APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000618-27.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. VICTORIO GIUZIO
APELANTE: KARINA FRANCA DE SOUSA
Advogado do(a) APELANTE: RAQUEL DELMANTO RIBEIRO HUYSMANS - SP312670-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000618-27.2022.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. VICTORIO GIUZIO APELANTE: KARINA FRANCA DE SOUSA Advogado do(a) APELANTE: RAQUEL DELMANTO RIBEIRO HUYSMANS - SP312670-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Desembargador Federal Victorio Giuzio: Trata-se de ação destinada a viabilizar a implantação de benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição, e na Lei Federal nº 8.742/93. A r. sentença (ID 266151407, fls. 89/91) julgou o pedido inicial improcedente e condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, observada a Justiça Gratuita. Apelação da parte autora (ID 266151407, fls. 101/121), na qual requer a reforma da r. sentença. Afirma o preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício. Requer a fixação dos honorários advocatícios na proporção de 20% (vinte por cento) do valor da condenação. Sem contrarrazões. A Procuradoria Regional da República apresentou parecer (ID 267617604). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000618-27.2022.4.03.9999 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. VICTORIO GIUZIO APELANTE: KARINA FRANCA DE SOUSA Advogado do(a) APELANTE: RAQUEL DELMANTO RIBEIRO HUYSMANS - SP312670-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Desembargador Federal Victorio Giuzio: O artigo 3º, da Constituição, elenca os objetivos da República Federativa do Brasil, quais sejam: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Em vista de tais objetivos, a Constituição determinou, no âmbito da Assistência Social, a implantação de benefício destinado a garantir uma subsistência mínima para os cidadãos efetivamente necessitados, verbis: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” O benefício, de caráter não contributivo, foi regulamentado pela Lei Federal nº 8.742/93, que traz os requisitos necessários à implantação. Quanto à deficiência, o artigo 20, §2º, da Lei Federal nº 8.742/93, esclarece que “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” – sendo que, a teor do §10 do preceito em tela, impedimento de longo prazo é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. A incapacidade exigida, por sua vez, não deve que ser encarada como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária (hipótese em que se faria necessário o auxílio permanente de terceiros), mas sim a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada. Neste sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma, REsp. nº 360.202, j. 04.06.2002, DJ 01.07.2002, p. 377, Rel. Min GILSON DIPP), oportunidade em que se consignou que "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador." Quanto ao idoso, a partir da vigência das alterações da Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, exige-se a idade mínima de 65 anos (artigo 20, caput, da Lei Federal nº 8.742/93). Em ambas as hipóteses (deficiência ou idoso), exige-se prova da impossibilidade de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela família. O dever de assistência do Estado é, portanto, subsidiário, e não afasta a obrigação de amparo mútuo familiar. Nesse sentido, a jurisprudência específica da Sétima Turma desta E. Corte (ApCiv 0003058-98.2019.4.03.9999, j. 22/10/2020, Dje 03/11/2020, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES). Nesse sentido, a hipossuficiência econômica deve ser analisada no contexto familiar, sendo que, nos termos do artigo 20, §1º, da Lei Federal nº 8.742/93, a “família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.” No que tange ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE (Rel. MIN. GILMAR MENDES), reapreciou a decisão anteriormente proferida na ADI nº 1.232-1/DF, declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. Destaco da respectiva ementa o seguinte trecho: "Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, §3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente.” Por conseguinte, verifica-se que a decisão da Corte Excelsa entendeu que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado que se demonstre a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Aliás, sobre esse tópico, o Superior Tribunal de Justiça, em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva, assim já se pronunciou: "RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. (...) 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. 7. Recurso Especial provido". (3ª Seção, REsp. nº 1.112.557/MG, DJ 20/11/2009, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO). Por conseguinte, conclui-se que a referência quantitativa expressa no § 3º, do artigo 20, da LOAS, pode ser considerada como um dos critérios para a aferição de miserabilidade, sem a exclusão de outros. No que diz respeito à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei Federal nº 10.741/03, colocou-se a questão de tal afastamento aplicar-se tão somente ao benefício assistencial (nos estritos termos da norma) ou, noutro giro, igualmente abarcar benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe. Argumentou-se que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, portanto, não havia justificativa plausível para a discriminação, inclusive a partir de aplicação analógica do preceituado no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso. Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça, já se pronunciou. De início, na Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção daquela Corte em 10 de agosto de 2011 (Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA) e, mais recentemente, no REsp nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73, cuja ementa é a seguinte: "PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (1ª Seção, REsp nº 1.355.052/SP, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES). Logo, não deve ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício no valor de um salário mínimo recebido por deficiente (artigo 34, parágrafo único, da Lei Federal nº. 10.741/03) ou idoso, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamentos repetitivos (REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015). Todavia, é necessário consignar que a aludida exclusão do rendimento de deficiente ou idoso não importa na automática concessão do benefício, devendo serem considerados os demais aspectos socioeconômicos e familiares do requerente. No caso concreto, a parte autora nasceu em 30/01/1998 (ID 266151406, fl. 20), possuindo atualmente 24 anos de idade. Quanto à deficiência, o perito judicial esclareceu os fatos (ID 266151407, fls. 13/15, 35/36 e 64/70, grifei): "2. O periciando é portador de alguma doença ou lesão? Sim, escoliose. 3. Em caso positivo, essa doença ou lesão limita de alguma forma o exercício das atividades normais do Autor? A Autora, em razão de sua deficiência fisica, encontra-se incapacitada a exercer qualquer atividade em que sejam necessários esforços físicos. (...) 6. Caso periciando esteja limitado de alguma forma (especificar como) para as atividades normais da faixa etária, é possível sua plena recuperação e se possível, em quanto tempo ela se dará? (Aproximadamente) A Autora, em razão de sua deficiência física, encontra-se incapacitada a exercer qualquer atividade em que sejam necessários esforços físicos, não existe possibilidade de reversão, o quadro está consolidado. (...) 8. A limitação apresentada pelo periciando é total ou parcial? É temporária ou permanente? (Obs. A expressão "limitação" aqui mencionada diz respeito apenas à impossibilidade de o periciando exercer as atividades das crianças de sua faixa etária e não para realizar as atividades da vida diária, como alimentar-se, vestir-se e manter sua higiene corporal). Parcial e permanente. (...) 1. Nos termos do artigo 20, §2°, da Lei 8742/1993, in verbis: "Considerase pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza fisica, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". Considerando os elementos obtidos na perícia médica, a parte autora é considerada pessoa com deficiência ou com doença incapacitante? Qual? Fundamente. A Autora apresenta deficiência física. 2. Há funções corporais acometidas? Quais? Sim, devido a alteração da coluna vertebral apresenta limitação cardio-pulmonar. 3. Qual a data do início da deficiência ou doença incapacitante? Justifique. A patologia é congênita, então as limitações sempre existiram." O requisito da deficiência foi preenchido. O estudo social preliminar (ID 266151406, fls. 51/53), realizado em 22/01/2010, consignou que a autora vivia com sua mãe, pai, uma irmã e um irmão, em casa própria, composta por 02 (dois) dormitórios, 01 (uma) sala, 01 (uma) cozinha, e 01 (um) banheiro. O imóvel era construído em alvenaria, sem pisos, sem forração e em péssimas condições de conservação. Os móveis e utensílios domésticos eram muito simples, porém mal conservados e o mínimo necessário a vida familiar. A renda familiar consistia em atividades esporádicas realizadas pelo pai da autora, auferindo rendimentos de aproximadamente R$ 400,00, e no benefício bolsa família no valor de R$ 134,00, totalizando R$ 534,00. Os gastos relatados, por sua vez, consistiam em luz (R$ 35,00), água (R$ 50,00), alimentação (R$ 200,00), gás (R$ 37,00) e imposto (R$ 58,00), totalizando R$ 380,57. A assistente social concluiu de modo favorável a concessão do benefício: "Nosso parecer social é no sentido de que seja concedido o beneficio a essa criança, no sentido de ajudar a família nas despesas da casa, já que a família vive uma situação precária, principalmente em relação à alimentação básica para sobrevivência de todos." (grifei) Posteriormente, foi realizado novo estudo social (ID 266151407, fl. 55), elaborado em 13/11/2016, que consignou que atualmente a parte autora vive com sua mãe, irmã e sobrinho, em imóvel composto por dois cômodos, sendo um quarto conjugado com cozinha e um banheiro. A moradia tem mobiliário escasso com boas condições de ordem e higiene. A renda familiar mensal é de R$ 800,00 (oitocentos reais) proveniente do programa da "Frente de Trabalho" ao qual a mãe da autora pertence, mais uma cesta básica. A mãe da autora conta que não tem ideia de quanto gasta com alimentação e que não tem despesas de aluguel, água, ou energia. Não foi informado possuírem automóvel. Dessa forma, entendo que o requisito socioeconômico foi preenchido. A renda mensal somada aos demais elementos fáticos indicam situação de vulnerabilidade. É devido o benefício de prestação continuada. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do ajuizamento da ação, em 16/09/2009 (ID 266151406, fl. 3). Inverto o ônus sucumbencial. Condeno a autarquia ao ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autora e fixo honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor das parcelas devidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do STJ. O INSS é isento de custas processuais, arcando com as demais despesas, inclusive honorários periciais (Res. CJF nºs. 541 e 558/2007), além de reembolsar custas recolhidas pela parte contrária, o que não é o caso dos autos, ante a gratuidade processual concedida (art. 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996, art. 24-A da Lei 9.028/1995, n.r., e art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/1993). Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947, até a edição da EC nº. 113/2021, a partir de quando será aplicada exclusivamente a taxa Selic. Por tais fundamentos, dou parcial provimento à apelação da parte autora. É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL – ASSISTÊNCIA SOCIAL – BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA - REQUISITOS LEGAIS.
1. O benefício de prestação continuada, de caráter não contributivo, foi regulamentado pela Lei Federal nº 8.742/93, que traz os requisitos necessários à implantação.
2. Tanto no caso do idoso (maior de 65 anos) quanto no da pessoa com deficiência exige-se prova da impossibilidade de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela família.
3. A hipossuficiência econômica é analisada no contexto familiar, nos termos do artigo 20, §1º, da Lei Federal nº 8.742/93. O dever de assistência do Estado, no entanto, é subsidiário, e não afasta a obrigação de amparo mútuo familiar.
4. A referência quantitativa do § 3º, do artigo 20, da LOAS, pode ser considerada como um dos critérios para a aferição de miserabilidade, sem a exclusão de outros. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no regime de julgamentos repetitivos REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009.
5. Não deve ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício no valor de um salário mínimo recebido por deficiente (artigo 34, parágrafo único, da Lei Federal nº. 10.741/03) ou idoso, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamentos repetitivos: REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015. A exclusão do rendimento de deficiente ou idoso, no entanto, não importa na automática concessão do benefício, devendo ser considerados os demais aspectos socioeconômicos e familiar do requerente.
6. No caso concreto, os requisitos foram preenchidos. O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do ajuizamento da ação.
7. Inverto o ônus sucumbencial. Condeno a autarquia ao ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autora e fixo honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor das parcelas devidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do STJ.
8. Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947, até a edição da EC nº. 113/2021, a partir de quando será aplicada exclusivamente a taxa Selic.
9. Apelação da parte autora parcialmente provida.