APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0010854-90.2015.4.03.6181
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: XIAOFENG LIN, XIAOYING XU, QIU WEIJUN
Advogado do(a) APELADO: MARCO DULGHEROFF NOVAIS - SP237866-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0010854-90.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: XIAOFENG LIN, XIAOYING XU, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL Advogado do(a) APELADO: MARCO DULGHEROFF NOVAIS - SP237866-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público Federal em face de XIAOFENG LIN, nascido em 26.07.1977, XIAOYING XU, nascida em 30.09.1978 e QIU WEIJUN, nascido em 16.08.1982, como incurso nas sanções do delito do artigo 125, inciso XIII, da Lei nº 6.815/80. Narra a denúncia (ID 158873520 – fls. 03/05), recebida na data de 18.09.2015 (ID 158873520 – fls. 07/10): Em 21 de setembro de 2009, perante a Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, Xiaofeng Lin e Xiaoying Xu fizeram declaração falsa em requerimento para registro provisório de estrangeiro, afirmando ter ingressado em território nacional na data de 20 de janeiro de 2008; pela cidade de Foz do Iguaçu/PR (fls. 07/07vº e 19/19vº). No dia 30 de setembro de 2009, também perante a Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, Qiu Weijun fez declaração falsa em requerimento para registro provisório de estrangeiro, afirmando ter ingressado em território nacional na data de 09 de julho de 2008, pela via aérea, tendo desembarcado na cidade de Guarulhos/SP (fls. 31/31vº). Para comprovar que realmente entraram no Brasil antes de 1 ° de fevereiro de 2009, data estipulada pelo artigo 1 ° da Lei 11.961/09, os denunciados instruíram os citados requerimentos para registro provisório com documentos falsos, consistente em declarações firmadas por He Jiansheng, representante legal da empresa PROSPERO PRISMA COMERCIAL LTDA. (CNPJ n° 09.458.735/0001-38). As falsas declarações de prestação de serviços pelos estrangeiro à empresa PROSPERO encontram-se juntadas às fls. 08 (relativa a Xiaofeng Lin), fls. 20 (relativa a Xiaoying Xu), e fls. 32 (referente a Qiu Weijun). Ocorre que, em sede policial, He Jiansheng afirmou que nenhum dos três denunciados havia trabalhado na PROSPERO PRISMA COMERCIAL LTDA. e que as declarações questionadas tinham sido encaminhadas a ele por um advogado que prestava serviços a um amigo e antigo sócio da empresa, de sobrenome ‘XU’, pessoa esta que lhe pediu que assinasse as declarações em comento para ‘fazer um favor para um parente’ (fls. 116/117). Em sede policial, Xiaofeng Lin e Xiaoying Xu confirmaram que nunca haviam trabalhado na empresa PROSPERO PRISMA, tendo obtido as declarações falsas por meio de um ex-sócio de He Jiansheng, o qual vivia no mesmo vilarejo que os denunciados, na China (fls. 118 e 119). Realizadas pesquisas no Sistema de Tráfego Internacional, constatou-se que Xiaofeng Lin e Xiaoying Xu entraram no Brasil em 12/03/2009, pelo aeroporto de Guarulhos/SP, e que Qiu Weijun ingressou no território nacional no dia 02/09/2010, também pelo aeroporto de Guarulhos/SP (fls. 18, 30 e 90). Assim, no intuito de preencher os requisitos exigidos pela Lei n° 11.961/09 (Lei da Anistia), os denunciados declararam falsamente à autoridade competente, nos requerimentos de fls. 07/07vº; 19/19vº e 31/31vº, as suas datas de ingresso em solo pátrio, configurando-se a conduta tipificada no artigo 125, inciso XIII, da Lei nº 6.815/80. A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelo cotejo entre a data aposta nos requerimentos de anistia dos denunciados e as reais datas de ingresso de Xiaofeng Lin, Xiaoying Xu e Qiu Weijun no Brasil (fls. 07/07vº , 19/19vº, 31/31vº e fls. 18, 30 e 90), bem como pelos documentos de fls. 08, 20 e 32 dos autos em contraposição com as declarações prestadas por He Jiansheng (fl. 116/117), que confirmou a falsidade ideológica da documentação apresentada pelos denunciados na oportunidade em que solicitaram seus registros provisórios às autoridades brasileiras. A autoria é inequívoca, uma vez que foram os próprios denunciados que apresentaram e assinaram os requerimentos de residência provisória no país, na presença de Agente Administrativo da Polícia Federal, instruindo-o com as declarações falsas, cientes da inautenticidade do documento. Em sentença proferida na data de 20.10.2017, e publicada em 26.10.2017 (ID 158873520 – fls. 76/81), o Exmo. Juiz Federal Márcio Assad Guardia, da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, absolveu sumariamente os acusados XIAOFENG LIN, XIAOYING XU e QIU WEIJUN da imputação da prática do crime do artigo 125, inciso XIII, da Lei n.º 6.815/1980, nos termos do artigo 397, inciso III (que o fato narrado evidentemente não constitui crime), do Código de Processo Penal, haja vista que o fato descrito na denúncia consistir em crime impossível, em virtude da ineficácia absoluta do meio, pois, a apresentação das declarações de prestação de serviços ideologicamente falsas pelos estrangeiros ao policial federal não constituem meio eficaz para a obtenção do benefício previsto na Lei nº 11.961/09, uma vez que a polícia federal possuía prévia ciência da informação da data de ingresso no país, de modo que as condutas em questão jamais produziriam o resultado almejado, qual seja, ludibriar o órgão estatal de controle migratório. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (ID 158873520 – fls. 84/94) aduzindo, preliminarmente, violação do artigo 366 do Código de Processo Penal quanto ao réu QIU WEIJUN, que, citado por edital, não compareceu em juízo e não constituiu procurador para representá-lo, de forma que deve ser declarada a nulidade da resposta apresentada pela Defensoria Pública da União e a sentença que o absolveu sumariamente. No mérito, requer a reforma da sentença quanto aos réus XIAOFENG LIN e XIAOYING XU, pois a Lei de Anistia (n.º 11.961/2009), possibilitou aos estrangeiros que estivessem no Brasil em situação irregular, o direito de requerer a residência provisória, comparecer no Departamento de Polícia Federal para preencher o requerimento de registro provisório, instruindo o pedido com comprovante de entrada no Brasil ou qualquer outro documento válido que permita à Administração atestar seu ingresso em território nacional até 1° de fevereiro de 2009, de forma que, a expressão ‘qualquer outro documento válido’ deve ser interpretado de forma ampliativa, pois o decreto não faz qualquer restrição de documento. No dicionário Aurélio, documento é ‘declaração escrita que tem caráter comprovativo’ ou ‘prova, testemunho, confirmação’. Assim, uma declaração de prestação de serviços assinada pelo sócio da empresa poderia ser documento apto a fazer a comprovação almejada, visto que atestaria que os acusados estavam trabalhando no Brasil nas datas consignadas. Contrarrazões apresentadas pela Defensoria Pública da União, na defesa do réu QIU WEIJUN (ID 158873520 – fls. 98/102), e pelos réus XIAOFENG LIN e XIAOYING XU (ID 158873520 – fls. 127/130). Nesta instância, a Procuradoria Regional da República da 3ª Região emitiu parecer (ID 158873520 – fls. 133/141), manifestando-se pelo acolhimento da preliminar, para que decretada a nulidade do feito em relação ao acusado QIU WEIJUN a partir dos atos posteriores a citação editalícia, e, no mérito, pelo provimento do recurso, para que os autos retornem ao juízo de primeiro grau para andamento da ação penal. É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0010854-90.2015.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: XIAOFENG LIN, XIAOYING XU, QIU WEIJUN Advogado do(a) APELADO: MARCO DULGHEROFF NOVAIS - SP237866-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA: Confirmo o relatório. Aos réus XIAOFENG LIN, XIAOYING XU e QIU WEIJUN foi imputada a prática do delito descrito no artigo 125, inciso XIII, da Lei n.º 6.815/1980, in verbis: Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas: (...) XIII - fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída: Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão. De acordo com a denúncia, na data de 21 de setembro de 2009, perante a Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, XIAOFENG LIN e XIAOYING XU fizeram declaração falsa em requerimento para registro provisório de estrangeiro, afirmando ter ingressado em território nacional na data de 20 de janeiro de 2008, pela cidade de Foz do Iguaçu/PR, e, no dia 30 de setembro de 2009, também perante a Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, QIU WEIJUN fez declaração falsa em requerimento para registro provisório de estrangeiro, afirmando ter ingressado em território nacional na data de 09 de julho de 2008, pela via aérea, tendo desembarcado na cidade de Guarulhos/SP, todos com intuito de comprovar que entraram no Brasil antes de 1° de fevereiro de 2009, data estipulada pelo artigo 1° da Lei 11.961/2009, instruindo os citados requerimentos para registro provisório com documentos falsos, consistentes em declarações firmadas por He Jiansheng, representante legal da empresa PROSPERO PRISMA COMERCIAL LTDA. Em sentença, os réus foram absolvidos sumariamente, sob fundamento de que a denúncia imputou a prática de crime impossível, pois as declarações ideologicamente falsas não constituíam meio eficaz para o obtenção do benefício previsto na Lei n.º 11.961/2009, uma vez que a polícia federal possuía prévia ciência da informação da data de ingresso no país, de modo que as condutas em questão jamais produziriam o resultado almejado. PRELIMINAR - DA NULIDADE DA SENTENÇA EM RELAÇÃO A QIU WEIJUN Em razões de Apelação, o órgão ministerial alega, preliminarmente, violação ao artigo 366 do Código de Processo Penal quanto ao réu QIU WEIJUN, que, citado por edital, não compareceu em juízo e não constituiu procurador para representá-lo, de forma que deve ser declarada a nulidade da resposta apresentada pela Defensoria Pública da União e a sentença que o absolveu sumariamente. Extrai-se dos autos que o réu QIU WEIJUN não foi localizado em seus supostos endereços residenciais (certidões ID 158873520 – fl. 22, 34 e 36). Citado por edital (ID 158873520 – fl. 40), afixado no átrio do Fórum da Subseção Judiciária de São José do Rio Preto em 13.02.2017 e publicado em 23.02.2017 (ID 158873520 – fl. 41), não compareceu em juízo, tampouco constituiu procurador para defendê-lo. O magistrado, contudo, determinou o encaminhamento dos autos à Defensoria Pública da União para apresentar resposta a acusação na defesa do réu QIU WEIJUN (ID 158873520 – fl. 71) e, posteriormente, absolveu sumariamente os réus XIAOFENG LIN, XIAOYING XU e QIU WEIJUN, nos termos do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal. Com efeito, o artigo 366 do Estatuto Processual Penal, com a redação dada pela Lei n.º 9.271, de 17.04.1996, dispõe que: Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. (grifei) A redação trazida pela Lei n.º 9.271/1996 ao artigo 366 do Estatuto Processual Penal teve como precípuo fim evitar que o acusado fosse processado e condenado à sua revelia, objetivando assegurar os princípios do contraditório e da ampla defesa, não sendo suficiente, nessa toada, a simples existência da citação ficta para o prosseguimento do curso processual. Aury Lopes Jr. bem assevera que a suspensão do processo, nas hipóteses do não comparecimento do réu citado por edital, trata-se de um imperativo lógico (uma conquista democrática, sem dúvida) de que ninguém pode ser processado sem que tenha conhecimento da existência da acusação. Incrivelmente, até 1996, ainda existia no Brasil a possibilidade de processos em estado de revelia, ou seja, sem que o acusado tivesse sido citado (citação real), além do que é exigência do contraditório de que ninguém possa ser condenado sem ser ouvido, ou, ao menos, sem que lhe tenham oportunizado condições reais de ser ouvido (inatividade processual real). (Direito Processual Penal, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.550) No caso em concreto não houve a suspensão do processo e foi prolatado decisum absolvendo sumariamente todos réus. Sob este enfoque, a prática de qualquer ato processual, mesmo de sentença absolutória, configura cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal, face à possibilidade de que a sentença seja reformada em sede recursal, em prejuízo ao acusado que não se manifestou nos autos. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. APELAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDEBITA PREVIDENCIÁRIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. REVELIA. PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO. CRIME CONTINUADO. SÚMULA 711 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. LEI Nº 9271/96. NULIDADE DO PROCESSO A PARTIR DA DECISÃO QUE DECRETOU A REVELIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO PREJUDICADO. 1.Sentença de mérito absolutória. 2.Ré não localizada pessoalmente. Citação editalícia. MM. Juiz decretou a revelia e determinou o prosseguimento do feito. 3.Fatos ocorreram nos períodos de fevereiro de 1993 a julho de 1993, setembro de 1993, dezembro de 1993 a fevereiro de 1994 e abril de 1994 a setembro de 1996. Delito de apropriação indébita previdenciária é crime continuado. Aplicação da lei em vigor quando da prática do último ato de execução. Súmula nº 711, do Supremo Tribunal Federal. 4. Magistrado 'a quo' não observou o disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal (redação dada pela Lei nº 9271/96). 5. E. relator, de ofício, declarou nulo o processo, a partir da r. decisão de fls. 178 (que decretou a revelia da ré e determinou o prosseguimento do feito), manteve a revelia e determinou a suspensão do processo e do prazo prescricional pelo período de 12 (doze) anos. 6.A Turma, por maioria, acompanhou o E. relator, em menor extensão, para anular o processo a partir da decisão de fls. 178 e julgar prejudicado o exame do recurso ministerial. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 11087 - 0100604-02.1998.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 31/01/2006, DJU DATA:21/03/2006 PÁGINA: 413) (grifei). CRIMINAL. HABEAS CORPUS. QUADRILHA OU BANDO. TORTURA. CITAÇÃO POR EDITAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 366 DO CPP. PROFERIMENTO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELAÇÃO MINISTERIAL (...). NULIDADE DESDE O DESPACHO SUSPENSIVO. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que foi proferida sentença absolutória a despeito de anterior suspensão do processo nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal. II. Deve ser concedido o presente writ para declarar nulo o processo, em relação ao paciente, a partir do despacho que determinou a suspensão do processo pela ausência de citação. IV. Ordem concedida, nos termos do voto do relator. (STJ, HC n.º 180.650-SP, Relator Ministro Gilson Dipp, j. 20.10.2011) (grifei). PENAL. PROCESSO PENAL. MOEDA FALSA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL (CPP, ART. 366). PROLAÇÃO DE SENTENÇA. NULIDADE ABSOLUTA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA PARA ANULAR A SENTENÇA. 1. Suspensos o processo e o curso do prazo prescricional em virtude de o réu, citado por edital, não comparecer a Juízo nem constituir defensor (CPP, art. 366), a prolação posterior de sentença padece de nulidade absoluta por subtrair do réu o direito de ter ciência da existência da ação penal e de exercer o direito de defesa. 2. Apelação parcialmente provida para anular a sentença absolutória. (TRF3, ACR n.º 63.088/SP, Quinta Turma, Relator Desembargador Federal André Nekatschalow, e-DJF3 22.02.2016) (grifei). Portanto, o r. decisum proferido nos autos padece de nulidade absoluta em relação a QIU WEIJUN por flagrante inobservância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, consagrados no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, tendo-lhe sido tolhido o direito de ter ciência da ação penal e de exercer o direito de defesa. Desse modo, o feito deverá retornar à origem para que seja aplicado o disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal, no que tange a QIU WEIJUN, inclusive, se o caso, com eventual desmembramento do feito. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ATINENTES A DECISÃO JUDICIAL QUE APRECIA A RESPOSTA OFERTADA À ACUSAÇÃO A absolvição sumária do acusado, tendo como supedâneo a norma inserta no art. 397 do Código de Processo Penal (Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente), pressupõe que o julgador tenha formado sua convicção plena no sentido absolutório, na justa medida em que defenestra a persecução penal antes do momento adequado à formação da culpa, qual seja, a instrução do processo-crime. Justamente em razão do apontado e do fato de que vige em tal momento processual o princípio in dubio pro societate, prevalece o entendimento de que, quando da incidência das hipóteses anteriormente indicadas, deve existir prova manifesta/evidente da existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente ou de que o fato narrado não constitui crime, de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal. A respeito do exposto, vide a ementa que segue: PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO, QUADRILHA OU BANDO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E PREVARICAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DOLO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO ESTELIONATO. TEMA NÃO DEBATIDO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. (...) 2. A rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. (...) (STJ, RHC 40.260/AM, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 22/09/2017) - destaque nosso. DA FIGURA DO CRIME IMPOSSÍVEL E DA ANÁLISE DO CASO CONCRETO A figura do crime impossível encontra previsão no art. 17 do Código Penal, estando definida da seguinte maneira: Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. De acordo com o artigo transcrito, nota-se que, para que a tentativa não seja punida, o meio empregado pelo agente precisa ser absolutamente (completamente) ineficaz para a consecução da empreitada criminosa ou o objeto (pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta do sujeito ativo do tipo penal) precisa ser absolutamente impróprio para o desiderato pretendido pelo criminoso. Tais situações retratadas escoram-se na ideia de que o bem jurídico tutelado pela norma penal não corre risco algum em face da conduta (comissiva ou omissiva) levada a efeito, de modo que o crime é reputado como impossível. Cumpre destacar que o C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1385621/MG (Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 02/06/2015), sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos da controvérsia, firmou entendimento no sentido de que realmente a ineficácia do meio precisa ser absoluta para que o crime possa ser tido como impossível. Apreciou-se, naquele feito, a alegação de que sistemas de segurança existentes em estabelecimentos comerciais fariam com que eventual conduta tipificadora do crime de furto fosse impossível de ser realizada justamente porque a consumação do delito estar-se-ia obstada pelo aparato protetivo instalado pelo comerciante. O posicionamento adotado pela C. Corte Superior baseou-se no fato de que sistemas de circuito interno de TV (instalados exatamente com o objetivo de evitar desfalques patrimoniais) não teriam o condão de tornar absolutamente incapaz o meio empregado na justa medida em que a eficiência do mecanismo de segurança apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que não impede(m), de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais - consignou-se, ademais, que não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equipamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem do agente serão adotadas após a constatação do ilícito, etc. Segue a ementa do precedente (frise-se: de observância obrigatória sob o pálio do disposto no art. 927, III, do Código de Processo Civil): RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. DIREITO PENAL. FURTO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. EXISTÊNCIA DE SEGURANÇA E DE VIGILÂNCIA ELETRÔNICA. CRIME IMPOSSÍVEL. INCAPACIDADE RELATIVA DO MEIO EMPREGADO. TENTATIVA IDÔNEA. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso Especial processado sob o rito previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ. TESE: A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial. 2. Embora os sistemas eletrônicos de vigilância e de segurança tenham por objetivo a evitação de furtos, sua eficiência apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais. Assim, não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equipamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem do agente serão adotadas após a constatação do ilícito, etc. 3. Conquanto se possa crer, sob a perspectiva do que normalmente acontece em situações tais, que na maior parte dos casos não logrará o agente consumar a subtração de produtos subtraídos do interior do estabelecimento comercial provido de mecanismos de vigilância e de segurança, sempre haverá o risco de que tais providências, por qualquer motivo, não frustrem a ação delitiva. 4. Somente se configura a hipótese de delito impossível quando, na dicção do art. 17 do Código Penal, 'por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime'. 5. Na espécie, embora remota a possibilidade de consumação do furto iniciado pelas recorridas no interior do mercado, o meio empregado por elas não era absolutamente inidôneo para o fim colimado previamente, não sendo absurdo supor que, a despeito do monitoramento da ação delitiva, as recorridas, ou uma delas, lograssem, por exemplo, fugir, ou mesmo, na perseguição, inutilizar ou perder alguns dos bens furtados, hipóteses em que se teria por aperfeiçoado o crime de furto. 6. Recurso especial representativo de controvérsia provido para: a) reconhecer que é relativa a inidoneidade da tentativa de furto em estabelecimento comercial dotado de segurança e de vigilância eletrônica e, por consequência, afastar a alegada hipótese de crime impossível; b) julgar contrariados, pelo acórdão impugnado, os arts. 14, II, e 17, ambos do Código Penal; c) determinar que o Tribunal de Justiça estadual prossiga no julgamento de mérito da apelação (REsp 1385621/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 02/06/2015) - destaque nosso. Portanto, somente é possível cogitar-se de crime impossível quando a ineficácia do meio empregado for absolutamente irretorquível pelos elementos de prova constantes dos autos, nos termos em que fixada a jurisprudência de observância obrigatória do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria. Adentrando ao caso concreto, não se vislumbra, conforme bem salientado pelo Ministério Público Federal, a absoluta ineficácia do meio empregado (consistente em documentos falsos apresentados aos agentes da Polícia Federal nos requerimentos para registro provisório de estrangeiro) com o desiderato de se sustentar a presença de crime impossível no contexto fático constante dos autos, merecendo, assim, reforma a r. sentença que absolveu sumariamente XIAOFENG LIN e XIAOYING XU, com supedâneo no art. 397, III, do Código de Processo Penal, sob o pálio de que não constituiria infração penal o descrito na denúncia. Analisando os autos do inquérito policial (ID 158874506), constata-se que a instauração se deu pelo desdobramento dos fatos apurados na Operação Piàn Jú da Polícia Federal, com início em junho de 2009, onde foi possível identificar um complexo esquema criminoso, composto de servidores da Polícia Federal e terceiros, voltado à regularização ilegal da situação de estrangeiros irregulares no país, em sua maioria chineses, conforme manifestação do Ministério Público Federal (fls. 107/109). No caso, as falsas declarações teriam sido firmadas por He Jiansheng, em nome da empresa PROSPERO PRISMA COMERCIAL LTDA, atestando que XIAOFENG LIN teria prestado serviços à empresa no período de 05.2008 a 12.2008, e XIAOYING XU no período de 09.2008 a 01.2009, ambos na qualidade de vendedores autônomos (fl. 35). Ainda de acordo com o órgão ministerial, os principais envolvidos na empreitada criminosa já tinham sido denunciados nos autos do processo de n.º 2009.61.81.007179-8, com trâmite na 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP. A falsificação descrita na denúncia destinava-se, supostamente, a obter os benefícios da Lei n.º 11.961, de 2 de julho de 2009, que dispõe sobre a residência provisória para estrangeiro em situação irregular no território nacional, com ingresso até 01.02.2009 (artigo 1º). No mais, nos termos do artigo 4º do aludido diploma legal, o requerimento de residência provisória deverá ser dirigido ao Ministério da Justiça até 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, obedecendo ao disposto em regulamento, e deverá ser instruído com: I - comprovante original do pagamento da taxa de expedição de Carteira de Identidade de Estrangeiro - CIE, em valor correspondente a 25% (vinte e cinco por cento) do fixado para expedição de 1a (primeira) via de Carteira de Identidade de Estrangeiro Permanente; II - comprovante original do pagamento da taxa de registro; III - declaração, sob as penas da lei, de que não responde a processo criminal ou foi condenado criminalmente, no Brasil e no exterior; IV - comprovante de entrada no Brasil ou qualquer outro documento que permita à Administração atestar o ingresso do estrangeiro no território nacional até o prazo previsto no art. 1o desta Lei; e V - demais documentos previstos em regulamento. Portanto, não havendo obrigatoriedade de apresentar comprovante de entrada no Brasil, possibilitando que qualquer outro documento ateste o ingresso do estrangeiro em território nacional, em data anterior a 01.02.2009, não há que se dizer que as declarações apresentadas de prestação de serviço à empresa PROSPERO PRISMA COMERCIAL LTDA constituem prova inidônea. Desta feita, diante dos argumentos anteriormente expendidos, a situação retratada nos autos não possui força suficiente para acoimá-la de ensejadora do reconhecimento da figura do crime impossível, haja vista que a ineficácia do meio não se mostra como absoluta tal qual exigido pelo legislador. DA REVOGAÇÃO DA LEI N.º 6.815/1980 Há que se mencionar, por fim, que, com a entrada em vigor da nova Lei de Migração (Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017) em 21 de novembro de 2017 (regulamentada pelo Decreto n.º 9.199, de 20 de novembro de 2017), houve revogação expressa da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro) em sua íntegra, nos termos do artigo 124, inciso II, da nova lei. É certo que ocorre o fenômeno da abolitio criminis quando uma nova lei exclui totalmente a figura típica incriminadora, com a supressão formal e material do tipo penal, fazendo com que o fato antes considerado criminoso seja completamente abolido do âmbito do Direito Penal. Nos termos do artigo 2º do Código Penal, ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Ocorre, todavia, que, in casu, não se há de falar em abolitio criminis. Com efeito, a simples ocorrência da supressão formal, mas com a manutenção dos elementos substanciais em outro tipo penal já existente, impede a configuração de tal fenômeno (abolitio criminis), remanescendo a criminalização da conduta, havendo que ser aplicado o Princípio da Continuidade Normativo-Típica, consagrado na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça e já adotado por esta E. Corte: PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 306 DO CTB. ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI N. 12.760/2012. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. 1. A ação de conduzir veículo automotor, na via pública, estando [o motorista] com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (art. 306 da Lei n. 9.503/1997, na redação dada pela Lei n. 11.705/2008) não foi descriminalizada pela alteração promovida pela Lei n. 12.760/2012. 2. A nova redação do tipo legal, ao se referir à condução de veículo automotor por pessoa com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, I, do art. 306 da Lei n. 9.503/1997. Precedentes. 3. O crime de que ora se trata é de perigo abstrato, o que dispensa a demonstração de potencialidade lesiva da conduta, razão pela qual se amolda ao tipo a condução de veículo automotor por pessoa em estado de embriaguez, aferida na forma indicada pelo referido art. 306, § 1º, I, da Lei n. 9.503/1997. 4. Trata-se da aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, o que afasta a abolitio criminis reconhecida no acórdão recorrido. 5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 2014/0288065-4/RS, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 02.06.2015, DJe 15.06.2015) PENAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ARTIGO 621, I, CPP. ADEQUADA TIPFICAÇÃO DA CONDUTA NO ARTIGO 168-A, DO CP. INOCORRÊNCIA DE ERRO JUDICIÁRIO. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. Tese de inaplicabilidade do artigo 168-A, do Código Penal afastada. 2. Inocorrência de abolitio criminis. A conduta anteriormente regulada pelo artigo 95, ‘d’, da Lei nº 8.212/91, passou a ser tratada pelo Código Penal. Princípio da continuidade normativo-típica. 3. Correta a aplicação do artigo 168-A, do Código Penal, pois consubstancia, inclusive, norma mais favorável, sendo aplicável aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, nos termos do artigo 5º, XL da Constituição Federal e artigo 2º, do Código Penal. 4. Pleito de indenização prejudicado. Não houve qualquer erro judiciário. 5. Revisão criminal improcedente. (TRF3, Revisão Criminal 0015904-79.2016.4.03.0000/SP, Relator Des. Fed. Paulo Fontes, Quarta Seção, julgado em 20.04.2017, e-DJF3 Judicial 05.05.2017) PENAL. APELAÇÃO. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 337-A DO CP. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA. PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA. MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIGURADAS. DOLO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. 1. Ainda que adotada a tese defensiva de que a interrupção do lapso prescricional teria ocorrido apenas no momento do recebimento do aditamento da denúncia, não estaria esgotada a pretensão punitiva estatal, porquanto não decorreu prazo superior a 8 anos entre a constituição definitiva do crédito e o referido marco interruptivo. 2. A materialidade e a autoria restaram devidamente comprovadas nos autos. 3. Conquanto as condutas descritas na denúncia tenham sido praticadas antes da introdução no sistema normativo do art. 337-A do Código Penal, não padece de defeito o seu enquadramento nesta infração penal, dada a aplicação ao caso em comento do princípio da continuidade típico-normativa, sendo certo que havia idêntica tipificação no revogado art. 95, "c", da Lei 8.212/91. 4. Mesmo consideradas as competências mensais isoladamente - de modo a evitar o bis in idem pela incidência da continuidade delitiva no caso em apreço - e desprezados os juros e multa tributária que não devem repercutir na seara penal, ainda assim se observa que os valores sonegados destoam da normalidade, conforme se extrai dos discriminativos analíticos de débito constantes do procedimento administrativo fiscal, justificando a fixação da pena-base acima do mínimo legal. 5. Apelação da defesa desprovida. (TRF/3ª Região, ACR 0004473-70.2006.4.03.6120/SP, Des. Fed. Cotrim Guimarães, Segunda Turma, julgado em 08.10.2013, e-DJF3 Judicial 17.10.2013, unânime) No presente caso, a figura típica substancial já existia em outro tipo penal, qual seja, no caput do artigo 299 do Código Penal, in verbis: Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. (...) Assim, embora aparentemente possa haver a impressão da ocorrência de abolitio criminis, já que a nova Lei de Migração revogou integralmente o Estatuto do Estrangeiro, não tendo repetido, em seu bojo, a figura típica antes prevista no artigo 125, inciso XIII, da Lei n.º 6.815/1980, certo é que uma análise mais aprofundada do assunto nos revela que referida conduta em apuração permaneceu tipificada no artigo 299 do Código Penal. Nesse sentido, aliás, decidiu esta Colenda Décima Primeira Turma: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 125, INCISO XIII, DA LEI Nº 6.815/80. NÃO ENQUADRAMENTO DOS FATOS NARRADOS NA EXORDIAL NA FIGURA DO CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO HÁ FALAR-SE EM ABOLITIO CRIMINIS. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO PREVISTO NO ARTIGO 299 DO CÓDIGO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. Decisão que rejeitou a denúncia, com fundamento no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que o fato descrito na denúncia configura crime impossível, haja vista a ineficácia absoluta do meio, e de que a conduta perpetrada á atípica. 2. Assiste razão à acusação no que tange à alegação de falibilidade do Sistema de Tráfego Internacional e, por conseguinte, de não enquadramento dos fatos narrados na exordial na figura do crime impossível. 3. Não há falar-se propriamente em abolitio criminis, haja vista que, embora a conduta de 'fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída' tenha deixado de configurar o crime específico previsto na lei que regia a situação jurídica do estrangeiro no Brasil (Lei nº 6.815/80), tal conduta permanece sendo crime, configurando, agora, o delito de falsidade ideológica, constante do artigo 299 do Código Penal. 4. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. (TRF3, RESE n.º 0005293-78.2014.4.03.6130/SP, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, j. 10.04.2018) (grifei) Com efeito, o artigo 299 do Estatuto Penal Repressivo já existia ao tempo da edição da Lei n.º 6.815/1980, considerando crime, omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Atente-se que, na falsidade ideológica, não há rasuras ou emendas no documento, que é verdadeiro sob o aspecto material, mas sim a inserção de fatos inverídicos reduzidos a escrito. A conduta de "inserir declaração falsa" já era típica no referido dispositivo do Estatuto Penal e permanece sendo crime. Ocorria, apenas, que, enquanto vigorava o artigo 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, a falsificação ideológica com o fim específico de influenciar processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída, tinha regência própria. Pelo princípio da especialidade, lei especial derroga lei geral, sendo considerada lei especial aquela que contém todos os requisitos da lei geral e mais algum(ns), chamado(s) especializante(s). Veja que a norma especial (artigo 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro) reunia todos os elementos da norma geral (artigo 299 do Código Penal) e agregava um complemento (que a falsificação ocorresse em processo de transformação de visto ou atos similares relacionados aos interesses de estrangeiros), diferenciando ambos os dispositivos apenas por conta desse elemento adicional. Assim, enquanto vigorava o artigo 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, prevalecia a lei especial sobre a geral (art. 299 do CP), a qual coexistia no ordenamento jurídico e se aplicava às situações não açambarcadas pela regra específica, vale dizer, às situações em que a declaração ideologicamente falsa não fosse feita no contexto de processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída. Subtraído o tipo penal que trazia esse elemento adicional peculiar (requisito especializante), deve remanescer a figura típica substancial geral contida no artigo 299, caput, do Código Penal. Portanto, mesmo diante da revogação da aludida norma especial, não se haveria de falar em supressão do conteúdo criminoso (abolitio criminis) e atipicidade da conduta em apuração, mas apenas em recapitulação legal, já que ambas as previsões (artigo 125, XIII, do Estatuto do Estrangeiro, e artigo 299, caput, do Código Penal) possuem o mesmo padrão normativo, similaridade na previsão das penas e protegem os mesmos bens jurídicos. Destaque-se, ainda, que, da aplicação do Princípio da Continuidade Normativo-Típica, não resulta qualquer prejuízo aos acusados. Com efeito, os réus defendem-se dos fatos a eles irrogados e não da capitulação jurídica, não se havendo de falar, no presente caso, em cerceamento de defesa, tampouco em violação ao princípio do contraditório. Dentro desse contexto e em respeito ao princípio da reserva legal, a conduta narrada na denúncia subsome-se, em tese, ao crime de falsidade ideológica (artigo 299, caput, do Código Penal), razão pela qual deve ser dada tal capitulação jurídica aos fatos tratados nestes autos. Por conseguinte deve ser provido o apelo aviado pelo Ministério Público Federal, reformando-se, assim, a r. sentença e determinando-se a baixa do feito ao r. juízo a quo com o escopo de que a marcha processual seja retomada com a abertura da fase de instrução probatória em relação a XIAOFENG LIN e XIAOYING XU. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por ACOLHER a PRELIMINAR e declarar a nulidade absoluta da sentença em face do corréu QIU WEIJUN, devendo os autos retornar à origem para que seja aplicado o disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal, inclusive, se o caso, com eventual desmembramento do feito, e por DAR PROVIMENTO à Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para afastar a absolvição sumária dos réus XIAOFENG LIN e XIAOYING XU, determinando-se a baixa dos autos ao r. juízo de origem, com o escopo de que a marcha processual seja retomada com a abertura da fase de instrução probatória, nos termos da fundamentação. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 125, INCISO XIII, DA LEI Nº 6.815/1980. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. DECLARAÇÃO FALSA. PRELIMINAR NULIDADE DA SENTENÇA ACOLHIDA. CITAÇÃO DE CORRÉU POR EDITAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 366 DO CPP. DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DOCUMENTOS INIDÔNEOS APRESENTADOS À POLÍCIA FEDERAL PARA OBTER REGISTRO PROVISÓRIO DE ESTRANGEIRO (LEI N.º 11.961/2009). CRIME IMPOSSÍVEL NÃO CONFIGURADO. REVOGAÇÃO DA LEI N.º 6.815/1980. INOCORRÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 299 DO CÓDIGO PENAL.
- Preliminar de nulidade da sentença em relação ao corréu Qiu Weijun. Citado por edital, o réu não compareceu em juízo, tampouco constituiu procurador para defendê-lo. Contudo, não houve a suspensão do processo e foi prolatado decisum absolvendo sumariamente todos os réus. Sob este enfoque, a prática de qualquer ato processual, mesmo de sentença absolutória, configura cerceamento de defesa e violação ao devido processo legal, face à possibilidade de que a sentença seja reformada em sede recursal, em prejuízo ao acusado que não se manifestou nos autos. De forma que a sentença padece de nulidade absoluta em relação ao citado réu por flagrante inobservância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, consagrados no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, sendo o caso de reconhecer a nulidade, retornando os autos à origem para que seja aplicado o disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal, no que tange a QIU WEIJUN, inclusive, se o caso, com eventual desmembramento do feito.
- Da absolvição sumária. Pressupõe que o julgador tenha formado sua convicção plena no sentido absolutório, na justa medida em que defenestra a persecução penal antes do momento adequado à formação da culpa, qual seja, a instrução do processo-crime. Deve existir prova manifesta/evidente da existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente ou de que o fato narrado não constitui crime, de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal.
- Da figura do crime impossível no caso concreto (artigo 17 do Código Penal). Para configuração, o meio empregado pelo agente precisa ser absolutamente ineficaz para a consecução da empreitada criminosa ou o objeto precisa ser absolutamente impróprio para o desiderato pretendido pelo criminoso. No caso, não se vislumbra a absoluta ineficácia do meio empregado (consistente em documentos falsos apresentados aos agentes da Polícia Federal nos requerimentos para registro provisório de estrangeiro) a obter os benefícios da Lei n.º 11.961, de 2 de julho de 2009, que dispõe sobre a residência provisória para estrangeiro em situação irregular no território nacional, com ingresso até 01.02.2009 (artigo 1º), com o desiderato de se sustentar a presença de crime impossível no contexto fático constante dos autos. Necessidade de reforma da sentença.
- Da revogação da Lei n.º 6.815/1980. Com a entrada em vigor da nova Lei de Migração (Lei n.º 13.445, de 24 de maio de 2017) em 21 de novembro de 2017, houve revogação expressa da Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Estatuto do Estrangeiro) em sua íntegra. Porém, não se há de falar em abolitio criminis, pois, a simples ocorrência da supressão formal, mas com a manutenção dos elementos substanciais em outro tipo penal já existente, impede a configuração de tal fenômeno, remanescendo a criminalização da conduta, havendo que ser aplicado o Princípio da Continuidade Normativo-Típica. No caso, a figura típica substancial já existia no tipo penal do artigo 299 (inserir declaração falsa) do Código Penal. Ressalta-se que os réus se defendem dos fatos a eles irrogados e não da capitulação jurídica. Dentro desse contexto e em respeito ao princípio da reserva legal, a conduta narrada na denúncia subsome-se, em tese, ao crime de falsidade ideológica (artigo 299, caput, do Código Penal).
- Matéria preliminar acolhida para declarar a nulidade absoluta da sentença em face do corréu QIU WEIJUN, devendo os autos retornar à origem para que seja aplicado o disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal, inclusive, se o caso, com eventual desmembramento do feito, e Apelação do Ministério Público Federal a que se dá provimento para afastar a absolvição sumária dos réus XIAOFENG LIN e XIAOYING XU, determinando-se a baixa dos autos ao r. juízo de origem, com o escopo de que a marcha processual seja retomada com a abertura da fase de instrução probatória, nos termos da fundamentação.