Insignificância: Surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade. É inaceitável a aplicação do princípio da insignificância à hipótese de contrabando, já que o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto supostamente elidido, alcançando o interesse estatal de impedir a entrada e a comercialização em território nacional de produtos proibidos que prejudiquem a saúde pública e a indústria nacional.

3. Materialidade, autoria e elemento subjetivo não questionados e demonstrados pela prova documental e oral amealhada aos autos, tendo a ré confessado a prática delitiva em seu interrogatório judicial.

4. Dosimetria. Mantida a pena-base fixada no mínimo legal, não sendo valoradas negativamente nenhuma das circunstâncias judiciais na primeira fase dosimétrica. Reconhecida a confissão na segunda fase, não é possível reduzir a pena em razão da Súmula n. 231 do STJ. Ausentes outras atenuantes, agravantes, bem como causas de aumento ou de diminuição, tornou-se definitiva a pena privativa de liberdade fixada em 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial ABERTO.

5. Substituição da pena corporal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da reprimenda corporal substituída, observando-se o disposto no artigo 46 do CP, e prestação pecuniária a ser depositada em conta vinculada ao Juízo, nos termos da Resolução do CNJ n. 154, de 13 de julho de 2012. Considerando a situação financeira da acusada e tendo em vista a pouca extensão do dano causado por sua conduta, acolhe-se o pleito defensivo para reduzir o valor para 01 (um) salário-mínimo vigente à época do delito, com possibilidade de parcelamento, tratando-se de patamar que atende ao propósito de reprimir a acusada pelo ilícito praticado.

6. Apelação da ré provida em parte.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, REVISÃO RATIFICADA PELO DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI. A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa para reduzir a prestação pecuniária para 01 (um) salário-mínimo, mantendo-se, no mais, a r. sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.