APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001126-45.2022.4.03.6002
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE: FERNANDO DA SILVA ALMERON
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001126-45.2022.4.03.6002 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: FERNANDO DA SILVA ALMERON APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta por Fernando da Silva Almeron contra a sentença de Id n. 264041507 que o condenou à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, regime inicial aberto, pela prática do crime do art. 334-A, caput, e § 1º, I, do Código Penal, c. c. o art. 3º do Decreto-Lei n. 388/68., fixando multa no valor de R$ 2,00 (dois reais) para cada um dos 15.000 (quinze mil) maços de cigarros apreendidos. Fernando da Silva Almeron sustenta, em síntese: a) fixação da pena-base no mínimo legal, por entender que a quantidade de cigarros, 15.000 (quinze mil) maços, não é expressiva o suficiente para fundamentar a exasperação da pena; b) inaplicabilidade da agravante da execução do crime mediante paga ou promessa de recompensa, prevista no art. 62, IV, do Código Penal, visto que o intuito de lucro é ínsito ao crime de contrabando; c) afastamento da indenização estabelecida nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, em favor da União, considerando que tal entidade federativa possui meios próprios para buscar a reparação dos danos decorrentes da prática do crime de contrabando narrado na denúncia (Id n. 264041519). Foram apresentadas contrarrazões (Id n.264041525). A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo desprovimento da apelação (Id n. 265745555). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001126-45.2022.4.03.6002 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: FERNANDO DA SILVA ALMERON APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL V O T O Imputação. Fernando da Silva Almeron foi denunciado pelo crime do art. 334-A, caput, e § 1º, I, do Código Penal c. c. o art. 3º do Decreto-Lei n. 399/98 porque no dia 23.04.22, por volta das 05h30, entre os Municípios de Ponta Porã e Maracaju, localizados no Estado de Mato Grosso do Sul, foi flagrado transportando 30 (trinta) caixas de cigarros de importação proibida. Narra a denúncia que, no transcurso da denominada “Operação Hórus”, agentes de Polícia Federal da Base Operacional de Vista Alegre abordaram o veículo GM Corsa, de Placas LUP 1291, conduzido por Fernando da Silva Almeron, que transportava, no interior do referido veículo e após ter concorrido para a importação no Paraguai, 30 (trinta) caixas de cigarro paraguaio da marca Point, cuja importação é proibida, por não ter o exigido registro no órgão competente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANS (Resolução RDC n. 90 de 27 de dezembro de 2007, bem como Resolução RDC n. 226 de 30 de abril de 2018). Ao ser abordado, Fernando alegou que foi contratado para buscar as mercadorias em Ponta Porã, entregaria em Campo Grande (MS), onde receberia pelo transporte a importância de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Na denúncia, o Ministério Público Federal requer a decretação da inabilitação para dirigir e o arbitramento, à título de reparação de danos, do valor de R$ 2,00 (dois reais) por unidade do produto apreendido, com fundamento no art. 387, IV, do Código de Processo Penal e art. 716 do regulamento aduaneiro. Na cota de oferecimento da denúncia o Ministério Público Federal manifestou-se pelo não oferecimento do acordo de não persecução penal por ser o acusado reincidente (Id n. 264041366). Materialidade. A materialidade está comprovada pelos seguintes elementos de convicção: a) termo de apreensão de 1.500 (mil e quinhentos) pacotes de cigarros de origem estrangeira e um veículo (Id n. 264041333, p. 7); b) Informação de polícia judiciária n. 1434344/2022 contendo registro fotográfico da apreensão (Id n. 264041333, pp. 14-16); c) ocorrência da Polícia Militar contendo o registro dos fatos e apreensão de 1.500 (mil e quinhentos) pacotes de cigarros da marca Point (Id n. 264041333, pp. 22-23). Autoria. A autoria está suficientemente demonstrada. Fernando da Silva Almeron, interrogado em sede policial, fez uso de seu direito constitucional de permanecer em silêncio (Id n. 264041333, p. 3). Interrogado em Juízo, Fernando da Silva Almeron disse sabia que transportar cigarros estrangeiros era crime, mas realizou o transporte para quitar uma dívida com um agiota. Respondeu que foi até o Paraguai buscar o veículo carregado e que o combinado era receber o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) apenas para quitar a dívida. Informou que o veículo era da pessoa que o contratou e que levou o carro vazio de Campo Grande (MS) até o Paraguai. Esclareceu que chegando ao Paraguai havia pessoas que carregavam o veículo e que apenas observou para saber se a carga seria apenas de cigarros ou se colocariam alguma mercadoria mais ilícita. Declarou que está arrependido e que é o único responsável pelo sustento de sua família (Id n. 264041503). Welliton dos Santos Barros, Cabo da Polícia Militar, em sede policial, disse que integra a equipe da Base de Vista Alegre e no âmbito da operação Hórus, no dia dos fatos, às 05h30, realizou a abordagem do veículo GM Corsa, Placas LUP 1291 de Campo Grande (MS), conduzido por Fernando da Silva Almeron, que seguia sentido Ponta Porã – Maracaju. Relatou que, ao realizarem vistoria no veículo, a equipe constatou que o condutor transportava grande quantidade de cigarro de origem estrangeira da marca Point, totalizando aproximadamente 30 (trinta) caixas de cigarros divididos em 1.500 (mil e quinhentos) pacotes. Esclareceu que diante desse fato a equipe deu voz de prisão ao condutor e o conduziu a base de Vista Alegre para a realização de documentação. Respondeu que Fernando informou que foi contratado para buscar a mercadoria em Ponta Porã e entregar na cidade de Campo Grande (MS), onde receberia R$ 2.000,00 (dois mil reais). Contou que, em contato com a Delegacia de Polícia Federal, o Agente de Polícia Federal Michel e o Delegado de Polícia Federal Mascarenhas solicitaram a entrega do veículo, mercadoria e comparecimento do autor na Delegacia de Polícia Federal para lavratura de ocorrência de contrabando de cigarros (Id n. 264041333, p. 1). Denner do Nascimento Almeida, Cabo da Polícia Militar, em sede policial, disse que integra a equipe da Base de Vista Alegre e no âmbito da operação Hórus, no dia dos fatos, às 05h30, realizou a abordagem do veículo GM Corsa, Placas LUP 1291 de Campo Grande (MS), conduzido por Fernando da Silva Almeron, que seguia sentido Ponta Porã – Maracaju. Falou que ao realizar a vistoria no veículo a equipe constatou que o condutor transportava grande quantidade de cigarro de origem estrangeira da marca Point, totalizando aproximadamente 30 (trinta) caixas de cigarros divididos em 1.500 (mil e quinhentos) pacotes. Relatou que, diante disso, a equipe deu voz de prisão ao condutor e o conduziu a base de Vista Alegre para a realização de documentação. Esclareceu que Fernando informou que foi contratado para buscar a mercadoria em Ponta Porã e entregar na cidade de Campo Grande (MS) onde receberia R$ 2.000,00 (dois mil reais). Declarou que, em contato com a Delegacia de Polícia Federal o Agente de Polícia Federal Michel e o Delegado de Polícia Federal Mascarenhas solicitaram a entrega do veículo, mercadoria e comparecimento do autor na Delegacia de Polícia Federal para lavratura de ocorrência de contrabando de cigarros (Id n. 264041333, p. 2). Em Juízo, Denner do Nascimento Almeida disse que se recordava dos fatos e contou que realizava fiscalização de trânsito em frente à base policial e por volta das 5h30 passou um veículo e realizaram a abordagem. Afirmou que o veículo conduzido por Fernando estava carregado de cigarros, tanto solto como em caixas. Recordou-se que Fernando teria afirmado que havia 30 (trinta) caixas dentro do carro e que fora até Ponta Porã e levaria a carga até Campo Grande (MS), recebendo R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelo transporte. Explicou que ligaram para a Polícia Federal que orientou a levarem o autor, a mercadoria e o veículo para a Polícia Federal de Dourados. Esclareceu que não havia batedor da carga e que, no momento da abordagem Fernando foi colaborativo e justificou que estava realizando o transporte porque precisava de dinheiro e possuía dívidas (Id n. 264041502). A autoria não é questionada, tendo sido o crime, inclusive, confessado pelo réu. Dosimetria. Na primeira fase, o Juízo a quo exasperou a pena em 1 (um) mês em razão da quantidade de cigarros apreendida, 15.000 (quinze mil) maços, fixando a pena-base em 2 (dois) anos e 1 (um) mês de reclusão. Na segunda fase, reconheceu a agravante de paga ou promessa de recompensa e a reincidência, pela condenação nos Autos n. 0036139-50.2014.8.12.000. Ainda, reconheceu a confissão e compensou-a com a agravante da reincidência, elevando a pena em 1/6 (um sexto) e fixando a pena intermediária em 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, a qual tornou definitiva ante a ausência de causas de aumento e diminuição de pena. Fixou o regime inicial aberto, mas deixou de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos diante da reincidência e da reiteração delitiva pela condenação nos Autos n. 5003088-12.2022.4.03.6002, considerando que as penas restritivas de direitos não seriam suficientes para punir e reprimir. Atendendo ao requerimento do Ministério Público Federal no momento da denúncia e fundamentando a medida no art. 387, IV, do Código de Processo Penal e art. 716 do Decreto-Lei n. 399/68, arts. 1º e 3º, parágrafo único, com a redação dada pela Lei n. 10.833/03, art. 78, arbitrou em favor da União o valor mínimo para reparação dos danos em R$ 2,00 (dois reais) para cada moço de cigarro apreendido. Fernando da Silva Almeron requer a fixação da pena-base no mínimo legal, por entender que a quantidade de cigarros, 15.000 (quinze mil) maços, não é expressiva o suficiente para fundamentar a exasperação da pena; a inaplicabilidade da agravante da execução do crime mediante paga ou promessa de recompensa, prevista no art. 62, IV, do Código Penal, visto que o intuito de lucro é ínsito ao crime de contrabando; e o afastamento da indenização estabelecida nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, em favor da União, considerando que tal entidade federativa possui meios próprios para buscar a reparação dos danos decorrentes da prática do crime de contrabando narrado na denúncia (Id n. 264041519). Assiste-lhe parcial razão no que importa ao valor mínimo para reparação dos danos. Na primeira fase, verifico que o magistrado exasperou a pena em 1 (um) mês. Considero que a quantidade de cigarros, 15.000 (quinze mil maços), autoriza exasperação da pena em fração superior. Entretanto, em atenção ao princípio do non reformatio in pejus, deixo de elevar a pena. Na segunda fase, o réu é reincidente, tendo cometido o delito objeto destes autos em 23.04.22, após o trânsito em julgado da condenação prolatada nos Autos n. 0036139-50.2014.8.12.0001, da 7ª Vara Criminal, que ocorreu em 10.05.19 (Id n. 264041500). Revejo meu entendimento para reconhecer a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14). Dessa forma, correto o entendimento do magistrado, que compensou a reincidência com a confissão e manteve o aumento em 1/6 (um sexto) pelo crime cometido mediante paga ou promessa de recompensa, visto que o réu receberia o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) pelo transporte dos cigarros contrabandeados. Mantida a pena definitiva em 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, regime inicial aberto, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito considerando a reincidência e a reiteração delitiva. Passo agora a analisar o valor fixado para reparação de danos. A reparação de danos, prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, imprescinde requerimento expresso do querelante ou do Ministério Público, bem como indicação de valor e prova suficiente. Portanto, para apurar o valor da indenização é necessária instrução específica, a fim de possibilitar ao réu o direito de defesa, com indicação de valor diverso ou até mesmo comprovação de inexistência do prejuízo material ou moral a ser reparado (STJ, AgRg no AREsp n. 1361693, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 02.04.19; REsp n. 1493788, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 15.05.17; TRF 3ª Região, ACr n. 0001088-66.2018.4.03.6000, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j.14.09.20). No caso, houve requerimento do Ministério Público Federal no momento da denúncia, especificando o valor da indenização, a permitir o exercício do contraditório. O réu não se manifestou ao longo do processo. Entretanto, em sede de apelação, requereu o afastamento da medida, sustentando que a União tem meios próprios para reparar os danos. Assiste-lhe razão. O art. 387, IV, do Código de Processo Penal prevê um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerados os prejuízos sofridos pelo ofendido. Tratando-se de cigarros, o bem tutelado pelo legislador é a saúde pública, a coletividade, o que impede uma correta apuração do dano. Havendo a apreensão da mercadoria, não há falar em dano ao erário, já tendo sido aplicada a pena de perdimento, o que inviabiliza a fixação de valor mínimo de indenização (TRF3, ApCrim n. 0000242-49.2018.4.03.6000(MS), Des. Fed. Nino Toldo, j. 06.05.21). Afasto, por essa razão, a determinação do pagamento de valor mínimo de reparação dos danos. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de Fernando da Silva Almeron apenas para afastar o pagamento do valor arbitrado para reparação dos danos, mantidas as demais determinações da sentença. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. CIGARROS. REINCIDÊNCIA. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE MANTIDA. VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS. IMPOSSIBILIDADE DE APURAÇÃO DODANO. AFASTAMENTO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Autoria e materialidade comprovada.
2. Revejo meu entendimento para reconhecer a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14).
3. A reparação de danos, prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, imprescinde requerimento expresso do querelante ou do Ministério Público, bem como indicação de valor e prova suficiente. Portanto, para apurar o valor da indenização é necessária instrução específica, a fim de possibilitar ao réu o direito de defesa, com indicação de valor diverso ou até mesmo comprovação de inexistência do prejuízo material ou moral a ser reparado (STJ, AgRg no AREsp n. 1361693, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 02.04.19; REsp n. 1493788, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 15.05.17; TRF 3ª Região, ACr n. 0001088-66.2018.4.03.6000, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j.14.09.20).
4. Tratando-se de cigarros, o bem tutelado pelo legislador é a saúde pública, a coletividade, o que impede uma correta apuração do dano. Havendo a apreensão da mercadoria, não há falar em dano ao erário, já tendo sido aplicada a pena de perdimento, o que inviabiliza a fixação de valor mínimo de indenização (TRF3, ApCrim n. 0000242-49.2018.4.03.6000(MS), Des. Fed. Nino Toldo, j. 06.05.21).
5. Apelação de Fernando da Silva Almeron parcialmente provida apenas para afastar o pagamento do valor arbitrado para reparação dos danos, mantidas as demais determinações da sentença.