Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007799-60.2004.4.03.6103

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: MARCIA MARIA VAZ MOTTA

Advogado do(a) APELANTE: MAURO CESAR PEREIRA MAIA - SP133602-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A

Advogados do(a) APELADO: ALDIR PAULO CASTRO DIAS - SP138597-A, ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, FLAVIA ELISABETE DE OLIVEIRA FIDALGO SOUZA - SP80404-B, ITALO SERGIO PINTO - SP184538-A, JORGE DONIZETI SANCHEZ - SP73055-A, MARCELO EDUARDO VALENTINI CARNEIRO - SP112088-A, MARCELO SOTOPIETRA - SP149079-A, RENATO TUFI SALIM - SP22292-A, ZENILDA GONZAGA DE OLIVEIRA - SP285504-A
Advogados do(a) APELADO: ALDIR PAULO CASTRO DIAS - SP138597-A, ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, BRUNA TALITA DE SOUZA BASSAN - SP281753-A, BRUNO FONSECA DE OLIVEIRA - SP396665-A, FLAVIA ELISABETE DE OLIVEIRA FIDALGO SOUZA - SP80404-B, ITALO SERGIO PINTO - SP184538-A, MARCELO EDUARDO VALENTINI CARNEIRO - SP112088-A, RENATO TUFI SALIM - SP22292-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007799-60.2004.4.03.6103

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: MARCIA MARIA VAZ MOTTA

Advogado do(a) APELANTE: MAURO CESAR PEREIRA MAIA - SP133602-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A

Advogados do(a) APELADO: ALDIR PAULO CASTRO DIAS - SP138597-A, ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, FLAVIA ELISABETE DE OLIVEIRA FIDALGO SOUZA - SP80404-B, ITALO SERGIO PINTO - SP184538-A, JORGE DONIZETI SANCHEZ - SP73055-A, MARCELO EDUARDO VALENTINI CARNEIRO - SP112088-A, MARCELO SOTOPIETRA - SP149079-A, RENATO TUFI SALIM - SP22292-A, ZENILDA GONZAGA DE OLIVEIRA - SP285504-A
Advogados do(a) APELADO: ALDIR PAULO CASTRO DIAS - SP138597-A, ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, BRUNA TALITA DE SOUZA BASSAN - SP281753-A, BRUNO FONSECA DE OLIVEIRA - SP396665-A, FLAVIA ELISABETE DE OLIVEIRA FIDALGO SOUZA - SP80404-B, ITALO SERGIO PINTO - SP184538-A, MARCELO EDUARDO VALENTINI CARNEIRO - SP112088-A, RENATO TUFI SALIM - SP22292-A

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R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso de apelação interposto pela Caixa Econômica Federal em face da sentença proferida na presente ação de indenização securitária, que julgou parcialmente procedente o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, para condenar a CEF ao pagamento da importância de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com correção monetária desde o desembolso e juros de mora desde a citação, segundo o Manual de Orientação de Procedimentos parta os Cálculos na Justiça Federal (Resolução nº 267/2013 do CJF).

Condenação das corrés ao pagamento das custas processuais, bem como honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), a serem divididos, corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento. (Num. 131982139 - Pág. 18/24).

A CEF insurge-se contra a sentença, alegando preliminarmente sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da lide, por ter se limitado a disponibilizar o financiamento aos mutuários autores. No mérito sustenta ser improcedente a ação, por não ter participado da relação de compra e venda, se limitando a conceder ao autor o numerário a fim de possibilitar a aquisição do imóvel. Assim, diante da ausência de prova dos fatos aduzidos pela requerente e, em face da inocorrência de qualquer conduta ilícita ou irregular por parte do banco réu, sustenta não subsistir a declaração de rescisão contratual a ser prestada pelo Juízo. Por fim, em atenção ao princípio da pacta sunt servanda, sustenta ser incabível a determinação de devolução dos valores pagos pela parte autora. (Num. 131982139 - Pág. 58/74).

Com contrarrazões da autora (Num. 131982141 - Pág. 22/38), os autos subiram a esta Eg. Corte e vieram-me conclusos.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


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1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007799-60.2004.4.03.6103

RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: MARCIA MARIA VAZ MOTTA

Advogado do(a) APELANTE: MAURO CESAR PEREIRA MAIA - SP133602-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, CAIXA SEGURADORA S/A

Advogados do(a) APELADO: ALDIR PAULO CASTRO DIAS - SP138597-A, ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, FLAVIA ELISABETE DE OLIVEIRA FIDALGO SOUZA - SP80404-B, ITALO SERGIO PINTO - SP184538-A, JORGE DONIZETI SANCHEZ - SP73055-A, MARCELO EDUARDO VALENTINI CARNEIRO - SP112088-A, MARCELO SOTOPIETRA - SP149079-A, RENATO TUFI SALIM - SP22292-A, ZENILDA GONZAGA DE OLIVEIRA - SP285504-A
Advogados do(a) APELADO: ALDIR PAULO CASTRO DIAS - SP138597-A, ANDRE LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA - SP344647-S, BRUNA TALITA DE SOUZA BASSAN - SP281753-A, BRUNO FONSECA DE OLIVEIRA - SP396665-A, FLAVIA ELISABETE DE OLIVEIRA FIDALGO SOUZA - SP80404-B, ITALO SERGIO PINTO - SP184538-A, MARCELO EDUARDO VALENTINI CARNEIRO - SP112088-A, RENATO TUFI SALIM - SP22292-A

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V O T O

 

 

A matéria devolvida a este Tribunal diz respeito com a responsabilidade das requeridas pelo sinistro constatado no imóvel da autora, decorrentes de vícios de construção, que dificultam seu uso e habitabilidade. 

Diversas são as questões que se colocam no presente recurso de apelação, com o que passo a analisar cada uma das alegações da Apelante de forma tópica e individualizada.

1. Da legitimidade passiva da CEF

Em relação ao tema debatido a jurisprudência do STJ firmou orientação assim sintetizada: (a) Nas hipóteses em que a CAIXA atua na condição de agente financeiro em sentido estrito, isto é, não financia a construção do imóvel e nem participa dessa fase do empreendimento, não ostenta legitimidade para responder pelos vícios de construção na obra financiada, tendo em vista que a sua responsabilidade contratual diz respeito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato; (b) em se tratando de créditos imobiliários cedidos à CAIXA, essa empresa pública também não pode ser responsabilizada por eventuais vícios de construção nos imóveis, seja porque não financiou sua construção, seja porque não financiou originariamente a aquisição das unidades habitacionais.

Neste sentido, recente julgado do C. STJ:

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. AFRONTA AO ART. 535 DO CPC/73. VÍCIO NÃO INDICADO. SÚMULA Nº 284/STF. TESES REFERENTES À MULTA CONTRATUAL E JUROS, COMISSÃO DE CORRETAGEM, RESSARCIMENTO DOS ALUGUEIS E DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nº 211/STJ E Nº 282/STF. PROGRAMA HABITACIONAL MINHA CASA MINHA VIDA. CEF. NATUREZA DAS ATIVIDADES. AGENTE FINANCEIRO. SEM LEGITIMIDADE PASSIVA. SÚMULA Nº 83/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A alegação de afronta ao art. 535 do CPC/73 sem indicar em que consistiria o vício, consubstancia deficiência bastante a inviabilizar a abertura da instância especial, atraindo a incidência da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. A ausência de prequestionamento, mesmo implícito, impede a análise da matéria na via especial. Súmulas nº 211/STJ e nº 282/STF. 3. A Caixa Econômica Federal somente possui legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro. Súmula nº 83/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (negritei)
(STJ, Quarta Turma, AgInt no REsp 1646130/PE, Relator Desembargador Federal Luis Felipe Salomão, DJe 04/09/2018).

No mesmo sentido, julgado desta E. Corte Regional: 

“APELAÇÃO – PROCESSUAL CIVIL – PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – LEI Nº 11.977/2009 – FUNDO GARANTIDOR DA HABITAÇÃO POPULAR – VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO – NÃO COBERTURA – RECURSO DESPROVIDO. (...) IV – Conforme se depreende da análise do presente contrato por instrumento particular de compra e venda de unidade isolada e mútuo com obrigações e alienação fiduciária – Programa Minha Casa, Minha Vida foi expressamente excluída a cobertura de despesas por danos oriundos de vícios construção (cláusula 21ª, parágrafo oitavo, VI), em conformidade com o supracitado diploma legal e o Estatuto do FGHab. V – Além disso, não obstante o contrato ter sido firmado sob a égide do PMCMV, não se verifica no presente caso a participação da CEF enquanto executora/promotora/fiscalizadora do empreendimento, portanto, atuando meramente como agente financeiro, não há que se falar em responsabilidade por eventual vício. Precedentes do C. STJ e desta E. Corte. VI – Apelação desprovida.” (negritei)
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, Ap 2246395/SP, Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães, e-DJF3 14/12/2017).

Nos termos dos precedentes ora colacionados, tem-se que a legitimidade da CEF só é admitida quando também tenha atuado na elaboração do projeto, na execução ou na fiscalização das obras do empreendimento, o que não se verificou no presente caso.

Ressalte-se que, nessas hipóteses, em que atua estritamente como agente financeiro, a perícia designada pela CEF, não tem por objetivo atestar a solidez ou a regularidade da obra, mas sim resguardar o interesse da instituição financeira, uma vez que o imóvel financiado lhe foi dado em garantia (alienação fiduciária).

No entanto, na hipótese, verifica-se que a autora buscou perante a instituição financeira Ré o procedimento necessário para acionar o seguro habitacional firmado com a Caixa Seguradora S/A.

A documentação trazida aos autos demonstra que a CEF atuou justamente como intermediadora, procedendo à tramitação necessária para registro do sinistro e fazendo as necessárias notificações à autora. (Num. 131982020 - Pág. 82/97)

A CEF é, portanto,  parte legítima para figurar no polo passivo, seja na qualidade de entidade responsável pela cobrança e atualização dos prêmios do seguro habitacional, bem como seu repasse à seguradora, com quem mantém vínculo obrigacional, como, também, pelo papel desempenhado de líder do grupo econômico a que pertence à "Caixa Seguradora S/A", a qual se utiliza de suas instalações, logomarca, prestígio e empregados, induzindo o consumidor a fazer crer que, de fato, está contratando com a instituição financeira, à luz do quanto dispõe a teoria da aparência.

Nesse sentido:

SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. AÇÃO PLEITEANDO A LIBERAÇÃO, DO MUTUÁRIO, DO PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES DECORRENTES DA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM FUNÇÃO DE SUA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PERMANENTE. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ENTRE A CEF A COMPANHIA SEGURADORA.

- A Caixa Econômica Federal, operadora dos contratos do SFH, é a entidade responsável pela cobrança e atualização dos prêmios do seguro habitacional, bem como seu repasse à seguradora, com quem mantém vínculo obrigacional. Assim, tratando-se de questão que envolve a utilização da cobertura securitária para fim de quitação do mútuo, a CEF, na qualidade de parte na relação contratual e mandatária do mutuário, detém legitimidade 'ad causam' para responder sobre todas as questões pertinentes ao contrato, inclusive as relativas ao seguro.

- Não há litisconsórcio necessário entre a CEF e a companhia seguradora. Os mutuários, em regra, não celebram contrato com a companhia seguradora. Quem o faz é o agente financeiro, para garantia do mútuo. Assim, é o agente financeiro quem deve responder perante o mutuário.

Recurso especial não conhecido.

(STJ, REsp 590.215/SC, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2008, DJe 03/02/2009)

 

AGRAVO LEGAL - CONTRATO DE FINANCIAMENTO/EMPRÉSTIMO E DE CRÉDITO DIRETO CAIXA. CELEBRAÇÃO, NA MESMA OCASIÃO, DOS CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO E DE SEGUROS DE VIDA EM GRUPO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF PARA RESPONDER ACERCA DAS QUESTÕES ATINENTES AO CONTRATO DE SEGURO. "VENDA CASADA" CARACTERIZADA. ANULAÇÃO DOS REFERIDOS INSTRUMENTOS CONTRATUAIS. I - A CEF é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação no que se refere ao pedido de anulação dos contratos de abertura de crédito e de seguros de vida em grupo firmados sob a suposta prática de venda casada, vez que é líder do grupo econômico a que pertence à "Caixa Seguradora S/A", a qual se utiliza de suas instalações, logomarca, prestígio e empregados, induzindo o consumidor a fazer crer que, de fato, está contratando com a instituição financeira (Teoria da Aparência). II - A "venda casada" é caracterizada quando um consumidor, ao adquirir um produto, leva conjuntamente outro seja da mesma espécie ou não. Tal instituto pode ser visualizado quando o fornecer de produtos ou serviços condiciona que o consumidor só pode adquirir o primeiro se adquirir o segundo. III - No caso dos autos, as partes firmaram contrato de empréstimo/financiamento em 26/10/ 2001, ocasião na qual houve a celebração também de um contrato de seguro de vida em grupo em nome da autora, figurando a mesma como segurada. O mesmo se deu em 16/04/2004, tendo as partes firmado contrato de Crédito Direto Caixa e, simultaneamente, contrato de Seguro de Vida em Grupo, agora em nome do cônjuge da autora. IV - Tais celebrações ocorreram debaixo das instalações da CEF, nas mesmas datas, sob o crivo de funcionários do banco, constando as mesmas pessoas como testemunhas em ambas as operações. V - Destoa da razoabilidade o fato da autora, necessitando de empréstimo bancário, ter contratado exatamente na mesma ocasião, de modo voluntário, seguro de vida em grupo. VI - "Venda casada" caracterizada, a qual é vedada pelo ordenamento jurídico, nos moldes do artigo 39, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, o que enseja a nulidade de tais operações (contrato de abertura de crédito e seguros de vida em grupo). VII - Agravo lega improvido. (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1366980 - 0000345-15.2003.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em 26/04/ 2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/05/2011 PÁGINA: 359)

Rechaço, portanto, a alegação de ilegitimidade passiva suscitada pela CEF em suas razões de apelação.

2. Da Cobertura Securitária

Cumpre esclarecer, inicialmente, que a sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar a Apelante ao pagamento de indenização, correspondente à restituição dos valor recebido e despesas do contrato com base no artigo 443, do Código Civil, em razão da constatação de vício oculto.

Não há que se falar, portanto, em rescisão do contrato unilateralmente pela Autora, conforme faz crer a CEF em suas razões de apelação, na medida em que os pedidos autorais se limitaram ao recebimento de indenização relativamente à cobertura securitária do sinistro decorrente da constatação de vícios construtivos no imóvel.

O tema enfrentado nos autos versa sobre contrato de seguro adjeto ao contrato de mútuo, firmado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, entre a estipulante (Seguradora) e o agente financeiro financiador (Caixa Econômica Federal), não contando com a participação direta do Mutuário (beneficiário), a não ser pelo pagamento das parcelas do seguro.

Não se trata, destarte, de um típico contrato de seguro em que segurador e segurado firmam voluntariamente o contrato; no seguro habitacional a autonomia de vontade das partes, sobretudo do mutuário, é significativamente reduzida, de modo que a celebração do contrato se dá de forma compulsória, atrelada ao contrato de mútuo, sendo suas cláusulas previamente estabelecidas por normas da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, tudo com o objetivo de atender às exigências próprias do Sistema Financeiro da Habitação.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que “em se tratando de seguro habitacional, de remarcada função social, há de se interpretar a apólice securitária em benefício do consumidor/mutuário e da mais ampla preservação do imóvel que garante o financiamento”, concluindo pela “impossibilidade de exclusão do conceito de danos físicos e de ameaça de desmoronamento, cujos riscos são cobertos, de causas relacionadas, também, a vícios construtivos” (EDcl no AgRg no REsp 1.540.894/SP, julgado em 24/05/2016, DJe de 02/06/2016 – grifou-se).

Nesse sentido, ainda, o posicionamento exarado nos recentes precedentes da Eg. Terceira Turma:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO (VÍCIOS OCULTOS). AMEAÇA DE DESMORONAMENTO. CONHECIMENTO APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO. BOA-FÉ OBJETIVA PÓS-CONTRATUAL. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Ação de indenização securitária proposta em 21/07/2009, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 06/07/2016 e concluso ao gabinete em 06/02/2017. 2. O propósito recursal consiste em decidir se a quitação do contrato de mútuo para aquisição de imóvel extingue a obrigação da seguradora de indenizar os adquirentes-segurados por vícios de construção (vícios ocultos) que implicam ameaça de desmoronamento. 3. A par da regra geral do art. 422 do CC/02, o art. 765 do mesmo diploma legal prevê, especificamente, que o contrato de seguro, tanto na conclusão como na execução, está fundado na boa-fé dos contratantes, no comportamento de lealdade e confiança recíprocos, sendo qualificado pela doutrina como um verdadeiro "contrato de boa-fé". 4. De um lado, a boa-fé objetiva impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, dentre outros, de dar informações claras e objetivas sobre o contrato para que o segurado compreenda, com exatidão, o alcance da garantia contratada; de outro, obriga-o, na fase de execução e também na pós-contratual, a evitar subterfúgios para tentar se eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente cobertos pela garantia. 5. O seguro habitacional tem conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitara aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população. Trata-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família, em caso de morte ou invalidez do segurado, e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema. 6. À luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, conclui-se que os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a extinção do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua conclusão (vício oculto). 7. Constatada a existência de vícios estruturais acobertados pelo seguro habitacional e coexistentes à vigência do contrato, hão de ser os recorrentes devidamente indenizados pelos prejuízos sofridos, nos moldes estabelecidos na apólice. 8. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1717112/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 11/10/2018)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. SEGURO HABITACIONAL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO CONSOANTE A SUA FUNÇÃO SOCIAL, A BOA-FÉ OBJETIVA, E A NATUREZA ADESIVA. A CLÁUSULA DAS CONDIÇÕES PARTICULARES DO SEGURO QUE AFASTA A COBERTURA DOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS AFRONTA O QUANTO DISPOSTO NO ART. 51, VI E § 2º, DO CDC. 1. Caso concreto em que a alegação de incompetência da Justiça Estadual em face do interesse da CEF já fora objeto de anterior recurso especial entre as mesmas partes, no curso do mesmo processo, tendo sido rechaçada a competência da Justiça Federal em decisão transitada em julgado em 08/10/2018 (REsp 1.673.848-SP). 2. Discussão acerca da abusividade de cláusula constante nas condições particulares do seguro habitacional inserto no âmbito do SFH segundo a qual vícios de construção ou defeitos físicos oriundos de causas internas estejam afastados da cobertura securitária. 3. O seguro é erigido dentro do Sistema Financeiro Habitacional como garantia ao segurado e, do mesmo modo, ao financiador, de modo que possa desempenhar a sua mais clara função: garantir que o segurado seja ressarcido pelos riscos invalidez/morte, danos físicos ao imóvel financiado, e responsabilidade do construtor e que o credor financiante não seja surpreendido com a ruína do imóvel que garante o financiamento. 4. Abusividade da cláusula das condições particulares do seguro habitacional que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato. 5. Incompatibilidade com os fins sociais do seguro obrigatório habitacional, voltado a coadjuvar um sistema pensado na aquisição da casa própria para a população, notadamente de baixa renda, que os principais vícios que acometam o bem objeto de garantia do financiamento não estejam por ele cobertos. 6. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp 1702126/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2019, DJe 25/06/2019)

Ainda nessa linha, importante a ressalva do Exmo.  Relator aceca da finalidade da contratação de seguro obrigatório:

“Reafirmo, não é inteligível para os fins de um contrato de seguro obrigatório voltado a coadjuvar um sistema pensado na aquisição da casa própria para a população, notadamente de baixa renda, que os principais vícios que acometam o bem objeto de garantia do financiamento adquirido não estejam por ele cobertos, especialmente quando, dentro de suas próprias normas e rotinas, preveja-se que a seguradora deverá levar a frente a sanação dos vícios construtivos, intermediando, aliás, o contato com o construtor, responsável principal pelas falhas verificadas no imóvel.

O que se tem visto é imóveis mal construídos, com materiais inapropriados, com técnicas indevidas, em locais que a tanto não se prestam, e tudo isto financiado pelo Poder Público e publicizado ao mercado consumidor supervulnerável, que é o das companhias de habitação popular, como um benefício para as famílias que ali se aventurem em habitar, crentes de que os seus mais básicos interesses (morar em um ambiente sadio e seguro) terão sido observados, ou, senão, que há um contrato de seguro obrigatório a preservar-lhes dos riscos em questão.”.

Não restam dúvidas, nesse sentido que a jurisprudência da Corte Superior tem evoluído no sentido de adotar um vetor interpretativo favorável ao mutuário, justamente por se tratar de seguro habitacional, visando à preservação do direito constitucional à moradia.

No caso dos autos, realizada a perícia técnica demonstrou a existência de vícios ocultos de construção, apontando que “os problemas estruturais fizeram que as fissuras de desenvolvessem, com aparecimento de trincas e posteriormente rachaduras que são provocadas pela sobrecarga de peso ou de movimentação de materiais de diferentes granometrias causando a retratação dos materiais com a existência de ameaça de desmoronamento total do imóvel (itens 3 e 4 de fl. 488), inclusive iminente (item 2 à fl. 791)”. (Num. 131982139 - Pág. 23).

Resta saber se o fato de os danos ao imóvel terem se originado de vícios de construção afasta ou não a cobertura securitária no caso dos autos. E, neste ponto, tenho que a resposta é negativa. Isto porque a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que os vícios de construção estão abrangidos na cobertura do seguro contratado, in verbis:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE SEGURADORA E AGENTE FINANCEIRO PELOS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO.

1.- O entendimento predominante na jurisprudência desta Corte é no sentido de que o agente financeiro, nos contratos de mútuo submetidos ao Sistema Financeiro da Habitação, responde solidariamente com a empresa seguradora pelos vícios de construção do imóvel.

2.- A ação proposta com o objetivo de cobrar indenização do seguro adjeto ao mútuo hipotecário, em princípio, diz respeito ao mutuário e a seguradora, unicamente. Todavia, se essa pretensão estiver fundada em vício de construção, ter-se-á hipótese de responsabilidade solidária do agente financeiro. Precedentes.

3.- A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp nº 1.091.363/SC e REsp nº 1.091.393/SC, representativos de causas repetitivas, entendeu que, nos feitos nos quais se discute a cobertura securitária dos seguros adjetos aos contratos de financiamento contraídos pelo Sistema Financeiro da Habitação, não há interesse da Caixa Econômica Federal ou da União a justificar a formação de litisconsórcio passivo com esses entes. Na ocasião ressalvou-se, porém, expressamente, a jurisprudência da Corte relativa à existência de responsabilidade solidária entre a seguradora e o agente financeiro pela solidez do imóvel. E esse vem a ser, precisamente o fundamento da decisão agravada.

4.- Agravo Regimental improvido".

(STJ, AgRg no Ag 1061396/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 29/06/2009).

Mostra-se inafastável, portanto, a conclusão de o sinistro verificado no imóvel do autor está abrangida pela cobertura do contrato de seguro adjeto ao de mútuo, uma vez comprovado o nexo de causalidade entre os danos experimentado pelo imóvel objeto de estudo e os protocolos padrões de construção, a disparar o dever de indenizar.

Destarte, a despeito de ser subsidiária a responsabilidade da Caixa Econômica Federal, tem-se que a condenação deverá ser suportada integralmente pela Caixa Seguradora S/A, na qualidade de garante do sinistro, cuja cobertura foi reconhecida nestes autos, que já se encontra devidamente constituída no polo passivo da lide, com respaldo, inclusive, no princípio da celeridade e da economia processual.

Dispositivo

Ante ao exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso de apelação, tão somente para fazer constar que a condenação deverá ser suportada integralmente pela Caixa Seguradora S/A, nos termos da fundamentação supra.

Mantida a sentença no demais, inclusive no que diz respeito à condenação solidária das requeridas às verbas de sucumbência, na medida em que a CEF restou igualmente vencida na demanda, tendo sido afastada a preliminar de ilegitimidade passivada e as demais teses arguidas em defesa, tal como a ausência de cobertura securitária.

É como voto. 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO. SFH. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA POR VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. LEGITIMIDADE DA CEF E DA SEGURADORA PRIVADA. TEORIA DA APARÊNCIA. COBERTURA SECURITÁRIA DOS DANOS DECORRENTES DA CONSTRUÇÃO ORIGINÁRIA. INTERPRETAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO CONSOANTE A SUA FUNÇÃO SOCIAL, A BOA-FÉ OBJETIVA, E A NATUREZA ADESIVA. RESPONSABILIDADE QUE DEVE SER SUPORTADA PELA SEGURADORA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 

1.A presente ação foi ajuizada com o escopo de condenar as requeridas ao pagamento de indenização securitária por supostos danos ao imóvel de propriedade da autora vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, decorrentes de vícios de construção.

2. A jurisprudência do STJ firmou orientação assim sintetizada: (a) Nas hipóteses em que a CAIXA atua na condição de agente financeiro em sentido estrito, isto é, não financia a construção do imóvel e nem participa dessa fase do empreendimento, não ostenta legitimidade para responder pelos vícios de construção na obra financiada, tendo em vista que a sua responsabilidade contratual diz respeito apenas ao cumprimento do contrato de financiamento, ou seja, à liberação do empréstimo, nas épocas acordadas, e à cobrança dos encargos estipulados no contrato; (b) em se tratando de créditos imobiliários cedidos à CAIXA, essa empresa pública também não pode ser responsabilizada por eventuais vícios de construção nos imóveis, seja porque não financiou sua construção, seja porque não financiou originariamente a aquisição das unidades habitacionais.

3. A legitimidade da CEF só é admitida, portanto, quando também tenha atuado na elaboração do projeto, na execução ou na fiscalização das obras do empreendimento, o que não se verificou no presente caso.

4. No entanto, na hipótese, verifica-se que a CEF atuou justamente como intermediadora, procedendo à tramitação necessária para registro do sinistro e fazendo as necessárias notificações à autora.

5. Resta configurada a legitimidade passiva da CEF, seja na qualidade de entidade responsável pela cobrança e atualização dos prêmios do seguro habitacional, bem como seu repasse à seguradora, com quem mantém vínculo obrigacional, como, também, pelo papel desempenhado de líder do grupo econômico a que pertence à "Caixa Seguradora S/A", a qual se utiliza de suas instalações, logomarca, prestígio e empregados, induzindo o consumidor a fazer crer que, de fato, está contratando com a instituição financeira, à luz do quanto dispõe a teoria da aparência.

6. Precedentes.

7.O tema enfrentado nos autos versa sobre contrato de seguro adjeto ao contrato de mútuo, firmado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, entre a estipulante (Seguradora) e o agente financeiro financiador (Caixa Econômica Federal), não contando com a participação direta do Mutuário (beneficiário), a não ser pelo pagamento das parcelas do seguro.

8. Não se trata, destarte, de um típico contrato de seguro em que segurador e segurado firmam voluntariamente o contrato; no seguro habitacional a autonomia de vontade das partes, sobretudo do mutuário, é significativamente reduzida, de modo que a celebração do contrato se dá de forma compulsória, atrelada ao contrato de mútuo, sendo suas cláusulas previamente estabelecidas por normas da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, tudo com o objetivo de atender às exigências próprias do Sistema Financeiro da Habitação.

9. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que “em se tratando de seguro habitacional, de remarcada função social, há de se interpretar a apólice securitária em benefício do consumidor/mutuário e da mais ampla preservação do imóvel que garante o financiamento”, concluindo pela “impossibilidade de exclusão do conceito de danos físicos e de ameaça de desmoronamento, cujos riscos são cobertos, de causas relacionadas, também, a vícios construtivos” (EDcl no AgRg no REsp 1.540.894/SP, julgado em 24/05/2016, DJe de 02/06/2016 – grifou-se).

10. O laudo pericial colacionado nos autos, mediante a realização de vistoria, verificou que os danos no imóvel são decorrentes de vícios ocultos de construção.

11. O fato de os danos ao imóvel terem se originado de vícios de construção não afasta a cobertura securitária no caso dos autos, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de adotar um vetor interpretativo favorável ao mutuário, justamente por se tratar de seguro habitacional, visando à preservação do direito constitucional à moradia.

12. A despeito de ser subsidiária a responsabilidade da Caixa Econômica Federal, tem-se que a condenação deverá ser suportada integralmente pela Caixa Seguradora S/A, na qualidade de garante do sinistro, cuja cobertura foi reconhecida nestes autos, que já se encontra devidamente constituída no polo passivo da lide, com respaldo, inclusive, no princípio da celeridade e da economia processual.

13. Recurso de apelação a que se dá parcial provimento, tão somente para fazer constar que a condenação deverá ser suportada integralmente pela Caixa Seguradora S/A. Mantida a sentença no demais.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de apelação, tão somente para fazer constar que a condenação deverá ser suportada integralmente pela Caixa Seguradora S/A, mantida a sentença no demais, inclusive no que diz respeito à condenação solidária das requeridas às verbas de sucumbência, na medida em que a CEF restou igualmente vencida na demanda, tendo sido afastada a preliminar de ilegitimidade passivada e as demais teses arguidas em defesa, tal como a ausência de cobertura securitária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.