Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5028998-96.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: EUVALDO DAL FABBRO JUNIOR
IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA, NEULER MENDES GOMES JUNIOR

Advogados do(a) PACIENTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON - SP65371-A, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA - SP183378, NEULER MENDES GOMES JUNIOR - SP457914

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL CRIMINAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5028998-96.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 17 - DES. FED. MAURICIO KATO

PACIENTE: EUVALDO DAL FABBRO JUNIOR
IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA, NEULER MENDES GOMES JUNIOR

Advogados do(a) PACIENTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON - SP65371-A, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA - SP183378, NEULER MENDES GOMES JUNIOR - SP457914

IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 9ª VARA FEDERAL CRIMINAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por Alberto Zacharias Toron, Fernando da Nóbrega Cunha e Neuler Mendes Gomes Junior, em favor de Euvaldo Dal Fabbro Junior, contra ato imputado ao Juízo Federal da 9ª Vara Criminal em São Paulo/SP que, nos autos da Ação Penal n. 5001331-90.2020.4.03.6181/SP, admitiu prova ilícita consubstanciada em gravação ambiental sem autorização judicial.

Esclarecem os impetrantes, inicialmente, que houve desistência do habeas corpus n. 5013736-09.2022.4.03.0000, anteriormente impetrado com o mesmo objeto, tendo em vista o surgimento de novas provas relevantíssimas sobre o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente.

Sustentam os impetrantes, em síntese, que:

a) o paciente, auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, está sendo processado nos autos da Ação Penal n. 5001331-90.2020.4.03.6181/SP, em trâmite perante o Juízo Federal da 9ª Vara Criminal em São Paulo/SP, em razão de, supostamente, exigir e solicitar, para si e para outrem, vantagem indevida para deixar de lançar ou cobrar tributos da contribuinte Cobasi Comércio de Produtos Básicos e Industrializados Ltda., que teria implicado a prática do delito previsto pelo artigo 3º, II, da Lei n. 8.137/1990, c. c. o artigo 71 do Código Penal;

b) ao autorizar a ação controlada pela Polícia Federal, o juízo de primeiro grau disse, expressamente, que “a ação controlada não autorizava a quebra de sigilo das comunicações do investigado, com captação ambiental da conversa” e que “se a conversa tivesse sido captada pela própria Polícia Federal poderia ser o caso de considerar ilícita essa prova.”;

c) a autoridade impetrada admitiu como prova a captação ambiental, realizada pela Polícia Federal, sem autorização judicial, por entender que a gravação foi efetivada pela vítima Ricardo Urbano Nassar, sendo irrelevante a utilização dos equipamentos de áudio e vídeo emprestados pela polícia;

d) as informações prestadas pela Polícia Federal ao juízo de primeiro grau comprovam que a Polícia Federal não apenas interveio diretamente na gravação feita pela sedizente vítima, mas, mais do que isso, comprova que a polícia dirigiu toda a ação do interlocutor, estimulando-o e orientando-o para a gravação do diálogo para burlar a necessidade de autorização judicial;

e) a própria Polícia Federal informou que a instalação prévia dos gravadores na sala foi feita diretamente por uma equipe inteira de policiais federais, com o emprego do “procedimento padrão para gravações adotado pela Polícia Federal”;

f) antes da diligência a DELEFAZ já passava ao setor especializado da Polícia Federal “informações para a realização da captação (local, prazo previsto e objetivo)”;

g) segundo declarações do interlocutor do diálogo, durante a audiência de instrução, foi dito: “Eu segui o que me foi determinado”, ou seja, a Polícia Federal foi quem determinou a realização de nova reunião e informou, desde o início, que tudo seria gravado, havendo intervenção policial comprovada;

h) a gravação realizada por interlocutor não pode ser usada para acusar, mas apenas como forma de defesa, nos termos do art. 8º-A, § 4º, da Lei nº 9.296/96, com a redação dada pela Lei nº 13.964/19, aplicável retroativamente ao caso dos autos, conforme precedentes do TSE.

Requerem os impetrantes, assim, a concessão de liminar para o fim de suspender do andamento do feito até julgamento definitivo do presente writ, a fim de evitar tanto o risco de prejuízo à prestação jurisdicional pela necessidade de refazimento de atos que tiveram como referência a prova ilícita, como o incremento do constrangimento ilegal sofrido pelo paciente.

No mérito, requerem o reconhecimento da ilicitude da gravação da conversa havida no dia 11/03/2020 entre o paciente e a sedizente vítima, seja (i) porque a Polícia Federal promoveu captação ambiental sem autorização judicial, seja (ii) porque a disciplina do art. 8º, § 4º, da Lei nº 9.296/96, que se aplica ao caso desta impetração, não autoriza o uso de captação ambiental feito por um dos interlocutores sem prévia autorização judicial para acusar, devendo ser determinada, por consequência, o seu desentranhamento.

Foram juntados documentos.

O pedido liminar foi indeferido (Id 265864407).

Em petição intercorrente Id 266007979 os impetrantes apresentaram pedido de reconsideração da decisão que indeferiu o pedido liminar, tendo em vista que os autos estão devidamente instruídos, reafirmando que a escuta ambiental não foi autorizada pelo juízo de primeiro grau.

A autoridade impetrada prestou informações pelo Ofício Id 266210795, juntando, ainda, documentos Ids 266210505 a 266210808.

O Procurador Regional da República, Dr. André de Carvalho Ramos, manifestou-se pela denegação da ordem.

 

É o relatório.

 

 


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PACIENTE: EUVALDO DAL FABBRO JUNIOR
IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA, NEULER MENDES GOMES JUNIOR

Advogados do(a) PACIENTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON - SP65371-A, FERNANDO DA NOBREGA CUNHA - SP183378, NEULER MENDES GOMES JUNIOR - SP457914

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V O T O

 

 

 

Pretendem os impetrantes, em apertada síntese, assegurar a Euvaldo Dal Fabbro Junior o direito ao desentranhamento de provas relacionadas à captação ambiental, supostamente realizadas com intervenção direta da Polícia Federal, sem a necessária autorização judicial estabelecida pelo artigo 8º-A, §4º, da Lei n. 9.296/1996 c. c. a Lei n. 13.964/2019.

Os elementos dos autos não indicam qualquer constrangimento ilegal imposto ao paciente.

Consta dos autos principais que a autoridade policial, em 10/03/2020 representou pelo deferimento de ação controlada de agentes policiais, para dar continuidade às investigações materializadas no bojo do Inquérito Policial n. 2020.0016121-SR/PF/SP (Id 29417218).

Segundo a Polícia Federal, foi recebida, no Setor de Inteligência da DELEFAZ, notitia criminis dando conta da possível prática do crime tipificado no artigo 3º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90, entre outros, por parte do auditor fiscal da Receita Federal EUVALDO DAL FABBRO JÚNIOR, responsável por fiscalização que está sendo realizada na empresa “COBASI”, cujos sócios-administradores são os noticiantes JOÃO URBANO NASSAR e RICARDO URBANO NASSAR.

Narra a representação da autoridade policial que RICARDO NASSAR teria tomado conhecimento, por meio de um contato empresarial, que a empresa COBASI seria autuada em mais de 200 milhões pela Receita Federal e que os auditores envolvidos na fiscalização da COBASI teriam relatado dificuldade em ter acesso aos donos da empresa. Diante dessas informações, RICARDO decidiu receber o Auditor Fiscal da Receita Federal EUVALDO DAL FABBRO JUNIOR em sua empresa, no dia 06/02/2020, para tratar da fiscalização em andamento, ocasião em que o Auditor Fiscal teria afirmado ter encontrado diversas irregularidades fiscais na empresa COBASI que poderiam estar ligadas a diversos crimes como lavagem de dinheiro, sendo que o valor da autuação giraria em torno de 230 milhões. RICARDO teria dito, então, não possuir dinheiro suficiente para pagar o valor da autuação e que sua empresa sofreria sérias consequências em decorrência disso. Em resposta a esse comentário, o Auditor teria dito que, para “resolver o problema”, bastaria pagar a quantia correspondente a dez por cento do valor do possível auto de infração à “equipe”, da qual ele era apenas “uma peça da engrenagem”. Sugeriu, ainda, operacionalizar o pagamento da propina por meio de fornecedores indicados por ele (EUVALDO) ou pelo próprio RICARDO, mencionando uma grande empresa do ramo de plásticos, a qual poderia fornecer sacolas plásticas à empresa COBASI e, por meio desse aparente serviço, receber os recursos da propina de forma disfarçada. O empresário RICARDO, então, argumentou que não poderia responder à solicitação de EUVALDO antes de expor toda a situação aos demais sócios da empresa COBASI, quais sejam, JOÃO URBANO NASSAR e PAULO URBANO NASSAR. Posteriormente, diante da insistência do auditor fiscal, RICARDO, propôs reunião com EUVALDO no dia 11/03/2020, às 15h30min., procurando, contudo, a Polícia Federal para relatar tais fatos.

Aduz a autoridade policial, ainda, que os empresários JOÃO URBANO NASSAR e RICARDO URBANO NASSAR forneceram diálogos de whatsapp entabulados entre a contadora HELOISA HELENA DE PAULA MACIEL e o Auditor Fiscal da Receita Federal EUVALDO DAL FABBRO JUNIOR, bem como o Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal e o Termo de Início de Fiscalização nos quais constam, dentre outros dados, a informação de que a empresa COBASI está sendo objeto de fiscalização pela Receita Federal, o escopo da fiscalização a ser realizada, o nome do Auditor Fiscal da Receita Federal (EUVALDO DAL FABBRO JUNIOR) responsável pela fiscalização e o nome do Supervisor designado (FLAVIO FERRETTI).

Diante desses fatos, a Polícia Federal, em 10/03/2020, representou pela necessidade de ação controlada na reunião agendada para o dia 11/03/2020 entre RICARDO NASSAR e o Auditor Fiscal para o fim de acompanhar e monitorar tal evento, postergando-se a ação policial após confirmação/provas das referidas denúncias e possibilidade de identificação de maior número de integrantes da ação criminosa, evitando-se a prisão prematura do referido agente público.

Para a implantação de tal medida, a autoridade policial salientou em sua Representação que seriam utilizados pelos policiais da Unidade de Análise de Dados e Inteligência Policial equipamentos discretos capazes de gravar o encontro anunciado e monitorar o ambiente, sendo que o acesso ao ambiente em que ocorreria o encontro seria franqueado pelo empresário RICARDO URBANO NASSAR (Id 29417218, pág. 04).

O Juízo Federal da 9ª Vara Criminal em São Paulo/SP, ao apreciar a representação apresentada pela Polícia Federal, quanto ao deferimento de ação controlada de agentes policiais assim se manifestou, em 10/03/2020 (Id 265768028):

(...)

Segundo a autoridade policial, foi recebida no Setor de Inteligência da Delefaz, notitia criminis dando conta da possível prática do crime tipificado no artigo 3º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90, entre outros, por parte do auditor fiscal da Receita Federal EUVALDO DAL FABBRO JÚNIOR, responsável por fiscalização que está sendo realizada na empresa “COBASI”, cujos sócios-administradores são os noticiantes.

Assevera ainda que teria sido dito pelo auditor fiscal que ele faria parte de uma “equipe” a quem se destinaria o valor solicitado aos sócios da empresa e que ele seria “uma peça da engrenagem”.

Justifica a adoção dessa medida pelas seguintes razões:

“a) será uma oportunidade de confirmar os fatos informados na denúncia realizada pelos empresários JOÃO URBANO NASSAR e RICARDO URBANO NASSAR;

b) também será uma grande oportunidade de produzir provas que irão robustecer a denúncia em análise;

c) será estrategicamente mais produtivo, sob o ponto de vista da colheita de provas, evitar a prisão prematura do agente público sob suspeita, uma vez que o mesmo, aparentemente, integra uma estrutura criminosa complexa e organizada, cujo funcionamento poderá ser descortinado com o aprofundamento das investigações.”

O Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente à representação policial (ID 29438624).

Fundamento e decido.

A ação controlada tem previsão legal no artigo 8º da Lei n. 12.850/2013.

Defiro o meio de obtenção de prova, pois no caso em tela, estão presentes os requisitos legais para o deferimento da medida, os quais somam-se aos princípios gerais que regem a concessão de tutela cautelar processual penal:

A – Indícios razoáveis de materialidade e autoria/participação na atividade delitiva.

A justa causa está presente nos depoimentos de João Urbano Nassar e Ricardo Urbano Nassar, nos quais há o relato de que o auditor fiscal EUVALDO DAL FABBRO teria informado ao sócio Ricardo que a empresa COBASI seria autuada em 230 milhões de reais e que para “resolver o problema” seria necessário pagar a quantia de dez por cento do valor da autuação para a “equipe” da qual o auditor seria apenas uma “peça”. Foi relatado ainda que o auditor teria indicado o pagamento da propina por meio de uma empresa que forneceria sacolas plásticas à empresa COBASI.

Além das declarações dos sócios, foram acostados aos autos cópias do termo de início de fiscalização pela Receita Federal, constando como auditor fiscal responsável EUVALDO DAL FABBRO JÚNIOR, sob supervisão de Flavio Ferretti, como também cópia de mensagens via aplicativo WhatSapp entre EUVALDO DAL FABBRO e a contadora da empresa Heloisa Helena de Paula Maciel, indicando o agendamento de reunião entre o auditor fiscal e o sócio RICARDO NASSAR para dia 11/03/2020, às 15:30 horas (ID 29417239).

Observo que tanto a representação quanto a informação são acompanhadas de detalhes e coerência que lhes dão credibilidade.

Ademais, a subscritora têm presunção de fé pública.

B – A descrição dos fatos é suficientemente clara e o investigado está por ora suficientemente identificado. Há também elementos suficientes a indicar a existência de outros indivíduos envolvidos no suposto delito, visto que foi informado, pelo próprio servidor público, aos noticiantes que o auditor fiscal EVALDO DAL FABBRO faria parte de uma “equipe”, sendo “peça de uma engrenagem”. Além disso, a forma de pagamento da propina sugerida pelo auditor fiscal, por meio de empresa fornecedora de sacolas plásticas, indica a existência de envolvimento de outros indivíduos, inclusive de forma organizada, na efetivação do suposto delito.

C – Necessidade da medida, pois no momento da ocorrência do fato a autoridade policial poderá avaliar que a prisão em flagrante impedirá a apuração de fato de maior importância para o deslinde da investigação, qual seja, a identificação de outros membros da chamada “equipe”. Vale dizer, postergar a apuração de um fato, como no caso em tela, pode ser útil para a descoberta e apuração de fato mais relevante, quanto aos autores, não só funcionários públicos, mas também particulares que auxiliam no recebimento de valores irregulares.

D – As condutas, em tese, configuram o crime tipificado no artigo 3º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90, que estabelece pena de reclusão de três a oito anos e multa, como também os crimes de associação criminosa ou organização criminosa, também punidos com reclusão, conforme previsão legal.

E – Este Juízo é competente para apreciar a questão, nos termos do artigo 109, IV, da Constituição Federal, diante do suposto crime praticado por funcionário público federal.

F – Requerimento da autoridade com poderes para tanto. A autoridade policial e o Ministério Público Federal em São Paulo têm atribuição para o requerimento, eis que as condutas ocorrem, em princípio, neste município.

G – A presente constitui-se em ordem judicial fundamentada, conforme estabelecido no §1º do artigo 8º da Lei n.º 12.850/2013.

H – As provas são colhidas no presente procedimento criminal.

I – Individualização das pessoas alvo da medida, não se trata de medida genérica.

L - Obrigatoriedade do sigilo processual em relação a pessoas estranhas à causa, em tutela à imagem das pessoas sob investigação.

M - Impertinência, no presente momento, da abertura de contraditório. Com efeito, tal medida frustraria os resultados práticos das medidas (§§2º e 3º do artigo 8º da Lei n.º 12.850/2013).

Resta, contudo, em caso de instauração de ação penal, a garantia de realização do contraditório diferido.

N – o meio de prova permitirá maior segurança no desenrolar das investigações, evitando ilações e permitindo maior certeza do quanto se apura.

O – a medida será implementada pela Polícia Federal, unicamente, a qual deverá apresentar, ao término da diligência, auto circunstanciado da ação controlada, conforme disposição do §4º do artigo 8º da Lei n.º 12.850/2013.

Posto isso:

1 – Defiro o meio de obtenção de prova consistente em ação controlada, determinando à autoridade policial que relate circunstanciadamente todos os acontecimentos presenciados, mantenha a observação e acompanhamento dos fatos para que eventuais outras medidas cautelares concretizem-se no momento mais eficaz para colheita de provas.

2 – Comunique-se à Delegada de Polícia Federal que preside as investigações o teor desta decisão, servindo a presente decisão como ofício, em face da urgência que o caso requer.

3 - Ressalto que o uso abusivo/ilegal dos meios operacionais ora deferidos para as investigações criminais sujeitará os autores dos atos às penas civis, penais e administrativas correspondentes.

4 – O descumprimento desta ordem, em seus exatos termos, ensejará a apuração do eventual cometimento do delito previsto no artigo 330 do Código Penal, quanto aos particulares, e do 312 do Código Penal quanto a agentes públicos.

5 – DECRETO o SIGILO PROCESSUAL dos autos, conforme disposição expressa da lei (§3 do artigo 8º da Lei n.º 12.850/2013). O sigilo estende-se, por ora, aos investigados e seus eventuais procuradores, eis que se trata de atos investigatórios e não instrutórios.

6 - Ciência ao Ministério Público Federal."

Consta nos autos principais que, de posse de já mencionada autorização judicial, ocorreu monitoramento da sala localizada na empresa COBASI, em que seria realizado encontro entre o representante da empresa, Ricardo Urbano Nasser, e o Auditor Fiscal da Receita Federal, Euvaldo Dal Fabbro Junior, agendado para 11/03/2020 às 15h30m. Equipes se deslocaram para o escritório da empresa COBASI, localizado na Rua Professora Helena de Moura Lacerda, 140, São Paulo/SP, e, uma vez no local, dividiram-se, para que houvesse acompanhamento, de forma aproximada, a Ricardo Urbano, com duplo objetivo: acompanhar a conversa e zelar por sua integridade física; demais integrantes da equipe ficaram estrategicamente posicionados nas proximidades da empresa, responsabilizando-se pela segurança da área e pelo acompanhamento do Auditor Fiscal, ora paciente, com o objetivo de confirmar sua chegada a já mencionado legal, sendo que a Polícia Federal teria fornecidos equipamentos para que RICARDO procedesse à captação ambiental.

O referido monitoramento ambiental perdurou durante o encontro entre Ricardo e Euvaldo e, uma vez terminada reunião, os arquivos de som e imagem produzidas foram formalmente entregues à Polícia Federal, conforme se verifica de Termo de Entrega assinado por Ricardo Urbano, constante dos autos principais.

O paciente foi denunciado, em 06/08/2020 como incurso, por duas vezes, nas penas do art. 3º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, na forma do art. 71, do Código Penal, porque, nos dias 06 de fevereiro e 11 de março de 2020, na qualidade de auditor fiscal da Receita Federal, teria exigido e solicitado, para si e para outrem, vantagem indevida para deixar de lançar e cobrar tributos da pessoa jurídica COBASI COMÉRCIO DE PRODUTOS BÁSICOS E INDUSTRIALIZADOS LTDA., relacionados ao Procedimento Fiscal n. 08.1.65.00-2018-00969-3.

Em resposta à acusação a defesa do paciente sustentou que a captação ambiental realizada no feito está eivada de nulidade, e que, por consequência, faltaria à presente ação penal justa causa.

Em 17/11/2020, a autoridade impetrada recebeu a denúncia e afastou a ilicitude da prova, nos seguintes termos (Id 41332282, dos autos principais):

“(...)

Afasto a alegação defensiva acerca da nulidade da ação controlada, haja vista que, conforme constou expressamente da decisão que deferiu a medida (ID 29445019), havia elementos suficientes a indicar a existência de suposta organização criminosa, crime este, inclusive, objeto de apuração do inquérito policial desmembrado do presente feito. Observo, ademais, que as alegações defensivas mostram-se contraditórias ao apontarem que a ação controlada é medida a ser utilizada no inicio da persecução penal e ao mesmo tempo estabelecer a necessidade de comprovação cabal da organização criminosa para o deferimento da medida. Saliente-se que a medida foi deferida, autorizando que eventual flagrante fosse postergado, visando a identificação de outros membros que atuariam com o denunciado, e o fato de não se ter obtido tais informações não anula a legítima e regular medida.

 Da mesma forma, afasto a afirmação da defesa de que teria havido flagrante preparado, até porque, conforme se verifica das cópias das mensagens trocadas entre o denunciado e a contadora da empresa COBASI (ID29417239-fls.14/22), a iniciativa dos encontros com os representantes da empresa partiu do próprio denunciado. No mais, verifica-se da denúncia que uma das condutas imputados ao denunciado teria ocorrido em momento anterior ao encontro acompanhado pelos policiais. E quanto aos questionamentos acerca do conteúdo da conversa entre o auditor fiscal e o empresário devem ser objeto de instrução, não motivando, nesta fase de cognição sumária, qualquer causa impeditiva para a deflagração da ação penal.

Quanto às demais alegações contidas na defesa preliminar, verifica-se que merecem ser objeto de instrução processual, mas não afastam a materialidade delitiva e indícios de autoria acima descritos, não impedindo o recebimento da denúncia.

 

(...)”

Em 18/04/2022 a autoridade impetrada manteve o indeferimento do pedido de desentranhamento da prova considerada ilícita nos seguintes termos (Id 265768846):

“(...)

A defesa alegou que a manifestação da autoridade policial indica que teria havido interferência direta da Polícia Federal na captação da conversa, em desacordo com a determinação judicial e requereu a decretação da nulidade da captação ambiental, visto que realizada sem determinação judicial e seu desentranhamento dos autos. No mais, reiterou os requerimentos contidos na resposta à acusação e reiterados na petição de ID nº 239486341.

(...)

Inicialmente, consigno que a legalidade da ação controlada já foi objeto de análise por este Juízo, nos Autos nº 5002201-38.2020.4.03.6181, ID nº 31471212, entendendo-se pela legalidade da ação policial. Diferentemente do alegado pela defesa, não vislumbro, nas informações prestadas pela autoridade, nenhum elemento novo que indique que a ação policial extrapolou os limites autorizados por este juízo, salientando-se que a utilização de aparelhos discretos para monitoração do encontro na ação controlada foi objeto da representação policial (ID 29417239 fls. 28/32) e deferida por este juízo (ID29445019).

Além disso, a informação policial reforça que o aparelho utilizado pelo interlocutor para gravação da conversa não viabiliza que o seu operador receba instruções de outrem, não havendo fundamento para concluir, em face do que até aqui se apresenta, que houve interferência da polícia federal na conversa gravada. Assim, indefiro o pedido de desentranhamento dos arquivos referentes a gravação da conversa entre o acusado e a vítima, cuja legalidade, saliente-se, já foi objeto de análise por este juízo, nada de novo havendo nos autos que justifique a revisão do que restou decidido.

(...)”

Não se verifica qualquer ilegalidade no deferimento da ação controlada pelo juízo impetrado que, além de constitucional, é amplamente aceita pela jurisprudência pátria, desde que observados os requisitos legais, em especial a autorização judicial devidamente fundamentada e a proporcionalidade, consideradas sua necessidade, adequação, e a prevalência dos objetivos visados em detrimento dos direitos mitigados.

Cabe ressaltar, entretanto, que a gravação ambiental não estava acobertada pela decisão que deferiu a ação controlada.

Apesar da referência à utilização, pelos policiais, de “equipamentos discretos capazes de gravar o encontro anunciado e monitorar o ambiente” e do registro “que o acesso ao ambiente em que ocorrerá o encontro será franqueado pelo empresário RICARDO URBANO NASSAR”, a representação policial não abarcava toda e qualquer medida de quebra de comunicação que dependesse de prévia autorização judicial.

A captação ambiental está regulamentada pelo art. 8º-A, da lei 9296/96, que determina, entre outros requisitos, seja “comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada”. Tais requisitos não foram objeto de demonstração na representação policial e, por isso, igualmente não foram apreciados pela autoridade judicial.

A própria autoridade policial esclarece que a captação ambiental não está incluída em seu pedido ao encarecer que a solicitação “seja apreciada por este Juízo em tempo hábil à realização da diligência de acompanhamento do encontro que será realizado no escritório da COBASI, situado na Rua Professora Helena de Moura Lacerda, n.º 140, Bairro Vila Leopoldina, São Paulo/SP, no dia 11.03.2020, às 15:30hs e, caso seja necessário, sejam estabelecidos seus limites”.

Essa foi, aliás, a posição externada pela autoridade impetrada por ocasião da apreciação de pedido prisão temporária (Id 265768029):

“(...)

Com a ação controlada, a Policia Federal logrou obter provas concretas do delito previsto no artigo no art. 3º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, assim como fortes indícios de que o auditor da Receita Federal EUVALDO DAL FABBRO JÚNIOR integraria associação criminosa ou organização criminosa voltada à prática de crimes funcionais contra a ordem tributária.

Isto porque, de acordo com o que consta no referido auto circunstanciado, no dia 11/03/2020 a Polícia Federal realizou monitoramento da sala localizada na empresa COBASI, situada na Rua Helena de Moura Lacerda, n°140, São Paulo/SP, onde se realizaria o encontro entre EUVALDO DAL FABBRO JÚNIOR e RICARDO NASSAR, sócio da mencionada pessoa jurídica e o que de fato aconteceu.

Na ocasião, RICARDO NASSAR efetuou a captação do diálogo mantido com EUVALDO DAL FABRO JÚNIOR, cujo teor encontra-se acostado a partir do ID 31101421 dos autos principais.

Neste ponto, entendo pertinente diferenciar a interceptação telefônica, da captação ambiental e da gravação clandestina.

A interceptação telefônica é estabelecida pelo artigo 1º da Lei 9296/96 e ocorre quando um terceiro capta o diálogo telefônico travado entre duas pessoas, sem que nenhum dos interlocutores saiba. Já a captação ambiental é prevista no artigo 8-A da Lei 9296/96, incluído pela Lei nº 13.964, de 2019, e é efetuada por terceira pessoa, alheia a conversa. Em ambos os casos é imprescindível a autorização judicial.

Tércio Sampaio Ferra Junior, em "Sigilo das operações de instituições financeiras", in Revista do IASP, n° 9/162, citado pelo Ministro Cezar Peluso no RE 583937 QO-RG, sobre a inviolabilidade do sigilo, preleciona que:

“O que fere a inviolabilidade do sigilo é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que, o que deve ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de terceiro. Ou seja, a inviolabilidade do sigilo garante, numa sociedade democrática, o cidadão contra a intromissão clandestina ou não autorizada pelas partes na comunicação entre elas...o objetivo protegido pelo art. 5º inc. XI da CF, ao assegurar a inviolabilidade do sigilo, não são os dados em si, mas a sua comunicação. A troca de informações (comunicação) é que não pode ser violada por sujeito estranho à sua comunicação”.

Por outro lado, a gravação clandestina de conversação ambiental se refere à gravação realizada por um dos interlocutores e, neste caso, independe de autorização judicial.

O Supremo Tribunal Federal admite a gravação clandestina de conversação telefônica ou ambiental como prova lícita, prescindindo de autorização judicial, ainda que realizada sem o consentimento do outro interlocutor. O tema foi objeto de reconhecimento em repercussão geral no STF, que firmou a seguinte tese: "É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro". (RE 583937 QO-RG, Relator: Min. Cezar Peluso, julgado em 19/11/2009, repercussão geral - mérito DJe-237 divulg 17-12-2009 public 18-12-2009).

Nesse sentido:

“Parece razoável admitir que um dos interlocutores, nos casos de autodefesa ou de defesa de terceiras pessoas ou da coletividade, poderá levar essa prova a juízo. O contrário seria levar o princípio constitucional da intimidade a um patamar liberal-individualista, alheio até mesmo ao conjunto principiológico exsurgente da Constituição, que aponta para a preservação da dignidade da pessoa humana e para a consagração dos direitos coletivos”. (STRECK, Lenio Luiz. As interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais: Constituição, Cidadania, Violência: a Lei 9.296/96 e seus reflexos penais e processuais. 2ª ed. rev. Ampl. Porto Alegre: Libraria do Advogado, 2001, p. 114).

A gravação clandestina, independe, portanto, de autorização judicial, por não se tratar de forma de interceptação telefônica ou ambiental stricto sensu, prevista no artigo 5º, XII da Constituição Federal, regulado pela Lei 9.296/06 e artigo 3º, II da Lei 12.850/13. Esse tipo de gravação refere-se à violação ao direito à intimidade, previsto no artigo 5º, X, Constituição Federal. O direito à intimidade não possui regulamentação em lei, encontrando vedação em sua divulgação apenas nas hipóteses em que a conversa é amparada por sigilo, como nos casos de advogados e clientes, padres e fiéis.

Entendo ser essa a hipótese dos autos, de gravação clandestina, razão pela qual lícita a prova juntada pela autoridade policial, fornecida por um dos interlocutores, RICARDO URBANO NASSAR, conforme termo de entrega acostado no ID 29872794.

A propósito, entendo que o fornecimento da câmera pela Polícia Federal para que um dos interlocutores pudesse efetuar a gravação da conversa não configura captação ambiental por terceiro, porquanto a própria parte quem efetuou de fato a gravação da conversa, como um dos interlocutores do diálogo. A autoridade policial esclareceu que RICARDO URBANO NASSAR sentiu-se desconfortável em gravar com seu próprio aparelho a conversa, juntando ainda a autoridade certidão ao final do auto circunstanciado, em que deixa evidenciado que o material foi utilizado e entregue por Ricardo.

Importante salientar que havia, na ocasião, ação controlada deferida por este Juízo nos autos do Inquérito Policial n° 5001331-90.2020.403.6181, que possibilitava à Polícia Federal acompanhar e monitorar o encontro realizado entre o investigado e RICARDO URBANO NASSAR, a possibilitar a campana nos arredores da empresa em que foi realizado a reunião entre ambos, com filmagem e captação de fotos do local.

Contudo, a ação controlada não autorizava a quebra de sigilo das comunicações do investigado, com captação ambiental da conversa realizada com RICARDO URBANO NASSAR, pois a representação policial sequer tinha como objeto pedido de autorização para gravar o diálogo travado entre essas partes.

Se a conversa tivesse sido captada pela própria Polícia Federal poderia ser o caso de considerar ilícita essa prova, já que sem autorização judicial, nos termos do que prevê o artigo 8-A da Lei 9296/1996.

Assim, observo à Polícia Federal que a ação controlada tem os limites estabelecidos no artigo 8º da Lei 12850/13, consistente tão somente em “retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de nformações”. De modo que qualquer outra ação que exija autorização judicial, como a quebra do sigilo das comunicações deve ser objeto de pedido específico e fundamentado, sob pena de configuração de prova ilícita.

Entretanto, como dito, trata-se de captação ambiental realizada por um dos interlocutores, razão pela qual, entendo por lícita a prova.

(...)”

A gravação de áudio registrada pela vítima consiste em gravação ambiental efetuada por um dos participantes do diálogo, renunciando ao direito de sigilo e fornecendo dados para a acusação.

O artigo 10-A, da Lei 9.296/96, que criminaliza a "captação ambiental ilegal", estabelece no seu §1º que "não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores".

No caso, há possibilidade de a gravação ter sido realizada espontaneamente por um dos interlocutores, situação que poderia ter sua utilização validada no âmbito do processo penal.

Essa circunstância, contudo, não está muito bem delineada nos autos, uma vez que, para chegar a tal conclusão, a impetração propõe a análise de parte das provas produzidas no curso da instrução criminal para a conclusão da tese proposta.

Essa análise, entretanto, não é possível no âmbito restrito da impetração, vez que implica exame aprofundado das provas, providência de refoge aos estreitos limites do habeas corpus e somente poderá ser efetivada em eventual recurso de apelação a ser apreciado pelo Tribunal.

Por fim, a tese subsidiária de impossibilidade de utilização da prova em favor da acusação, nos termos do que dispõe o art. 8º, § 4º, da Lei 9.296/96, com redação dada pela lei 13.964/19, de 29/04/2021, poderia ser apreciada somente após estabelecido como certo o fato de não ter havido direta interferência da autoridade policial na captação ambiental, mas se cuidar, apenas, de gravação realizada de maneira espontânea por um dos participantes da conversa.

Assim, não vislumbro flagrante ilegalidade apta a ensejar a concessão da ordem nos termos requeridos.

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

É o voto.



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. AÇÃO CONTROLADA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL CLANDESTINA. NULIDADE DA PROVA. ORDEM DENEGADA.

1. A ação controlada é amplamente aceita pela jurisprudência pátria, desde que observados os requisitos legais, em especial a autorização judicial devidamente fundamentada e a proporcionalidade, consideradas sua necessidade, adequação, e a prevalência dos objetivos visados em detrimento dos direitos mitigados.

2. O empréstimo de equipamentos pela Polícia Federal em ação controlada para que um dos interlocutores realize diretamente a gravação ambiental clandestina não torna a prova nula a pretexto de ausência de autorização judicial para a captação ambiental.

3. Não estando bem delimitado nos autos que a gravação ambiental clandestina teve a participação direta da Polícia Federal, não é possível no âmbito restrito do habeas corpus o exame aprofundado das provas, devendo a análise da legalidade da prova ser efetivada somente por ocasião de eventual recurso de apelação a ser apreciado pelo Tribunal.

4. Ordem denegada.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade, decidiu, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.